15 2. Contextualização dos Recursos Hídricos Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará 2 3 Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará © Banco Mundial / Ministério da Integração Nacional - Brasília, 2004 As opiniões, interpretações e conclusões aqui apresentadas são dos autores e não devem ser atribuídas, de modo algum, ao Banco Mundial, às suas instituições afiliadas, ao seu conselho diretor, aos países por ele representados, ou ao Ministério da Integração Nacional. O Banco Mundial e o Ministério da Integração Nacional não garantem a precisão da informação incluída nesta publicação e não aceitam responsabilidade alguma por qualquer conseqüência do seu uso. Esta dissertação foi apresentada à Coordenação do Curso de Mestrado em Recursos Hídricos da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre do autor. É permitida a reprodução total ou parcial do texto deste documento, desde que seja feita de acordo com as normas da ética científica e citada a fonte. Banco Mundial e Ministério da Integração Nacional Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará – 1a edição – Brasília – 2004 84p. ISBN: 85-88192-12-8 I - Autor: Teixeira, Francisco José Coelho. Coordenação da Série Água Brasil Luiz Gabriel T. Azevedo Abel Mejia Projeto Gráfico e Impressão Estação Gráfica ltda. www.estagraf.com.br Criação de Identidade Visual TDA Desenho & Arte Foto da capa SOHIDRA/SRH/CE Banco Mundial Ministério da Integração Nacional SCN Quadra 2 Lote A Esplanada dos Ministérios, bloco E Ed. Corporate Financial Center, cj. 303/304 9º andar sala 900 70712-900 - Brasília - DF 70062-900 - Brasília - DF Fone: (61) 329 1000 Fone: (61) 414 5800 www.bancomundial.org.br www.integracao.gov.br Comentários e sugestões, favor enviar para: lazevedo@worldbank.org e/ou teixeira@srh.ce.gov.br iv Agradecimentos O autor gostaria de agradecer especialmente ao professor José Nilson Campos - PhD pela sua orientação na elaboração do estudo, sugestões, conhecimentos transmitidos e por sua dedicação à pesquisa no campo dos recursos hídricos. O autor agradece também ao professor Vicente Vieira e ao Dr. Gabriel Azevedo pelas suas contribuições no sentido do enriquecimento do conteúdo deste documento e a todos os professores que compõem o Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFCE. Agradecimentos também ao ex-Secretário de Recursos Hídricos do Estado do Ceará e atual Secretario Nacional de Infra-estrutura Hídrica, Dr. Hypérides Pereira de Macedo, por ter viabilizado este estudo e por haver transmitido sua imensa experiência e sabedoria no campo dos recursos hídricos. O autor agradece também ao atual Secretário de Recursos Hídricos do Estado do Ceará, Dr. Edinardo Rodrigues, pela compreensão e apoio no sentido de oferecer as condições para elaboração deste trabalho. Especialmente, o autor dedica agradecimentos aos colegas e amigos da Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Ceará - SRH que apoiaram, de alguma maneira, este trabalho, em especial Martins, Vânia, Inês e Alexandre, e também aos amigos e colegas de trabalho, Domício e Albeniza, pela valiosa ajuda na elaboração eletrônica e na apresentação deste ensaio. O autor agradece, ainda, aos seus amigos e colegas da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos – COGERH, pela riqueza da experiência na construção de um organismo de vanguarda para o gerenciamento das águas do Estado do Ceará, permitindo o aperfeiçoamento dos conhecimentos aplicados neste estudo. Da mesma forma, o autor agradece aos amigos e colegas da Superintendência de Obras Hidráulicas – SOHIDRA, pela experiência que tivemos na tarefa de ampliação da infra- estrutura hídrica do Estado do Ceará, fornecendo subsídios para este trabalho. Por fim, o autor agradece-se à equipe de recursos hídricos do Banco Mundial e à equipe do Proágua/ Semi-árido do Ministério da Integração Nacional pelo empenho em produzir esta inédita versão em parceria da Série Água Brasil. Sem dúvidas, a Série Água Brasil vem contribuindo imensamente para a disseminação do conhecimento na área de recursos hídricos no Brasil. v Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará Banco Mundial Vice-presidente, Região da América Latina e Caribe David de Ferranti Diretor para o Brasil Vinod Thomas Diretor, Desenvolvimento Ambiental e Socialmente Sustentável John Redwood Diretor, Finanças, Desenvolvimento do Setor Privado e Infraestrutura Danny Leipziger Coordenadores Setoriais Luiz Gabriel T. Azevedo e Abel Mejia Equipe de Recursos Hídricos e Saneamento Abel Mejia, Álvaro Soler, Carlos Vélez, Franz Drees, Juliana Garrido, Karin Kemper, Lilian Pena, Luiz Gabriel Azevedo, Manuel Rêgo, Maria Angelica Sotomayor, Martin Gambrill, Michael Carroll, Musa Asad, Paula Freitas, Paula Pini. Ministério da Integração Nacional GOVERNO FEDERAL Ministro da Integração Nacional Ciro Ferreira Gomes Secretário de Infra estrutura hídrica Hypérides Pereira de Macêdo Diretor do Departamento de Desenvolvimento Hidroagrícola - DDH Ramón Flávio Gomes Rodrigues Coordenador do Proágua Semi-árido, Unidade de Obras Hídricas Rogério de Abreu Menescal Equipe Técnica Alexandre Camarano, Carlos de Araújo França Neto, Cybele Volpato da Cunha, Daniel Vilani, Flávio de Souza Falcão, Hênio de Azevedo Galdino, José Luiz Miranda de Almeida e Lígia Maria Coelho Ferreira. vi Apresentação Série Água Brasil O Brasil concentra uma das maiores reservas de água doce do mundo que, aliada à sua biodiversidade e à beleza dos seus rios e lagos, representa um importante patrimônio natural do País. Todavia, os problemas relacionados à distribuição espacial e temporal da água têm representado enormes desafios para milhares de brasileiros. Neste contexto, o Banco Mundial se insere como um agente de desenvolvimento, disponibilizando assistência técnica, experiências internacionais e apoio financeiro para a elaboração e a implementação de programas sociais de impacto, visando a melhoria das condições de vida daqueles que são mais afetados por esses problemas. Durante a última década, problemas de escassez e poluição da água têm exigido dos governos e da sociedade em geral uma maior atenção para o assunto. Expressivos avanços foram alcançados ao longo dos últimos 40 anos, quando o Brasil ampliou seus sistemas de abastecimento de água para servir uma população adicional de 100 milhões de habitantes, enquanto mais de 50 milhões de brasileiros passaram a ter acesso a serviços de esgotamento sanitário. Nos últimos sete anos, houve uma ampliação de cerca de 34% nas áreas irrigadas, com conseqüentes benefícios na produção de alimentos, geração de empregos e renda. O desenvolvimento hidroelétrico permitiu uma evolução do acesso à energia elétrica de 500 KWh para mais de 2.000 KWh per capita, em 30 anos. Entretanto, ainda existem imensos desafios a enfrentar em um País onde o acesso à água ainda é muito desigual, impondo enormes restrições à população mais pobre. Apenas na região Nordeste do País, mais de um terço da população não tem acesso confiável ao abastecimento de água potável. A poluição de rios e outros mananciais em regiões metropolitanas continua se alastrando. O País tem enfrentado terríveis perdas com enchentes, sobretudo em áreas urbanas de risco, que são densamente povoadas por famílias de baixa renda e onde, normalmente, os serviços de saneamento básico são precários ou inexistentes. vii Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará Há uma necessidade premente de dar continuidade ao processo, já iniciado, de desenvolvimento e melhor gerenciamento dos recursos hídricos para atender demandas sociais e econômicas. Nesse sentido, é essencial estender o abastecimento de água e o esgotamento sanitário para quem não tem acesso confiável e de qualidade a estes serviços. O Banco Mundial, atuando nos setores de recursos hídricos e saneamento, tem apoiado o Brasil no esforço de elevar o nível de atenção para os temas ligados a “agenda d’água”, de modo a torná-la parte efetiva de um processo integrado de construção de um País mais justo, competitivo e sustentável. A Série Água Brasil é fruto do trabalho conjunto do Banco Mundial e seus parceiros nacionais, realizado ao longo dos últimos anos. Nela, são levantadas e discutidas questões centrais para a solução de alguns dos principais problemas da agenda d’água no Brasil. Desde o lançamento do seu primeiro volume, em 2003, a Série Água Brasil vem abordando questões relevantes, promovendo reflexões, propondo alternativas para a busca de soluções para os grandes desafios que se apresentam. É com prazer que constatamos que a Série Água Brasil se transformou em um veículo de profícuo e contínuo debate, contribuindo para consecução dos objetivos comuns de redução da pobreza, inclusão social, preservação do patrimônio natural e crescimento econômico sustentável. Vinod Thomas Diretor para o Brasil e Vice-Presidente do Banco Mundial Apresentação viii Sumário 1. Introdução .................................................................................................................... 3 1.1. Caracterização do Problema ............................................................................... 5 1.2. Objetivos ........................................................................................................... 6 1.3. Estrutura do Trabalho ........................................................................................ 6 2. Contextualização dos Recursos Hídricos no Estado do Ceará .................................... 9 2.1. Caracterização Hidrológica ................................................................................. 10 2.2. A Gestão dos Recursos Hídricos ......................................................................... 13 2.2.1 Os Instrumentos da Gestão ................................................................ 13 2.2.2 O Apoio à Organização dos Usuários de Água .................................... 14 2.2.3 Os Planos de Recursos Hídricos ........................................................ 16 2.2.4 O Monitoramento dos Sistemas Hídricos ........................................... 17 2.2.5 A Operação dos Sistemas Hídricos..................................................... 17 2.2.6 A Manutenção da Infra-estrutura Hídrica ........................................... 18 3. Base Conceitual ............................................................................................................ 19 3.1 Funções Hídricas ............................................................................................... 20 3.1.1 A Gestão ........................................................................................... 20 ix Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará 3.1.2 A Oferta ............................................................................................ 21 3.1.3 O Uso ............................................................................................... 22 3.1.4 A Preservação ................................................................................... 22 3.1.5 As Funções Complementares ............................................................. 22 3.2 Modelos Institucionais de Recursos Hídricos ....................................................... 22 3.2.1 Órgãos Gestores ................................................................................ 24 3.2.2 Agências de Água .............................................................................. 26 3.3 Modelos Institucionais Alternativos ..................................................................... 27 3.3.1 O Modelo da França .......................................................................... 27 3.3.2 O Modelo dos Estados Unidos da América ......................................... 29 3.3.3 O Modelo da Holanda ....................................................................... 31 3.3.4 O Modelo de Israel ............................................................................ 32 3.3.5 O Modelo do Chile ............................................................................ 34 3.3.6 O Modelo do Brasil ........................................................................... 35 3.3.7 O Modelo do Ceará ........................................................................... 36 4. Análise Qualitativa dos tipos de Órgãos Gestores e de Agências de Água ................. 39 4.1 Amostra Selecionada .......................................................................................... 40 4.2 Análise dos Órgãos Gestores .............................................................................. 41 4.2.1 SUDERHSA ..................................................................................... 41 4.2.2 DAEE ............................................................................................... 42 4.2.3 IGAM ............................................................................................... 44 4.2.4 AAGISA ........................................................................................... 45 4.2.5 IGARN ............................................................................................. 46 4.2.6 COGERH ......................................................................................... 47 Sumário x 4.3 Análise das Agências de Água ............................................................................. 48 4.3.1 Agência do Alto Iguaçu e Alto Ribeira ................................................ 48 4.3.2 Agência dos Rios Sorocada e Médio Tietê.......................................... 50 4.3.3 Agência do CEIVAP .......................................................................... 51 4.3.4 Agência dos Rios Pará, Paraopeba e das Velhas ................................. 52 5. Concepção de um modelo de Agência de Água para o Ceará ..................................... 53 5.1 Condicionantes do Modelo ................................................................................. 53 5.2 Formulação do Modelo ...................................................................................... 55 6. Conclusões .................................................................................................................... 61 Referências Bibliográficas ............................................................................................................ 63 xi Sumário Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará Lista de Tabelas Tabela 3.1 Funções de Recursos Hídricos de acordo com o PLANERH – Ceará ............. 21 Tabela 5.1 Condicionantes de Características da Agência de Água ................................... 57 xii Lista de Figuras Figura 2.1 Macroregiões Pluviométricas ............................................................................... 11 Figura 2.2 Mapa Geológico .................................................................................................. 12 Figura 2.3 Regiões Hidrográficas do Estado do Ceará ........................................................... 16 xiii Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará Lista de Siglas e Abreviaturas AAGISA Agência de Águas, Irrigação e Saneamento do Estado da Paraíba ANA Agência Nacional de Água ABRH Associação Brasileira dos Recursos Hídricos ABH-SMT Agência das Bacias Hidrográficas dos Rios Sorocaba e Médio Tietê AGIR Agente de Guarda e Inspeção de Reservatório CBH Comitê de Bacia Hidrográfica CBH-PARÁ Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará CBH-VELHAS Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas CBH-SMT Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios Sorocaba e Médio Tietê (São Paulo) CBRMF Comitê das Bacias da Região Metropolitana de Fortaleza CEIVAP Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul CERH/PR Conselho Estadual de Recursos Hídricos do Paraná CGERH Coordenadoria de Gestão de Recursos Hídricos da Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará CIBAPAR Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba COGERH Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará COMIRH Comitê Estadual de Recursos Hídricos do Estado do Ceará CONAMA Comisión Nacional del Medio Ambiente (Chile) xiv CONERH Conselho Estadual de Recursos Hídricos do Ceará CORHI Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos de São Paulo CREA Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia DAEE Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo DEGERH Departamento de Gestão dos Recursos Hídricos da Secretaria dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará DESOH Departamento de Engenharia e Segurança de Obras Hidráulicas da COGERH DGA Dirección General de Aguas (Chile) DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas EPA Agência de Proteção do Meio Ambiente (Estados Unidos) FEHIDRO Fundo Estadual de Recursos Hídricos de São Paulo FRHI/PR Fundo Estadual de Recursos Hídricos do Paraná FUNCEME Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos FUNORH Fundo Estadual de Recursos Hídricos do Ceará IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH Índice de Desenvolvimento Humano IFOCS Inspetoria Federal de Obras contra as Secas IGAM Instituto Mineiro de Gestão das Águas IGARN Instituto de Gestão das Águas do Estado do Rio Grande do Norte IOCS Inspetoria de Obras Contra as Secas IPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará MMA Ministério do Meio Ambiente xv Lista de Siglas e Abreviaturas Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará MOP Ministério de Obras Públicas OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público OS Organização Social PIB Produto Interno Bruto PLANERH Plano Estadual de Recursos Hídricos do Ceará PLERH/PR Plano Estadual de Recursos Hídricos do Paraná PLIRHINE Plano de Aproveitamento Integrado dos Recursos Hídricos do Nordeste PROÁGUA Subprograma de Desenvolvimento Sustentável de Recursos Hídricos do Semi-árido Brasileiro PROGERIRH Projeto de Gerenciamento e Integração dos Recursos Hídricos do Ceará PROURB Projeto de Desenvolvimento Urbano e Gestão de Recursos Hídricos RIZA Instituto do Estado para a Depuração das Águas Residuais (Holanda) SAGE´S Schéma d´Aménagement et de Gestion des Eaux SDAGE´S Schéma Directeur d´Aménagement et de Gestion des Eaux SEMACE Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará SEMARH Secretaria Extraordinária do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Minerais do Estado da Paraíba SEPLAN Secretaria de Planejamento e Coordenação SEGRH/PR Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Paraná SERHID Secretaria de Estado de Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte SIGRH Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado do Paraná SIGERH Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Ceará SOHIDRA Superintendência de Obras Hidráulicas do Estado do Ceará SRH Secretaria dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará Lista de Siglas e Abreviaturas xvi SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste SUDERHSA Superintendência de Desenvolvimento dos Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental do Estado do Paraná UED´s Unidades Executivas Descentralizadas UFC Universidade Federal do Ceará ZCIT Zona de Convergência Intertropical xvii Lista de Siglas e Abreviaturas Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará xviii Prefácio A prova mais evidente de que a água é a fonte e o sustento da vida natural, foi o marco que o discurso hídrico representou nos conceitos de sustentabilidade do meio ambiente. Nenhum outro elemento trouxe à tona, tão fortemente, a palavra gestão e o seu significado como instrumento capaz de estabelecer novos paradigmas para as tarefas da sociedade moderna. O desempenho dos projetos, a perenidade das ações, a efetividade dos benefícios, a eficiência dos resultados, a medida plena da atividade empreendedora, toda esta adjetivação substantiva tem conseqüência quando a palavra gestão vira atitude real. Escrever sobre gestão é pensar no futuro, é conseguir resultados na construção da idéia. O conceito sistêmico e gestor, sempre foram palavras contundentes quando surgiram os primeiros sinais da política hídrica. Se projeto é criação filosófica, obra é arquitetura, gestão é ofício e arte. São conceitos naturais, humanos, sociais e culturais que influem no difícil processo de gerenciamento. O trabalho do Engº Francisco José Coelho Teixeira tem o mérito de analisar e aprofundar os aspectos institucionais da gestão dos recursos hídricos, buscando, a partir da experiência do Ceará, comparar e discutir conceitos universais de outros estados e países. Ao abordar o modelo cearense, avaliou sua coerência com os aspectos climáticos e fisiográficos da região, procurando estabelecer razões para o aparato jurídico e institucional do marco regulatório de uma zona semi-árida. A tese de Teixeira é rica de conceitos técnicos e, ao mesmo tempo, um documento atualizado no plano legal e da organização de institutos, normas e instrumentos reguladores. Retrata também a estratégia de implementação de um modelo democrático e participativo, que possa conduzir o processo decisório de operação de um sistema hídrico, resgatando a cidadania e colocando a presença do estado na condição de juiz moderador como administrador de conflitos entre usuários de água. Afinal, o trabalho do Engº Teixeira, é uma mensagem para as novas gerações de profissionais que se voltam para difícil tarefa de administrar os recursos hídricos da natureza. Hypérides Pereira de Macêdo Secretário de Infra-Estrutura Hídrica do Ministério da Integração Nacional 1 1 Introdução O Estado do Ceará, tendo a quase totalidade A política de recursos hídricos, empreendida no dos seus 148.826 km² (Resolução Nº 5/2002 Estado do Ceará, apresenta duas fases bem distintas, do IBGE) de área territorial inseridos no tendo como marco delimitador a criação da semi-árido do Nor deste brasileiro, possui Secretaria dos Recursos Hídricos em 1987. características físicas e socioeconômicas que o tornam uma região única quanto ao estabelecimento Antes de 1987, não havia no âmbito estadual de uma política de recursos hídricos. Dentre estas equipamento institucional próprio para o setor dos características, destacam-se três das quais decorre, recursos hídricos, tampouco uma atuação nesta área praticamente, toda a vulnerabilidade hídrica a que de forma planejada e estruturada. Na esfera estadual, está submetida a população residente no interior do as ações eram desenvolvidas de forma dispersa por Estado. diversas instituições, resumindo-se à construção de poços e de pequenos açudes, sem a adoção dos A primeira está relacionada com o clima semi-árido, devidos critérios técnicos, portanto pouco ou quase caracterizado por um regime de chuvas altamente nada contribuindo para a diminuição da variável e um déficit hídrico anual, haja vista o fato vulnerabilidade do Estado às secas. As intervenções de que, enquanto a média anual das precipitações é implementadas com a utilização de critérios técnicos de cerca de 800mm, a média da evaporação por e de algumas ferramentas de planejamento, por isso, ano é de mais de 2000mm. contribuíram para diminuir a vulnerabilidade hídrica do Estado, foram aquelas desenvolvidas no âmbito A segunda característica diz respeito à intermitência federal, basicamente pelo Departamento Nacional dos rios e à limitação na disponibilidade de recursos de Obras contra as Secas – DNOCS. Embora hídricos subterrâneos, decorrentes da geologia onde implantada de forma desordenada e isolada ao longo predomina (em cerca de 75% do território estadual) dos últimos 90 anos, quase sempre seguindo a o embasamento cristalino coberto por solos rasos. periodicidade das grandes secas no Nordeste – pois não houve um compromisso mais efetivo de vários Finalmente, o terceiro aspecto está associado ao governos federais – a infra-estrutura hídrica elevado percentual de população rural (mais de 30% construída pelo DNOCS não apenas contribuiu para dos 7,42 milhões de habitantes do Estado), o desenvolvimento da irrigação nos vales dos maiores distribuída de forma difusa no território, apresentando rios estaduais (Jaguaribe, Curu e Acaraú), como alto nível de pobreza, dificultando o seu também, ao armazenar cerca de 80% dos estoques abastecimento através de sistemas hídricos de água do Estado, possibilita o abastecimento economicamente viáveis e sustentáveis sob a óptica humano e animal de boa parte dos municípios do hidrológica. Ceará. 3 Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará Com a criação da Secretaria dos Recursos Hídricos Mundial. O PROGERIRH – Programa de – SRH, em 1987, o Governo do Ceará deixa de ser Gerenciamento e Integração dos Recursos Hídricos um agente passivo, passando a atuar de forma ativa do Ceará foi criado em 1997 com o intuito de dotar no sentido de estabelecer os instrumentos técnicos, o Estado do Ceará de uma infra-estrutura hídrica e jurídicos e institucionais para uma nova política de de um aparato técnico, operacional e institucional água no Estado. Deste modo, entre 1988 e 1991, no gerenciamento dos recursos hídricos capazes de foi elaborado o Plano Estadual de Recursos Hídricos dar suporte não só ao seu abastecimento humano, – PLANERH, fornecendo os subsídios necessários mas também ao seu desenvolvimento econômico. para o estabelecimento de uma ordenação jurídica Concebido à semelhança do PROURB-RH, o e institucional que começou a ser implementada com PROGERIRH, além de conter um componente da a promulgação da Lei Estadual de Recursos Hídricos gestão dos recursos hídricos mais amplo, apresentou, em 1992. O PLANERH forneceu, ainda, um imenso diferentemente do pr ograma anterior, um conjunto de dados e informações técnicas que componente para estudo e gerenciamento dos possibilitaram, a partir de 1993, a criação de aqüíferos estaduais estratégicos e outro sistema para programas, por parte do Governo Estadual, implantação de um projeto-piloto de objetivando a ampliação da infra-estrutura hídrica e desenvolvimento sustentável de microbacias a implementação do modelo de gerenciamento dos hidrográficas do semi-árido cearense. Contudo, o recursos hídricos preconizado pela norma há pouco componente de maior destaque do PROGERIRH é referenciada. o de estudo e implantação de eixos de integração de bacias hidrográficas. O PROURB-RH (Projeto de Desenvolvimento Urbano e Gestão dos Recursos Hídricos), criado Com a vantagem de ser um Estado que muito em 1993, foi o primeiro grande programa de recursos avançou na política setorial dos recursos hídricos hídricos do Estado do Ceará. Tendo como parceiro ao longo dos últimos dez anos, o Ceará tem sido o Banco Mundial, o Governo Cearense conseguiu, um dos maiores beneficiários do PROÁGUA – no âmbito deste programa, estruturar o sistema Subprograma de Desenvolvimento Sustentável de estadual de recursos hídricos, ao mesmo tempo em Recursos Hídricos do Semi-árido Brasileiro, que realizou substancial ampliação da infra-estrutura patrocinado pelo Governo Federal em parceria com hídrica para dar suporte ao abastecimento humano. o Banco Mundial. Dentre as realizações desse programa, merecem destaque não apenas o fortalecimento institucional Apesar dos grandes resultados alcançados pelo da Secretaria dos Recursos Hídricos – SRH e de Estado do Ceará na implementação de uma moderna sua vinculada SOHIDRA – Superintendência de política de recursos hídricos, hoje se constata que Obras Hidráulicas, mas, fundamentalmente, a resta muito por fazer. O maior desafio anteposto é a criação da COGERH – Companhia de Gestão dos consolidação definitiva do modelo institucional de Recursos Hídricos. Como realizações de caráter recursos hídricos do Estado. Foi justamente o estrutural, destaca-se a construção de açudes de modelo institucional adotado pelo Estado nos últimos médio porte para se obter melhor distribuição oito anos (a partir de 1995), que possibilitou os espacial dos estoques de água, como também a avanços hoje reconhecidos não apenas pela implantação de adutoras de água tratada para o sociedade cearense, mas também pelo Banco abastecimento de sedes municipais. Mundial, por especialistas de todo o Brasil e do exterior, a ponto de o Ceará servir de exemplo para Credenciado pelo sucesso alcançado na outros estados brasileiros. Este modelo estabeleceu implementação do PROURB-RH, o Governo do a SRH como organismo coordenador da política Ceará concebeu um segundo e mais ambicioso estadual dos recursos hídricos, tendo três vinculadas programa e atraiu, mais uma vez, a parceria do Banco hierárquicas: a SOHIDRA, na qualidade de órgão 1. Introdução 4 executor das obras hidráulicas, a COGERH, como Na esfera federal, uma legislação moderna, específica entidade gerenciadora dos recursos hídricos, e a para recursos hídricos, apareceu apenas em 1997, FUNCEME – Fundação Cearense de Meteorologia com a promulgação da Lei Nº 9.433, instituindo a e Recursos Hídricos, responsável pelo Política Nacional de Recursos Hídricos e criando o monitoramento climático e pela pesquisa e estudos Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos aplicados em recursos hídricos e meio ambiente. Hídricos. Entretanto, a partir de fevereiro de 2003, no âmbito de uma reforma institucional promovida pelo Elaborada sob forte influência do modelo francês, a Governo Estadual, a FUNCEME deixou de ser uma Lei Nº 9.433 institui, como integrantes do Sistema vinculada da SRH e passou a fazer parte da Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, Secretaria de Ciência e Tecnologia. Havia ainda, no as agências de água. Estes organismos devem âmbito da mesma reforma, uma proposta que depois exercer, segundo a referida lei federal, a função de foi descartada, de extinção da SOHIDRA e absorção secretarias executivas dos respectivos comitês de de suas funções pela COGERH. bacias, com atribuições de natureza técnica, administrativa e financeira na gestão participativa e A recente reforma administrativa empreendida pelo descentralizada dos recursos hídricos. Sendo a Governo do Estado do Ceará, como também aquelas instituição criada pelo comitê de bacia hidrográfica promovidas por outros governos estaduais e pelo para exercer a cobrança pelo uso das águas e, com Governo Federal, demonstram a fragilidade das estes recursos, financiar ações de controle e instituições públicas no Brasil, pois sempre estão preservação dos corpos hídricos na própria bacia, a expostas às alterações institucionais realizadas a cada agência de água é o mecanismo essencial para o mudança nos poderes executivos estaduais e federal. alcance dos objetivos de uma gestão compartilhada dos recursos hídricos. 1.1. CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA O surgimento da referida legislação federal arrefeceu um processo de discussão, já em andamento no A partir do início dos anos 1990, por influência dos Estado do Ceará, sobre a possibilidade de se criar novos paradigmas estabelecidos pela Conferência agências de água no âmbito das bacias hidrográficas Internacional sobre Água e Meio Ambiente, realizada estaduais. Vale salientar que a legislação estadual em Dublin (Eire) em janeiro de 1992, alguns não prevê este tipo de instituição, como também a governos estaduais brasileiros e o próprio Governo lei de criação da COGERH não lhe confere, Federal trataram de estabelecer as bases dos seus claramente, o papel de agência de água, tese que respectivos ordenamentos jurídicos e institucionais, alguns técnicos defendem. visando à implementação dos princípios básicos da moderna gestão dos recursos hídricos. Do assunto exposto acima, podem ser suscitadas algumas questões: Antecipando-se à União, o Governo do Estado do Ceará, que criou a Secretaria dos Recursos Hídricos – O modelo de agência de água, preconizado pela em 1987, promulgou a Lei Nº 11.996, em 1992, Lei Nº 9.433, se aplicaria de forma adequada dispondo sobre a Política Estadual de Recursos a uma região semi-árida, de rios intermitentes, Hídricos e instituindo o Sistema Integrado de Gestão como é o caso de grande parte do Nordeste dos Recursos Hídricos. No ano seguinte, em 1993, brasileiro, mais precisamente o Ceará? através da Lei Nº 12.217, foi criada a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos – COGERH, com – Considerando-se as condições econômicas, a função de operacionalizar o gerenciamento dos sociais e culturais do povo cearense, seria recursos hídricos no território estadual. conveniente a adoção pura e simples do modelo 5 1. Introdução Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará de agência de água estabelecido pela Lei Nº a participação dos comitês de bacias na sua 9.433? administração; – Diante da necessidade de se levar em – analisar a suposição de que uma agência de consideração o fator escala, a fim de se obter a água para a região do semi-árido brasileiro, no sustentabilidade operacional dos sistemas caso o Estado do Ceará, terá que não só hídr icos, não seria mais conveniente a desempenhar funções específicas de instituição de única agência de água para todas gerenciamento, como também de oferta de água as bacias hidrográficas do Estado do Ceará? bruta; – Tendo já em sua ordem institucional um órgão – estudar a possibilidade de a COGERH, sendo de gerenciamento dos recursos hídricos, no caso alvo de alterações de caráter institucional, a COGERH – responsável pela alocação da desenvolver o papel de agência de água para o água de forma participativa, em articulação com Estado do Ceará. os comitês de bacias hidrográficas, e que exerce a operação, o monitoramento e a manutenção da infra-estrutura hídrica – necessitaria o Estado 1.3. ESTRUTURA DO TRABALHO do Ceará de agências de água no modelo preconizado pela Lei Nº 9.433? O relatório configurado no presente ensaio foi desenvolvido em 6 (seis) capítulos. O Capítulo 1 – que faltaria à COGERH para, além das funções compreende a introdução ao trabalho, abordando a que já desenvolve, desempenhar também caracterização do problema e os objetivos geral e atribuições que a legitimem perante os comitês específicos da pesquisa desenvolvida. como agência de água? O módulo seguinte apresenta a contextualização dos recursos hídricos no Estado do Ceará, 1.2. OBJETIVOS compreendendo a sua caracterização hidrológica e os aspectos da gestão dos recursos hídricos estaduais. O objetivo geral da pesquisa em foco é estabelecer uma proposta de aperfeiçoamento do sistema de O Capítulo 3 discorre sobre a base conceitual gerenciamento de recursos hídricos do Estado do inerente às funções hídricas e modelos institucionais Ceará, por intermédio da proposição de um modelo de recursos hídricos, enfatizando os conceitos e institucional de agência de água para as bacias atribuições de órgão gestor e de agência de água, à hidr ográficas estaduais, tendo por base o luz do modelo do Ceará, do Brasil e de outros países. conhecimento da política e da estrutura orgânica das águas de alguns países e a análise qualitativa da Na seqüência é realizada uma análise qualitativa dos COGERH e de outras instituições do Brasil que tipos de órgãos gestores e de agências de água, a desempenham as funções de órgão gestor ou de partir de uma amostra selecionada dentre os modelos agência de água. dos estados brasileiros, com o intuito de fornecer subsídios para a definição de um modelo de agência Os objetivos específicos são os elencados a seguir: de água para o Ceará, assunto enfeixado no Capítulo 4. – verificar se o modelo apropriado de agência de água para o Ceará deverá estar baseado em um Tomando-se por base a análise realizada no segmento organismo único para todas as bacias anterior, o Capítulo 5 faz uma abordagem dos hidrográficas, controlado pelo Estado, mas tendo condicionantes hidrológicos, sociais, econômicos, 1. Introdução 6 legais e institucionais para a concepção de um modelo abordada, da análise qualitativa realizada e do modelo de agência de água para o Ceará. concebido, as conclusões a que chegou a busca ora relatada. Na matéria de arremate – Capítulo 6 – são apresentadas, em função da base conceitual 1. Introdução 7 2 Contextualização dos Recursos Hídricos no Estado do Ceará A incerteza e a irregularidade das chuvas, o açude dois anos sem água, ou o uso público dele baixo potencial em águas subterrâneas e a estiver proibido...”. Referida Lei estabelecia ainda intermitência dos rios condicionaram o diversas condições para recebimento da ajuda Governo Federal e os governos dos estados do governamental, visando a assegurar ao açude as suas Nordeste semi-árido e, particularmente, o Governo funções sociais e econômicas. do Estado do Ceará, a seguirem uma política com vistas à criação de uma infra-estrutura hídrica, O Governo Provincial prosseguiu induzindo a baseada na construção de açudes, como forma de política de construção de pequenos barramentos em garantir, no tempo e no espaço, o abastecimento rios e riachos, ou fechamentos de sangradouros das populações da região. naturais de lagoas, tendo em vista o suprimento hídrico de populações e de cultivos agrícolas. Conforme Peixoto (1994), data de 1832 a definição Entretanto, em 1848 essa política de açudagem foi do Poder Público Estadual de escolher a alternativa interrompida, sendo retomada dez anos depois da açudagem no Ceará, como forma de armazenar (1858) com a Província assumindo compromissos água nos períodos chuvosos para atendimento das orçamentários para construção de vários açudes. demandas nos períodos secos. Em 26 de setembro Destaca-se, como obra desta época, o açude Santo de 1836, o Presidente da Província José Martiniano Antônio do Pitaguari, localizado a 30km de Fortaleza, de Alencar promulgou a Lei Nº 59, estabelecendo construído por iniciativa privada em 1866. no orçamento daquele ano gratificações de dois contos de réis aos que “fabricassem” açudes em Das ações empreendidas pela Coroa Imperial durante suas terras. No ano seguinte, a Lei Nº 84 reduzia o este mesmo período, caracterizadas por missões ao incentivo governamental para 50% do valor inicial. Nordeste que acabam por propor a construção de Este incentivo foi reduzido ainda mais no governo açudes com capacidade acima de um milhão de seguinte, conforme Lei N° 195, de 9 de janeiro de metros cúbicos em locais previamente identificados, 1840. surge o açude Cedro, em Quixadá, cuja obra foi concluída em 1906 (SOUZA FILHO, 2001). Em 1º de agosto de 1843, o Presidente da Província José Maria da Silva Bittencourt, dando prova de Esta fase da política de recursos hídricos caracteriza- seriedade na condução da política de açudagem, se pela total ausência de organização institucional sancionou a Lei Nº 302, onde determinava: “os tanto no âmbito da Província do Ceará como no proprietários de açudes, cujas gratificações já foram nível do Império Brasileiro. e houveram de ser pagas, serão obrigados a tê-los sempre consertados sob pena de pagarem à tesouraria Com a criação da IOCS (Inspetoria de Obras contra uma multa de 20% do valor da respectiva gratificação, as Secas), em 1909, que mais tarde foi chamada de todas as vezes que por semelhantes faltas, passar o IFOCS (Inspetoria Federal de Obras contra as 9 Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará Secas) e finalmente de DNOCS (Departamento No período compreendido entre a data de sua criação Nacional de Obras contra as Secas), iniciou-se uma e a de promulgação da Lei Estadual de Recursos fase caracterizada por planos singulares e não Hídricos (1992), a SRH apresentava nas suas ações permanentes, visando à implementação de uma infra- um viés de órgão setorial no âmbito dos recursos estrutura hídrica no Nordeste. hídricos, uma vez que sua principal missão era a implementação de uma política de irrigação. Deve-se destacar o fato de que, até 1987, o Governo Estadual, por questões políticas, financeiras e falta A partir de 1992, a SRH adotou como prioridade a de capacidade técnica e de organização institucional, ampliação da infra-estrutura hídrica, baseada na teve uma atuação apenas discreta na área de recursos construção de açudes de médio porte e de adutoras, hídricos. Ao Governo Federal, a quem compete o de forma a reduzir o déficit hídrico, principalmente combate aos efeitos das secas por determinação para o abastecimento humano e para a pequena constitucional, coube um papel mais destacado na irrigação. Ao mesmo tempo, eram estruturadas na implantação de uma infra-estrutura hídrica que FUNCEME as bases de um sistema de atendesse adequadamente às diferentes demandas. monitoramento hidrológico estadual, medindo-se Entr etanto, esta atuação se deu de forma periodicamente os níveis d’água de alguns açudes descontínua, provocando um desequilíbrio entre estratégicos e a vazão de perenização em alguns oferta e demanda em várias regiões do Estado. Como trechos dos rios Jaguaribe e Banabuiú. É ainda deste resultado, a cada seca as populações eram atingidas período, a criação do DEGERH - Departamento de fortemente, tornando-se praticamente impossível a Gestão dos Recursos Hídricos da SRH, tendo como convivência com a irregularidade das chuvas. atribuição planejar, administrar e controlar a oferta, o uso e a preservação dos recursos hídricos. A partir de 1987 – consoante já se adiantou – o Iniciava-se, deste modo, a elaboração de uma base Governo do Estado do Ceará tomou a iniciativa, institucional para a implementação do SIGERH, que paralelamente à ação do Governo Federal, culminou com a criação da COGERH – Companhia promovendo, com recursos financeiros próprios, de Gestão dos Recursos Hídricos, em 1993. programas na área de recursos hídricos. Para coordenar a tarefa de aumentar a oferta d’água e Desde 1993, com o advento do PROURB - RH e a assumir o controle da política de recursos hídricos, criação da COGERH, a política estadual de recursos o Governo criou no mencionado ano a Secretaria hídricos vem auferindo avanços relacionados tanto de Recursos Hídricos – SRH e a Superintendência com a gestão, como com a ampliação da infra- de Obras Hidráulicas – SOHIDRA, havendo também estrutura hídrica. O PROURB – RH (Projeto de reestruturado a Fundação Cearense de Meteorologia Desenvolvimento Urbano e Gestão dos Recursos e Chuvas Artificiais – FUNCEME, dando a essa Hídricos), criado em 1993, o PROGERIRH (Projeto instituição atribuições nas áreas de estudos, de Gerenciamento e Integração dos Recursos pesquisas e treinamento em recursos hídricos, Hídr icos), criado em 1997, ambos com passando a chamar-se Fundação Cearense de financiamentos do Banco Mundial junto ao Governo Meteorologia e Recursos Hídricos. Estadual, conferiram as condições financeiras necessárias para a implementação do SIGERH, ora Após este avanço institucional, a SRH contratou a em desenvolvimento. elaboração do Plano Estadual de Recursos Hídricos – PLANERH, o qual, concluído em 1991, forneceu 2.1. CARACTERIZAÇÃO HIDROLÓGICA os subsídios para a criação da Lei Nº 11.996, de 24 de julho de 1992, instituindo o Sistema Integrado O regime pluviométrico do Ceará se caracteriza por de Gestão de Recursos Hídricos – SIGERH. uma grande variabilidade temporal e espacial das chuvas. A distribuição das precipitações no tempo 2. Contextualização dos Recursos Hídricos 10 apresenta uma concentração da estação chuvosa nos 1223,1mm, Maciço de Baturité 1152,1mm, Ibiapaba meses de dezembro a junho e uma gr ande 1047,8mm, Jaguaribana 841,0mm, Cariri 919,6mm irregularidade interanual. As chuvas que acontecem e Sertão Central e Inhamuns, 746,5mm (Fonte: em dezembro e janeiro são chamadas chuvas de Banco de dados FUNCEME). Essa diferença de pré-estação e ocorrem mais intensamente na região precipitação, ocorrida de região para região, denota do Cariri. Em fevereiro de cada ano, inicia-se a a variabilidade espacial das chuvas no Estado do chamada quadra chuvosa do Estado do Ceará, que Ceará (Figura 2.1). se estende até maio. As chuvas nesse período são influenciadas, principalmente, pela presença da Zona Em função da irregularidade interanual das de Convergência Intertropical – ZCIT, considerada precipitações, não é rara a ocorrência de anos o principal sistema ocasionador da pluviometria no extremamente secos ou exageradamente chuvosos. norte do Nordeste. A oscilação irregular de anos de altas e baixas pluviosidades enseja dois problemas bastante A pluviosidade média anual no Estado é de 870mm, conhecidos pelos cearenses: porém essa média varia de região para região do Estado, por exemplo: Litoral Norte 1015,5mm, – as secas que atingem todo o território estadual, Litoral de Pecém 941,1mm, Litoral de Fortaleza conduzindo grande parte da população ao estado de calamidade pública; ESC 1:2.800.000 N Fonte: FUNCEME Figura 2.1 – Macrorregiões Pluviométricas 11 2. Contextualização dos Recursos Hídricos Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará – as enchentes que atingem os habitantes das áreas capazes de promover somente uma regularização aluviais, principalmente dos rios Jaguaribe e anual, pois a grande maioria seca durante as estiagens Acaraú. prolongadas. A regularização interanual das águas superficiais somente é possível através dos A ocorrência de um déficit hídrico natural na maioria reservatórios de médio e grande porte, construídos dos meses do ano, em função das elevadas taxas de na grande maioria pelo DNOCS e parte pelo evaporação (mais de 2000mm), associada à Governo Estadual. De acordo com os relatórios de predominância do embasamento cristalino coberto monitoramento da COGERH, a capacidade total de por solos rasos em cerca de 75% do território acumulação da rede de reservatórios permanentes estadual, ensejam a intermitência de toda a rede do Estado do Ceará alcança, já incluindo a barragem hidrográfica do Estado. O regime intermitente dos do Castanhão, 17,5 bilhões de metros cúbicos, rios e a baixa disponibilidade de água subterrânea podendo-se dispor de uma vazão regularizada de (em quantidade e qualidade) exigem dos habitantes mais de 100 m3/s (com 90% de garantia). do semi-árido a construção de pequenos açudes para satisfazer às suas necessidades em água e as dos A formação geológica do Estado do Ceará, com cerca seus rebanhos. Entretanto, os pequenos açudes são de 75% do seu território assente sobre rochas BACIA COSTEIRA DUNAS/BARREIRAS FORTALEZA BACIA DA SERRA GRANDE CRISTALINO BACIA DO APODI BACIA DO IGUATU N BACIA DO Fonte: SRH ARARIPE Figura 2.2 – Mapa Geológico 2. Contextualização dos Recursos Hídricos 12 cristalinas, na sua parte central, e somente 25% 2.2.1. OS INSTRUMENTOS DA GESTÃO situado sobre formações sedimentares, nas suas extremidades (Figura 2.2), faz com que o potencial Espelhada no modelo francês de gerenciamento da em recursos hídricos subterrâneos seja bastante água por bacia hidrográfica e fundamentada em baixo. Desta forma, os principais aqüíferos princípios básicos de descentralização, integração e sedimentares fornecem água, em razoáveis participação dos usuários na gestão dos recursos quantidades, para o abastecimento humano e para a hídricos, a Lei Nº 11.996 prevê instrumentos legais, irrigação, somente em parte da região do Cariri (sul como a outorga de direito de uso dos recursos do Estado), parte da chapada do Apodi (extremo hídricos, o licenciamento para obras hídricas e a leste do Estado), pequenas áreas da região de Iguatu cobrança pelo uso da água bruta. (centro-sul), da Ibiapaba (extremo oeste) e do litoral (extremo norte). Na grande região central do Estado, n A outorga de direito de uso dos recursos a água subterrânea só é encontrada, com enormes hídricos limitações de quantidade e qualidade, nas fraturasdas rochas cristalinas e nas aluviões dos A outorga, regulamentada através do Decreto N.º principais rios, neste último caso quase sempre 23.067 de 11 de janeiro de 1994, reformulado em associada a água superficial resultante da perenização seu Artigo 2º pelo Decreto N.º 25.443, de 28 de dos açudes. abril de 1999, constitui ato administrativo pelo qual o Estado, através da Secretaria dos Recursos Hídricos – SRH, concede ao usuário o direito de uso de um determinado recurso hídrico, com prazo, 2.2. A GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS quantidade e finalidade preestabelecidos. A política dos recursos hídricos do Estado do Ceará, instituída pela Lei Nº 11.996, de 24 de julho de A implantação da outorga no Estado do Ceará tem 1992, estabelece mecanismos para que a água de se deparado, fundamentalmente, com dois entraves: domínio estadual seja gerenciada de forma integrada, participativa e descentralizada. – a resistência dos usuários em solicitar a outorga, em virtude da relação que este instrumento tem Considerando a importância da garantia da oferta com a cobrança; e de água, como fator determinante para o – a incerteza da recarga dos reservatórios, desenvolvimento econômico e social do Ceará, o decorrente da irregularidade interanual das Governo Estadual criou, em 1993, a Companhia de chuvas, dificultando os procedimentos de Gestão dos Recursos Hídricos – COGERH, tendo emissão de outorgas com validade por períodos como missão efetuar o gerenciamento dos recursos maiores do que um ano. hídricos superficiais e subterrâneos de domínio do Estado. A COGERH, vinculada à Secretaria dos Assim mesmo, este instrumento tem sido exercitado Recursos Hídricos – SRH, gerencia a água no por via da emissão de outorgas para a irrigação, território, exercendo funções de caráter técnico e sujeitas a renovação anual, e para empreendimentos operacional, enquanto a própria SRH, como industriais, com prazos de validade de 5 a 10 anos. detentora do poder de polícia sobre a água, A SRH tem ainda posto em prática a outorga desempenha, através da sua Coordenadoria de preventiva, para empreendimentos em fase de Gestão dos Recursos Hídricos – CGERH, as funções planejamento, com validade de 3 anos. de caráter político e institucional no gerenciamento desses mananciais. Para a análise dos processos de solicitação de outorga, a SRH conta com uma câmara técnica formada por técnicos da própria SRH e da COGERH que 13 2. Contextualização dos Recursos Hídricos Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará funciona sob a coordenação da CGERH de maio de 1999. Este instrumento tem os seguintes (Coordenadoria de Gestão de Recursos Hídricos). objetivos principais: n A licença para obras hídricas – reconhecer a água como um bem econômico e dar aos usuários uma indicação do seu real O controle técnico das obras de oferta hídrica foi valor; regulamentado através do Decreto Nº 23.068, de 11 de fevereiro de 1994, e constitui uma autorização, – estimular o uso racional, na medida em que concedida pela SRH, para a construção de qualquer diminui o desperdício e aumenta a eficiência obra ou serviço de oferta de água que altere o regime, do seu uso; e quantidade e/ou a qualidade dos recursos hídricos – arrecadar recursos financeiros para custear as (barragens, poços, canais, adutoras etc). despesas com o gerenciamento, a operação e a manutenção da infra-estrutura hídrica. Em 1995, a SRH criou uma câmara técnica, composta por técnicos da SRH, COGERH e SOHIDRA, para Em novembro de 1996, o Conselho Estadual de analisar as solicitações de licença para execução de Recursos Hídricos do Ceará – CONERH delegou à obras hídricas. Dependendo da obra ou serviço, a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos a SRH poderá exigir a apresentação da licença prévia competência para efetuar a cobrança da tarifa da SEMACE e da licença do CREA. correspondente ao uso dos mananciais que integram o sistema de oferta dos recursos hídricos do Ceará. A construção excessiva de pequenos açudes, sem o O Decreto Nº 24.264, de 12/11/96, fixou a tarifa menor controle técnico, foi, durante muitos anos, para os usos e usuários industriais e concessionárias uma das ações desenvolvidas, pelos Governos de serviços de água potável. Federal e Estadual, com o objetivo de melhorar a convivência com as secas no Ceará. Este tipo de 2.2.2 O APOIO À ORGANIZAÇÃO DOS política acabou por induzir uma cultura, por meio USUÁRIOS DE ÁGUA da qual se pensa que é factível a implantação de um açude em qualquer lugar, desde que exista um riacho A Lei Nº 11.996, com arrimo em modelos de e as condições topográficas para construção de um gerenciamento praticados em outros estados maciço de terra. Não é por acaso que alguns brasileiros e em outros países, introduziu diretrizes reservatórios estratégicos do interior do Estado democráticas na gestão dos recursos hídricos, ao apresentam atualmente dificuldades de recarga em abrir espaços à sociedade para discutir e deliberar função da interceptação dos pequenos açudes sobre o uso racional dos recursos hídricos, localizados a montante. O licenciamento de obras quebrando a hegemonia de um setor de usuários hídricas tem se tornado um instrumento bastante sobre os demais, uma vez que todos os usuários eficaz no combate à esta política de construção passaram a ter igual acesso aos recursos hídricos, indiscriminada, sem qualquer critério técnico, de com prioridade para o abastecimento humano. A pequenos açudes. gestão participativa mudou a condição do usuário, antes beneficiário passivo, para co-gestor, tomando n A cobrança pelo uso da água bruta decisões no gerenciamento da oferta, do uso e na preservação dos recursos hídricos. A cobrança pelo uso da água bruta está prevista na Lei Nº 11.996, regulamentada através do Decreto Os instrumentos previstos para a participação da Nº 24.264, de 12 de novembro de 1996, tendo sociedade na gestão dos recursos hídricos são os passado por alterações através dos Decretos Nº comitês de bacias hidrográficas e as comissões e 24.870, de 1º de abril de 1998 e Nº 25.461, de 24 associações de usuários de água. Desde 1994, a SRH 2. Contextualização dos Recursos Hídricos 14 e a COGERH vêm desenvolvendo um exaustivo e é abordada e avaliada pelos usuários, sociedade civil, significativo trabalho de mobilização, organização e poder público municipal e por instituições capacitação dos usuários para a gestão das águas, governamentais e não governamentais, através do no âmbito dos açudes de médio e pequeno portes, levantamento dos problemas e apresentação de dos municípios, dos vales perenizados e das bacias propostas para sua solução. Neste nível, são hidrográficas. Este trabalho é desenvolvido com base constituídas as comissões municipais, com nos seguintes princípios: representantes dos usuários, sociedade civil, do poder público municipal e dos órgãos públicos estaduais e – respeito às formas de organizações em curso federais presentes na região. (associações, comissões, cooperativas); n A organização dos usuários no âmbito dos – conhecimento da atuação institucional de vales perenizados entidades presentes nas bacias; O vale perenizado é uma área mais complexa de – diagnóstico da situação hídrica da bacia; atuação, pois envolve em geral um sistema hídrico – diálogo permanente; composto por açudes estratégicos e longos trechos de aquedutos ou de rios perenizados. É nesse nível – regras flexíveis, baseadas nas demandas dos onde geralmente estão localizados os grandes diversos grupos sociais; perímetros públicos irrigados, grandes irrigantes privados, agroindústrias e várias cidades, o que – negociação de conflitos através do consenso, implica muitos conflitos. subsidiada por elementos técnicos; e n A organização dos usuários no âmbito das – definição coletiva de normas de operação e bacias hidrográficas preservação dos recursos hídricos. O quarto e mais complexo nível de atuação é a bacia n A organização dos usuários no âmbito dos hidr ográfica, definida como a unidade de açudes médios e pequenos planejamento e gestão, apresentando uma diversidade de conflitos e potencialidades. Os comitês O açude de pequeno ou médio porte, associado a de bacias são colegiados consultivos e deliberativos, um curto trecho de riacho perenizado (10 km a 30 com atuação nas áreas de abrangência das bacias, km), é considerado o núcleo básico da organização sub-bacias ou regiões hidrográficas (conjunto de dos usuários, pois deste sistema hídrico dependem pequenas bacias). São a instância mais importante diversos setores usuários, tais como pescadores, de participação dos usuários e de integração do vazanteiros, irrigantes e o abastecimento de água de planejamento e execução das ações na área de uma ou duas cidades. Esses usuários devem, recursos hídricos, sendo compostos de portanto, decidir coletivamente a melhor utilização representantes dos usuários, da sociedade civil, do das águas do reservatório. Neste nível é poder público municipal e dos órgãos estaduais e recomendada a constituição de associações de federais atuantes na bacia. usuários. Um mecanismo fundamental para a mobilização dos n A organização dos usuários no âmbito dos usuários, com vistas à constituição de comitês de municípios bacias, é a realização de seminários e reuniões para O segundo nível proposto para atuação é o discutir o planejamento e o acompanhamento da município, onde são realizados encontros e reuniões. operação dos grandes reservatórios estratégicos do Nesses momentos, a situação hídrica do município Estado. Em todo o Estado do Ceará, já foram 15 2. Contextualização dos Recursos Hídricos Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará constituídos 7 (sete) comitês de bacias: Curu, Baixo a administração do uso, oferta e preservação dos Jaguaribe, Médio Jaguaribe, Alto Jaguaribe, recursos hídricos, de forma a compatibilizar as Banabuiú, Salgado e Metropolitanas. demandas sociais com as intervenções governamentais, isto tudo no nível da bacia hidrográfica. O planejamento do gerenciamento dos 2.2.3 OS PLANOS DE RECURSOS HÍDRICOS recursos hídricos tem como principais ferramentas o Plano Estadual de Recursos Hídricos e os planos O planejamento tem por finalidade a realização de de gerenciamento das bacias hidrográficas. estudos para estabelecimento de ações voltadas para LEGENDA BACIAS 1. Bacia do Rio Coreaú 2. Bacia do Rio Parnaíba 3. Bacia do Rio Acaraú 4. Bacia do Litoral 5. Bacia do Rio Curu 6. Bacia Metropolitana 7. Bacia do Baixo Jaguaribe ESC 1:2.800.000 8. Bacia do Rio Banabuiú Sedes Municipais N 9. Bacia do Médio Jaguaribe Divisão Municipal Fonte: COGERH 10. Bacia do Alto Jaguaribe Rios 11. Bacia do Rio Salgado Leitos Perenizados Figura 2.3 – Regiões Hidrográficas do Estado do Ceará 2. Contextualização dos Recursos Hídricos 16 O Plano Estadual dos Recur sos Hídr icos Jaguaribe e Metropolitanas. Pela SRH, foram (PLANERH), concluído em 1991, teve como desenvolvidos os planos das bacias do Acaraú, objetivo estabelecer opções de equilibrar o balanço Coreaú e Parnaíba, através dos Estudos do Eixo de das demandas em relação às ofertas, considerando Integração da Ibiapaba, realizados no âmbito do as condições de abastecimento das populações e as PROGERIRH. propostas de intervenção governamental nos setores de irrigação e indústria. Dentre os principais produtos Encontra-se em fase de conclusão, na SRH, o apresentados pelo Plano Estadual, merecem trabalho de consolidação dos planos de bacias destaque os seguintes: hidrográficas com vistas à atualização do Plano Estadual de Recursos Hídricos. – definição da bacia hidrográfica como unidade para gestão das águas e de planejamento da 2.2.4 O MONITORAMENTO DOS SISTEMAS política de recursos hídricos, dividindo o Estado HÍDRICOS em 11 (onze) regiões (Figura 2.3); O monitoramento, como instrumento da gestão dos – balanço oferta e demanda em todas as regiões recursos hídricos, é uma atividade de caráter hidrográficas, abrangendo os diversos usos da permanente, com vistas a realizar o água (abastecimento, indústria, irrigação etc); acompanhamento e produzir informações sobre os e projeções deste balanço hídrico, considerando aspectos qualitativos e quantitativos da água bruta, a implantação de mais infra-estruturas hídricas; no que diz respeito aos níveis dos açudes, vazões e liberadas, consumo dos usuários, vazões nos rios – proposta de um moderno arcabouço jurídico e perenizados e os níveis de contaminação química e institucional para os recursos hídricos. biológica dos mananciais, auxiliando, desta forma, a tomada de decisões na operação. Os planos de bacias têm como objetivo a programação de ações no âmbito de cada bacia Atualmente, a COGERH gerencia 123 reservatórios, hidrográfica. Os estudos e diagnósticos devem ser com capacidade total de 17,5 bilhões de m3 realizados em momentos distintos, contemplando a (incluindo o açude Castanhão); 150 km de canais, efetivação de estudos específicos, separados do 300 km de adutoras, 2500 km de leitos de rios próprio plano. Considera-se de fundamental perenizados e 11 estações elevatórias. A capacidade importância a participação dos comitês de bacias na total de regularização, com 90% de garantia, dos discussão e elaboração dos planos de bacias. açudes gerenciados pela COGERH, é da ordem de Entendendo essa forma de planejar como uma 100 metros cúbicos por segundo. descentralização do poder governamental, Além do monitoramento da quantidade, a COGERH condiciona-se a elaboração dos planos às bacias onde executa, em convênio com a Superintendência exista alguma forma de organização de usuários de Estadual do Meio Ambiente – SEMACE, o água. monitoramento qualitativo dos recursos hídricos das Cada bacia hidrográfica deverá ter um plano, bacias do Acaraú, Baixo e Médio Jaguaribe, Curu e contemplando a solução dos problemas hídricos da Metropolitanas. área, para um horizonte de pelo menos 20 (vinte) 2.2.5 A OPERAÇÃO DOS SISTEMAS HÍDRICOS anos. Para operacionalizar o gerenciamento dos recursos A COGERH, no âmbito do PROURB-RH, elaborou hídricos, a COGERH já implantou 8 (oito) gerências os planos de gerenciamento das bacias do Curu, de bacias, sendo 1 (uma) nas Bacias Metropolitanas 17 2. Contextualização dos Recursos Hídricos Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará e 7 (sete) nas bacias do restante do Estado (Baixo / viabilizar esta atividade, a COGERH passou a operar Médio Jaguaribe, Alto Jaguaribe, Banabuiú, Curu / o sistema integrado pelos açudes Gavião, Pacoti, Litoral, Salgado, Parnaíba e Acaraú / Coreaú). As Riachão, Pacajus, Acarape do Meio e pelo Canal gerências têm entre suas principais atribuições: do Trabalhador. operar e monitorar os sistemas hídricos da bacia, realizar trabalhos de manutenção e conservação nas 2.2.6 A MANUTENÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA estruturas hidráulicas, intermediar os conflitos de HÍDRICA água de forma articulada com os CBH’s e apoiar as ações de organização dos usuários. Ao longo dos últimos anos, a Secretaria dos Recursos Hídricos, através das suas vinculadas COGERH e Dos 123 açudes gerenciados pela COGERH, 60 são SOHIDRA, vem implementando um plano de de propriedade do DNOCS e 63 do Estado. Nos ampliação e recuperação de toda a infra-estrutura açudes do Estado, existe a figura do agente de guarda hídr ica do Estado. Também está sendo e inspeção de reservatório (AGIR), enquanto os implementado um trabalho de manutenção e reservatórios do DNOCS possuem encarregados do segurança de obras hidráulicas. Estes serviços são próprio órgão. O AGIR é responsável pelo desenvolvidos pela COGERH, através do seu acompanhamento da operação e manutenção do Departamento de Engenharia e Segurança de Obras açude, com tarefas diárias de verificação do nível Hidráulicas (DESOH). de água, regulagem da vazão, pequenos serviços de manutenção e limpeza da barragem e das estruturas O DESOH elaborou um documento, intitulado Lista hidromecânicas e, ainda, vigilância das áreas de para Inspeção de Rotina do Açude, por intermédio proteção ambiental. do qual é possível detectar e hierarquizar os problemas, solucionando-os em conformidade com A operação tem como objetivo principal, sobretudo o risco que representam. A periodicidade de no que se refere aos açudes, a liberação de água, checagem dos açudes é mensal, durante o período visando a atender as demandas dos diversos usos, seco, e semanal, no período chuvoso. tomando por base a oferta disponível e as particularidades de cada reservatório. Todo o Dentre as principais ações, já executadas, de processo de operação dos reservatórios é realizado recuperação da infra-estrutura hídrica, merecem de forma a liberar as vazões definidas, pelos comitês destaques: de bacias, nos seminários anuais de alocação de água. Para os açudes isolados de médio e pequeno portes, – recuperação dos açudes de domínio do Estado a definição das vazões de liberação é obtida em que abastecem sedes municipais; reuniões realizadas, especificamente, com os – recuperação do Canal do Trabalhador e dos usuários de cada reservatório. reser vatórios do sistema metropolitano (Pacajus, Pacoti, Riachão e Gavião); Desde novembro de 1996, a COGERH é responsável, também, pelo fornecimento de água – recuperação dos pontos mais críticos da adutora bruta para a Região Metropolitana de Fortaleza. Para do Acarape. 2. Contextualização dos Recursos Hídricos 18 3 Base Conceitual C onforme Campos (2001), o estabelecimento estruturais são aquelas referentes à construção de de uma política de recursos hídricos visa a estruturas para controle dos recursos hídricos. As proporcionar meios para que a água, recurso ações não estruturais dizem respeito a atividades essencial ao desenvolvimento social e econômico, que não requerem a construção de estruturas. seja usada de forma racional e justa para o conjunto da sociedade. Utilização justa é aquela em que as A consciência da necessidade da gestão integrada necessidades vitais tenham atendimento prioritário dos recursos hídricos vem se consolidando, em todo sobre as demais demandas. A utilização racional é o mundo, desde a década de 1960. Segundo Vieira aquela realizada com parcimônia, sem desperdícios et alii (2000), essa gestão integrada assume vários e atendendo aos modernos conceitos da gestão dos aspectos e envolve conotações diversas: é integrada recursos hídricos. no sentido de envolver todas as fases do ciclo hidrológico (superficial, subterrânea e aérea); quanto Campos (2001) acentua, ainda, que uma política de aos usos e finalidades múltiplas; no que diz respeito recursos hídricos, como a de qualquer outro recurso, ao inter-relacionamento dos sistemas hídricos com é formada por objetivos a serem alcançados, os demais recursos naturais e ecossistemas; em fundamentos ou princípios sob os quais deve ser termos de co-participação entre gestores e usuários erguida, instrumentos ou mecanismos para no planejamento e na administração dos recursos implementá-la, uma lei ou norma jurídica para lhe hídricos; e integrada aos objetivos gerais da dar sustentação e instituições para executá-la e fazer sociedade, de desenvolvimento socioeconômico e seu acompanhamento. Recomenda, também, que preservação ambiental. as políticas devam ser moldadas para determinados espaços geográficos, respeitando as peculiaridades Alguns princípios e critérios referentes à gestão dos locais. recursos hídricos vêm se consolidando, ao longo dos últimos anos, obtendo o apoio consensual de De acordo com Barth (1987), gestão de recursos técnicos, cientistas, gestores e usuários. Alguns deles, hídricos é a forma pela qual se pretende equacionar considerados fundamentais, são ressaltados por Vieira e resolver as questões de escassez relativa dos et alii (2000) com base em Granziera (1993): recursos hídricos. – a água é um recurso natural limitado, essencial Grigg (1996) define gestão de recursos hídricos como à vida e ao desenvolvimento (declarado na Carta sendo a aplicação de medidas estruturais e não Européia de Água, França, em 1968 e reiterado estruturais para controlar os sistemas hídricos, na Declaração de Dublin, Irlanda, em 1992, naturais e artificiais, em benefício humano e pelas Nações Unidas); atendendo a objetivos ambientais. As ações 19 Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará – os usos múltiplos da água devem ser apresentada por Campos (2001). Essas grandes considerados no processo de planejamento funções são: gestão, oferta, uso, preservação e (declarado na Conferência de Mar del Plata, funções complementares. Argentina, em 1977, pelas Nações Unidas); 3.1.1 A GESTÃO – a bacia hidrográfica é a unidade básica de gestão hídrica (Carta Européia de Água, já referida, A gestão das águas, no sentido amplo, é definida reiterado pela Conferência de Caracas, como o conjunto de procedimentos organizados com Venezuela, em 1976, pela Associação vistas a solucionar os problemas referentes ao uso e Internacional de Direito da Água); e ao controle dos recursos hídricos. O objetivo da gestão é atender, dentro de princípios de justiça social – a água é um bem de valor econômico, passível e com base nas limitações econômicas e ambientais, de cobrança pelo seu uso (recomendação feita às necessidades de água da sociedade a partir de pela Conferência sobre Meio Ambiente e uma disponibilidade limitada. A gestão é composta Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, Brasil, de três subfunções: planejamento, administração e em 1992, pelas Nações Unidas). regulamentação. O presente capítulo aborda alguns conceitos acerca O planejamento é constituído pelo conjunto das de política e gestão de recursos hídricos, atividades necessárias à previsão das disponibilidades fundamentalmente aqueles relacionados com as e das demandas de águas, com vistas a maximizar funções hídricas, modelos institucionais, órgãos os benefícios econômicos e sociais. As principais gestores e agências de água, finalizando com uma atividades do planejamento são: inventário dos síntese dos modelos do Ceará, do Brasil e de outros recursos hídricos, estudo da qualidade das águas, países, cujas experiências podem fornecer subsídios estimativa das demandas, estudos prospectivos do para este trabalho. balanço oferta e demanda e avaliação e controle do próprio planejamento. 3.1 FUNÇÕES HÍDRICAS A administração refere-se às ações que dão suporte técnico ao planejamento e aos mecanismos de O Plano Estadual de Recursos Hídricos do Ceará – avaliação da efetividade dos planos anteriores, PLANERH, concluído em 1991, tendo por base visando à realimentação dos planos futuros. São modelos propostos no Plano Integrado de Recursos etapas da administração: coleta e divulgação dos Hídricos do Nordeste – PLIRHINE (SUDENE, dados hidrometeorológicos, as estatísticas do uso 1980) e por Barth e Pompeu (1987), estabeleceu da água, o poder de polícia administrativa e a cinco funções hídricas principais, com respectivas programação executiva e econômico-financeira das subfunções, esquematizadas na Tabela 3.1, obras previstas nos planos. 3. Base Conceitual 20 Tabela 3.1 – Funções de recursos hídricos de acordo com o PLANERH – Ceará FUNÇÕES SUBFUNÇÕES Planejamento GESTÃO Administração Regulação Nucleação artificial OFERTA Represamento Poços Cisternas Abastecimento rural Irrigação CONSUNTIVO Abastecimento industrial Aqüicultura Abastecimento urbano USO Geração hidrelétrica Navegação fluvial NÃO CONSUNTIVO Lazer Pesca e piscicultura extensiva Assimilação de esgotos PRESERVAÇÃO Ciência e tecnologia Meio ambiente COMPLEMENTARES Planejamento global Incentivos econômicos Defesa civil Fonte: Plano Estadual de Recursos Hídricos, SRH-CE A regulamentação constitui o conjunto das ações de ativação das potencialidades. Assim, classificam-se suporte legal para o desempenho da gestão das como funções da oferta as diversas ações, em obras águas, a partir do disciplinamento e normalização ou serviços, através das quais a água se torna do funcionamento do Sistema Estadual de Recursos disponível para utilização no tempo e no local onde Hídricos. A regulamentação se consolida através de ocorre a demanda. A função oferta compreende a sugestões de leis, decretos, portarias, instruções e construção de barragens para a formação de regulamentos. reservatórios, a perfuração e recuperação de poços, a captação de águas em lagos naturais, a captação 3.1.2 A OFERTA de águas da chuva através de cisternas, etc. A gestão das águas, pelo lado da oferta, dá-se no sentido de aumentar as disponibilidades hídricas pela 21 3. Base Conceitual Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará 3.1.3 O USO 3.2 MODELOS INSTITUCIONAIS DE RECURSOS HÍDRICOS A gestão dos usos das águas, também denominada gestão da demanda, ocorre no sentido de utilizar, da Um modelo institucional de recursos hídricos deve melhor maneira possível, as disponibilidades hídricas ser desenvolvido com base nas funções a serem viabilizadas pela oferta. Classificam-se como desempenhadas, tanto no setor hídrico como em funções do uso as diversas ações, em obras ou outros segmentos da administração pública. Deve- serviços, através das quais a água se torna se levar em conta tanto os aspectos técnicos como efetivamente útil aos homens, às plantas, aos os fatores políticos. Não adianta conceber um animais e às paisagens. O uso acontece sob duas modelo tecnicamente perfeito, contudo inviável do formas: o consuntivo, que ocorre quando há perdas, ponto de vista político. derivação ou consumo, havendo diferença entre o que é derivado e o que retorna ao corpo d’água; o O sistema institucional deve ser delineado de forma não consuntivo , quando não há consumo, derivação a se obter eficiência no desenvolvimento das tarefas ou desperdício da água. São basicamente usos nos que lhe são atribuídas. De acordo com Campos corpos de água. (2001), para um modelo proposto ser caracterizado como bom, ele deve apresentar 3 (três) principais Os usos consuntivos envolvem: o abastecimento atributos: rural, a irrigação, a aqüicultura, o abastecimento industrial e o abastecimento urbano. Dentre os usos – consistência com a realidade local, política e não consuntivos, estão: a geração hidrelétrica, a financeira; navegação fluvial, o lazer, a pesca, a piscicultura extensiva e a assimilação de esgotos. – harmonia com as demais funções desempenhadas em outros segmentos da 3.1.4 A PRESERVAÇÃO administração pública; e A preservação engloba as ações preventivas e – inserção no modelo nacional. corretivas voltadas para garantir o correto escoamento das águas, evitar a erosão, promover a Admitindo-se a busca de uma nova estrutura do setor manutenção da vegetação e a implantação de áreas hídrico e que os demais segmentos da administração verdes. As ações de preservação também criam permanecem sem modificações, Campos (2001) barreiras que impedem ou reduzem a poluição de concebeu uma sistemática de formulação do modelo fontes de água. institucional em quatro etapas a seguir discriminadas: 3.1.5 AS FUNÇÕES COMPLEMENTARES n Etapa 1 – caracterização das funções no setor hídrico e identificação das funções dos outros As funções complementares são formadas setores da administração pública. O que é feito? essencialmente pelas ações de suporte ao O que deve ser feito? funcionamento do setor hídrico. São atividades de apoio, como o treinamento para capacitação de n Etapa 2 – diagnóstico do modelo institucional pessoal técnico, o desenvolvimento de pesquisas, a vigente. Quem faz o quê? Há duplicidade de orientação técnica dos produtores usuários de água, funções? Algumas funções importantes estão o aparelhamento, com máquinas, laboratórios e sem instituição responsável? Há funções aeronaves, para a realização de serviços e obras das desempenhadas informalmente? diversas funções e o financiamento, antecipando receita para as instituições públicas e privadas no n Etapa 3 – formulação do novo modelo. Quem desempenho das funções hídricas. vai fazer o quê? 3. Base Conceitual 22 n Etapa 4 – verificação da consistência do Correia (2000) considera que a formulação de uma modelo. O modelo proposto atende aos política de recursos hídricos é movida por um princípios de gerenciamento? O modelo está conjunto de forças condutoras, das quais destaca 3 inserido no sistema nacional? O modelo é (três) principais: politicamente viável? – conhecimentos científicos e tecnológicos Por um longo tempo, as políticas e os modelos de disponíveis aos profissionais e aos tomadores recursos hídricos, mesmo nos países centrais, foram de decisão; concebidos dentro de uma visão, da Engenharia, de buscar o equilíbrio entre oferta e demanda, no tempo – estruturas e processos de tomada de decisão; e e no espaço, com base em princípios de viabilidade econômica. – atores envolvidos. A formulação de políticas sustentáveis de recursos Conforme Barth (1987), os critérios para a hídricos para o século XXI, segundo Correia (2000), formulação de um modelo de gerenciamento de requer não somente a solução dos problemas recursos hídricos para um país são inerentes às considerados no enfoque tradicional da Engenharia peculiaridades desses recursos, aos condicionantes Hidráulica, mas também um maior entendimento do político-institucionais, às características físicas e contexto no qual tais problemas se inserem. Nesse socioeconômicas e à estratégia escolhida para a sua novo enfoque, é importante não somente como implantação. responder as questões e de que modo resolver os problemas referentes a gestão de recursos hídricos, As peculiaridades dos recursos hídricos , mas também quais questões são apresentadas e que fundamentais para a formulação do modelo de problemas são diagnosticados. Apesar do contexto gerenciamento, resultam, em síntese nas seguintes: no qual se formula uma política de recursos hídricos variar de caso a caso, alguns aspectos, a serem – a unidade do ciclo hidrológico, considerando considerados, são comuns à concepção de qualquer as suas fases superficiais, subterrânea e modelo, dentre os quais está a contemplação dos meteórica, os binômios qualidade-quantidade requerimentos de ordens ética, econômica e e quantidade-energia; ambiental, com vistas a alcançar os seguintes objetivos: – a existência de múltiplos usos e usuários, com interesses muitas vezes conflitantes; n de ordem ambiental – assegurar a proteção dos recursos hídricos, em termos de quantidade, – a necessidade de se exercer o controle dos qualidade e diversidade ecológica para recursos hídricos, considerando-se o regime, a atendimento das necessidades futuras; poluição e a erosão. n de cunho econômico – assegurar a Dessa forma, segundo Barth (1989), as funções da sustentabilidade financeira e econômica do gestão dependem, necessariamente, de coordenação suprimento de água para os diferentes usos; e multiinstitucional. Os organismos da gestão deverão ter gradações de competências e mecanismos de n de teor ético – assegurar o acesso à água de coordenação ou instrumentos que viabilizem a toda a sociedade, com vistas ao atendimento integração e a compatibilização de políticas e planos de suas necessidades básicas, através de um setoriais. sistema que garanta eqüidade, auto-satisfação e equilíbrio de poderes. 23 3. Base Conceitual Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará Os condicionantes político-institucionais do país Uma possibilidade é a gradativa integração das em que se pretende implantar um sistema de organizações intervenientes, mediante convênios e gerenciamento de recursos hídricos são acordos que visem à elaboração e à implantação de determinantes para a forma do modelo. Neste caso, planos e programas de recursos hídricos. As técnicas o modelo dependerá da distribuição de funções de administração por projetos poderão superar os normativas, de planejamento e de execução, pelas entraves e obstáculos oferecidos pelas organizações organizações públicas e privadas, das formas públicas tradicionais à gestão integrada dos recursos previstas de delegação dessas funções, dos hídricos. mecanismos de integração e coordenação adotados, e dos métodos e técnicas administrativas Numa primeira etapa, o núcleo central do sistema empregados para a realização dos projetos e obras. de gerenciamento de recursos hídricos seria constituído pelo conjunto de entidades que podem O sistema político-administrativo adotado pelo país desenvolver ações de gestão unificada desses e a sua legislação representam condicionantes recursos, considerando os aspectos de quantidade, fundamentais para a concepção de um modelo de qualidade, integração dos múltiplos usos e controle gerenciamento de recursos hídricos, mesmo com a do regime das águas, da poluição e da erosão. Na usual necessidade de reorganização da estrutura ausência de única entidade com atribuição para a administrativa e de atualização das normas legais. gestão dos recursos hídricos, o modelo deverá contemplar as formas de articulação entre os As características físicas do país, notadamente diversos organismos que, no somatório de suas aquelas que determinam o regime hidrológico, são atribuições, possam executar essa tarefa. básicas para a formulação do modelo. A homogeneidade hidrológica facilita uma solução Barth (1987) ainda sugere que o modelo de centralizada, enquanto as diversidades recomendam gerenciamento evolua no sentido de uma soluções regionalizadas. reorganização institucional, de modo a se obter uma gestão unificada dos recursos hídricos, ao menos As características socioeconômicas, que dentro de no campo normativo, através da constituição da um mesmo país podem apresentar diferenças “Autoridade Única”, responsável. acentuadas, também influenciam decisivamente no formato do modelo. Neste sentido, a adoção da bacia 3.2.1 ÓRGÃOS GESTORES hidrográfica como unidade geográfica para a gestão dos recursos hídricos tende a evoluir para a adoção De forma geral, a evolução institucional inerente à de regiões hidrográficas que considerem as divisões gestão dos recursos hídricos tem acontecido de modo político-administrativas e os aspectos semelhante nos diferentes países, pois, enquanto a socioeconômicos. água é abundante e não surgem os graves problemas de escassez, sejam por motivos de qualidade ou de As estratégias de implantação de um modelo para quantidade, a responsabilidade na gestão dos gestão de recursos hídricos são diversas. A recursos hídricos vai-se dissipando, em geral sem restruturação jurídico-institucional, sempre grandes inconvenientes, entre os órgãos da recomendada, depende de um enorme esforço administração pública responsáveis pela sua político, em função da magnitude e da diversidade utilização e conservação, conforme a vocação dos interesses envolvidos. A implantação gradual do específica de cada setor e de acordo com as sistema de gerenciamento, buscando alcançar o necessidades do momento. Contudo, à proporção modelo ideal por passos sucessivos, tem se que se torna mais acirrada a competição entre os apresentado como a estratégia mais viável. diversos usos de água, as funções dos diferentes setores da administração interessados na utilização 3. Base Conceitual 24 dos recursos hídricos vão entrando em conflito, planejamento, coordenam as intervenções e surgindo freqüentemente sobreposições e perdas de tomam as decisões principais; eficiência. Surge, com efeito, a necessidade de planejar e coordenar o desenvolvimento e a alocação – aparelhos e organismos executivos, que das disponibilidades hídricas entre os múltiplos usos executam as ações da gestão das águas e dão e de criar substratos jurídicos e institucionais que apoio técnico e administrativo aos órgãos assegurem a gestão da água numa perspectiva global. deliberativos e coordenadores; Uma estrutura orgânica para gestão dos recursos – colegiados consultivos, que prestam colaboração hídricos tem por finalidade assegurar a execução da às instâncias deliberativas e coordenadoras, política através do desenvolvimento de ações que permitindo considerar a opinião das entidades envolvem a intervenção paralela de vários órgãos e interessadas nos problemas da água. organismos, com jurisdição nos diversos domínios relacionados com a água, os quais, segundo Cunha No âmbito dos diversos modelos de recursos hídricos et alii (1980), podem-se agrupar nas seguintes que têm surgido no Brasil, tanto no plano federal, categorias: quanto no contexto estadual, as funções que compreendem a gestão das águas (planejamento, – órgãos e organismos que têm ao seu cargo a administração e regulamentação) são exercidas por gestão dos recursos hídricos; organismos executivos, denominados órgãos gestores. No Brasil estes são representados por um – órgãos e organismos responsáveis pelo ministério, auxiliado por uma secretaria e uma planejamento do desenvolvimento agência executiva nacionais, na esfera da União, e socioeconômico; e por secretarias estaduais, auxiliadas por autarquias, fundações ou companhias, no âmbito dos estados, – órgãos e organismos com jurisdição em tendo, usualmente, as seguintes atribuições na sua domínios relacionados com a água. jurisdição: No que se refere aos órgãos e organismos que – coordenar o Sistema Nacional ou Estadual de desempenham competências em domínios Gerenciamento dos Recursos Hídricos; relacionados com a água, podem distinguir-se aqueles que exercem jurisdição sobre atividades utilizadoras – planejar, administrar e controlar o uso, a oferta de água e os que condicionam decisivamente, pela e a preservação dos recursos hídricos; sua intervenção, a utilização dos recursos hídricos. – elaborar e coordenar a execução de planos, Os órgãos e organismos que têm ao seu cargo a programas e projetos na área de recursos gestão dos recursos hídricos devem estar integrados, hídricos; de preferência, numa estrutura única que pode envolver a criação de uma pasta específica da – coordenar o sistema de informações sobre administração pública, ou seja: um ministério na recursos hídricos; esfera federal ou uma secretaria na esfera estadual. – promover a articulação dos setores da União, De acordo com Cunha et alii (1980), a estrutura de dos estados e dos municípios, e destes com os gestão dos recursos hídricos deve compreender usuários e a sociedade civil, tendo em vista a órgãos e organismos de 3 (três) tipos: implantação e funcionamento dos comitês de bacias hidrográficas; e – órgãos deliberativos e coordenadores, que formulam as políticas, definem as diretrizes do 25 3. Base Conceitual Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará – promover a capacitação e o treinamento de má utilização da água, levou à publicação da Lei de técnicos e dos demais atores envolvidos na 1964, relativa à propriedade e repartição das águas gestão dos recursos hídricos. e à luta contra a sua poluição. A Lei de 1964, que instituiu a bacia hidrográfica como unidade básica Em geral, na contextura estadual, as secretarias de para gestão das águas, tem como um dos seus estado exercem o papel de órgãos coordenadores objetivos a obtenção dos meios financeiros que da política das águas, presidindo os conselhos permitam a execução da política da gestão dos estaduais de recursos hídricos, conduzindo a recursos hídricos. Neste sentido, foram instituídas implementação dos sistemas integrados da gestão e as agências financeiras de bacias hidrográficas, desenvolvendo as funções de planejamento e células básicas da gestão das águas ao nível das regulação. As funções de administração dos recursos bacias hidrográficas, que são autorizadas a criar as hídricos e de oferta de água são exercidas por órgãos suas fontes de financiamento através da cobrança da administração indireta, vinculados a essas de taxas. secretarias de estado, sob a forma jurídica de autarquias, fundações ou empresas públicas. As agências de bacias, integrantes do sistema francês, são estabelecimentos públicos de car áter 3.2.2 AGÊNCIAS DE ÁGUA administrativo, vinculados ao Ministério do Meio Ambiente. São encarregados de facilitar a A prática de promover a descentralização e a implementação das ações da gestão dos recursos participação social para gerir os recursos hídricos é hídricos no âmbito das 6 (seis) grandes bacias ampla e variada, tanto no Brasil, quanto em outros hidrográficas francesas. São dotados de autonomia países. No entanto, na maioria dos casos, essa financeira, porém não têm função de polícia das experiência está restrita a pequenos espaços águas, nem de execução de obras. As agências de geográficos, onde organizações locais assumem bacias funcionam segundo o princípio “utilizador- atribuições delegadas pelo poder público nas suas poluidor-pagador” sobre uma base incitativa e não áreas de atuação. Quando se exercita a coercitiva: elas cobram taxas aos usuários, calculadas descentralização e a participação em áreas em relação às captações de água e aos lançamentos geograficamente mais amplas, como é o caso das de efluentes no meio hídrico e, em seguida, revertem bacias hidrográficas, os resultados obtidos com a o montante arrecadado sob forma de ajudas atuação das organizações locais são pouco efetivos, aportadas aos encarregados pelas obras públicas e pois os interesses da bacia são quase sempre privadas (subvenções, empréstimos etc), com a preteridos diante dos interesses locais. finalidade de financiar as operações de controle da poluição e o melhoramento da gestão dos recursos Uma experiência relevante na superação desse hídricos. problema é encontrada na França (HUBERT et alii, 2002), onde foram criados os comitês de bacias No Brasil, a institucionalização de agências de bacias hidrográficas (órgãos colegiados deliberativos) e as como mecanismos de descentralização e agências de bacias (órgãos públicos com autonomia financiamento da gestão dos recursos hídricos surgiu financeira). Assim é que, apesar das diferenças através da Lei Nº 7.663, de 30 de dezembro de jurisdicionais, culturais e institucionais entre Brasil 1991, do Estado de São Paulo. Conforme a Lei Nº e França, os modelos da gestão dos recursos hídricos 7.663, as agências de bacias são entidades jurídicas adotados no Brasil, tanto pela União, como pelos com estrutura administrativa e financeira própria, estados, foram inspirados no modelo francês. devendo exercer as funções de secretarias executivas dos respectivos comitês de bacias hidrográficas. As A ineficácia da legislação, até então vigente na competências e as ações que deverão ser incluídas França, para resolver os problemas decorrentes da nos estatutos das agências de São Paulo são 3. Base Conceitual 26 delineadas pela Lei Estadual Nº 10.020, de 3 de A Lei Federal Nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, julho de 1998. Estão relacionadas a seguir as mais que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, relevantes: prevê, no Artigo 33, as agências de água como organismos integrantes do Sistema Nacional de n Competências Gerenciamento de Recursos Hídricos. Como no modelo de agência de bacia de São Paulo, a agência – proporcionar apoio financeiro aos planos, de água preconizada pela Lei Nº 9.433 exerce a programas, serviços e obras, aprovados pelo função de secretaria executiva de um ou mais comitê de bacia, a serem executados nas bacias; comitês de bacias, no âmbito de sua área de atuação, e tendo como competências de maior destaque as relacionadas a seguir: – incentivar, na área de sua atuação, a articulação dos participantes do Sistema Integrado de – efetuar, mediante delegação do outorgante, a Gerenciamento de Recursos Hídricos – SIGRH, cobrança pelo uso de recursos hídricos; com os demais sistemas do Estado, com o setor produtivo, com a sociedade civil, assim como – gerir o sistema de informações sobre recursos com estados vizinhos e seus municípios hídricos em sua área de atuação; pertencentes à bacia hidrográfica, e com a União, quando for o caso; – elaborar o plano de recursos hídricos para apreciação do respectivo comitê de bacia n Ações hidrográfica; e – aplicar recursos financeiros a fundo perdido, – propor ao r espectivo comitê de bacia dentro dos critérios estabelecidos pelo comitê hidrográfica o plano de aplicação dos recursos de bacia; arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos. – efetuar a cobrança pela utilização dos recursos hídricos da bacia de domínio do Estado, na 3.3 MODELOS INSTITUCIONAIS ALTERNATIVOS forma fixada pela lei; 3.3.1 O MODELO DA FRANÇA – gerenciar os recursos financeiros gerados por cobrança pela utilização das águas estaduais das A partir do fim da década de 1950, começou a bacias e outros definidos em lei, em adquirir-se na França maior consciência dos conformidade com as normas do Conselho problemas hídricos nos aspectos de quantidade e de Estadual de Recursos Hídricos (CRH), ouvido qualidade, problemas estes que se agravaram com o Comitê Coordenador do Plano Estadual de o desenvolvimento econômico do País. Recursos Hídricos (CORHI); A Lei de 1964, que constitui atualmente o diploma – elaborar, em articulação com órgãos do Estado fundamental da legislação francesa sobre águas, não e dos municípios, o plano de recursos hídricos revogou o extenso e complexo sistema legal vigente, da bacia com a periodicidade estabelecida pelo antes pretendendo constituir o instrumento jurídico Conselho Estadual de Recursos Hídricos, essencial para a progressiva transformação dos submetendo-o à análise e aprovação do comitê termos em que, anteriormente à sua publicação, se de bacia; e fazia a intervenção do Estado nos problemas da água. – prestar apoio administrativo, técnico e financeiro necessário ao funcionamento do comitê de bacia. 27 3. Base Conceitual Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará Até 1964, era um princípio geral considerar do e invariáveis, tendo antes o objetivo de promover domínio público apenas os cursos de água uma ação administrativa flexível e evolutiva. navegáveis. A Lei de 1964 veio permitir incluir no domínio público os cursos de água e outras massas A intervenção do Estado na gestão das águas é de água necessários para o abastecimento das dupla. Por um lado, há uma intervenção de caráter populações, para a satisfação das necessidades da administrativo através de autorizações concedidas agricultura e da indústria e proteção contra as pelas entidades encarregadas da polícia das águas e, inundações, adotando implicitamente uma definição por outro, pelas autoridades com jurisdição sobre de domínio público que ultrapassa largamente a noção as atividades econômicas utilizadoras, para as quais de navegabilidade. A Lei permite assim caminhar fixam as condições de autorização de acordo com no sentido de solucionar dificuldades decorrentes as normas ou regulamentos específicos. da contradição entre a unidade dos recursos hídricos de uma bacia hidrográfica e a pluralidade dos regimes Quanto aos órgãos de coordenação, a jurídicos de nascentes, afluentes não dominiais e responsabilidade ao nível mais elevado é atribuída rios dominiais, embora não introduza a simplificação ao Ministério da Cultura e do Ambiente, sendo as decisiva que teria sido a unificação do regime jurídico decisões essenciais, no patamar interministerial, da água (CUNHA et alii, 1980). tomadas pela Comissão Interministerial para o Ambiente. O regime de utilização das águas, anterior a 1964, era muito marcado pela ineficácia da intervenção A unidade básica da gestão adotada é a bacia administrativa. Nesse sentido, a Lei de 1964 hidrográfica. A França foi dividida em 6 (seis) considerou os seguintes objetivos básicos: circunscrições de bacia hidrográfica de acordo com um critério complexo em que os principais aspectos – rever e harmonizar a legislação e considerados foram as características geológicas do regulamentação; solo, o tipo de ocupação (predominantemente agrícola ou industrial) e a dimensão econômica – instituir meios financeiros para fazer face aos suficiente para servir de suporte às novas estruturas investimentos necessários a uma intervenção de intervenção planejada. Para cada bacia foi criada eficaz; e uma agência financeira, com a missão de cobrar taxas pelo uso dos corpos hídricos e financiar as – coordenar a ação administrativa. diversas ações da gestão dos recursos hídricos, com vistas a atingir os objetivos de qualidade de água A Lei de 1964 estabelece as bases jurídicas para a fixados pelos regulamentos. luta contra a poluição das águas, concedendo ao Governo amplos poderes para organizar essa luta. Um aspecto relevante do modelo francês é o da Neste sentido, prevê a publicação de decretos que parceria que associa o Estado, o conjunto das determinem as condições em que pode ser coletividades territoriais e os usuários (industriais, regulamentada a alteração da qualidade das águas grandes planejadores regionais, agricultores, superficiais e impõe a harmonização dos processos distribuidores de água, pescadores, aqüicultores, administrativos para a autorização da rejeição de associações de proteção ambiental), em cada nível efluentes, conduzindo assim, necessariamente, à do sistema de gestão dos recursos hídricos (OFFICE reformulação da regulamentação em vigor, de forma INTERNACIONAL DE L’EAU, 1996). Desta a tornar independentes as decisões de autorização forma, existem organismos consultivos distribuídos emanadas dos diferentes serviços intervenientes. Os em três níveis: referidos decretos não fixam normas, nem obrigam a Administração a promulgar critérios de ação rígidos – Comissão Nacional da Água , no plano nacional; 3. Base Conceitual 28 – Comitê de Bacia, ao nível das 6 (seis) grandes 3.3.2 O MODELO DOS ESTADOS UNIDOS DA circunscrições de bacias hidrográficas; e AMÉRICA – Comissão Local de Água , ao nível dos O território dos Estados Unidos da América aqüíferos, dos afluentes ou das sub-bacias que apresenta, em termos globais, características correspondem a uma unidade hidrográfica. fisiográficas e climáticas relativamente diferentes nas duas partes em que o divide o rio Mississipi. A parte Apesar dos avanços obtidos pela Lei de 1964, o oriental, que ocupa cerca de um terço da superfície planejamento e a gestão dos recursos hídricos total do território, tem clima úmido, enquanto a parte permanecer am embrionários na França. Os ocidental, correspondente aos restantes dois terços instrumentos disponíveis até então (cartas da superfície total, tem clima árido e semi-árido, à departamentais de objetivos de qualidade, planos exceção da região costeira que tem clima úmido. diretores de águas e planos departamentais de vocação piscícola) não permitiam a realização de Estas condições naturais contribuíram para que, na uma gestão verdadeiramente global, integrada e parte oriental, com relativa abundância de água e participativa dos recursos hídr icos. Esses onde se estabeleceram os primeiros estados da documentos eram instruídos por portarias Federação Norte-americana, a água fosse, desde (ministeriais e interministeriais) e não tinham o valor longa data, utilizada de acordo com a doutrina dos jurídico necessário a viabilizar as suas direitos ribeirinhos, enquanto na parte ocidental, em implementações. Assim, em 3 de janeiro de 1992, razão da escassez de água característica desta região, 28 (vinte e oito) anos após a lei original, foi aprovada prevalecia um sistema de acordo com o qual o direito outra lei de água, oferecendo aos atores envolvidos à utilização da água era conferido ao utilizador que na gestão das águas novos instrumentos em matéria em primeiro lugar dela se apropriasse. Em alguns de planejamento participativo: os SDAGE’S – estados, em especial naqueles que se situam Schéma Directeur d’Aménagement et de Gestion imediatamente a oeste do rio Mississipi, verificou- des Eaux e os SAGE’S – Schéma d’Aménagement se a coexistência das duas doutrinas de direitos sobre et de Gestion des Eaux (HUBERT et alii, 2002). água: dos direitos ribeirinhos e da apropriação prévia (CUNHA et alii, 1980). Os SDAGES estabelecem para cada uma das 6 (seis) grandes bacias hidrográficas francesas as orientações Estas duas doutrinas relativas à propriedade da água fundamentais para uma gestão integrada dos recursos referem-se às águas superficiais. Em relação às águas hídricos. Eles têm um caráter obrigatório e a subterrâneas, cuja utilização é mais recente, mas legislação previu um prazo de 5 (cinco) anos, a partir que correspondem já a uma parte significativa de da publicação da lei, para as suas elaborações. Os toda a água doce captada, o regime de propriedade SAGES estabelecem no plano de sub-bacias, da água é mais complexo. Assim, em diferentes corr espondentes a cada uma das unidades estados são utilizadas 4 (quatro) doutrinas diferentes hidrográficas ou de sistemas de aqüíferos, os (CUNHA et alii, 1980): a da propriedade absoluta objetivos de uso, desenvolvendo a proteção dos (o proprietário da terra pode captar água sem recursos hídricos e dos meios aquáticos. Eles são qualquer limitação), a da utilização razoável (o uso facultativos e a lei não fixou prazo para suas leva em conta os direitos dos outros), a dos direitos elaborações. correlativos (uso proporcional ao tamanho da propriedade) e a da apropriação (uso através de licença). De maneira geral, a intervenção dos estados sobre os recursos hídricos tem tido caráter supletivo e 29 3. Base Conceitual Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará destina-se a regular apenas a aplicação de doutrinas utilização da água, através de ações coordenadas baseadas no costume e na jurisprudência, traduzindo no plano federal, dos estados, dos municípios e das a ideologia do liberalismo econômico, segundo a qual empresas privadas e com a colaboração de todas as as funções do Estado só têm lugar quando a atividade agências federais e estaduais, dos governos locais, privada não corresponde ao interesse público. dos indivíduos, das corporações e de outras entidades interessadas nos problemas da água. Essa No sistema federal dos Estados Unidos, cada estado lei cria o Conselho dos Recursos Hídricos, instância dispõe da sua própria legislação relativa à repartição, máxima da estrutura da gestão das águas, e prevê o distribuição, utilização e administração da água estabelecimento de comissões de bacia hidrográfica dentro das suas fronteiras. Além disso, alguns por proposta do Conselho ou dos estados estados, situados na zona árida ocidental, têm tido interessados. necessidade de adotar, por interesse público, leis e regulamentos rigorosos relativos ao controle da A Lei Federal de 1972 atribui à Agência de Proteção qualidade das águas. do Meio Ambiente – EPA (Environment Protection Agency) o encargo de elaborar planos globais para Ao Governo Federal cabem competências específicas prevenir, reduzir ou eliminar a poluição. diretas sobre os recursos hídricos, resultantes das suas responsabilidades sobr e o comércio Nos Estados Unidos a responsabilidade pela gestão interestadual, a navegação e os terrenos federais que das águas cabe ao Governo Federal, aos governos cobrem cerca de um terço do território dos 50 dos estados e às administrações locais, (cinqüenta) estados e sobre cujas águas o Governo desempenhando certas empresas privadas algumas Federal exer ce plena autor idade. Essas funções e serviços específicos. responsabilidades são atribuídas ao Governo Federal pela Constituição e têm vindo a ampliar-se por efeito No contexto do Governo Federal, a elaboração e a de sucessivas emendas à Constituição, da realização da maior parte dos programas relativos a jurisprudência do Supremo Tribunal e da ação do recursos hídricos está ao cargo dos Departamentos Congresso, dispondo hoje o Governo Federal de do Interior, da Agricultura e do Exército (CUNHA autoridade relativamente grande. et alii, 1980). A Lei Federal de 1965 instituiu bases para o No Departamento do Interior, o “Bureau of planejamento dos recursos hídricos. Mais tarde, a Reclamation” começou por se ocupar de projetos Lei Federal de 1972, relativa ao controle de poluição de irrigação e recuperação de terras para agricultura, das águas veio estabelecer novas bases para a vindo, subseqüentemente, alargar os seus objetivos regeneração da qualidade dos recursos hídricos nos ao planejamento dos recursos hídricos à escala das Estados Unidos e o controle rigoroso de novas fontes bacias hidrográficas e mesmo regiões mais vastas. poluidoras da água. De acordo com esta Lei, todos A ação do “Bureau of Reclamation” estende-se os estados criaram regulamentos para o controle de apenas a 17 estados do oeste dos Estados Unidos. poluição das águas nos seus territórios, cuja execução Também no Departamento do Interior, o Gabinete ficou ao cargo de agências estaduais (CUNHA et de Investigação e Tecnologia da Água financia a alii, 1980). investigação sobre problemas de recursos hídricos, que é realizada em diversas universidades e nos A Lei Federal de 1965 relativa ao planejamento dos institutos de investigação de recursos hídricos, recursos hídricos estabelece que a política nacional existentes nos vários estados, promovendo, além para satisfazer a demanda crescente de água é disso, a compilação dos resultados dos estudos promover a conservação, o desenvolvimento e a realizados. 3. Base Conceitual 30 O Departamento da Agricultura ocupa-se do 3.3.3 O MODELO DA HOLANDA planejamento global do desenvolvimento dos recursos hídricos voltados para a agricultura, através Os problemas da água na Holanda têm caráter do serviço da Conservação do Solo, do Serviço de específico dada a circunstância de um quarto do Gestão do Solo, do Serviço de Pesca Desportiva, território nacional deste país estar abaixo do nível Peixes e Vida Silvestre e do Serviço de Parques médio do mar e de cerca da metade estar protegida Nacionais. por diques contra inundações provenientes do mar ou dos rios. No Departamento do Exército, o “Corps of Engineers” dedica-se à construção, manutenção e A circunstância referida determinou, desde há operação de barragens e outras obras hidráulicas na séculos, a criação de estruturas peculiares para maior parte dos rios navegáveis, para fins de controle assegurar a drenagem dos terrenos e a defesa contra de cheias, de navegação, de produção de energia inundações, mas que detêm também outras hidroelétrica, portuários e de defesa de costas. responsabilidades associadas à gestão da quantidade de água. Estas estruturas integram as entidades Além de outras, pode ainda se referir, no plano do regionais de desenvolvimento (Zuivering Shapen) e Governo Federal e como agência autônoma na as associações da água (Water Shappen), a maior dependência direta do presidente, a já citada Agência parte delas já muito antigas, constituídas de da Proteção do Meio Ambiente (EPA), que é a representantes dos proprietários agrícolas e urbanos autoridade ao mais alto nível em matéria de controle e superintendidas por delegados do Governo Central de poluição das águas. ou dos governos das províncias em que se situa cada associação da água. Estas associações dispõem de Na contextura dos estados, as estruturas de comissões executivas com funções administrativas intervenção nos problemas da água são, de modo e técnicas (CUNHA et alii, 1980). geral, de dois tipos: agências que administram os direitos sobre a água , através da concessão de Além de cuidarem dos problemas a que se fez autorizações para utilização da água e, mais referência, as associações da água têm procurado recentemente, agências instituídas nos termos da mais recentemente atender também aspectos de legislação sobre controle de poluição das águas. As qualidade da água por meio de um adequado agências destes dois tipos são, freqüentemente, controle dos níveis freáticos e procurando impedir independentes umas das outras. a poluição causada por efluentes domésticos e industriais. Além das entidades instituídas no plano federal e estadual, há nos Estados Unidos vários tipos de Haja vista a existência de numerosas associações agências independentes, com representação federal, da água, com importância e dimensões muito estadual ou local, que levam a efeito os programas variáveis, a Lei de 1969 (referida mais adiante) previu específicos de desenvolvimento dos recursos hídricos a redução do número de unidades da gestão da água em determinadas unidades da gestão. Mereceu do País. destaque, para os objetivos deste trabalho, os distritos especiais estaduais, que são unidades locais A poluição das águas superficiais, originada nos do Governo, estabelecidas pela lei estadual, para países que lançam efluentes nos rios internacionais planejar, construir e assegurar a manutenção de que deságuam na Holanda, a exemplo do Reno, obras locais. constitui um grande problema para a Nação, pois a água desse rio assegura 65% das necessidades de abastecimento do País. 31 3. Base Conceitual Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará A responsabilidade da gestão das águas superficiais – os utilizadores que lançam efluentes devem na Holanda cabe ao Ministério dos Transportes e pagar taxas cujo montante é estabelecido em Obras Públicas, através do Estado das Águas função da poluição provocada e que se destinam Governamentais (Rijkswaterstaat), com o apoio do a cobrir as medidas de prevenção e luta contra Conselho Consultivo para a Água (Waterstaat). Em a poluição das águas superficiais. cada uma das onze províncias há delegações do “Rijkswaterstaat” que asseguram localmente a 3.3.4 O MODELO DE ISRAEL execução da política da água. Existe ainda um Instituto do Estado para a Depuração das Águas Israel situa-se numa região cujo clima varia entre Residuais (RIZA) que desenvolve atividades de mediterrânico e desértico, sendo a precipitação anual investigação. O RIZA é independente do média no País relativamente baixa. Alguns pequenos “Rijkswaterstaat”, mas mantém com ele estreitos rios abastecem as zonas costeiras, a área de planície contatos (CUNHA et alii, 1980). e alguns pequenos vales, porém a maior parte da água destinada à irrigação vem de aqüíferos e do Para facilitar a coordenação de atividades, Mar da Galiléia, de onde é transferida para o Deserto relacionadas com recursos hídricos, exercidas por de Negev. diversos departamentos, funciona no “Rijkswaterstaat” uma seção do Conselho Uma das principais dificuldades, que se apresentaram Consultivo para a Água que é obrigatoriamente ao Estado de Israel, consistiu na falta de uma ouvido sobre todos os problemas importantes legislação sobre águas, adaptada à situação de relativos à qualidade da água. exigência de auto-suficiência do país referente ao suprimento hídrico, sem a qual não parecia possível O Conselho Consultivo da Água é composto por o necessário desenvolvimento agrícola e industrial. representantes dos ministérios competentes nos assuntos referentes a recursos hídricos, às atividades Desta forma, após a criação do Estado de Israel, industriais e da agricultura, representantes das teve inicio a preparação de uma lei de águas. De províncias, das associações da água, dos municípios, fato, logo no início da década de 1950, foi constituída da Associação dos Industriais de Abastecimento de uma comissão de peritos e representantes da Água, da Associação Holandesa de Depuração e da Administração, que ao longo de 7 (sete) anos Associação de Proteção da Natureza. preparou um projeto de legislação que deu origem, após discussão e introdução de algumas alterações, A principal legislação relativa a águas em vigor na à Lei de Águas de 1959. No desenvolvimento dos Holanda é constituída pela Lei de 1969, já referida, trabalhos preparatórios da referida Comissão, e no relativa à poluição das águas superficiais (incluindo sentido de ir dando solução a algumas questões mais as águas de estuários e marítimas territoriais), e pelo urgentes que faziam parte do problema global dos Decreto de 1970 relativo à poluição das águas geridas recursos hídricos, foram promulgadas 3 (três) leis, pelo Estado, o qual regulamenta a Lei de 1969. A ainda em vigor: a Lei de 1955 relativa à abertura de Lei de 1969 baseia-se em dois princípios furos de captação de água, a Lei de 1955 relativa à fundamentais: medição dos consumos de água e a Lei de 1957 relativa à drenagem e controle de cheias. As 4 – a emissão de efluentes nas águas superficiais (quatro) leis referidas são os diplomas básicos da (rios, estuários e águas marítimas territoriais) legislação israelense referentes a recursos hídricos carece de autorização prévia das autoridades (CUNHA et alii, 1980). competentes, quer os efluentes sejam ou não sujeitos a depuração; e A aplicação e regulamentação das leis israelenses relativas à água são da responsabilidade do Ministério 3. Base Conceitual 32 da Agricultura, cuja jurisdição abrange todos os – propriedade e condições de utilização da água; problemas da água. A gestão das águas é da competência de um Comissariado da Água nomeado – preço da água e Fundo de Compensação de pelo Governo, em dependência hierárquica do Tarifas; referido Ministério. Este comissariado exerce as suas funções executivas por intermédio de um organismo – projetos de obras hidráulicas e recarga de denominado Comissão da Água. aqüíferos; Como órgão consultivo, existe o Conselho da Água – participação das populações na gestão da água; e cujos membros são nomeados pelo Governo. Esse Conselho é presidido pelo Ministro da Agricultura e – sanções e disposições diversas. constituído por cerca de 30 (trinta) representantes do Governo, das populações e da Organização A Lei estabelece que os recursos hídricos são do Sionista Mundial e suas instituições, não podendo o domínio público, estão sob o controle do Estado e número de representantes das populações ser inferior destinam-se à satisfação das necessidades da a dois terços do total. Estes últimos devem incluir população e do desenvolvimento do País. Deste representantes dos consumidores, em função dos modo, a Lei não reconhece o direito à propriedade volumes do consumo, para os vários fins, e privada da água, apenas concedendo aos cidadãos representantes dos distribuidores. O número de o direito à sua utilização. representantes dos consumidores não deve ser A água pode ser utilizada mediante autorização de inferior à metade do total dos membros do Conselho. captação concedida pelo Comissariado da Água com As principais funções do Conselho da Água são dar a validade de um ano e determinando as quantidades parecer ao ministro da agricultura relativamente às de água que podem ser captadas, distribuídas e questões de política da gestão das águas e à consumidas, assim como as diversas condições a promulgação de regras e regulamentos considerados que fica sujeita a utilização em causa. As licenças importantes. são concedidas a entidades distribuidoras de água, devendo então as respectivas licenças especificar Vale ressaltar, ainda, um conjunto de entidades, os usuários e os correspondentes consumos. algumas das quais com estatuto de empresa privada, que asseguram, nacional e regionalmente, o Além das disposições referidas, a Lei de Águas de abastecimento de água. No plano regional, intervêm 1959 contém, relativamente às condições de em regra as autoridades regionais da água, utilização da água, diversas outras disposições no competindo-lhes instalar, conservar e gerir os sentido de assegurar que este uso seja eficaz sem sistemas de abastecimento de água. Nas zonas desperdícios e não prejudique a qualidade da água. eventualmente não sujeitas às autoridades regionais Neste sentido, a Lei determina que os utilizadores da água, a responsabilidade do abastecimento é da água devem proceder de forma eficiente e manter confiada à Autoridade Nacional da Água. Tanto a nas devidas condições qualquer instalação ou Autoridade Nacional como as autoridades regionais equipamento de utilização da água sob o seu podem ter o caráter de empresas públicas, não controle, no sentido de evitar perdas e poluição de existindo relações hierárquicas entre elas e todas água, bem como de impedir a obstrução, dependendo diretamente do Ministério da esgotamento ou poluição de todos os recursos Agricultura. hídricos. A Lei de Águas de 1959 regula e normatiza os Tendo-se reconhecido a insuficiência destas seguintes aspectos (CUNHA et alii, 1980): disposições no que diz respeito à defesa da qualidade 33 3. Base Conceitual Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará da água, foi promulgado, em 1971, o Aditamento à utilizar água através de sistemas que possibilitem a Lei de Águas de 1959 relativo à prevenção da medição das quantidades captadas, para efeito do poluição das águas. No sentido da prevenção da respectivo pagamento. poluição das águas, o Aditamento de 1971 dá poderes ao ministro da Agricultura para, após 3.3.5 O MODELO DO CHILE consulta ao Conselho da Água, promulgar regulamentos restringindo, proibindo ou No setor hídrico do Chile existe uma dispersão condicionando os usos que afetam a qualidade das institucional que produz contradições e, às vezes, águas. superposição de competências. As responsabilidades principais em relação à gestão da água e à De acordo com o estabelecido na Lei de 1959, o implantação do Código de Águas se concentram na ministro da Agricultura pode estabelecer tarifas para Direção Geral de Água (Dirección General de Aguas pagamento do custo da água. Estas tarifas podem - DGA), um órgão vinculado ao Ministério de Obras ser fixadas com generalidade ou referirem-se apenas Públicas (MOP), que tem caráter multissetorial a determinada categoria de utilizadores ou região. (JOURAVLEV, 2001). A política dos recursos hídricos adotada tem por À DGA compete: objetivo não só produzir benefícios econômicos, mas também atingir determinados objetivos políticos, – planejar o desenvolvimento dos recursos sociais, tais como a segurança nacional e a hídricos nos corpos naturais com a finalidade conservação das colônias agrícolas tradicionais e do de formular propostas para seu aproveitamento; respectivo estilo de vida. Outra determinante desta política é a necessidade de se assegurar que o – outorgar os direitos de aproveitamento de águas; aumento do rendimento nacional não determine o aumento do consumo de água, cujas disponibilidades – monitorar os recursos hídricos; são muito reduzidas. Considera-se que os recursos – exercer o poder de polícia e a fiscalização das hídricos estão já praticamente utilizados, sendo cerca águas nos corpos hídricos naturais de uso de 80% empregados na agricultura. público; e Outra característica fundamental da legislação das – super visionar o funcionamento das águas em Israel é estabelecer larga participação das organizações de usuários. populações e das entidades privadas na gestão das águas, quer no plano da definição de políticas, quer A DGA integra, ainda, o Sistema de Avaliação de no contexto de sua execução. Impacto Ambiental, que coordena a Comissão Nacional do Meio Ambiente (Comisión Nacional del O controle da qualidade das águas não é integrado Medio Ambiente – CONAMA) criada em função da numa política da gestão global dos recursos hídricos, Lei Nº 19.300, de 09 de março de 1994. Constituída talvez porque a escassez desses recursos justifique de 13 (treze) Direções Regionais, que abrangem todo a defesa rígida e intransigente da qualidade natural o território do País, a descentralização de funções das águas. Assim, procura-se controlar a poluição tem sido uma política permanente da DGA. da água através de sanções que podem ir até ao corte do abastecimento de água àquelas pessoas ou Existem outras entidades públicas que têm entidades que não acatem as imposições da atribuições em questões referentes ao uso e controle Administração no sentido de cessarem atividades que dos recursos hídricos. Uma destas instituições é a dêem origem à poluição. Com o objetivo de evitar Direção de Obras Hidráulicas (Dirección de Obras desperdícios, a lei estabelece que só é permitido Hidráulicas) , um organismo também vinculado ao 3. Base Conceitual 34 MOP, que tem como missão executar obras Os resultados dessas discussões estão contidos em hidr áulicas dentro de um enfoque de cartas aprovadas pela Assembléia Geral da ABRH, desenvolvimento integrado de bacias hidrográficas, rotuladas com os nomes das cidades nas quais visando ao uso eficiente dos recursos hídricos ocorreram os encontros. Através destes documentos, disponíveis. Essa instituição tem uma participação pode-se acompanhar a evolução dos debates ativa no planejamento do uso dos recursos hídricos, referentes aos aspectos institucionais da gestão dos assim como na avaliação, construção e conservação recursos hídricos. Por exemplo: do conjunto das obras hídricas da bacia. – na Carta de Salvador foram introduzidos O modelo institucional vigente apresenta certas tópicos institucionais, como múltiplos usos dos vantagens. O fato de a DGA não ser uma instituição recursos hídricos, descentralização e setorial e não executar obras de aproveitamento, lhe participação, sistema nacional de gerenciamento, permite desempenhar seu papel regulador e reformas legais, desenvolvimento tecnológico normativo com grande imparcialidade, evitando a para treinamento de recursos humanos, sistema distorção da função reguladora, favorecendo o de informações de recursos hídricos e política desenvolvimento economicamente eficiente das nacional de recursos hídricos; ações setoriais. – a Carta de Foz do Iguaçu aborda alguns No Chile são observados alguns problemas princípios básicos da gestão de recursos decorrentes da ausência de uma gestão integrada hídricos, incluindo o reconhecimento do valor dos recursos hídricos, dentre os quais se destacam econômico da água bruta e a cobrança pelo os seguintes: seu uso, e recomenda a instituição de um sistema nacional para gestão de recursos – a administração dos recursos hídricos não é hídricos; realizada com base nas bacias hidrográficas, e sim nos rios, isoladamente; e – a Carta do Rio de Janeiro, dedicada aos recursos hídricos e ao meio ambiente, – gestão independente dos aspectos relativos a estabelece como prioridades nacionais, nestes qualidade e a quantidade das águas. setores, o combate à poluição dos corpos d’água e o planejamento e o gerenciamento integrados Para superar estes problemas, foram propostas de bacias hidrográficas e de áreas costeiras. algumas alterações no Código de Águas, que ora estão sendo discutidas no sentido de fortalecer Finalmente, após dezenas de encontros e seminários algumas funções da DGA e favorecer a gestão realizados em vários locais do País, em 8 de janeiro integrada da água, como, por exemplo, a criação de de 1997, o Presidente da República sancionou a Lei entidades administradoras de bacias. Nº 9.433, que define a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento 3.3.6 O MODELO DO BRASIL de Recursos Hídricos. Trata-se de uma lei avançada e importante para a ordenação territorial do País, As discussões sobre a proposta de um sistema mas implica mudanças consideráveis dos nacional de gerenciamento dos recursos hídricos, administradores públicos e dos usuários, já que no Brasil, surgiram em 1987 no âmbito da Associação requer receptividade ao processo de constituição de Brasileira dos Recursos Hídricos (ABRH), quando parcerias. da realização do Simpósio Nacional de Salvador, e prosseguiram durante os encontros promovidos pela O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos referida entidade em Foz do Iguaçu, em 1989, e no Hídricos, estabelecido pela Lei Nº 9.433, deve Rio de Janeiro, em 1991. cumprir os seguintes objetivos: 35 3. Base Conceitual Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará – coordenar a gestão integrada das águas; – o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos. – arbitrar administrativamente os conflitos ligados ao uso da água; A principal dificuldade observada nos anos subseqüentes à aprovação da Lei Nº 9.433, referia- – implementar a Política Nacional de Recursos se ao arranjo institucional do Sistema Nacional de Hídricos; Gerenciamento de Recursos Hídricos que carecia de um órgão com a atribuição executiva de – planejar, regular e controlar o uso, a implementar a Política Nacional de Recursos preservação e a recuperação dos recursos Hídricos. Concluiu-se que um sistema, baseado hídricos; e quase que exclusivamente na ação dos comitês de bacias, não poderia se estruturar para atender – promover a cobrança pelo uso da água. atividades essencialmente técnicas, como a concessão de outorgas, ou mesmo para a Conforme a Lei Nº 9.433, integram o Sistema implementação de sistemas complexos de cobrança Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos: pelo uso da água. Em face a essa necessidade, após discussões em diferentes níveis do Governo Federal – o Conselho Nacional de Recursos Hídricos; e no meio técnico, em 17 de julho de 2000, o – os conselhos de recursos hídricos dos estados Presidente da República sancionou a Lei Nº 9.984, e do Distrito Federal; criando a Agência Nacional de Água – ANA, uma agência governamental na forma de autarquia sob – os comitês de bacias hidrográficas; regime especial para o desenvolvimento do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. – os órgãos de governo cujas competências se relacionam com a gestão de recursos hídricos; A ANA, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e dotada de autonomia administrativa e financeira, – as agências de água. tem o objetivo de disciplinar a utilização dos recursos hídricos, de forma a controlar a poluição e o Dentre as principais inovações introduzidas pela Lei desperdício, para garantir a disponibilidade das águas Nº 9.433, está o estabelecimento claro dos para as gerações futuras. instrumentos da gestão que devem ser utilizados para viabilizar a implantação da Política Nacional de 3.3.7 O MODELO DO CEARÁ Recursos Hídricos: A Política Estadual de Recursos Hídricos, instituída – os planos de recursos hídricos; pela Lei Nº 11.996, de 24 de julho de 1992, apresenta os seguintes princípios fundamentais: – o enquadramento dos corpos de água em classes de usos preponderantes; n o gerenciamento dos recursos hídricos deve ser integrado, descentralizado e participativo, sem – a outorga dos direitos de uso dos recursos a dissociação dos aspectos qualitativos e hídricos; quantitativos, considerando as fases aérea, superficial e subterrânea do ciclo hidrológico; – a cobrança pelo uso dos recursos hídricos; n a unidade básica a ser adotada para o – a compensação aos municípios; e gerenciamento dos potenciais hídricos é a bacia hidrográfica, como decorrência de condicionante 3. Base Conceitual 36 natural que governa as interdependências entre gestão), órgãos responsáveis pelas obras e serviços as disponibilidades e as demandas de recursos de oferta, utilização e preservação dos recursos hídricos em cada região; hídricos (sistemas afins), entidades encarregadas por serviços de planejamento e coordenação geral, n a água, como recurso limitado que desempenha incentivos econômicos e fiscais, ciência e tecnologia, importante papel no processo de defesa civil e meio ambiente (sistemas correlatos), desenvolvimento econômico e social, impõe bem como aqueles organismos representativos dos custos crescentes para sua obtenção, tornando- usuários de águas e da sociedade civil. Deste modo, se um bem econômico de expressivo valor, a estrutura do SIGERH é a apresentada a seguir: decorrendo que – – Conselho de Recursos Hídricos do Ceará – – a cobrança pelo uso da água é CONERH; entendida como fundamental para a racionalidade de seu uso e conservação – Comitê Estadual de Recursos Hídricos – COMIRH; e instrumento de viabilização de recursos para o seu gerenciamento; e – Secretaria dos Recursos Hídricos – órgão gestor; – o uso da água para fins de diluição, transporte e assimilação de esgotos – Fundo Estadual de Recursos Hídricos – FUNORH; urbanos e industriais, por competir com outros usos, deve ser também objeto – Comitê de Bacias Hidrográficas – CBH‘s; de cobrança; – Comitê das Bacias da Região Metropolitana de Fortaleza – CBRMF; n sendo os recursos hídricos bens de usos múltiplos e competitivos, a outorga de direitos – instituições estaduais, federais e municipais de seu uso é considerada instrumento essencial responsáveis por funções hídricas. para o seu gerenciamento. Passados mais de dez anos do estabelecimento da Lei Nº 11.996, o projeto de uma nova lei de recursos O Sistema Integrado de Gestão de Recursos hídricos, discutido com os comitês de bacias e Hídricos – SIGERH, estabelecido pela Lei Nº aprovado pelo Conselho Estadual, encontra-se 11.996, visa à coordenação e execução da Política pronto para ser enviado à Assembléia Legislativa Estadual de Recursos Hídricos, bem como à Estadual. A nova lei propiciará melhor formulação, atualização e execução do Plano compatibilização da legislação estadual de recursos Estadual de Recursos Hídricos. O SlGERH congrega hídricos com a Lei Federal Nº 9.433 e com a lei de instituições estaduais, federais e municipais, criação da COGERH, ambas estabelecidas em datas intervenientes no planejamento, administração e posteriores à Lei Nº 11.996. regulamentação dos recursos hídricos (sistema da 37 3. Base Conceitual 4 Análise Qualitativa dos tipos de Órgãos Gestores e de Agências de Água E m função, entre outros aspectos, de ser um As experiências vivenciadas pela União e por alguns país com vasto território, possuindo regiões estados, na tentativa de avançarem na que apresentam diversidades geográficas, implementação de suas políticas de recursos econômicas e culturais, o Brasil ensejou o hídricos, demonstram relativo sucesso referente ao surgimento, a partir do início dos anos 1990, de envolvimento dos usuários e da sociedade no uma variada gama de modelos institucionais de processo da gestão das águas e grandes dificuldades recursos hídricos, cada um r etratando os inerentes à estruturação dos órgãos gestores e à condicionantes físicos, socioeconômicos e políticos implantação das agências de água. No presente de cada estado-membro da Federação. capítulo, realiza-se uma análise qualitativa de alguns tipos de órgãos gestores e de alguns modelos de Os modelos apresentados pelos estados brasileiros, agências de água, no que diz respeito às atribuições embora diferentes quanto às orgânicas institucionais e competências no âmbito da gestão dos recursos existentes ou propostas, se assemelham em relação hídricos. Esta análise, em relação aos órgãos gestores, aos fundamentos, aos objetivos, às diretrizes gerais, é desenvolvida com o enfoque em quatro aspectos aos instrumentos da gestão e aos organismos considerados relevantes para a gestão de recursos consultivos (conselhos estaduais e comitês de bacias hídricos: hidrográficas) previstos nas suas legislações. A justificativa para tal semelhança está no fato da – relação institucional da função gestão com as influência exercida pelo modelo francês sobre os demais funções hídricas; modelos estaduais mais antigos (São Paulo e Ceará) e sobre o modelo nacional (Lei 9.433), que, por sua – autonomia administrativa e financeira da vez, forneceu as linhas gerais para os novos modelos entidade; estaduais. – sustentabilidade do sistema da gestão dos Passada a fase de estabelecimento das políticas e recursos hídricos; de criação dos suportes legais, tanto pela União, quanto pelos estados, o desafio atual é como – atendimento aos pr incípios da gestão estruturar e manter os sistemas institucionais participativa e descentralizada dos recursos necessários para a implementação dos instrumentos hídricos. ou mecanismos da gestão de recursos hídricos. 39 Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará Quanto às agências de água, em função de todas – no caso da Região Nordeste, a amostra deve estarem em fase embrionária, e apresentarem, contemplar as experiências de órgãos gestores, praticamente, as mesmas atribuições e implantados ou em decurso de implantação, competências, aborda-se simplesmente os entraves concebidos para exercer as funções da gestão e dificuldades inerentes aos seus processos de de recursos hídricos em parceria com as implantação. respectivas secretarias de estado. Desta maneira, foram selecionados 6 (seis) casos 4.1 AMOSTRA SELECIONADA de órgãos gestores e 4 (quatro) de agências de água ou de bacia, conforme a relação apresentada a seguir: Para a realização da análise referida anteriormente, foi escolhido um elenco de entidades, com n ÓRGÃOS GESTORES atribuições de órgão gestor ou de agência de água, integrantes do sistema de recursos hídricos de alguns – Superintendência de Desenvolvimento dos estados brasileiros. Os critérios adotados para a Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental do escolha das entidades a serem analisadas estão Estado do Paraná – SUDERHSA; relacionados na seqüência: – Departamento de Águas e Energia Elétrica do – considera-se órgão gestor para efeito desta Estado de São Paulo – DAEE; análise, a instituição da administração pública indireta (autarquia, fundação ou companhia de – Instituto Mineiro de Gestão das Águas – economia mista) que desempenha ou venha a IGAM; desempenhar funções da gestão de recursos – Agência de Águas, Irrigação e Saneamento do hídricos; Estado da Paraíba – AAGISA; – a amostra deve apresentar instituições, dentro – Instituto de Gestão das Águas do Estado do do possível, das regiões brasileiras (Sul, Sudeste Rio Grande do Norte – IGARN; e Nordeste) onde os problemas de escassez de água, relacionados com a sua quantidade ou – Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos qualidade, levaram os estados à estruturação do Estado do Ceará – COGERH. de qualquer embasamento institucional para a gestão dos recursos hídricos; n AGÊNCIAS DE ÁGUA – no caso das Regiões Sul e Sudeste, a amostra deve conter órgãos gestores daqueles estados – Agência das Bacias Hidrográficas do Alto Iguaçu (Paraná, São Paulo e Minas Gerais), cujas e Alto Ribeira (Paraná); legislações preconizam a criação de agências de água e que tenham este processo já iniciado; – Agência das Bacias Hidrográficas dos Rios Sorocaba e Médio Tietê – ABH-SMT (São – a amostra deve relacionar os casos de agências Paulo); de água ou de bacia, em fase de discussão, criação ou implantação, dos estados da Região – Agência das Águas do Comitê para Integração Sul e Sudeste (Paraná, São Paulo e Minas da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul – Gerais) onde também são selecionados para Agência do CEIVAP (São Paulo, Minas Gerias análise os órgãos gestores; e e Rio de Janeiro); e 4. Análise Qualitativa 40 – Agência das Bacias Hidrográficas dos Rios Pará, – aplicar penalidades por infrações previstas na Paraopeba e Velhas (Minas Gerais). Lei Estadual Nº 12.726. No que concerne à gestão de recursos hídricos, para 4.2 ANÁLISE DOS ÓRGÃOS GESTORES cumprir com os encar gos decorrentes das competências que lhe foram delegadas, conforme 4.2.1 SUDERHSA disposto anteriormente, a SUDERHSA deverá organizar suas ações mediante as seguintes linhas n CARACTERIZAÇÃO mestras de atuação: – suporte institucional e técnico ao funcionamento A Superintendência de Desenvolvimento de do Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental – Recursos Hídricos – SEGRH/PR; SUDERSHA é uma autarquia vinculada à Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – planejamento da gestão de recursos hídricos; do Paraná. Por força do Decreto Nº 2.317, de 15 de julho de 2000, que regulamenta o Artigo 33 da – a manutenção e a operacionalização dos Lei Nº 12.726, de 26 de novembro de 1999, foram instrumentos técnicos, administrativos e delegadas à SUDERHSA as competências financeiros necessários à gestão dos recursos relacionadas à formulação e à execução da Política hídricos; Estadual de Recursos Hídricos, em particular no que concerne às atividades relativas ao funcionamento – monitoramento quantitativo e qualitativo dos operacional do Sistema Estadual de Gerenciamento recursos hídricos; de Recursos Hídricos – SEGRH/PR. – a fiscalização do uso de recursos hídricos; Como competências delegadas à SUDERHSA, pode-se destacar: – a organização e a execução das incumbências próprias ao exercício da Secretaria Executiva – encaminhar à deliberação do Conselho Estadual do Conselho Estadual de Recursos Hídricos – de Recursos Hídricos – CERH/PR a proposta CERH/PR; do Plano Estadual de Recursos Hídricos – PLERH/PR, e suas modificações, tendo os – a gestão do Fundo Estadual de Recursos planos de bacia hidrográfica como base; Hídricos – FRHI/PR. – outorgar e suspender o direito do uso da água, A SUDERHSA poderá assumir, em cumprimento mediante procedimentos próprios; aos termos do seu regulamento, a instituição de comitês de bacia hidrográfica, e, por delegação – gerir o Sistema Estadual de Informações sobre expressamente aprovada por estes, os encargos Recursos Hídricos e manter cadastro de usos e inerentes às unidades executivas descentralizadas – usuários das águas; UED´s (agências de água), a serem exercidos durante o prazo a ser determinado pelo Conselho – autorizar a cobrança pelo direito de uso dos Estadual de Recursos Hídricos – CERH/PR, recursos hídricos, mediante delegação às enquanto não se efetivarem a sua criação e as agências de água, consórcios intermunicipais de condições de operacionalização. bacia hidrográfica ou associações de usuários de recursos hídricos, ou realizá-la diretamente; e 41 4. Análise Qualitativa Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará Além de disponibilizar serviços relacionados com a tanto da performance da SUDERHSA, como do gestão de recursos hídricos, a SUDERHSA põe em sucesso na implantação das unidades executivas prática serviços técnicos de engenharia no controle descentralizadas – UED’s que exercerão o papel de da erosão e recuperação de áreas degradadas, agências de água. Neste momento, em que se inicia executa obras de saneamento e drenagem, a implantação da Política Estadual de Recursos desenvolve e executa programas de resíduos sólidos, Hídricos e de funcionamento do Sistema Estadual coordenando as atividades relativas à coleta e destino de Gerenciamento de Recursos Hídricos, é de final. fundamental importância a atuação da SUDERHSA na figura de órgão com delegação para exercer as n ANÁLISE funções da gestão das águas. Alguns insucessos, no alcance da missão designada a essa instituição, poderão advir da sua falta de autonomia Tendo por base a classificação apresentada neste administrativa e financeira. trabalho (Capítulo 3, 3.1 – Funções Hídricas), observa-se, por suas atribuições e competências, que Embora o Estado do Paraná esteja dividido em 16 a SUDERHSA desempenha as funções da gestão e regiões hidrográficas, a estrutura da SUDERHSA, preservação dos recursos hídricos. Neste caso, não compreendendo a sede em Curitiba e mais 6 (seis) se constatam desvios de função que venham pôr escr itórios regionais, possibilita razoável em risco a missão institucional do órgão, quanto ao descentralização das atividades relativas à gestão de gerenciamento dos recursos hídricos. Entretanto, recursos hídricos. Uma estrutura mais apresenta o sistema uma disfunção ao exercer ações descentralizada com escritórios em todas as regiões de saneamento ambiental, tais como execução de hidrográficas, funcionando como secretarias aterros sanitários e programas de coleta de lixo, executivas dos comitês de bacias, facilitaria o atividades inerentes às funções utilizadoras do meio processo da gestão participativa. Contudo, há de se ambiente e dos recursos hídricos. levar em conta o fator economia de escala, não sendo viável, muitas vezes, a instalação de escritórios em A personalidade jurídica de autarquia não enseja à todas as bacias. Por outro lado, a falta de autonomia SUDERHSA autonomia administrativa e financeira inerente às autarquias também dificulta os processos desejável para desenvolver todas as funções da de descentralização e participação, para os quais são gestão dos recursos hídricos. Embora as instituições indispensáveis agilidade e flexibilidade administrativa, autárquicas, à luz dos aspectos legais e jurídicos, além de recursos financeir os para suas sejam as mais recomendadas para exercer certas implementações. Uma gestão totalmente funções da gestão de recursos hídricos, descentralizada e amplamente participativa poderá fundamentalmente no que se refere à regulamentação ser alcançada com a implantação das agências de e ao poder de polícia sobre as águas, essas entidades água, desde que tenham autonomia administrativa e apresentam limitações de ordem administrativa e financeira. financeira, impostas pela burocracia estatal, que lhes impedem de possuir maior agilidade e flexibilidade gerencial para a operacionalização do gerenciamento 4.2.2 DAEE das águas. Um dos exemplos de limitação que a burocracia estatal impõe às autarquias é o controle n CARACTERIZAÇÃO de seus recursos financeiros, inclusive oriundos de receita própria, por parte do Tesouro estadual. Inspirado no modelo norte-americano do Vale do Tennessee, de aproveitamento múltiplo da água, o A sustentabilidade do sistema da gestão de recursos Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado hídricos, no caso do Estado do Paraná, decorrerá de São Paulo – DAEE se transformou, desde a sua 4. Análise Qualitativa 42 criação em 12 de dezembro de 1951, em uma das suporte técnico-administrativo aos comitês de mais importantes entidades de recursos hídricos do bacias hidrográficas e suas câmaras técnicas; País, acumulando, nesse período, importantes atendimento aos usuários de recursos hídricos. responsabilidades e realizações. – Centro Técnico – assessoria técnica; elaboração Atualmente, o DAEE é o órgão gestor dos recursos de estudos e projetos; acompanhamento e hídricos do Estado de São Paulo. Para melhor fiscalização de obras; análise e desenvolver suas atividades, e exercer suas acompanhamento dos projetos do Fundo atribuições conferidas por lei, atua de maneira Estadual de Recursos Hídricos – FEHIDRO; descentralizada, no atendimento aos municípios, coordenação de convênios com prefeituras. usuários e cidadãos, executando a Política de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, bem – Unidades de serviços e obras – coordenação como coordenando o Sistema Integrado de Gestão dos serviços de máquinas do DAEE, no campo de Recursos Hídricos, nos termos da Lei Nº 7.663, dos recursos hídricos, realizados em parceria adotando as bacias hidrográficas como unidade com as prefeituras (com “drag-lines”, físico- territorial de planejamento e gerenciamento. escavadeiras hidráulicas, pás-carregadeiras, tratores de lâmina, valetadeir as, retro- Compete ao DAEE, no âmbito do Sistema Integrado escavadeiras etc). Dispõe também de fábricas de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SIGRH: de tubos de concreto. – autorizar a implantação de empreendimentos n ANÁLISE que demandem o uso de recursos hídricos; Verifica-se, por suas atuais atribuições e – cadastrar os usuários e outorgar o direito de competências, que o DAEE desempenha, uso dos recursos hídricos; e fundamentalmente, as funções da gestão e oferta – efetuar a cobrança pelo uso dos recursos (construção de obras hidráulicas) dos recursos hídricos. hídricos. À primeira vista, não se constatam sérios desvios de função que venham pôr em risco a missão Na reorganização do DAEE, incluiram-se, entre as institucional do órgão, quanto ao gerenciamento dos suas atribuições, estrutura e organização, as unidades recursos hídricos. Contudo, as experiências técnicas e de serviços necessários ao exercício das institucionais têm demonstrado que, no caso do Brasil funções de apoio ao Conselho Estadual de Recursos e de muitos outros países, quando se junta atribuições Hídricos – CRH e a participação no Comitê da gestão e da execução de obras no mesmo Coordenador do Plano Estadual de Recursos organismo, a tendência é da secundarização do Hídricos – CORHI. gerenciamento dos recursos hídricos, em função dos grandes interesses que estão em torno do setor de Além de sua sede na cidade de São Paulo, o DAEE construção. conta com 8 (oito) diretorias Regionais, descentralizadas, chamadas diretorias de bacia, que A personalidade jurídica de autarquia não garante têm em seu organograma funcional unidades técnicas ao DAEE autonomia administrativa e financeira que desenvolvem várias atividades relativas aos suficiente para desenvolver todas as funções da recursos hídricos, resumidas a seguir: gestão dos recursos hídricos. Acerca desta característica da entidade, vale a mesma análise – Centro de Gerenciamento de Recursos elaborada para a SUDERHSA. Embor a as Hídricos – outorga, fiscalização, planejamento instituições autárquicas, à luz dos aspectos legais e e cadastramento; atuação, participação e jurídicos, sejam as mais recomendadas para exercer 43 4. Análise Qualitativa Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará certas funções da gestão de recursos hídricos, 4.2.3 IGAM fundamentalmente no que se refere à regulamentação e ao poder de polícia sobre as águas, essas entidades n CARACTERIZAÇÃO apresentam limitações de ordem administrativa e financeira, impostas pela burocracia estatal, que lhes O Instituto Mineiro de Gestão das Águas – IGAM é impedem de possuir maior agilidade e flexibilidade vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente gerencial para a operacionalização do gerenciamento e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais. das águas. Um dos exemplos de limitação que a Criado na Lei Nº 12.584, de 17 de julho de 1997, o burocracia estatal impõe às autarquias é o controle IGAM é uma autarquia dotada de personalidade de seus recursos financeiros, inclusive oriundos de jurídica de direito público, com sede e foro na cidade receita própria, por parte do Tesouro estadual. de Belo Horizonte e jurisdição em todo o território do Estado, tendo como finalidade: A sustentabilidade do sistema da gestão de recursos hídricos, no caso do Estado de São Paulo, ocorre – propor e executar diretrizes relacionadas à em função da atuação do DAEE e da capacidade gestão das águas no território mineiro e à Política dos comitês para estruturação das agências de bacia. Estadual de Recursos Hídricos; Nesta etapa de implantação da Política Estadual de Recursos Hídricos e de início de funcionamento do – programar, coordenar, supervisionar e executar Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos estudos que visem à elaboração e à aplicação Hídricos, é de fundamental importância a atuação dos instrumentos da gestão das águas e da do DAEE na figura de órgão com delegação para Política Estadual de Recursos Hídricos; e exercer as funções da gestão das águas. – promover, avaliar, incentivar e executar estudos Conforme abordagem anterior, o DAEE conta com e projetos de proteção e conservação das águas, 8 (oito) diretorias regionais que, em parceria com visando à sua utilização racional integrada e ao os comitês, gerenciam os recursos hídricos das 22 seu aproveitamento múltiplo. (vinte e duas) bacias hidrográficas do Estado de São Paulo. Mesmo com as dificuldades inerentes a uma De acordo com as Leis Nos 12.584 e 13.199 (cria a antiga instituição que busca se amoldar a um novo Política Estadual de Recursos Hídricos) as principais paradigma em política de recursos hídricos, o DAEE competências do IGAM são: mantém estreita relação com os comitês de bacias hidrográficas, exercendo o papel de secretaria – gerir o Sistema Estadual de Informações sobre executiva da maioria deles. Entretanto, como Recursos Hídricos; autarquia, enfrenta as mesmas dificuldades da SUDERHSA para desempenhar seu papel de órgão – manter sistema de fiscalização de uso das águas; implementador da gestão par ticipativa e descentralizada das águas. No caso do Estado de – incentivar e prestar apoio técnico à criação e à São Paulo, também vale a ressalva de que este implementação de comitês e agências de bacias modelo de gerenciamento poderá ser alcançado com hidrográficas; a implantação das agências de bacias previstas na Lei Nº 7.663. – superintender o processo de outorga e de suspensão de direito de uso de recursos hídricos; e – coordenar tecnicamente a elaboração dos planos diretores de recursos hídricos. 4. Análise Qualitativa 44 n ANÁLISE Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Minerais – SEMARH, foi criada pela Lei Nº 7.033, de 21 de De acordo com as competências ora mencionadas, novembro de 2001, com a finalidade de implementar nota-se que o IGAM desempenha especificamente em sua esfera de atribuições a Política Estadual de a função da gestão dos recursos hídricos. Apresenta, Recursos Hídricos, e exercer, mediante atribuições portanto, à luz das relações institucionais entre as expressas na lei ou delegações dos titulares de funções hídricas, o arranjo considerado ideal. direitos, a regulação e fiscalização das atividades de irrigação e saneamento no território do Estado da Contudo, conforme referido, a personalidade Paraíba. jurídica de autarquia não garante ao IGAM autonomia administrativa e financeira desejável para São atribuições da AAGISA: desenvolver todas as funções da gestão dos recursos hídricos. Esta é uma característica das autarquias que impõe limitações ao processo da gestão das – receber delegações de atribuições para a águas. execução de atividades relacionadas com a gestão de águas do domínio da União que lhe A sustentabilidade do sistema da gestão de recursos sejam transferidas na forma da lei; hídricos, no caso do Estado de Minas Gerais, acontece de forma semelhante aos Estados do – receber delegações de atribuições para a Paraná e de São Paulo, onde o papel do órgão gestor execução de atividades relacionadas com a é preponderante na fase inicial de implementação regulação, fiscalização e promoção da agricultura irrigada, de competência do da Política Estadual de Recursos Hídricos. As Ministério de Integração Nacional, mediante dificuldades a serem enfrentadas pelo IGAM são as assinatura do instrumento jurídico cabível; mesmas da SUDERHSA e do DAEE, decorrentes da sua personalidade jurídica de autarquia. A – receber delegações de atribuições para a sustentabilidade só será alcançada com a implantação execução de atividades relacionadas com a das agências de água, pois, de acordo com a Lei Nº regulação e fiscalização das concessões de 13.199, apenas estas instituições poderão exercer a serviço público e saneamento básico, de cobrança pelo uso dos recursos hídricos. titularidade dos respectivos municípios, mediante assinatura do instrumento jurídico O IGAM, como autarquia, apresenta as mesmas cabível; e limitações administrativas e financeiras da SUDERHSA e do DAEE para desempenhar seu – assinar acordos, tratados e convenções com papel de órgão implementador da gestão participativa organismos nacionais e internacionais na área e descentralizada das águas, embora venha atuando de recursos hídricos. no sentido de fomentar a estruturação dos comitês de bacias e da agências de água. n ANÁLISE 4.2.4 AAGISA Observando-se as competências da AAGISA previstas na Lei Nº 7.033, deduz-se que a esta deve n CARACTERIZAÇÃO desempenhar as funções da gestão dos recursos hídricos e de regulação, fiscalização e promoção das A Agência de Águas, Irrigação e Saneamento do atividades de saneamento e irrigação no Estado da Estado da Paraíba – AAGISA, autarquia sob regime Paraíba. Deste modo, a AAGISA é a única especial, vinculada à Secretaria Extraordinária do experiência de órgão gestor de recursos hídricos, de 45 4. Análise Qualitativa Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará que se tem conhecimento no Brasil, possuindo maioria das bacias hidrográficas do semi-árido, é o também a função de agência reguladora. Vale salientar órgão gestor que tem que exercer a função desses a diferença entre estes dois tipos de organismos: o organismos. órgão gestor de recursos hídricos exerce as funções de planejamento, administração e regulamentação 4.2.5 IGARN da oferta, uso e preservação de um bem público – a água bruta – enquanto a agência reguladora atua no n CARACTERIZAÇÃO intuito de regular e fiscalizar um serviço, em forma de monopólio, concedido à iniciativa privada pelo O Instituto de Gestão das Águas do Estado do Rio Poder Público. No caso da AAGISA, verifica-se Grande do Norte - IGARN foi criado através da Lei uma incompatibilidade de funções, uma vez que o Nº 8.086, de 15 de abril de 2002. O IGARN órgão gestor, responsável pela disponibilização de constitui-se numa autarquia vinculada à Secretaria água bruta com qualidade aos setores de saneamento de Estado de Recursos Hídricos – SERHID, dotada e irrigação, é o mesmo que exige a qualidade desta de personalidade jurídica de direito público, com água quando fornecida, em forma tratada, por uma patrimônio próprio, com sede e foro em Natal e concessionária de saneamento, fiscalizada por ele jurisdição em todo o território estadual. próprio. Outro desvio de função diz respeito ao fato de um órgão gestor de recur sos hídr icos O IGARN é o órgão estadual responsável pela gestão desempenhar atribuições de setores utilizadores de técnica e operacional dos recursos hídricos do água (saneamento e irrigação). Estado, funcionando como apoio técnico e operacional do Sistema Integrado de Gestão dos Por outro lado, mesmo a figura de autarquia especial Recursos Hídricos – SIGERH. não confere à AAGISA autonomia administrativa e financeira desejável para desenvolver todas as As principais competências atribuídas ao IGARN funções da gestão dos recursos hídricos. Esta é uma são as seguintes: característica das autarquias que impõe limitações à gestão das águas, especialmente no semi-árido do – participar da implantação das políticas e Brasil, onde o gerenciamento dos recursos hídricos programas estaduais de recursos hídricos; é realizado em associação com atividades de operação e manutenção de infra-estrutura hidráulica – coor denar e executar as atividades de de usos múltiplos. gerenciamento de recursos hídricos no Estado; A sustentabilidade do sistema da gestão de recursos – implantar e manter atualizado banco de dados hídricos, no caso do Estado da Paraíba, dependerá sobre os recursos hídricos do Estado; fundamentalmente do desempenho da AAGISA. Em função das peculiaridades da região semi-árida, onde – elaborar e manter atualizado o Plano Estadual se deve garantir a sustentabilidade operacional de de Recursos Hídricos; uma vasta infra-estrutura hídrica, a necessidade de se ter um órgão gestor autônomo, ágil e flexível é – por delegação da SERHID, analisar as ainda maior do que nas áreas úmidas do Sul e solicitações e expedir as outorgas do direito de Sudeste. uso dos recursos hídricos, efetuando a sua fiscalização; Para se atender aos princípios da descentralização e participação na gestão dos recursos hídricos, o papel – exercer o poder de polícia relativo aos usos dos da AAGISA é determinante, uma vez que, na recursos hídricos e aplicar as sanções aos inviabilidade de se implantar agências de água na infratores; 4. Análise Qualitativa 46 – analisar projetos e conceder licença técnica para essencial a sustentabilidade operacional de estruturas a construção de obras hídricas, sem prejuízo hidráulicas, há uma grande necessidade de se ter da licença ambiental obrigatória; um órgão gestor autônomo, ágil e flexível. Mesmo tendo a prerrogativa de exercer a cobrança pelo uso – implantar, operar e manter redes de estações dos recursos hídricos, o IGARN não tem as devidas medidoras de dados hidrológicos e garantias para gerenciar de forma sustentável as pluviométricos; águas do Estado, pois, como autarquia, os recursos oriundos de sua receita serão controlados pelo – implantar, operar e manter todo e qualquer Tesouro estadual. instrumento para gestão de água, como cadastros, planos, estudos, sistemas, processos Para atender aos princípios da descentralização e participativos; participação na gestão dos recursos hídricos, o IGARN terá que ser uma instituição autônoma, – efetuar a cobrança pelo uso da água e aplicar transparente e democrática, uma vez que irá, as multas por inadimplência; também, exercer a função de agência de água das bacias hidrográficas do Estado. – estabelecer e implementar as regras de operação da infra-estrutura hídrica; 4.2.6 COGERH – operar e manter as obras e equipamentos de infra-estrutura hídrica; e n CARACTERIZAÇÃO – compor o Sistema Integrado de Gestão de A Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Recursos Hídricos – SIGERH. Ceará – COGERH foi instituída pela Lei Nº 12.217, de 18 de novembro de 1993, como entidade da n ANÁLISE administração pública indireta, dotada de personalidade jurídica própria, organizada sob a Pelas competências do IGARN previstas na Lei Nº forma de sociedade anônima de capital autorizado. 8.086, deduz-se que o órgão foi criado para desempenhar exclusivamente as funções da gestão A COGERH tem por finalidade gerenciar a oferta dos recursos hídricos. Possui, portanto, no que se dos recursos hídricos constantes dos corpos d’água refere às relações institucionais entre as funções superficiais e subterrâneos de domínio do Estado, hídricas, o arranjo considerado ideal. visando a equacionar as questões referentes ao seu aproveitamento e controle, operando, para tanto, A figura de autarquia, como abordado, não confere diretamente ou por subsidiária ou ainda por pessoa ao IGARN autonomia administrativa e financeira jurídica de direito privado, mediante contrato, desejável para desenvolver todas as funções da realizado sob forma remunerada, objetivando: gestão dos recursos hídricos. Como no caso da AAGISA, o IGARN poderá ter limitações para – desenvolver estudos visando a quantificar as desenvolver a gestão das águas, especialmente nas disponibilidades e demandas das águas para competências relacionadas com as ações de múltiplos fins; operação e manutenção da infra-estrutura hidráulica – implantar um sistema de informações sobre de usos múltiplos. recursos hídricos, através da coleta de dados, estatística e cadastro de usos da água, visando Em razão das peculiaridades do território estadual, a subsidiar as tomadas de decisões; inserido em grande parte na região semi-árida, sendo 47 4. Análise Qualitativa Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará – desenvolver ações no sentido de subsidiar o Em razão das peculiaridades do território estadual, aperfeiçoamento do suporte legal ao exercício inserido na região semi-árida, sendo necessárias a da gestão das águas, consubstanciado na Lei manutenção e a operação de uma grande infra- Nº 11.996, de 24 de julho de 1992; estrutura hídrica, a figura de um órgão gestor autônomo, ágil e flexível é essencial. A COGERH, – desenvolver ações que preservem a qualidade como companhia, tem melhores condições de das águas, de acordo com os padrões requeridos desempenhar estas atividades do que os organismos para usos múltiplos; em forma de autarquia. – desenvolver ações para que a gestão dos Para atender aos princípios da descentralização e recursos hídricos seja descentralizada, participação na gestão dos recursos hídricos das 11 participativa e integrada em relação aos demais (onze) regiões hidrográficas do Ceará, a COGERH recursos naturais; está estruturada em uma sede na cidade de Fortaleza e em mais 8 (oito) gerências de bacias distribuídas – adotar a bacia hidrográfica como base e pelo Estado, exercendo, dentre outras funções, o considerar o ciclo hidrológico, em todas as suas papel de secretaria executiva dos comitês. Gozando fases; e de razoável autonomia administrativa e financeira, a Companhia carece, entretanto, de maior – realizar outras atividades que, direta ou transparência e democracia, perante os comitês de indiretamente, explícita ou implicitamente, bacias, para prosseguir na implantação dos digam respeito aos seus objetivos. instrumentos da gestão das águas. n ANÁLISE 4.3 ANÁLISE DAS AGÊNCIAS DE ÁGUA De acordo com as suas atribuições contidas na Lei 4.3.1 AGÊNCIA DO ALTO IGUAÇU E ALTO Nº 12.217, a COGERH tem exclusivamente as RIBEIRA funções da gestão dos recursos hídricos. Em associação com a Secretaria de Recursos Hídricos n CARACTERIZAÇÃO do Estado do Ceará, que exerce a coordenação da gestão e o poder de polícia sobre as águas, esta De acordo com a Lei Nº 12.726, o Sistema Estadual Companhia desempenha o papel de órgão executivo de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Paraná do gerenciamento dos recursos hídricos estaduais. é composto pelo Conselho Estadual de Recursos Desta forma, não apresenta incompatibilidades no Hídricos – CERH, pela Secretaria de Estado do Meio desenvolvimento das funções hídricas. Ambiente e Recursos Hídricos, pelos comitês de bacia e pelas chamadas “unidades executivas No caso da COGERH, a personalidade jurídica de descentralizadas – UED’s”, constituídas a partir da companhia propicia à entidade maior autonomia prévia formação de associações de usuários de administrativa e financeira para exercer a função de recursos hídricos e/ou de consórcios intermunicipais órgão executivo da gestão de água. Possuindo receita de bacias hidrográficas, com a finalidade de própria, oriunda da cobrança pela utilização dos exercerem funções e competências inerentes às recursos hídricos, sem precisar se submeter aos agências de água (ou de bacia). excessivos controles da burocracia pública, a COGERH apresenta boas condições para executar Em 11 de novembro de 2002, o Conselho Estadual o gerenciamento das águas do Estado. de Recursos Hídricos do Paraná reconheceu a Associação de Usuários de Recursos Hídricos das 4. Análise Qualitativa 48 Bacias Hidrográficas do Alto Iguaçu e do Alto Ribeira SEGRH/PR, sobre as infrações à legislação como Agência de Água. Credenciada junto ao relativa ao gerenciamento de recursos hídricos, Ministério da Justiça como OSCIP – Organização bem como aos regulamentos e normas dela da Sociedade Civil de Interesse Público, esta decorrentes; associação firmou contrato de gestão com o Estado do Paraná para fins de exercício de funções inerentes – elaborar a proposta de seu orçamento, incluindo à Agência de Água das Bacias Hidrográficas do Alto a previsão de recursos públicos, transferíveis à Iguaçu e Alto Ribeira, mantendo as seguintes conta de contratos de gestão e termos de atribuições e competências: parceria, e submetê-la à aprovação do respectivo comitê de bacia hidrográfica; e – promover estudos de apoio à gestão dos recursos hídricos em sua área geográfica de – prestar o apoio administrativo, técnico e atuação; financeiro necessário ao bom funcionamento do comitê de bacia hidrográfica da área de sua – elaborar e, após aprovação do respectivo atuação, em consonância com as previsões de comitê, implementar o plano de bacia seu orçamento. hidrográfica; n ANÁLISE – participar do gerenciamento do Sistema Estadual de Informações sobre Recursos Hídricos No Estado do Paraná, como em outros estados relativo à sua área territorial de atuação, em brasileiros onde a legislação sobre recursos hídricos cooperação com as entidades estaduais preconiza o estabelecimento de agências de água ou responsáveis; de bacia, o grande desafio está na implantação sustentável destes organismos. A agência de água é – manter cadastro dos usuários de recursos o mecanismo determinante para o alcance dos hídricos dentro de sua área territorial de atuação, objetivos da gestão integrada, participativa e em cooperação com as entidades estaduais descentralizada dos recursos hídricos, responsáveis; fundamentalmente, por ser a ferramenta prevista em lei para o financiamento e a democratização do – efetuar, mediante delegação do outorgante, a gerenciamento das águas. cobrança pelo direito de uso de recursos hídricos; Uma condição básica para a implantação das agências de água é a predisposição dos dirigentes públicos – analisar e emitir pareceres sobre os projetos e para dividir o poder com os comitês de bacias. Assim obras a serem financiados com recursos é que, numa primeira fase, os comitês necessitam gerados pela cobrança pelo uso de recursos da ajuda dos estados e/ou da União para estruturação hídricos e encaminhá-los à instituição financeira das agências; após implantada a cobrança pelo uso responsável pela administração desses recursos; da água, as agências se transformam num poderoso instrumento financeiro da política hídrica, ensejando – acompanhar a administração financeira dos aos comitês maior credencial no processo da gestão recursos arrecadados com a cobrança pelo uso participativa dos recursos hídricos. dos recursos hídricos em sua área geográfica de atuação; A recente anulação do contrato de gestão (Decreto 1.651, de 4 de agosto de 2003), firmado entre o – identificar e informar ao órgão executivo e de Estado do Paraná e a Associação de Usuários do coordenação central do Sistema Estadual de Alto Iguaçu e do Alto Ribeira, demonstra que os Gerenciamento de Recursos Hídricos – 49 4. Análise Qualitativa Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará objetivos da gestão descentralizada, contando com – efetuar a cobrança pela utilização dos recursos a participação dos usuários, sociedade e poder hídricos da bacia, de acordo com os critérios público, tem um caminho longo a percorrer, repleto estabelecidos pelo CBH–SMT, e fixados em de necessárias compreensões sobre o sentido do lei; gerenciamento dos recursos hídricos. – elaborar, em articulação com órgãos do Estado, dos municípios e sociedade civil, o Plano de 4.3.2 AGÊNCIA DOS RIOS SOROCABA E Recursos Hídricos da Bacia, submetendo-o a análise e aprovação do CBH–SMT; e MÉDIO TIETÊ – prestar apoio administrativo, técnico e n CARACTERIZAÇÃO financeiro necessário ao funcionamento do CBH–SMT. A Lei Nº 10.020, de 3 de julho de 1998, autorizou o Poder Executivo do Estado de São Paulo a participar da constituição das agências de bacias, na forma de n ANÁLISE fundações de direito privado, direcionadas aos corpos de águas superficiais e subterrâneas de A Lei Nº 7.663, de 30 de dezembro de 1991, de domínio estadual. criação da Política Estadual de Recursos Hídricos, já vai completar 12 (doze) anos e até o momento Um desses organismos já criados é a Agência das não há uma só agência de bacia plenamente Bacias Hidrográficas dos Rios Sorocaba e Médio estruturada no Estado de São Paulo. Os entraves Tietê – ABH-SMT, entidade jurídica sem fins ocorridos no Estado são praticamente os mesmos lucrativos, com estrutura administrativa e financeira encontrados em outros estados ou mesmo na esfera própria, com a participação do Estado, dos da União: as soluções inovadoras enfrentam municípios e da sociedade civil, conforme consta problemas para serem compreendidas e aceitas, da sua escritura pública de constituição. fundamentalmente, em função do tradicionalismo e conservadorismo dos poderes constituídos. A ABH–SMT tem como competências principais: Mesmo no meio técnico, o modelo de agências de – efetuar estudos sobre as águas da bacia em bacias encontra resistências, havendo opiniões no articulação com órgãos do Estado e municípios; sentido de o gerenciamento dos recursos hídricos ser desenvolvido apenas por órgãos gestores públicos – participar da gestão de recursos hídricos e o processo decisório ficar limitado ao setor público. juntamente com outros órgãos da bacia; Toda esta reserva se justifica pelo fato das agências virem a ocupar grande parte do espaço destinado – dar parecer ao Conselho de Orientação do atualmente aos órgãos gestores, passando a gerenciar FEHIDRO sobre a compatibilidade de obra, um razoável volume de recursos financeiros. serviço ou ação, com o Plano de Bacia; No caso de São Paulo, o modelo de agência de bacia – aplicar recursos financeiros a fundo perdido preconizado pela Lei Nº 10.020, com natureza dentro dos critérios estabelecidos pelo CBH– jurídica de fundação de direito privado e a presença SMT; do Poder Executivo Estadual na sua constituição, demonstra a preocupação do Estado em exercer um – administrar conta do FEHIDRO correspondente certo controle desse tipo de instituição. aos recursos da Bacia do SMT; 4. Análise Qualitativa 50 Por outro lado, a opção por fundação de direito – manter o balanço atualizado da disponibilidade privado sofre restrições por parte do novo Código de recursos hídricos na bacia hidrográfica do Civil Brasileiro, pois, no seu Artigo 62, recomenda rio Paraíba do Sul; este tipo de natureza jurídica para entidades com fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. – manter o cadastro de usuários de recursos hídricos; 4.3.3 AGÊNCIA DO CEIVAP – efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso de recursos hídricos; n CARACTERIZAÇÃO – analisar e emitir pareceres sobre os projetos e A Agência das Águas do Comitê para Integração da obras a serem financiados com recursos Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, gerados pela cobrança pelo uso dos recursos denominada Agência do CEIVAP, foi criada em hídricos e encaminhá-los à instituição financeira março de 2001 na forma de uma fundação de direito responsável pela administração desses recursos; privado sem fins lucr ativos, com estrutura administrativa e financeira próprias, instituída com – gerir o Sistema de Informações sobre Recursos a participação da União, dos Estados de São Paulo, Hídricos em sua área de atuação; Minas Gerais e Rio de Janeiro, dos municípios, dos usuários de recursos hídricos e das organizações civis – elaborar o Plano de Recursos Hídricos para da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. Um apreciação do CEIVAP, buscando ano e meio depois, mudou sua natureza jurídica, compatibilizar os planos estaduais de recursos constituindo-se numa sociedade civil sem fins hídricos e os planos de sub-bacias; e lucrativos, designada por Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. – exercer o controle quantitativo e qualitativo do uso da água, conciliar interesses dos usuários e Consta de seu estatuto, em conformidade com a assegurar vazão indispensável ao suprimento Lei Federal Nº 9.433, como competências principais, do consumo humano e animal. as relacionadas a seguir: – desenvolver, facilitar e implementar os n ANÁLISE instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, no âmbito da bacia do rio Paraíba do Em 2001, o plenário do CEIVAP, através da Sul, aplicando e operacionalizando as resoluções Deliberação nº 05, de 16 de março de 2001, aprovou do Comitê para a Integração da Bacia a criação da Agência de Águas do CEIVAP, Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), adotando o formato de uma fundação de direito conforme os ditames da Lei federal Nº 9433; privado. Esta deliberação foi encaminhada ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos e à Agência – defesa, preservação e conservação do meio Nacional de Águas – ANA para apreciação e a ambiente e promoção do desenvolvimento necessária autorização, o que não ocorreu até o final sustentável; do ano de 2001. – apoiar técnica, administrativa e Diante do cronograma para a implantação da operacionalmente o Comitê para Integração da cobrança pelo uso da água na bacia do Paraíba do Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul Sul no ano de 2002, que exige a instituição da agência (CEIVAP); de água da bacia, estas discussões foram retomadas através das reuniões de câmaras técnicas do CEIVAP 51 4. Análise Qualitativa Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará e de grupo de trabalho específico, que contou com forma de sociedade civil sem fins lucrativos, a participação dos diversos segmentos do Comitê e denominada Associação Pró-Gestão das Águas das da Procuradoria Geral da ANA. Diante de estudos Bacias Hidrográficas dos Rios Pará, Paraopeba e apresentados pela ANA e do novo Código Civil das Velhas. Brasileiro (Lei Nº 10.406 de 2002) que veda a instituição de fundações de direito privado para Este organismo tem por finalidade dar apoio técnico outros fins que não sejam os religiosos, culturais e e operacional à gestão dos recursos hídricos das de assistência, foi necessária uma revisão da proposta bacias hidrográficas dos rios Pará, Paraopeba e das anterior, caminhando-se então para a proposição da Velhas, promovendo o planejamento, a execução e formação de uma associação civil sem fins lucrativos, o acompanhamento das ações, programas e projetos que venha a constituir-se como organização social determinados, de acordo com os respectivos planos (OS) e a qualificar-se como agência de água da bacia. de ações e planos diretores de recursos hídricos das bacias, aprovados pelos comitês das referidas bacias: A Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia Pará (CBH–PARÁ), Paraopeba (CIBAPAR) e das Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul é o primeiro Velhas (CBH–VELHAS). caso de agência em rio de domínio da União. Sua experiência demonstra o longo caminho a percorrer n ANÁLISE para a implantação, no Brasil, de um sistema de gerenciamento de recursos hídricos que seja Pela análise da proposta de criação da Agência dos participativo, descentralizado e sustentável. As Rios Pará, Paraopeba e das Velhas, nota-se uma dificuldades inerentes à definição do modelo semelhança com a experiência do CEIVAP no sentido institucional das agências de águas só não são maiores da montagem inicial, pelo comitê de bacia, de uma do que as relativas ao processo de implantação da associação para gestão de recursos hídricos, para, cobrança, haja vista que, no caso do CEIVAP, ainda em seguida, legitimá-la perante os ór gãos não está prevista, pelo menos num curto prazo, a competentes como agência de água. delegação da cobrança pela ANA à associação recém- criada. A compreensão que têm os comitês de bacias hidrográficas da necessidade de se buscar modelos 4.3.4 AGÊNCIA DOS RIOS PARÁ, sustentáveis para o gerenciamento das águas é PARAOPEBA E DAS VELHAS demonstrada neste caso, uma vez que 3 (três) deles se uniram (CBH–PARÁ, CIBAPAR e CBH– n CARACTERIZAÇÃO VELHAS) para propor apenas uma agência para as suas respectivas bacias, com a clara intenção de A proposta de criação da Agência dos Rios Pará, melhor viabilizar a gestão de recursos hídricos. Paraopeba e das Velhas estabelece uma entidade na 4. Análise Qualitativa 52 5 Concepção de um Modelo de Agência de Água para o Ceará S egundo Campos (2001), durante o o Estado é dotado de uma vasta infra-estrutura desenvolvimento de um novo modelo, deve- hídrica composta por barragens, canais e adutoras se ter em mente que o processo de mudança de múltiplos usos que necessitam ser institucional interfere com vários segmentos do setor sustentavelmente operados e mantidos. Deste modo, público e da sociedade em geral. Desta forma, a gestão das águas no Ceará está intrinsecamente recomenda-se uma discussão prévia de propostas associada com a operação e a manutenção dessa com os setores interessados, no sentido de se obter infra-estrutura hidráulica, induzindo a adoção de um modelo institucional que contemple os novos modelos de órgão gestor e/ou agência de água que princípios da gestão de recursos hídricos, apresente desenvolvam, além das atividades corriqueiras de viabilidade política para ser aprovado pelos poderes gerenciamento dos corpos hídricos, ações tais como: constituídos e tenha aplicabilidade prática. – alocação de água através de rios intermitentes, Tomando-se por base a abordagem do Capítulo 3, perenizados por água liberada de reservatórios onde se apresentam os atributos de um bom modelo de montante; institucional, estabelecidos por Campos (2001), e os critérios considerados por Barth (1987) para a – oferta de água bruta, através da operação de sua concepção, comenta-se a seguir os principais canais e adutoras de múltiplos usos, para condicionantes do modelo de agência de água para usuários dos setores de saneamento, indústria o Ceará. e irrigação; – monitoramento quantitativo e qualitativo das 5.1 CONDICIONANTES DO MODELO águas em açudes, leitos de rios perenizados, canais e adutoras de múltiplos usos; Embora os tipos de condicionantes de um modelo institucional de recursos hídricos, como referido no – serviços de inspeção e segurança de obras Capítulo 3, sejam semelhantes para qualquer região, hidráulicas. aqueles inerentes aos aspectos hidrológicos, sociais, econômicos, legais e institucionais são os Como aspecto social relevante, apresentado pelo determinantes no caso do Estado do Ceará. Estado do Ceará para a definição do modelo de agência de água, está o baixo nível de organização Quanto aos aspectos hidrológicos, já foi visto no da sociedade, conseqüência, dentre outros fatores, Capítulo 2 que o Ceará possui rios intermitentes e do pouco grau de instrução da população (segundo pouca disponibilidade em recursos hídricos o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do subterrâneos. Como decorrência dessas limitações, Ceará – IPECE, o Estado tinha, no ano 2000, 27% 53 Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará dos seus habitantes analfabetos) e da histórica prática publicado em junho de 1999, o Estado apresentava política baseada no paternalismo e no 49% da sua população em nível de pobreza. De assistencialismo, sendo os interesses individuais todos os pobres, 54% viviam em áreas rurais, 27% priorizados em detrimento dos coletivos. Decorre nas diversas cidades e 19% na Região Metropolitana do baixo nível de organização da sociedade, o fato de Fortaleza. de o Estado, no Ceará, ser o único indutor do processo de organização dos comitês de bacias. Por outro lado, conforme dados do IPECE, a Região Enquanto em outros estados do Brasil, Rio Grande Metropolitana de Fortaleza concentrava, no ano do Sul e São Paulo por exemplo, já havia grupos 2000, 63% do Produto Interno Bruto – PIB. Ao colegiados (comitês, consórcios intermunicipais etc) nível do Estado, o PIB era distribuído da seguinte que discutiam as questões relacionadas com a gestão forma: a atividade agropecuária representava 6%, a das águas, mesmo antes da instituição da política de industrial 41% e o setor de serviços 53%. recursos hídricos em seus estados. Da análise dos dados mencionados anteriormente, Os comitês de bacias do Ceará, mesmo o Comitê pode-se concluir que a pobreza no Estado do Ceará da Bacia Hidrográfica do Rio Curu, que já vai está, fundamentalmente, mais presente no meio rural completar 6 (seis) anos, em função de fatores e muito associada à atividade agropecuária. Como políticos, sociais e econômicos, ainda desenvolvem decorrência da desigualdade regional, a cobrança suas atribuições de maneira induzida pelo órgão pelo uso da água nas bacias metropolitanas gestor. Uma vez que a agência de água, como representa, atualmente, 94% do faturamento da mecanismo básico para o alcance de uma gestão COGERH. Como resultado da desigualdade entre participativa e descentralizada dos recursos hídricos, os setores da economia, o fornecimento de água só tem sentido se for criada por iniciativa do comitê bruta para uso industrial corresponde a 35% do de bacia, devendo ser por ele operacionalizada, fica faturamento da Companhia, enquanto a utilização difícil imaginar, pelo menos em curto ou médio na irrigação representa 5%. prazos, que os comitês de bacias do Estado do Ceará venham a ter condições de empreender tal tarefa. A experiência de quase 10 (dez) anos da COGERH tem demonstrado que, no caso do Ceará, onde a Entre os aspectos econômicos que influenciam a necessidade de implantar, manter e operar uma concepção do modelo de agência de água no Ceará, grande infra-estrutura hidráulica eleva o custo da estão: água, a viabilização financeira da gestão dos recursos hídricos decorre da cobrança pelo fornecimento da – o elevado nível de pobreza da população; água bruta ao setor industrial. Isto se justifica pelas seguintes razões: – as desigualdades regionais dentro do Estado; – o setor industrial tem elevada capacidade de – a capacidade de pagamento dos setores de pagamento que permite sobras para subsidiar utilização da água; e outros setores; – o alto custo da água. – o setor de saneamento tem capacidade de pagamento que permite financiar a operação e Apresentando um Índice de Desenvolvimento manutenção apenas dos sistemas hídricos da Humano – IDH em torno de 0,7 (de acordo com o Região Metropolitana de Fortaleza; e IPECE), o Estado do Ceará é classificado como uma região de médio nível de desenvolvimento humano. – o setor de irrigação tem em média baixa Entretanto, segundo estudo do Banco Mundial, capacidade de pagamento, tendo que ser subsidiado. 5. Concepção de um Modelo de Agência de Água para o Ceará 54 De toda a análise relativa aos aspectos econômicos, para a formulação de um modelo de agência de água aqui desenvolvida, pode-se deduzir que, diante da para o Estado do Ceará, da forma a seguir: atual realidade do Estado do Ceará, apenas a Região Hidrográfica das Bacias Metropolitanas enseja – a função gestão de recursos hídricos está condições financeiras para a implantação de uma associada a operação e manutenção de uma agência de água. vasta infra-estrutura hidráulica; Os aspectos legais e institucionais, considerados – incapacidade dos comitês de bacias como importantes condicionantes do processo de hidrográficas para, num curto ou médio prazos, elaboração de um modelo de agência de água para criar e operacionalizar agências de água; o Ceará, são: – a viabilização financeira da gestão dos recursos – a Lei Nº 11.996, que criou a Política de hídricos decorre da cobrança pelo fornecimento Recursos Hídricos do Estado do Ceará, não de água bruta ao setor industrial; prevê a agência de água ou qualquer modelo de entidade semelhante ao previsto pela União – das 11 (onze) regiões hidrográficas do Estado ou por outros estados como organismo do Ceará, apenas a Região das Bacias integrante do Sistema Integrado de Gestão de Metropolitanas apresenta sustentabilidade Recursos Hídricos; financeira para a gestão de recursos hídricos, sendo portanto a única que enseja condições – o Sistema Integrado de Gestão de Recursos do para implantação de uma agência de água Estado do Ceará, criado pela Lei Nº 11.996 e exclusiva; e complementado pela Lei Nº 12.217, estabelece a Secretaria de Recursos Hídricos – SRH como – a COGERH foi criada para exercer um papel órgão gestor, exercendo as funções de semelhante ao de uma agência de água de todas regulamentação e mantendo o poder de polícia as regiões hidrográficas do Estado do Ceará. sobre as águas, e a COGERH como organismo executivo da gestão participativa, 5.2 FORMULAÇÃO DO MODELO descentralizada e integrada dos recursos hídricos; e Para a formulação do modelo de agência de água, seguiu-se a sistemática estabelecida por Campos – a COGERH foi organizada na forma de (2001), já referida no Capítulo 3 deste trabalho, sociedade anônima de capital autorizado respeitando, obviamente, os condicionantes inerentes (companhia) no intuito de possuir autonomia aos aspectos hidrológicos, sociais, econômicos, legais administrativa e financeira necessária à sua e institucionais do Estado do Ceará. missão de desenvolver o gerenciamento participativo e descentralizado dos recursos n ETAPA 1 – Caracterização das funções hídricos. hídricas a serem realizadas Dos aspectos legais e institucionais aqui levantados, Como já abordado em divers as passagens do depreende-se a idéia de que a COGERH foi criada presente trabalho, a agência de água tem por com a finalidade de exercer o papel de uma agência finalidade ser o organismo executivo do de água de todas as regiões hidrográficas do Estado gerenciamento de recursos hídricos, funcionando do Ceará. como mecanismo de descentralização e Considerando os diversos aspectos analisados financiamento da gestão participativa das águas. anteriormente, pode-se resumir os condicionantes Para tanto deve trabalhar associado ao órgão público 55 5. Concepção de um modelo de Agência de Água para o Ceará Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará gestor dos recursos hídricos, conforme a seguinte operação e manutenção da infra-estrutura divisão de atribuições: hidr áulica, adotando a cobrança como instrumento de financiamento do gerenciamento – o órgão gestor tem o papel de coordenar a das águas. execução da política de água definida pelo conselho de recursos hídricos, exercendo a Do ponto de vista da distribuição das funções coordenação da gestão, juntamente com as hídricas, o Estado do Ceará apresenta um bom atribuições de regulamentação e do poder de modelo institucional de recursos hídricos. Como polícia no âmbito do gerenciamento das águas aspectos positivos pode-se destacar: no Estado; e – a existência de uma autoridade única para a – a agência deve desenvolver, basicamente, ações política das águas (SRH), autônoma e de planejamento da gestão e administração dos independente dos setores de uso dos recursos recursos hídricos ao nível da bacia hidrográfica, hídricos, tendo assim as condições necessárias adotando como instrumento primordial a para a implementação dos instrumentos da cobrança pelo uso da água bruta, outorgada pelo gestão (outorga, cobrança e licenciamento de órgão gestor, para o financiamento do obras hídricas) e para arbitrar conflitos; gerenciamento e de ações de melhoramento dos corpos hídricos. – a distribuição das funções da gestão e construção de obras de oferta em organismos n ETAPA 2 – Diagnóstico do modelo independentes (COGERH e SOHIDRA), institucional vigente evitando o risco da função gestão ser relegada a segundo plano; No caso do Estado do Ceará, em virtude dos – a subordinação da função relacionada com a condicionantes estabelecidos anteriormente e da construção de obras hidráulicas à entidade que conseqüente ausência de agências de água no seu executa a política de recursos hídricos, modelo institucional, as funções hídricas estão facilitando o planejamento e o controle da oferta distribuídas da seguinte forma: hídrica; e – a SRH desempenha o papel de órgão gestor, – a existência de uma instituição que executa o exercendo o comando da execução da Política monitoramento meteorológico (FUNCEME), Estadual de Recursos Hídricos, a coordenação integrada ao Sistema Estadual de Gestão de da gestão, efetuando as funções de Recursos Hídricos, fazendo com que o Ceará regulamentação e do poder de polícia sobre as tenha um modelo institucional que contemple águas; todas as fases do ciclo hidrológico. – a SOHIDRA desenvolve a função relacionada com a oferta hídrica, sendo encarregada da n ETAPA 3 – Definição do modelo construção das obras hidráulicas (barragens, canais, adutoras e poços); e Segundo Barth (2000), a COGERH pode ser caracterizada como a primeira agência de água – a COGERH executa o planejamento da gestão brasileira, estabelecida na forma de direito privado, e a administração dos recursos hídricos ao nível com a finalidade de desenvolver a gestão de todas as bacias hidrográficas do Estado, descentralizada, participativa e integrada dos recursos como também parte da função de oferta d’água, hídricos, utilizando a bacia hidrográfica como mais especificamente no que diz respeito a unidade básica do gerenciamento. Neste sentido, 5. Concepção de um modelo de Agência de Água para o Ceará 56 Barth pode ter percebido a sutileza que faz o modelo privado (empresas públicas, sociedades de economia do Ceará diferir de todos os outros adotados no mista, organizações sociais, organizações da Brasil. Em outros estados da União, inclusive do sociedade civil de interesse público). semi-árido, a agregação das funções da gestão (planejamento, administração e regulamentação) Ao estabelecer a SRH como órgão gestor numa só instituição dificulta a escolha da melhor coordenador e a COGERH como um tipo de agência natureza jurídica dessa entidade. Já no Ceará, a de água para todas as bacias do Estado, pode-se distribuição das funções da gestão entre SRH e afirmar que o modelo do Ceará está à frente dos COGERH, permite a definição de personalidades demais modelos vigentes no Brasil, associando de jurídicas mais adequadas para os órgãos envolvidos maneira mais adequada as funções hídricas com a no processo de gerenciamento das águas. natureza jurídica dos organismos envolvidos no processo da gestão das águas. Assim é que as funções de coordenação da gestão, de regulamentação e de poder de polícia das águas, Retomando os condicionantes anteriormente todas inerentes ao poder público, devem ser estabelecidos, pode-se verificar se o modelo atual, exercidas por órgãos públicos da administração direta com a COGERH no papel de agência de água, é (secretarias de estado) ou por instituições da realmente o mais adequado para o Estado do Ceará. administração indireta em forma de autarquias Para facilitar o entendimento organizou-se a Tabela (institutos, departamentos, superintendências). Por 5.1 que relaciona cada condicionante com uma outro lado, as funções de planejamento da gestão, característica a ser atribuída à agência de água. Fica de administração das águas, de operação e evidente, ao observar a referida tabela, que uma manutenção de infra-estrutura hídrica podem ser agência de água para todas as bacias hidrográficas, executadas, de forma mais eficiente, por instituições na forma de empresa pública, é o modelo mais mais ágeis e flexíveis, como as entidades de direito aconselhável. Tabela 5.1 – Condicionantes e Características da Agência de Água CONDICIONANTE CARACTERÍSTICA A função gestão de recursos hídricos está associada Atribuições de O e M são, em geral, delegadas às a operação e manutenção de uma vasta infra-estru- empresas públicas ou privadas. tura hidráulica. Incapacidade dos comitês de bacias hidrográficas para, num curto ou médio prazos, criar e Agências criadas e operadas pelo Estado. operacionalizar agências de água. A viabilização financeira da gestão dos recursos Atribuição de fornecimento de água é, em geral, hídricos decorre da cobrança pelo fornecimento de delegada a empresas públicas ou privadas. água bruta ao setor industrial. Apenas a região das bacias metropolitanas apresenta Uma única agência para todas as bacias do Estado. sustentabilidade financeira para a gestão das águas. 57 5. Concepção de um modelo de Agência de Água para o Ceará Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará n ETAPA 4 – Verificação da consistência descentralizado dos recursos hídricos e do modelo funcionando como secretarias executivas dos comitês de bacias. O modelo estabelecendo a COGERH, na forma de empresa pública de direito privado, como agência – De visão integrada – administração das de água de todas as bacias hidrográficas do Estado disponibilidades hídricas e dos diversos usos do Ceará, não apresenta divergências em relação à de água (abastecimento humano e industrial, Lei Federal Nº 9.433, pois, além de não ferir os irrigação, pesca, aqüicultura e lazer); operação princípios dessa lei, a prerrogativa de legislar sobre e manutenção de infra-estrutura hidráulica de as águas de rios estaduais, caso de quase todos os múltiplos usos; monitoramento quantitativo e rios do Ceará, é do Estado. A exceção fica por conta qualitativo da água. de alguns rios que integram a bacia do rio Parnaíba. Neste caso, a COGERH pode receber a delegação Apesar dos avanços, há muito por fazer no sentido da ANA para, em articulação com o órgão gestor do de alcançar as metas de uma gestão descentralizada, Estado do Piauí, desenvolver o papel de agência de participativa e integrada das águas. Cabe à água da parte da bacia do Parnaíba inserida no seu COGERH, para se legitimar definitivamente como território. agência de água das bacias hidrográficas do Estado do Ceará, se aprofundar, fundamentalmente, no Quanto à Lei Estadual Nº 11.996, por ser anterior à exercício do princípio da participação, estreitando criação da COGERH, esses dispositivos não sua parceria junto aos comitês. Para tanto, é essencial estabelecem uma entidade executiva do ter a ousadia para romper as barreiras da falta de gerenciamento das águas estaduais como organismo transparência e da centralização administrativa muito componente do Sistema Integrado de Gestão de comuns às instituições públicas brasileiras, porém Recursos Hídricos. A proposta, em discussão, de incompatíveis com o modelo de agência de água. atualização da referida lei poderá corrigir esta Desta maneira, sugere-se algumas medidas que, distorção. adotadas de forma gradual, poderiam ensejar à COGERH uma conotação mais explícita de agência Em relação aos princípios que norteiam a gestão de de água: recursos hídricos no Estado do Ceará, está explícito na lei de criação da COGERH, que ela tem entre – estabelecimento de centro de controle de seus objetivos o gerenciamento descentralizado, receitas e de custos / região hidrográfica, de participativo e integrado das águas. Através de um onde seriam gerados relatórios anuais a serem enorme esforço empreendido desde a sua fundação, apresentados aos comitês de bacias; a Companhia tem avançado na busca de atender – fortalecimento das gerências regionais, dotando- aos referidos princípios, realizando as seguintes as de pessoal e equipamentos suficientes para ações: a execução das atividades do gerenciamento dos – de participação – apoio à organização dos sistemas hídricos no âmbito das bacias usuários de água e ao processo de formação de hidrográficas, como também, propiciando-lhes comitês de bacias hidrográficas; alocação autonomia administrativa e financeira desejável negociada dos recursos hídricos; discussão de para o desempenho da função de secretaria planos de bacias junto aos comitês. executiva do respectivo comitê de bacia; – De descentralização – criação de 8 (oito) – presença de representantes dos comitês de gerências de regiões hidrográficas, bacias no Conselho Estadual de Recursos desenvolvendo o gerenciamento Hídricos; 5. Concepção de um modelo de Agência de Água para o Ceará 58 – indicação de representantes dos comitês de No caso da COGERH, o Estado, como possuidor bacias para assumir assento no Conselho Fiscal de praticamente todas as ações, indica todos os seus da COGERH; e membros. Neste sentido, o Conselho Administrativo dessa Companhia é formado por secretários de – presença de representantes dos comitês de estado, sendo presidido pelo secretário de Recursos bacias no Conselho Administrativo da Hídricos. COGERH. Considerando que os comitês de bacias hidrográficas De todas as medidas propostas, a flexibilização do são organismos de Estado, criados com base na Conselho Administrativo seria a mais efetiva no legislação estadual, através de decretos do Poder intuito de tornar a COGERH uma autêntica agência Executivo, supõe-se que seus presidentes também de água. Em sociedades de economia mista, o podem ser indicados para compor o Conselho Conselho Administrativo é composto apenas de Administrativo da COGERH. representantes dos detentores de ações da empresa. 59 5. Concepção de um modelo de Agência de Água para o Ceará 6 Conclusões D e acordo com Barth (1987), o modelo ideal forma de sociedade anônima de capital autorizado, da gestão de recursos hídricos é teórico, e pode ser considerada a primeira agência de água do para ser alcançado deverá haver uma Brasil, com personalidade jurídica de direito privado, significativa evolução institucional do País ou do a adotar no gerenciamento das águas os fundamentos estado da Federação que venha a adotá-lo, de forma da Lei Federal Nº 9.433. que ele deve ser interpretado como objetivo a atingir a longo prazo. Finalmente, considerando-se as questões a serem respondidas e os objetivos a serem alcançados com Assim é que, ao longo dos últimos 15 (quinze) anos, o presente trabalho de pesquisa, pode-se estabelecer o Estado do Ceará tem avançado gradativamente as seguintes conclusões: no sentido da estruturação e aperfeiçoamento de um modelo institucional que permita, de forma plena, a – em virtude das peculiaridades físicas do semi- gestão participativa, descentralizada e integrada das árido do Nordeste brasileiro, onde o Estado do águas inseridas no seu território. Ceará se insere, o modelo de agência de água preconizado pela Lei Nº 9.433 pode ser aplicado A abordagem realizada no presente trabalho acerca nesta região, desde que com as suas de modelos institucionais de recursos hídricos competências ampliadas para incluir, além de vigentes no Brasil e em outros países e, mais funções de gestão de recursos hídricos, funções especificamente, a análise desenvolvida sobre os de oferta de água; tipos de órgãos gestores e de agências de água existentes ou propostos no Ceará e em alguns estados – a gestão de recursos hídricos no Ceará está brasileiros, permitem inferir que o modelo cearense associada a operação e manutenção de uma de gerenciamento das águas, de concepção muito vasta infra-estrutura hidráulica; peculiar, está compatível com os mais modernos princípios da gestão de recursos hídricos. – a viabilização financeira da gestão de recursos hídricos no Ceará decorre do fornecimento de Assim como existe no modelo francês e está previsto água bruta ao setor industrial; no modelo brasileiro, as agências de bacias e as agências de água, respectivamente, como – em função da grande concentração do mecanismos essenciais para a democratização, desenvolvimento econômico do Estado sobre descentralização e financiamento da gestão de a Região Metropolitana de Fortaleza, a cobrança recursos hídricos, no Ceará, a Companhia de Gestão pelo uso da água bruta na Região Hidrográfica de Recursos Hídricos – COGERH, uma entidade das Bacias Metropolitanas subsidia a gestão dos da administração pública indireta, organizada sob a recurso hídricos nas bacias hidrográficas do interior e do litoral; 61 Modelos de Gerenciamento de Recursos Hídricos: Análises e Proposta de Aperfeiçoamento do Sistema do Ceará – a inviabilidade financeira de se estruturar pública, com personalidade jurídica de direito agências de água autônomas nas bacias privado, é bem adequada para desempenhar o hidrográficas do Estado enseja, para a obtenção papel de agência de água no Ceará. da sustentabilidade do gerenciamento dos recursos hídricos em todo o território estadual, Das conclusões expostas, depreende-se que a a instituição de única agência para o Ceará; COGERH, como órgão executivo do gerenciamento participativo e descentralizado dos recursos hídricos – a incapacidade dos comitês de bacias do Ceará, pode ser considerada a agência de água hidrográficas de, em curto ou médio prazos, de todas as bacias hidrográficas estaduais. criar e operacionalizar agências de água, enseja, no caso do Ceará, a adoção de um modelo de Contudo, para se legitimar como agência de água, a agência controlada pelo poder público estadual; Companhia tem que romper as barreiras da falta de transparência e da centralização administrativa, – considerando as atribuições e competências adotando mecanismos para, gradualmente, inerentes às funções da gestão de recursos estabelecer uma gestão compartilhada com aqueles hídricos e aquelas relativas à função de oferta que pagam pelo uso da água bruta, tendo os comitês de água bruta para múltiplos usos, como de bacias como instâncias de deliberação e também o controle que o Estado deve exercer supervisão da sua atuação. sobre a entidade, a figura de uma empresa 6. Conclusões 62 Referências Bibliográficas ALVES, Rodrigo Flecha Ferreira e CARVALHO, Giordano Bruno Bomtempo de. Experiências de gestão dos recursos hídricos. Brasília: MMA / ANA, 2001. ANA - Agência Nacional de Águas. Legislação básica. Brasília, 2001. ______. Evolução da organização e implementação da gestão de bacias no Brasil. Madri: Conferência Internacional de Órgãos de Bacias – CIOB, 2002. AZEVEDO, Luiz Gabriel Todt de e BALTAR, Alexandre Moreira. Nota técnica sobre a atuação do Banco Mundial no gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil – interfaces da gestão dos recursos hídricos: desafios da Lei de Águas de 1997. Brasília: MMA / SRH, 2000. BANCO MUNDIAL. Água, redução de pobreza e desenvolvimento sustentável. Brasília, 2003. BARTH, Flávio Terra. Evolution of institutional aspects and water resources management in Brazil. In: Water resources manangement, Brazilian and European trends and approuches. 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