77444 creScimento Inclusivo verde na América Latina e no Caribe creScimento Inclusivo verde na América Latina e no Caribe Este documento foi elaborado através de um esforço conjunto entre as unidades do Departamento de Desenvolvimento Sustentável da América Latina e do Caribe (LCSSD) do Banco Mundial. Ele foi desenvolvido sob a orientação do Sr. Jorge Ede Ijjasz- Vasquez (Diretor do LCSSD). Os principais integrantes do grupo de trabalho são: Jordan Schwartz (LCSSD), Richard Damania (LCSEN), Chloe e Oliver Micol Ullman (LCSSD). As principais contribuições foram dadas por: Karin Kemper (LCSEN), John Nash (LCSSD), Ariel Yepez-Garcia (LCSEG), Ellen Hamilton e Greg Browder (LCSUW); e Shomik Raj Mahmidiratta (LCSTR). Gostaríamos também de agradecer por suas importantes contribuições: Todd Johnson (LCSEG), Paula Restrepo (LCSUW), Mark Lundell (EASCS), Catalina Marulanda, Erick Fernandes, Willem Janssen e Abdoulaye Sye (LCSAR), Stefano Pagiola (LCSSD), Marie-Laure Lajaunie, Irina Klytchnikova, Erwin de Nys e Enos Esikuri (LCSEN), e Barbara Farinelli, Mila Freire, Alan Poole, Michael Murphy e San Luis Vicente (Consultores). As constatações, interpretações e conclusões expressas neste relatório não refle- tem necessariamente as opiniões dos Diretores Executivos do Banco Mundial ou dos governos que eles representam. Diseño por Miguel Angel Castiblanco - www.kilkadg.com Conteúdo 1. Visão geral A ALC como um Laboratório de Aprendizado sobre Desenvolvimento Verde Inclusivo 1.1 Consumo Verde – Serviços urbanos e de infraestrutura na ALC ... 7 1.2 Produção Verde – Recursos Naturais e Serviços Rurais da ALC ... 9 2. Crescimento inclusivo verde Serviços Urbanos e de Infraestrutura 2.1 A Evolução Urbana da América Latina e do Caribe ... 19 2.2 Energia ... 25 2.3 Serviços de Água e Saneamento ... 30 2.4 Transporte urbano ... 38 3. Crescimento Inclusivo Verde Recursos Naturais e Serviços Rurais 3.1 Acesso rural ao mercado ... 49 3.2 Gestão dos Recursos Hídricos ... 56 3.3 Agricultura ... 61 1 Visão geral A ALC como um Laboratório de Aprendizado sobre 5 Desenvolvimento Verde Inclusivo Crescimento Inclusivo Verde Amazon rainforest - Victor Soares ABr 6 na América Latina e no Caribe Desde a última Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável, no Rio de Janei- ro, a América Latina e o Caribe serviram como um laboratório mundial de desen- volvimento inclusivo verde. • Da matriz enérgica com as mais baixas emissões de dióxido de carbono do mundo em desenvolvimento à primeira organização de seguros contra riscos de catástrofe... • Dos pagamentos por serviços ambientais às fronteiras da pecuária sustentável… • Da modernização das favelas administradas pelas comunidades ao uso mais amplo do veículo leve sobre pneus… Essas inovações são limpas, eficientes, resilientes e socialmente inclusivas – o elixir do crescimento verde. Por duas décadas, a América Latina e o Caribe vêm produzindo um celeiro de criatividade e se constituindo em uma fonte de conhecimento para o restante do mundo sobre o modo como uma economia pode crescer protegendo o meio ambiente. O desafio futuro para a região da América Latina e do Caribe reside na transfor- mação desses exemplos de inovação em políticas inclusivas e práticas generali- zadas. As políticas verdes que apóiam o crescimento econômico favorecem as tecno- logias limpas, os processos eficientes e os investimentos que se adaptam às mudanças climáticas. Para que essas políticas e investimentos continuem a existir durante um lon- go período, é preciso que beneficiem todos os habitantes da região. Isto significa que devem ser inclusivos e proporcionar acesso e serviços a preços razoáveis para todas as comunidades e segmentos da sociedade. Além disso, os programas e investimentos ver- des complementares são indispensáveis em ambos os lados do crescimento da ALC: o do consumo e o da produção – ou seja, o consumo de serviços urbanos e de infraestrutura e a produtividade das áreas rurais.1 7 sobre Desenvolvimento Verde Inclusivo A ALC como um Laboratório de Aprendizado 1. Visão geral 1.1 Consumo Verde – Serviços urbanos e de infraestrutura na ALC Os serviços urbanos e de infraestrutura são os determinantes do crescimento econômico e definem a qualidade de vida de mais de 80% da população da Améri- ca Latina e do Caribe. Eles também contribuem para a poluição, por meio da emissão 1 Embora a produção de serviços de infraestrutura gere externalidades negativas, consideramos a agenda verde para os serviços urbanos e de infraestrutura comoconsumo porque a sua produção é determinada pela demanda do consumidor. de gases do efeito estufa (GEEs) e de particulados. Cada setor dos serviços urbanos e de infraestrutura define os seus objetivos específicos para um crescimento inclusive verde nos próximos 20 anos. Essas metas são determinadas por fatores como os níveis atuais de desempenho e de investimento do setor; a sua contribuição para a poluição local em relação às emissões globais; e a disponibilidade e acessibilidade dos serviços de cada se- tor ao longo do tempo. A tabela abaixo resume os principais objetivos para as áreas mais importantes do desenvolvimento urbano e dos serviços de infraestrutura, relacionadas ao cresci- mento inclusivo verde. Serviços urbanos e de infraestrutura – Principais objetivos para um crescimento verde e inclusivo Desenvolvimento Abastecimento de Energia Transporte urbano urbano água e saneamento Adotar tecnologias Controlar a demanda Crescimento Inclusivo Verde e combinações de de automóveis e Expandir os serviços combustíveis de Expandir a cobertura na América Latina e no Caribe promover os modos urbanos sem aumentar a custo acessível e de saneamento e Limpeza de transporte não poluição e as emissões de baixa composição compartilhar as redes motorizados e com gases do efeito estufa. de carbono na de esgoto tratadas. baixas emissões de capacidade de carbono. geração. Fortalecer o Redefinir o planejamento transporte Aumentar a eficiência Administrar a água urbano e deslocar público com redes da produção, do como um recurso Eficiência os incentivos para financeiramente abastecimento e do natural escasso, o adensamento sustentáveis uso de energia. reduzindo as perdas. populacional. e serviços competitivos. 8 Aumentar a Aumentar a Reduzir a vulnerabilidade resiliênciaresiliência Planejar os sistemas resiliênciaresiliência dos ativos e dos serviços do sistema, de trânsito para dos serviços de água Resiliência urbanos aos desastres por exemplo, que sejam mais para poder antecipar naturais e impactos interconectando os resilientes aos e responder às secas e climáticos. sistemas para repartir desastres naturais. enchentes. o risco hidrológico. Promover a cobertura Melhorar o universal das conexões Expandir os serviços Oferecer cobertura transporte público domiciliares urbanas, Inclusão domiciliares às favelas e universal a preços para promover a disponibilizando comunidades pobres. acessíveis. inclusão e o acesso. serviços regulares de alta qualidade. Para alcançar esses objetivos, a ALC terá que enfrentar uma ampla série de desa- fios ambientais nas áreas de desenvolvimento urbano e serviços de infraestrutu- ra, associados aos seguintes fatores: • A região está entre as mais urbanizadas do mundo • O crescimento das maiores taxas de motorização do mundo, de 4,5% ao ano • Altos níveis de expansão urbana desordenada, causados especialmente pelas cidades secundárias da região • Maior exposição das cidades costeiras aos desastres naturais • Uma agenda ainda não concluída de acesso aos serviços urbanos como água, saneamento e coleta de lixo sólido • Uma matriz energética em transição, que começará a mudar da sua base hidrelétrica ao longo dos próximos 20 anos • Hábitos de produção e de consumo que dependem de subsídios, muitos dos quais são regressivos. Implícito nesses desafios está o reconhecimento de que, em toda a região, os ní- veis atuais de investimento em infraestrutura não são suficientes para atender às demandas do crescimento. À medida que a América Latina e o Caribe começarem a assumir um maior compromisso com a oferta de serviços urbanos, as tecnologias dispo- níveis, a estrutura de preços ao consumidor e as disposições institucionais que definem a eficiência operacional das concessionárias determinarão em que medida os serviços 9 urbanos e de infraestrutura da ALC serão verdes e inclusivos nos próximos 20 anos. sobre Desenvolvimento Verde Inclusivo A ALC como um Laboratório de Aprendizado 1. Visão geral 1.2 Produção Verde – Recursos Naturais e Serviços Rurais da ALC A sustentabilidade do crescimento da América Latina e do Caribe dependerá do seu compromisso com a proteção e o fortalecimento de seus inigualáveis recur- sos naturais. As diversas vantagens oferecidas pela riqueza natural da ALC – extensos recursos hídricos, terras férteis e a incomparável diversidade – estão ameaçadas pela ex- pansão do uso ineficiente do solo e do desmatamento, bem como pela degradação dos recursos hídricos. A agenda rural também está estreitamente associada aos desafios da inclusão social devido à grande população indígena e ao fato de que cerca da metade dos habitantes pobres da região vive nas áreas rurais. A tabela abaixo apresenta um resumo dos principais objetivos de desenvolvimento in- clusivo verde para os recursos naturais e os serviços rurais da ALC: Recursos naturais e serviços rurais – Principais objetivos para um crescimento verde e inclusivo Gestão dos recursos Transporte rural e acesso aos Agricultura e uso do solo hídricos mercados Reduzir o impacto ambiental e Expandir o tratamento da Agricultura verde, por meio social negativo, inclusive os efeitos contaminação humana, Limpeza da redução e reversão do induzidos pela construção e pelas industrial e agrícola dos desmatamento. operações da infraestrutura de recursos hídricos. transporte. Adotar práticas agrícolas generalizadas e eficientes. Adotar incentivos Reduzir as emissões de gases do Manter a trajetória de alto econômicos para induzir a efeito estufa, adotando modos e Eficiência crescimento da produção, destinação e o uso eficiente práticas mais eficientes de transporte Crescimento Inclusivo Verde sem aumentar o seu impacto dos recursos naturais. de carga. na América Latina e no Caribe ambiental negativo. Incluir os impactos Produzir equipamentos de transporte Manter a produtividade apesar climáticos sobre a compatíveis com as mudanças nos das mudanças climáticas, Resiliência hidrologia nos preços e no requisitos de resiliênciaresiliência, reduzindo as emissões de gases planejamento dos recursos especialmente nas áreas sujeitas a do efeito estufa. hídricos. enchentes. Incluir as comunidades Concentrar-se na Incluir os grupos locais nas decisões locais nas decisões sobre competitividade do pequeno sobre investimento e operações; gestão dos recursos hídricos, Inclusão agricultor, levando em conta concentrar-se na expansão do acesso bem como nos esquemas a logística e o acesso aos das comunidades locais aos serviços de pagamento por serviços mercados. de transporte e logística. 10 ambientais. Os desafios associados aos recursos naturais e às comunidades rurais da ALC in- cluem, entre outros: • A contínua ocupação da Amazônia, o maior reservatório de carbono do mundo e a fonte de umidade e hidrologia para a maior parte da região • Aumento da produção agrícola em algumas áreas alcançadas às expensas de danos ambientais, como desmatamento e aumento da poluição • Vulnerabilidade dos recursos naturais devido às mudanças climáticas, ao seu uso insustentável e ao impacto sobre a hidrologia • Comunidades rurais que continuam desconectadas dos serviços básicos e do acesso aos mercados • Dependência regional de caminhões para transporte de mercadorias, inclusive para os longos percursos dos centros de produção rural até os mercados. Fora do Brasil, o percentual de movimentação de transporte rodoviário está acima de 90%. Não há somente um caminho para o crescimento inclusive verde para a região da ALC. Não existe apenas um conjunto de falhas de mercado – como a sua inabilidade em avaliar os custos de longo prazo das emissões de CO2 – que abranja a gama completa dos desafios enfrentados pela região em termos de sustentabilidade ambiental e social. Da mesma forma, não existe apenas uma falha do governo – como a incapacidade regula- tória – que, se for corrigida, poderá reverter todas as tendências. Será necessário fazer muito mais do que uma alteração nos incentivos, um investimento em transformação ou em tecnologia, um tipo de regulamentação ou uma mudança no comportamento para melhorar a qualidade de vida de todos os cidadãos da ALC, preservando ao mesmo tempo a sua inigualável riqueza natural. No entanto, muitas dessas respostas podem ser encontradas nas próprias expe- riências da ALC. Existem potentes antídotos – e em muitos casos criados localmente – para esses males. Os instrumentos de políticas e os investimentos direcionados que foram adotados em toda a ALC para estimular o crescimento econômico, integrar os segmentos mais pobres e vulneráveis da sociedade e proteger os ativos ambientais com- preendem a infraestrutura e os serviços urbanos, bem como a produtividade rural e os recursos naturais. 11 A seguir, apresentamos alguns resultados e inovações específicos relativos à proteção am- sobre Desenvolvimento Verde Inclusivo A ALC como um Laboratório de Aprendizado 1. Visão geral biental dos setores de desenvolvimento urbano e infraestrutura da ALC desde a Rio 92: • Reconhecimento da necessidade de um impacto urbano reduzido e eficiente: Subsídios para o adensamento urbano com o objetivo de atrair pessoas para o centro das cidades e revitalizar suas economias estagnadas estão sendo utilizados agora em muitas metrópoles da ALC como na Cidade do México, em Lima e no Rio de Janeiro. O emprego mais amplo de instrumentos fiscais e de mercado –desde uma tributação diferenciada até os Direitos de Desenvolvimento Negociáveis– ajudará a expandir e aprofundar a tendência para um adensamento orientado por políticas. • Expansão dos serviços urbanos básicos: Entre 2001 e 2008, mais 63 milhões de pessoas na ALC foram atendidas pelos serviços de coleta de lixo sólido, aumentando a taxa de cobertura de 81% para 93%. Embora os percentuais de conectividade à rede de esgoto estejam quase acompanhando o crescimento da população, algumas áreas da região se destacaram por sua posição de liderança mundial no que se refere às abordagens inovadoras, à expansão e ao financiamento dos serviços de saneamento. Diversas cidades secundárias da Colômbia criaram empresas de capital misto que combinam a participação pública com a eficiência da iniciativa privada, enquanto as grandes empresas de serviços públicos – como a companhia multisserviços de Medellin e de água e saneamento do Estado de São Paulo – imprimiram transparência às suas finanças e rigor corporativo às operações. O Chile e Barbados mobilizaram os recursos dos fundos de pensão nacionais e estrangeiros para o financiamento do abastecimento e tratamento da água. • Transporte público e alternativas ao uso de automóveis: Ao mesmo tempo em Crescimento Inclusivo Verde que a ALC apresenta um rápido crescimento no número de pessoas que na América Latina e no Caribe possuem automóveis da ordem de 4,5% ao ano, a região ocupa uma posição de liderança no mundo em desenvolvimento quanto à conceituação e implementação de sistemas alternativos de transporte de massa, especialmente os veículos leves sobre pneus (VLPs). Desde o primeiro VLP implementado em Curitiba, o conceito se disseminou e amadureceu em toda a região, alcançando outros centros urbanos no Brasil, chegando a Bogotá e Lima, em seguida à Cidade do México, a Santiago e às cidades 12 secundárias da Colômbia e do México. Quando esses sistemas forem integrados às políticas de adensamento populacional, aos planos de expansão habitacionais e de serviços básicos e tiverem êxito ao oferecer alternativas mais rápidas do que o automóvel, eles servirão para reduzir os congestionamentos e as emissões de dióxido de carbono, melhorando a competitividade e a vitalidade de uma metrópole. • Expansão da geração de eletricidade com baixas emissões de carbono: Com um crescimento acima de 4% ao ano, a geração de eletricidade na ALC mais do que duplicou entre 1990 e 2009. Além disso, embora a combinação das fontes de geração tenha evoluído nos últimos 20 anos, a energia hidrelétrica se mantém como a mais importante fonte de carga básica, com o gás natural em contínua expansão. O percentual de uso do gás natural na região aumentou de 10% em 1990 para 21% em 2009. Com o declínio da importância do petróleo e do diesel, o crescimento da geração na ALC provocou um impacto ambiental menor do que em outras regiões. Com o rápido crescimento do consumo de energia e o aumento da complexidade e do custo da construção de barragens, os baixos percentuais de emissão da matriz energética da ALC estarão sob pressão nas próximas décadas. Não obstante, a região demonstrou que poderá implementar usinas termelétricas de ciclo combinado, geotérmicas, microcentrais hidrelétricas e até mesmo geração eólica em suas redes. Foram criados sistemas complexos e bem-sucedidos de leilões de energia hidrelética no Brasil e no Peru, para financiar a expansão da carga básica. Com uma maior integração das redes e uma estimativa cuidadosa da demanda e dos incentivos para as fontes renováveis, a combinação de fontes de geração da ALC ainda pode continuar a liderar o mundo em termos de produção de eletricidade com baixas emissões de carbono. O acesso aos serviços nas áreas rurais e a gestão dos recursos naturais da ALC se bene- ficiaram das inovações que protegem o meio ambiente e das abordagens inclusivas que poderão ser expandidas nos próximos anos: • Transportes menos poluentes e acesso rural: Enquanto a América Latina e o Caribe cresceram como uma região comercial nos últimos 20 anos, diversos governos se esforçaram para enfrentar as pressões ambientais e sociais resultantes da expansão das redes de transporte. A ALC inovou em várias áreas que podem reduzir ainda mais o crescimento desenfreado do tráfego rodoviário, da poluição e dos impactos induzidos no uso do solo e nas comunidades vulneráveis, por meio do movimento de carga multimodal e dos sistemas de transporte que produzem menos emissões de dióxido de 13 carbono. A Argentina expandiu o uso da sua parte do sistema hidroviário sobre Desenvolvimento Verde Inclusivo A ALC como um Laboratório de Aprendizado 1. Visão geral nos rios Paraná e Paraguai para o transporte de soja e de outros produtos a granel, adotando um sistema inovador de cobrança que financia com recursos próprios a dragagem e a manutenção dos rios. Por sua vez, o Brasil está desenvolvendo uma estratégia de –transporte ecológico– para aumentar a eficiência do seu setor de movimentação de cargas, reduzir o uso do petróleo e diminuir a poluição gerada pelo transporte rodoviário. Para todo o hemisfério, a expansão do Canal do Panamá possibilitará o uso de navios pós-Panamax, proporcionando maiores economias de escala no transporte marítimo. Isto levará à pressão por um aumento de eficiência das redes de transporte interno para que um número menor de portos concentradores de cargas (hub ports) possam disputar as maiores embarcações. Fora do Brasil, cerca de 90% da carga é transportada nas estradas da região, medido em toneladas por quilômetro. Solucionar esse desequilíbrio ampliando a movimentação de carga por via ferroviária, costeira e hidroviária constituirá um importante ingrediente para o futuro sustentável do sistema de transporte da ALC. • Gestão eficiente dos recursos hídricos: A Rio 92 indicou que a gestão de cima para baixo dos recursos hídricos se mostrou ineficiente e deveria ser substituída por uma abordagem participativa que conte com o envolvimento de usuários, planejadores e formuladores de políticas em todos os níveis. Essa agenda de governabilidade hídrica foi adotada por muitos países da ALC e os ajudou a melhorar o seu marco institucional e jurídico para o setor, especificamente por meio do desenvolvimento de metodologias de administração de bacias hidrograficas, com uma significativa contribuição das partes interessadas. Além disso, prevaleceu a implementação de incentivos econômicos para estimular a alocação e o uso mais eficiente da água, e os países da ALC lideraram o desenvolvimento Crescimento Inclusivo Verde de novos instrumentos como o pagamento por serviços ambientais. Os na América Latina e no Caribe usuários dos recursos hídricos como Buenos Aires e Bogotá estão fazendo um grande investimento – da ordem de US$12 bilhões – para limpar as suas bacias hidrograficas, financiando a infraestrutura, trabalhando com as indústrias com o objetivo de torná-las menos poluentes e criando novas metodologias de gestão. • Ampliando as ações positivas da ALC com a agricultura sustentável: O pilar mais importante da estratégia de redução do impacto ambiental produzido pela 14 agricultura da ALC foi a preservação da cobertura florestal existente e o incentivo ao reflorestamento com espécies nativas onde for possível. A região ocupou uma posição de liderança no uso de pagamentos diretos pela conservação das florestas, com programas nacionais implementados em diversos países e nos estados brasileiros. A Costa-Rica foi pioneira em 1997, tendo estabelecido o seu programa de pagamento por serviços ambientais (Pago por Servicios Ambientales, PSA), que remunera os usuários do solo para conservar a floresta nas áreas prioritárias ou reflorestar a sua terra. É essencial avançar de modo substancial nessa área para reduzir a trajetória das emissões, proteger a biodiversidade e diminuir a erosão. O sucesso dessa iniciativa dependerá amplamente do desestímulo à pecuária insustentável, da eliminação de políticas prejudiciais ao meio ambiente, da implementação de programas para conservar as florestas e as áreas protegidas, assim como do apoio aos projetos de incentivo à conservação como os pagamentos por serviços ambientais. As próximas seções deste estudo apresentam um exame mais detalhado dos ob- jetivos setoriais, dos desafios e das próximas etapas para tornar mais verde e in- clusivo o crescimento da ALC. A análise passa em revista as realizações dos setores de demanda no desenvolvimento urbano e dos serviços de infraestrutura – energia, trans- porte urbano, água e saneamento – assim como dos recursos naturais e do desenvolvi- mento rural desde a Rio 1992. O estudo destaca os resultados nessas áreas e a possibilida- de dessas conquistas estabelecerem um caminho robusto de crescimento inclusive verde para a região. 15 sobre Desenvolvimento Verde Inclusivo A ALC como um Laboratório de Aprendizado 1. Visão geral Crescimento Inclusivo Verde 16 na América Latina e no Caribe 2 Crescimento inclusivo verde Serviços Urbanos e de 17 Infraestrutura Crescimento Inclusivo Verde Rio de Janeiro, © Cokadao | Dreamstime.com 18 na América Latina e no Caribe Os serviços urbanos e de infraestrutura são os determinantes do crescimento econômico e definem a qualidade de vida de mais de 80% da população da América Latina e do Cari- be. Esses serviços também contribuem para a poluição, por meio da emissão de GEEs as- sim como de particulados. Cada setor dos serviços urbanos e de infraestrutura estabelece os seus objetivos específicos para um crescimento inclusivo verde nos próximos 20 anos. Essas metas são determinadas por fatores como os níveis atuais de desempenho e de in- vestimento do setor; a sua contribuição para a poluição local em relação às emissões glo- bais; e a disponibilidade e acessibilidade dos serviços de cada setor ao longo do tempo. Adotando uma abordagem setorial, as seguintes seções examinam (i) os objetivos do de- senvolvimento inclusive verde, (ii) o progresso desde a Rio 1992, (iii) as oportunidades e limitações encontradas no caminho para o crescimento inclusivo verde e (iv) as próxi- mas etapas. A Seção 2.1 analisa as cidades na evolução da ALC e as dimensões ambientais do planejamento urbano. As três seções seguintes investigam em mais detalhe os aspec- tos do consumo: a Seção 2.2 trata do setor energético, a Seção 2.3 examina os serviços urbanos de água e saneamento e a Seção 2.4 analisa o transporte urbano. 2.1 A Evolução Urbana da América Latina e do Caribe A ALC é uma das regiões mais urbanizadas do mundo. Em 2008, 81% da população vi- via nos centros urbanos e esse percentual deverá aumentar ainda mais à medida que os países menos urbanizados da América Central alcancem os níveis do restante da região. Combinada às crises financeiras dos anos 1980 e 1990, a rápida urbanização diminuiu a capacidade da oferta de infraestrutura e de serviços para a crescente população das cida- 19 des. Isto resultou na falta de terrenos urbanizados e de acesso à moradia, assim como na desigualdade de renda e de obtenção de infraestrutura básica. Essas condições se deterio- Serviços Urbanos e de Infraestrutura raram devido à expansão urbana, à poluição e à vulnerabilidade aos desastres naturais. 2. Crescimento inclusivo verde A expectativa de crescimento da região e as contínuas tendências de expansão impõem novos desafios ao planejamento urbano na ALC. Os principais elementos de uma estra- tégia urbana deveriam se basear: (i) em cidades compactas para reduzir as emissões e os impactos ecológicos, (ii) na gestão adequada para aumentar a eficiência dos recursos naturais e (iii) em planos consistentes que ajudem a compreender e se preparar para os possíveis resultados associados aos acidentes naturais bem como para as esperadas con- sequências negativas das mudanças climáticas. Objetivos verdes O desenvolvimento verde das cidades da ALC significa um crescimento limpo, eficiente, resilienteresilientee inclusivo. Para alcançar esse objetivo: • A infraestrutura urbana necessita se expandir no sentido de acomodar o crescimento esperado com muito menos poluição e emissões de gases do efeito estufa, uma utilização mais eficiente dos recursos naturais e menor vulnerabilidade das áreas urbanas aos desastres naturais e às mudanças climáticas. • As estratégias de promoção do crescimento devem conter os seguintes elementos: o formato da cidade e a densidade/compactação populacional, a eficiência dos setores urbanos – edifícios, energia (ver a Seção 2.2), água e saneamento (ver a Seção 2.3), a gestão do lixo sólido – e um amplo planejamento de longo prazo. Crescimento Inclusivo Verde Progresso nas duas últimas décadas na América Latina e no Caribe A ALC apresentou um significativo avanço em termos de soluções inovadoras e partici- pativas para a gestão de cidades verdes. No entanto, muitas dessas realizações mostra- ram grandes variações entre os países e não alcançaram as populações de baixa renda. Nos últimos dez anos, a gestão do lixo sólido melhorou de forma acentuada na ALC. En- tre 2001 e 2008, mais 63 milhões de pessoas tiveram acesso aos serviços de coleta de lixo, 20 aumentando a taxa de cobertura de 81% para 93%.2 No entanto, apesar das conquistas promissoras, maisda metade dos resíduos sólidos é eliminada de forma inadequada em rios e canais (esse tema será discutido em mais detalhe na Seção 2.3 e na Seção 3.2).3 A reciclagem ainda é limitada e continua a oferecer uma significativa oportunidade de melhoria. Menos de 3% do lixo sólido gerado nas cidades da ALC é separado na fonte e reciclado.4 Esta situação está melhorando em alguns centros urbanos como, por exem- 2 IDB (2011). Relatório de Avaliação Regional da Gestão de Resíduos Sólidos Urba- nos na América Latina e no Caribe, 2010 3 Sustainable Cities for the XXI Century Initiative: IDB Special Program. Washing- ton: IDB, Inter-American Development Bank (IDB), 2010. 4 Op Cit (2011). plo, na cidade do México e em Santiago, onde 10% e 11% dos resíduos, respectivamente, são reciclados. Houve um aumento substancial do acesso à água potável e ao saneamento na região. No que se refere ao saneamento, a maior parte da população urbana da ALC dispõe desse serviço, mas o tratamento da água residual continua a ser um importante problema. Em média, menos da metade da água residual é tratada e muitas cidades apresentam uma taxa ainda menor (essas questões são examinadas em mais detalhe na Seção 2.3). A falta de tratamento da água residual pode ser especialmente problemática devido às doenças que pode ocasionar. Os serviços de abastecimento de água estão incorporados ao tecido urbano e devem ser integrados ao planejamento metropolitano. Os modelos de desenvolvimento espacial exercem uma influência fundamental sobre esses serviços. A densidade do crescimento determina a amplitude da distribuição de água e das redes de coleta de resíduos; as cidades caracterizadas por altos níveis de expansão necessitam de mais quilômetros de tubulação e, de modo geral, os custos de bombeamento são mais elevados, afetando os investimentos e os gastos operacionais. A quantidade de água da chuva que pode se infiltrar no solo ou ser armazenada de modo temporário em bacias naturais, como lagoas ou varzeas, determina a necessidade de tubulações de drenagem e de estações de bombeamento. As cidades que preservam os espaços abertos e/ou tomam medidas para armazenar provisoriamente a vazão de pico das chuvas torrenciais podem reduzir de modo significativo os custos do gerenciamento de águas pluviais. Ao mesmo tempo, as metrópoles podem integrar os corpos d’água ao tecido urbano fazendo com que se tornem parte da paisagem. No entanto, muito pouca atenção tem sido atribuída às questões hídricas no planejamento urbano, deixando com frequência que as compa- nhias de serviços públicos respondam à dinâmica metropolitana, em vez de o poder pú- blico exercer uma influência proativa no desenvolvimento com o objetivo de ampliar o 21 crescimento inclusivo verde. Serviços Urbanos e de Infraestrutura 2. Crescimento inclusivo verde Muitas cidades latino-americanas implementaram com sucesso sistemas de transporte público abrangentes, especialmente os veículosleves sobre pneus (VLPs). Contudo, me- nos êxito parece ter sido obtido em termos de mudanças de comportamento e do uso de automóveis (esse tema será discutido em mais detalhe na Seção 2.4). A predominância da informalidade econômica e da expansão urbana constitui um de- safio e uma característica comum à maioria das cidades da América Latina e do Caribe, o que dificulta a elaboração de planos de preservação dos espaços verdes. A maior parte das metrópoles dispõe de normas para proteger as áreas verdes mas essas políticas nem sempre têm êxito porque a demanda por moradias de baixa renda leva à invasão de terras marginais. Com mais da metade das grandes metrópoles da ALC situada em zonas costeiras baixas, a vulnerabilidade a enchentes é muito elevada. Poucas cidades realizaram um planeja- mento para se adaptar aos desastres naturais iminentes. Oportunidades e limitações A região da América Latina e do Caribe está bem posicionada para liderar as iniciativas de crescimento inclusivo verde e tem sido um laboratório para muitas inovações na esfe- ra urbana nas últimas décadas. Para estimular um desenvolvimento compacto e diversificado, além de promover a re- gulamentação do uso do solo visando limitar a expansão urbana e proteger os espaços verdes, a ALC tem a oportunidade de utilizar diversos instrumentos de mercado, entre os quais: direitos de desenvolvimento transferíveis, direitos transferíveis adicionais, tri- butação diferenciada e outros instrumentos que incentivam o adensamento nas áreas urbanas e evitam a urbanização das zonas rurais ou a expansão metropolitana desorde- Crescimento Inclusivo Verde nada causadas pelo desenvolvimento. Os subsídios para adensamento, que têm como ob- na América Latina e no Caribe jetivo atrair pessoas para o centro das metrópoles e revitalizar uma urbe estagnada, são comuns em muitas cidades da América Latina como, por exemplo, a Cidade do México, Lima e o Rio de Janeiro. No Brasil, as aglomerações urbanas que apresentaram no ano 2000 os maiores índices de crescimento populacional também registraram níveis mais elevados de expansão de- sordenada (ver a Figura 1). Essa constatação oferece uma oportunidade para que as áreas urbanas pequenas e médias no Brasil evitem reproduzir os padrões de crescimento das 22 maiores cidades. Ao contrário, elas podem estruturar as suas políticas de desenvolvi- mento urbano de forma integrada, com o objetivo de otimizar a provisão de serviços de infraestrutura, reduzindo o seu impacto e a sua vulnerabilidade ecológica.5 5 As cidades de porte médio se expandiram com muita rapidez, especialmente duran- te os anos 1980, quando a sua taxa de crescimento foi mais elevada do que a das grandes cidades e da população urbana como um todo. Na década de 1990, algumas dessas cidades começaram a enfrentar os mesmos tipos de problemas que as grandes metrópoles da ALC como, por exemplo, aqueles relacionados ao desenvolvimento da infraestrutura e à oferta de serviços municipais. Figura 1: Brasil: A expansão urbana desordenada é maior nas cidades em rápido crescimento 8,00 % Ipatinga Joinville 7,00 % TCAC da população 2000-2008 6,00 % Blumenau 5,00 % 4,00 % Criciúma Itajai Maringa Santos Belo Horizonte Brasilia 3,00 % Florianopolis Salvador FortalezaLondrina 2,00 % Recife Curitiba Porto Alegre Caixas do Sul 1,00 % São Paulo Belem Rio de Janeiro 0,00 % 0,33 0,38 0,43 0,48 0,53 0,58 Índice de expansão urbana descontrolada (2000) Fonte: Adaptado de Ojima, A. e Hogan D (2009)6 A ALC ocupa uma posição de liderança no desenvolvimento voltado para o trânsito, com o objetivo de reduzir os congestionamentos e a poluição. Alguns exemplos notáveis são os veículos leves sobre pneus (VLPs) de Curitiba, Santiago, Bogotá, São Paulo e de muitas outras cidades (veja mais detalhes na Seção 2.4). Elaborado entre o final dos anos 1960 e o início da década de 1970, o plano de Curitiba integra o uso do solo e o transporte usando uma combinação de incentivos e controles aplicados ao planejamento do uso do solo. Na maioria das metrópoles da ALC, os governos nos níveis local ou federal, bem como o setor privado, reconhecem o potencial de revitalização dos centros urbanos. Três princi- 23 pais abordagens foram adotadas para reciclar as áreas urbanizadas de acordo com a sua utilização original e com as novas possibilidade de uso do solo: (i) criação de atrações Serviços Urbanos e de Infraestrutura culturais e recreativas inovadoras, (ii) regeneração de áreas residenciais já existentes e 2. Crescimento inclusivo verde (iii) desenvolvimento de zonas industriais. Para aumentar a resiliência às mudanças climáticas, as cidades da ALC necessitam inte- grar a gestão das alterações no clima e do risco de desastres naturais ao planejamento do 6 No capítulo “Urban Sprawl and Environmental Risks in Brazilian Urban Agglome- rations: Challenges for Sustainability”, in de Sherbiniin, A., A. Rahman, A. Barbieri, J.C. Fotso e Y. Zhu (eds.). 2009. Urban Population-Environment Dynamics in the Developing World: Case Studies and Lessons Learned. Paris: Committee for International Coopera- tion in National Research in Demography (CICRED). desenvolvimento urbano, além de preparar planos de ação para se adaptar a esses fenô- menos. A conscientização, assim como as estratégias públicas e privadas, apresentaram uma significativa melhora, da mesma forma que os sistemas de alerta preventivo. Os países começaram a desenvolver capacidade analítica para prever a probabilidade de um evento, tomar as medidas preparatórias para o caso de acidentes e fortalecer os mecanis- mos de seguro visando responder com agilidade após a avaliação dos danos. A coorde- nação regional para a gestão do risco de desastres naturais também avançou no sentido da promoção do intercâmbio de informações e experiências entre os países vulneráveis. Por exemplo, o México e Cuba estão implementando um projeto regional de adaptação às mudanças climáticas com duração de três anos. A coordenação também está evoluin- do no nível urbano. Talvez ainda mais significativo seja o pioneirismo da ALC no uso de instrumentos de seguro inovadores como o bônus contra catástrofes. Considerando o grande número de famílias que vivem em assentamentos informais nas cidades da ALC, torna-se necessária a criação de programas sociais para estabelecer uma melhor integração desses locais, evitando assim a formação de novas favelas. O caminho que leva a uma cidade inclusiva envolve forçosamente um maior nível de integração dos Crescimento Inclusivo Verde assentamentos irregulares ao tecido urbano. Na década passada, por exemplo, surgiram na América Latina e no Caribe em Medellín alguns programas bem-sucedidos que se basearam em abordagens holísti- cas de modernização das favelas e foram implementados projetos nas áreas mais densas e pobres da cidade. Essa nova geração de iniciativas de melhorias nas favelas incorporou os componentes de participação institucional e comunitária aos investimentos em no- vas infraestruturas e espaços públicos para obter uma maior adesão das pessoas e gerar um sentimento de participação. 24 As próximas etapas Motivar as cidades para que optem por um desenvolvimento urbano mais limpo, efi- ciente, resiliente e inclusivo requer a adoção de uma perspectiva holística do ecossiste- ma urbano. Levando em consideração as possíveis sinergias entre os setores, é essencial administrar os recursos com mais eficiência. No entanto, isso também envolve um nível mais elevado de coordenação tanto horizontal (entre as secretarias de transporte e de planejamento) quanto vertical (por exemplo, entre os órgãos habitacionais nacionais e subnacionais). Um aspecto desafiador da administração urbana nas cidades da ALC está associado à atribuição de responsabilidade para a prestação de serviços no nível local. A definição clara das funções e a coordenação entre os principais participantes são essenciais para garantir uma gestão adequada e eficiente das cidades. As metrópoles devem reduzir a sua vulnerabilidade aos desastres naturais e às mudanças climáticas, especialmente nos assentamentos informais precários. Isto implica deslocar o eixo das políticas de resposta emergencial para uma abordagem de gestão de risco de acidentes naturais. É obvio que o desenvolvimento de uma infraestrutura urbana requer financiamento e esse aspecto constitui um desafio, especialmente para as cidades pequenas e médias. Embora as parcerias público-privadas sejam cada vez mais bem aceitas na maioria das metrópoles da ALC, as transferências de renda e os subsídios provenientes de níveis mais elevados de governo continuarão a ser indispensáveis para financiar a infraestrutura ur- bana necessária. 2.2 Energia O fortalecimento do setor de energia é essencial para o crescimento econômico da ALC nas próximas décadas. Desde a Rio 1992, o desenvolvimento econômico e social da região tem sido apoiado por uma eletrificação generalizada que aumentou muito a oferta desse serviço para as residências, o comércio e a indústria. Nos próximos 20 anos, o forne- cimento de energia elétrica terá que ser expandido para atender à crescente demanda. No entanto, o modo como a produção e o uso da eletricidade irá se desenvolver poderá provocar grandes impactos nas diferentes economias da região. O desafio consiste em atender às significativas necessidades de energia de forma limpa, eficiente, resiliente e 25 inclusiva. Serviços Urbanos e de Infraestrutura Objetivos verdes 2. Crescimento inclusivo verde O setor de energia deve ser eficiente com um mínimo custo econômico possível, para evitar a perda de recursos; inclusivo, para proporcionar acesso universal; e sustentável, para atender às necessidades de energia com menor porcentagem de efeitos nocivos ao meio ambiente. Por último, o setor deve ser resiliente aos desafios climáticos, econô- micos e tecnológicos. Nos próximos anos, as principais questões estarão relacionadas à busca do equilíbrio adequado das tecnologias e da combinação de combustíveis na capa- cidade de geração. Progresso nas duas últimas décadas Na ALC, a geração de eletricidade vem crescendo de forma consistente nas duas últimas décadas e a produção quase duplicou entre 1990 e 2009. Isto equivale a um crescimento anual médio de 4%. A combinação das fontes de geração elétrica evoluiu durante esse período de 20 anos, com uma menor contribuição do petróleo (diesel e óleo combustível) e da energia hidrelétrica (embora esta continue a ser a fonte mais importante) e uma maior parcela de gás natural. Entretanto, devido à sua grande riqueza em energia hidre- létrica, o crescimento da geração produziu emissões de carbono mais baixas do que em outras regiões. Na ALC, o percentual de gás natural aumentou de 10% em 1990 para 21% em 2009. Os países que apresentaram um maior uso de gás natural na combinação de fontes de geração são Trinidad e Tobago (99%), Bolívia (58%), México (53%) e Argentina (51%). O percentual de produção de eletricidade proveniente da energia nuclear e do car- vão mineral tem sido historicamente baixo e se mantém uniforme desde 1990. Oportunidades e limitações Crescimento Inclusivo Verde na América Latina e no Caribe Na região, a demanda por eletricidade deverá quase duplicar nas próximas duas décadas. As principais questões nos anos vindouros serão o estabelecimento do equilíbrio ade- quado na escolha das tecnologias e na combinação dos combustíveis para a capacidade de geração. Essa composição deve ser diversificada com o objetivo de promover a segu- rança energética e reduzir o impacto ambiental. Alguns dos instrumentos disponíveis para diversificar a matriz energética e diminuir as emissões globais são: maior uso de energia hidrelétrica, de gás natural e de fontes renováveis não hidrelétricas; maior inte- gração de energia na região (eletricidade e gás); e aumentos específicos de eficiência da 26 demanda e da oferta. Além disso, muitos países da ALC necessitam de uma participação pública e privada mais dinâmica e de reformas nos processos de regulamentação, con- tratação e licenciamento. Por sorte, a ALC já possui um setor de eletricidade menos intensivo em emissões de car- bono, comparado a qualquer região do mundo. Isto resulta do elevado percentual de uso da energia hidrelétrica, especialmente no Brasil, na Colômbia, no Paraguai e na Venezue- la. No entanto, a intensidade de carbono nas emissões do setor energético vem crescendo devido ao aumento da participação dos combustíveis fósseis (incluindo o gás natural) e essa tendência deverá continuar. Segundo um relatório do Banco Mundial, nos cenários de crescimento econômico mode- rado as emissões de CO2 provenientes da geração de eletricidade na ALC deverão ser mais do que duplicadas entre 2009 e 2030 como resultado do declínio no percentual de ener- gia hidrelétrica e de um aumento na parcela de combustíveis fósseis, liderada pelo gás natural. Como é mostrado na Figura 2, este cenário da oferta mostra que em 2009 cerca de 260 milhões de toneladas métricas de CO2 foram lançados na atmosfera e, em 2030, as emissões poderão atingir quase 570 milhões de toneladas métricas de CO2. Figura 2: Cenário de emissões de CO2 na América Latina e no Caribe 570 196 México América Central 36 38 Caribe 248 58 Zona Andina 110 129 Brasil 15 18 Cone Sul 36 17 113 52 2009 2030 Fonte: Yepez, A. Johnson, T. e Andres, L.A. (2011). “Meeting the Balance of Electricity Supply and Demand 27 in Latin America and the Caribbean”, World Bank, Directions in Development. Para reduzir a trajetória prevista de emissões, outras fontes de energia mais limpas de- Serviços Urbanos e de Infraestrutura vem ser otimizadas. Em seguida à energia hidrelétrica, a eólica parece ser o recurso reno- 2. Crescimento inclusivo verde vável com maior potencial. A geração de eletricidade solar – principalmente a energia so- lar térmica concentrada – necessitará de grandes avanços para reduzir custos, caso possa contribuir de forma significativa para a eletricidade fornecida pelas redes nos próximos 20 anos na ALC. A biomassa, em particular os resíduos da indústria açucareira, fornece uma quantidade expressiva de eletricidade no Brasil, mas o seu papel e o potencial futuro exigirão maiores pesquisas para identificar os locais e os processos adequados e econo- micamente viáveis. O comércio inter-regional permitiria aos países diversificar as suas fontes de geração de energia e usufruir dos ganhos comerciais associados à especialização dos produtores mais eficientes. Além disso, uma abordagem regional poderia reduzir as emissões de gases do efeito estufa como resultado da inclusão de uma maior parcela de fontes reno- váveis na combinação de geração. Promover uma maior integração regional implicará na superação de obstáculos institucionais, políticos e jurídicos. Um importante requisito para ampliar a integração entre os países da região é o estabelecimento de um marco regulatório e institucional que permita o cumprimento dos contratos. Entre todas as opções para atender à oferta futura de eletricidade, as medidas de eficiên- cia energética são quase sempre as menos dispendiosas. Intervenções na oferta levam em conta as deficiências, as perdas de energia, bem como os padrões nacionais de econo- mia de energia dos recursos (metas de eficiência energética das companhias de serviços públicos); os códigos de energia para novas edifícações; as normas para eletrodomés- ticos; os programas para promover uma ampla modernização da energia nos prédios já existentes; e o selo de eficiência energética. A redução dos subsídios destinados aos combustíveis fósseis continua a ser uma alta prioridade e poderá gerar vários benefícios econômicos, ambientais e sociais, se for acompanhada de transferências de renda dire- cionadas de modo mais adequado. Crescimento Inclusivo Verde na América Latina e no Caribe A ALC apresenta taxas de acesso à eletricidade relativamente elevadas, em comparação com outras regiões em desenvolvimento. Na África, por exemplo, a cobertura de eletri- cidade é de 40% e a média global de 78%, mas esse indicador alcançou 93%, em 2008, na ALC. No entanto, existem grandes disparidades nos indicadores, tanto dentroquanto entre países. Mesmo nas nações com altas taxas globais de acesso, pode existir uma sur- preendente discrepância entre os percentuais de cobertura urbana e rural. A ampliação da rede é a maneira mais natural de estender o atendimento nos países com um siste- ma de transmissão de eletricidade desenvolvido. Contudo, para os países com limitada 28 infraestrutura de energia e as comunidades isoladas, os painéis solares fotovoltaicos, juntamente com as micro-usinas hidrelétricas e a energia eólica, podem exercer papéis importantes na oferta de eletricidade com custo mínimo. As próximas etapas No contexto da combinação diversificada das tecnologias de geração e da sustentabili- dade ambiental, a segurança energética demanda uma avaliação das tendências futuras do papel do gás natural, da energia hidrelétrica e de outras fontes de eletricidade limpas e com baixas emissões de carbono, em relação ao petróleo e ao carvão mineral. Esse tema requer também a análise das políticas e normas regulatórias que melhor ajudariam a promover o desenvolvimento com baixas emissões de CO2. De acordo com um cenário básico para a região em 2030, a maior parte da nova capacida- de de geração seria obtida com energia hidrelétrica e gás natural (veja a Figura 3). Para se beneficiar dos vastos recursos hídricos da região, a maioria dos países necessitará modi- ficar as suas políticas regulatórias para permitir investimentos em um contexto finan- ceiro mais rigoroso e com severas restrições ambientais e sociais. Um grande aumento no uso da geração de energia com gás natural também está previsto para os próximos anos. Concretizar a expansão da capacidade de geração movida a gás natural implicará no aumento da cooperação regional para a construção de gasodutos e na negociação bi- lateral de contratos de exploração, porque os recursos de gás natural não estão distribu- ídos de modo uniforme na região. Figura 3: Combinação das fontes de geração de eletricidade na região, 2009–2030 100 % 4% 4% 90 % 80 % 70 % 50 % Outras fontes renováveis 55 % 60 % Hidreléctrica 50 % Nuclear 4% 40 % 2% Carvão 5% 8% 30 % Gás natural 21 % 20 % 29 % Petróleo 10 % 29 12 % 5% 0% Serviços Urbanos e de Infraestrutura 2. Crescimento inclusivo verde 2009 2030 Fonte: Yepez, A. Johnson, T. e Andres, L.A. (2011), “Meeting the Balance of Electricity Supply and Demand in Latin America and the Caribbean”, World Bank, Directions in Development. Algumas alternativas poderiam reduzir o volume da nova capacidade de geração térmi- ca que será necessária na ALC nos próximos 20 anos. O que talvez seja mais importante essas opções podem ajudar a criar um setor energético mais estável e diversificado. Além disso, o custo de muitas dessas alternativas é mais baixo do que as soluções tradicionais de geração de energia. No contexto fiscal, os subsídios terão que ser cortados para permitir que as tarifas refli- tam o verdadeiro valor do mercado de eletricidade. Isso contribuiria para vários aspectos porque os recursos fiscais poderiam ser melhor veiculados para outras necessidades so- ciais, proporcionando ao mesmo tempo uma redução na capacidade necessária de gera- ção e nas emissões de CO2. As disparidades nas taxas de acesso são grandes dentroe entre países, especialmente na cobertura de eletricidade. As perspectivas de aumento dos índices de cobertura depen- dem da medida da capacidade de transmissão de cada nação da ALC. Por essa razão, um importante desafio é encontrar formas de promover o acesso universal usando tecnolo- gias limpas, eficientes e resilientes, ou seja, descobrir o modo de se tornar ecológico e inclusivo. Para atender às necessidades de investimento (incluindo o aumento de energia hidrelé- trica e movida a gás natural) muitos países da ALC terão que contar com uma partici- pação mais dinâmica do setor privado para atrair o investimento necessário, bem como reformar o marco regulatório e os processos de contratação e licenciamento. Crescimento Inclusivo Verde na América Latina e no Caribe 2.3 Serviços de Água e Saneamento Embora 85% da população urbana da América Latina e do Caribe esteja conectada a uma rede de distribuição de água, a qualidade do serviço prestado por muitas empresas, em termos de continuidade, pressão e qualidade é relativamente deficiente e a maioria das companhias de abastecimento se esforça para manter a sustentabilidade financeira. O 30 tratamento das águas servidas e a degradação ambiental na região também são bastante comuns, com menos da metade desses resíduos líquidos sendo tratados e eliminados de modo adequado. Por sua vez, isso resulta em uma extensiva deterioração dos rios, lagos e das zonas costeiras, além de afetar a saúde (esse tema é discutido em mais detalhe na Seção 3.2). Por fim, devido à desigualdade de renda na ALC, determinadas populações, especialmente as que estão situadas nas áreas rurais e nas favelas periurbanas, continu- am a não ter acesso a serviços adequados de água e saneamento. O sólido e contínuo crescimento econômico da ALC em geral oferece a oportunidade de investimento na melhoria ambiental, em particular na coleta e no tratamento das águas servidas, assim como no controle das enchentes nas áreas urbanas e na construção de sistemas de drenagem mais eficazes. Além disso, as metas para uma oferta adequada de água potável e de saneamento poderão ser alcançadas pela maioria dos países da ALC no prazo de uma geração, se forem tomadas agora as decisões corretas sobre reformas institucionais e investimentos. Objetivos verdes O abastecimento de água e saneamento, bem como a proteção dos cursos d’agua, consti- tuem uma parte integral da agenda de crescimento verde da ALC, levando em conta a sua importância para a saúde humana, o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade ambiental. Os principais objetivos verdes são: • Serviços de água eficientes e inclusivos, fornecidos a preços razoáveis para todas as pessoas. • Serviços de água limpos e ambientalmente adequados, que administrem a água como um recurso natural escasso e a incorporem ao tecido urbano. • Serviços de água resiliente que possam prever e responder às secas e enchentes, sem comprometer de modo significativo a qualidade do abastecimento. Para alcançar o objetivo da prestação de serviços de abastecimento de água limpos, in- clusivos, eficientes e resilientes, os governos da ALC devem dar continuidadse e apro- fundar as suas agendas de reformas institucionais para o setor e estabelecer vínculos mais estreitos com as iniciativas de gestão ambiental, urbana e de recursos hídricos. Progresso nas duas últimas décadas 31 Desde a Rio 1992, a ALC apresentou um bom progresso na melhoria da cobertura dos Serviços Urbanos e de Infraestrutura serviços, mas os indicadores pararam de crescer nos últimos anos, e muito ainda precisa 2. Crescimento inclusivo verde ser feito para aumentar a eficiência e a inclusão. O alcance do objetivo da prestação de serviços de água limpos e resiliente apenas começou na maioria dos países da região e está intimamente associado à eficiência do abastecimento. Muitos países da ALC têm experimentado reformas no setor hídrico desde meados dos anos 1990, entre as quais a distinção entre a elaboração de políticas, o marco regulatório e a prestação do serviço, bem como a descentralização dos serviços e a formação de par- cerias público-privadas. No entanto, na maioria dos países, a agenda de reformas está incompleta e ainda não foi consolidada; os governos devem continuar as experiências e as reformas para tornar o setor verdadeiramente sustentável. Oportunidades e limitações Apesar do avanço significativo da ALC desde a Rio 1992, ainda persistem grandes prob- lemas. Uma das Metas de Desenvolvimento do Milênio para 2015 é reduzir à metade o déficit na cobertura básica de água e saneamento. Os níveis globais de acesso a um mel- hor abastecimento na região são estimulantes, em especial levando-se em conta a rápida urbanização e os choques econômicos das últimas duas décadas. Não obstante, cerca de 32 milhões de pessoas, principalmente nas áreas rurais, não têm acesso à água potável, 123 milhões não dispõem de saneamento, menos da metade das águas servidas urbanas recebem tratamento e muitas companhias de água prestam um baixo nível de serviços em termos de regularidade, pressão e qualidade da água, além de enfrentar problemas financeiros. A má qualidade dos serviços resulta naturalmente de uma combinação de companhias de serviços públicos de água ineficientes e de investimentos inadequados. Embora a ALC disponha de empresas de nível mundial, a maioria apresenta um desempenho inadequa- do em termos operacionais e financeiros como, por exemplo, água não faturada, per- Crescimento Inclusivo Verde centuais de cobrança, índices operacionais e rentabilidade. As causas variam em cada na América Latina e no Caribe caso, mas a maior parte dos países da região ainda está em um processo de reforma do seu setor de água e de elaboração de políticas adequadas para tarifas, regulamentação, estrutura do setor, mecanismos financeiros e distribuição de subsídios. A poluição generalizada dos corpos d’água naturais provocou um grave impacto ecoló- gico na região. Os países da ALC “coletam” e tratam menos da metade de suas águas ser- vidas. A coleta, o tratamento e a eliminação da água residual e dos biossólidos são caros e a maioria dos países da ALC ainda necessita tratar dessa questão (veja a Figura 4). Muitas 32 das nações ainda não investiram plenamente nas redes de coleta e os níveis efetivos de tratamento se situam abaixo de 50%, exceto no Chile e no Uruguai. Figura 4: Coleta de águas servidas na América Latina e no Caribe Coleta de águas servidas na 2008 (%) 120 % 96 91 91 93 100 % 75 72 77 76 80 % 66 61 64 59 52 58 60 % 48 47 40% 24 10 20 % 0 Argentina Bolívia Brasil Chile Ecuador Peru Uruguai Costa Rica El Salvador Guatemala Honduras Colômbia Paraguai México Nicarágua Panamá Jamaica Média Fonte: Documento com o posicionamento da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (ABDIB) para o Fórum Mundial da Água 2012 A gestão da água residual constitui o desafio da próxima década para os países de renda média da região. Quase todos dispõem de programas ambiciosos e caros para expandir rapidamente a coleta e o tratamento das águas servidas. A maioria das megacidades da região já iniciou esses programas e está ampliando os sistemas de coleta e construindo novas estações de tratamento. O aumento da incidência de enchentes e secas nas últimas décadas – além das evidências que sugerem cada vez mais que os padrões climáticos na região estão se tornando mais extremos – ameaça a confiabilidade dos serviços de abastecimento. Enfrentar a escassez 33 de água e a seca representa agora um imperativo para a maioria das cidades da ALC. Por sorte, um novo elenco de instrumentos para lidar com a questão da escassez está surgin- Serviços Urbanos e de Infraestrutura do e se tornando mais viável em termos econômicos. Esses mecanismos abrangem desde 2. Crescimento inclusivo verde medidas convencionais de conservação até o desenvolvimento de novas fontes alterna- tivas como a dessalinização, a reciclagem de água e a coleta de água da chuva, mas a sua implementação necessita de recursos adicionais. Desde a Rio 1992, a orientação geral dessas reformas consistiu em estabelecer uma sepa- ração entre a formulação de políticas, a regulamentação e os serviços, e assegurar que cada entidade tenha a capacidade e autoridade adequadas para cumprir as suas obriga- ções. Esta agenda de reformas ainda não foi concluída. Por fim, a eficácia das políticas setoriais – como subsídios e tarifas, regulamentações e normas ambientais – pode ser avaliada segundo o nível de eficiência e inclusão da prestação dos serviços de água, o que ainda não é o caso em muitos países da região. As principais reformas implementadas em algumas das maiores nações ilustram a diversidade das iniciativas: • Na Argentina, a privatização dos serviços de água não foi bem-sucedida e o país retornou ao modelo público. Nos anos 1990, como parte de uma política de privatização mais ampla, muitas cidades, especialmente Buenos Aires, estabeleceram contratos de concessão de longo prazo e, no início da década de 2000, cerca de 70% da população urbana era atendida por companhias de água privadas. Após a crise econômica do iníciode 2000, quase todos os contratos de concessão foram rescindidos e o serviço passou a ser fornecido principalmente por empresas públicas. • No Brasil, o setor de água é composto por grandes companhias estaduais e foram realizadas experiências cautelosas e a aceleração do uso de PPPs. A política do setor e a gestão dos recursos hídricos são conduzidas por diversos órgãos e, em 1998, a responsabilidade pelos serviços de água foi transferida dos estados para os municípios. Hoje existem 27 companhias estaduais de Crescimento Inclusivo Verde água e cerca de 580 municipais. Além destas, há 14 agências reguladoras na América Latina e no Caribe estaduais, cuja autoridade e capacidade varia de modo significativo. Um crescente número de companhias públicas está estabelecendo parcerias público-privadas, para fornecer especialmente serviços de tratamento de águas servidas, que necessitam de grandes investimentos. • O Chile foi o único país da região que conseguiu criar um forte contexto regulatório e de políticas que permitiu às companhias privadas assumir a responsabilidade pelo serviço. O fator decisivo do rápido sucesso do 34 Chile foi a criação de uma política operacional e de um marco regulatório que enfatizaram o auto-financiamento, a prestação de contas e o apoio governamental quando for necessário. O país também estabeleceu uma política tarifária direcionada e estruturada de modo adequado para as famílias de baixa renda, o que não prejudica a estabilidade financeira da companhia de água. A integração do setor privado após 1998 ajudou a atrair novos fluxos de investimento para financiar o tratamento das águas servidas e melhorar a infraestrutura de água e esgoto. A estrutura do setor é caracterizada por companhias regionais de porte relativamente grande, que podem proporcionar economias de escala e simplificar a regulamentação. • A Colômbia, como o Chile, criou agências reguladoras eficientes para fiscalizar o setor no sentido do cumprimento das normas econômicas. O planejamento e a política nacional para esse segmento cabem ao ministério da habitação. Desde 1992, os serviços de água foram descentralizados para os 1.119 municípios e, em 1994, a lei do serviço público determinou que as prefeituras utilizassem operadoras de água especializadas, inclusive empresas privadas. Isto resultou em uma ampla gama de modelos institucionais, abrangendo as companhias públicas de água em Bogotá, Medellín e Cali, e os contratos de concessão de propriedade mista pública- privada em Cartagena e Barranquilla. A Colômbia também possui um original sistema tarifário escalonado para a água pelo qual as famílias de renda alta pagam mais pelos serviços, subvencionando desta forma os grupos de baixa renda. Embora esse esquema funcione de modo adequado em algumas cidades, em muitos municípios menores e mais pobres os subsídios cruzados são insuficientes e as prefeituras não podem ou não querem fornecer os financiamentos necessários para as companhias de água. Esses breves perfis dos países destacam a pluralidade das experiências na região e a di- versidade das abordagens. Não obstante, as iniciativas de reforma futuras deverão levar em conta os seguintes elementos: • Compromisso com políticas – Os governos devem se comprometer em garantir uma combinação adequada de políticas para assegurar os níveis apropriados de investimento e de qualidade dos serviços, ajustando constantemente a matriz de programas conforme a necessidade. 35 • Estrutura do setor e descentralização – Desde a Rio 1992, a região tem se movido no sentido da descentralização dos serviços, normalmente Serviços Urbanos e de Infraestrutura implementada por meio de reforma constitucional. Com frequência, isto 2. Crescimento inclusivo verde impediu que muitas companhias fizessem economias de escala suficientes para reduzir as tarifas e promover subsídios cruzados para os usuários. A descentralização também complicou a regulamentação do serviço de água porque em geral os órgãos especializados não puderam dedicar a atenção necessária aos pequenos municípios. • Recuperação de custos – As três principais fontes de recursos para os serviços de água: tarifas, impostos e transferências devem ser suficientes para cobrir os custos efetivos, ou os serviços não poderão se sustentar no longo prazo. Companhias de água eficientes podem reduzir gastos tomando decisões inteligentes sobre investimentos e cortando despesas operacionais; da mesma forma, uma empresa de serviços públicos de água que dispuser de um fluxo de caixa elevado e estável poderá atrair financiamento de baixo custo. Embora a pivatização tenha sido o mote das reformas setoriais nos anos 1990, o seu resul- tado foi insatisfatório, tendo sido o Chile o único país a adotar um sistema eficaz apoiado em companhias privadas. No restante da região, houve uma ampla gama de experiências com parcerias público-privadas (PPPs) que foram em geral bem-sucedidas ou que ainda estão emergindo. O fundamento e a seleção de uma PPP adequada varía de acordo com o contexto específico. No entanto, alguns de seus objetivos mais comuns são: níveis mais elevados de especialização para aumentar a eficiência, mais transparência e coerência na prestação do serviço e, quando for apropriado, financiamento com capital próprio ou através de empréstimo para facilitar o investimento. Crescimento Inclusivo Verde As próximas etapas na América Latina e no Caribe O abastecimento de água, o saneamento e a drenagem nas áreas urbanas são apenas um componente de um ambiente hidrológico e institucional mais amplo. O conceito de ges- tão integrada da água foi criado para ajudar a estabelecer a relação de uma cidade com o contexto mais amplo do recurso hídrico, mas levando em conta o estreito vínculo com a dinâmica do desenvolvimento urbano e os serviços públicos da urbe. A abordagem (Figure 5) e o êxito da sua adoção serão essenciais para o cumprimento das metas de lim- peza, eficiência, inclusão e resiliência dos serviços de água. O Banco Mundial criou a 36 iniciativa de Gestão Integrada de Águas Urbanas, que colabora com as cidades da ALC para identificar e compartilhar boas práticas. Figura 5: Conceito de Gestão Integrada de Águas Urbanas Gestão de bacias fluviais Gestão de enchentes e da seca Desenvolvimento urbano Saneamiento Abastecimento Aguas de água servidas Serviços de água Aguas Resíduos pluviais sólidos Cidades sustentáveis Usuários de água Uso do solo Irrigação Navegação Ecossistemas Energia hidrelétrica A qualidade dos serviços de água de uma cidade depende da estratégia de gestão dos re- cursos hídricos: o abastecimento urbano de água representa normalmente 20% a 30% do consumo de um país e a alocação e o direito de uso são fundamentais para garantir uma 37 fonte confiável. Com frequência, as enchentes no nível regional causam um profundo impacto na drenagem urbana. O escoamento da água das tempestades nas áreas urbanas Serviços Urbanos e de Infraestrutura pode ser impedido pela elevação do nível dos rios receptores; da mesma forma, os rios 2. Crescimento inclusivo verde podem transbordar ou arrebentar os diques para controle de inundações causando en- chentes nos centros urbanos. Normalmente, os orgãos nacionais ou regionais que admi- nistram os recursos hídricos são responsáveis pela alocação dos direitos de uso da água bem como pela infraestrutura hidráulica, a gestão fluvial e a administração integrada das águas na região. As companhias de serviços públicos de água e seus respectivos governos municipais devem atuar em coordenação com as instituições de gestão ambiental e de recursos hídricos e participar ativamente da formulação de políticas com o objetivo de garan- tir que seus interesses sejam protegidos e a água administrada de modo sustentável. No entanto, como analisamos em mais detalhe na Seção 3.2, muitos dos regimes de manejo ambiental e de recursos hídricos na ALC apresentam muitas deficiências e ain- da estão em processo de evolução. 2.4 Transporte Urbano O aumento da demanda por transporte urbano de passageiros e de carga, que resulta em um rápido crescimento econômico e da população urbana, está pressionando os siste- mas de transporte das cidades da região. De um lado, a extrema superlotação nas redes de transporte público torna as viagens menos seguras e confortáveis. Por outro lado, o aumento da renda está expandindo a frota de veículos e o crescente número de carros particulares impõe um custo desproporcionalmente elevado à sociedade. Como é mos- trado na Figura 6, a ALC possui as mais altas taxas de motorização entre os países fora da OCDE. A América Latina apresenta um índice de propriedade per capita de 86 veículos leves por 1000 pessoas, em sua maioria privados como automóveis particulares, utili- Crescimento Inclusivo Verde tários e pequenos caminhões.7 Embora as populações da China e da Índia sejam muito na América Latina e no Caribe maiores, a propriedade de automóveis per capita é muito baixa e até mesmo em números absolutos de veículos leves esses dois gigantes ainda estão situados abaixo da ALC. 38 7 A ALC possui um alto índice de propriedade de automóveis em comparação com o Oriente Médio e a África, que não é mostrado na tabela, ainda que em algumas nações ricas em petróleo de ambas as regiões esse índice seja mais elevado. Figura 6: Propriedade de veículos leves em relação à renda e à população, 2005 Veículos leves/per capita Veículos leves/US$1milhão do PIB PIB/per capita, US$2000 PPC 800 40 36.26 700 35 600 30 25.64 VL/US$1 milhão do PIB (PPC, 2000) 500 22.68 25 VL/1000 pessoas 400 20 10.12 300 7.63 15 200 10 6.15 100 3.07 5 0 0 EUA, Canadá OCDE Europa OCDE Pacífico Leste Europeu ALC e México China Índia Fonte: Banco de dados de Modelos de Mobilidade da Agência Internacional de Energia (IEA, comunicação pessoal, 2009). Notas: De 10% a 20% desses veículos leves são vans ou pickups comerciais. O PIB/Capita em US$1000 (PPC no ano 2000) é mostrado acima de cada região. 39 O modo como os sistemas de transporte da ALC irão evoluir terá um papel determinante Serviços Urbanos e de Infraestrutura 2. Crescimento inclusivo verde na definição do futuro econômico e ambiental dessas cidades. Felizmente, existe hoje uma convergência entre as agendas de sustentabilidade financeira, econômica, ambien- tal e social dos sistemas de transporte urbano que, se forem economicamente eficientes, também terão uma grande probabilidade de ser limpos, eficientes e resiliente. Objetivos verdes Os objetivos verdes para o setor de transporte são: • Enfrentar o desafio da demanda por automóveis que não apenas ameaça dominar as cidades com congestionamentos, mas também impõe uma grande impacto ambiental em termos de emissões de carbono e de particulados, de segurança e do seu efeito sobre o espaço público. • Fortalecer o transporte público criando redes financeiramente sustentáveis que ofereçam uma qualidade de serviço competitiva e minimizem as suas consequências sociais e ambientais. • Promover e apoiar os meios de transporte não-motorizados, que proporcionam uma alternativa para os pobres e também não geram nenhuma emissão. Crescimento Inclusivo Verde Progresso nos últimos vinte anos na América Latina e no Caribe A ALC liderou o mundo em desenvolvimento na adoção de práticas modernas e inova- doras para enfrentar os seus desafios na área de transporte. A melhoria da qualidade da oferta de transporte público nas duas últimas décadas foi transformadora. Os maiores ganhos foram obtidos com o desenvolvimento de veículos leves sobre pneus (VLPs). Esses sistemas dinamizaram o trânsito de massa por ônibus oferecendo um ser- viço de alta capacidade e qualidade a um custo relativamente baixo. Durante esse proces- 40 so, eles também transformaram o modelo de negócio empregado nas operações de trans- porte público na região, proporcionando segurança e benefícios ambientais expressivos. Embora Curitiba, no Paraná, venha utilizando os VLPs desde os anos 1970, o conceito ganhou popularidade rapidamente após a implantação do bem-sucedido TransMilenio, na cidade de Bogotá, em meados da década de 1990. Hoje, esse sistema transporta 1,7-mi- lhões de passageiros por dia, com uma capacidade que pode ser comparada favoralmen- te com a dos mercados ferroviários de alta densidade do mundo e com velocidades que se comparam positivamente com a dos trens. O êxito do TransMilenio e de um meio de transporte semelhante adotado em Quito, logo depois, levaram a uma rápida expansão do uso de veículos leves sobre pneus (VLPs), ini- cialmente em toda a ALC e cada vez mais no mundo inteiro. O Banco Mundial apoiou os programas de VLPs na Colômbia, no México e no Peru; esses sistemas já foram ou estão sendo desenvolvidos na Argentina, no Brasil, no Equador, na Guatemala e no Uruguai. Ainda que o modo de adaptação do conceito de VLP aos contextos locais tenha levado a di- ferentes níveis de adequação, esta foi a mais importante inovação em termos de transpor- te público desenvolvida, aperfeiçoada e popularizada na ALC nas duas últimas décadas. Importantes avanços foram apresentados na implantação do transporte sob trilhos, em particular nas maiores regiões metropolitanas do Brasil. As cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro transformaram os seus centenários serviços de trens suburbanos em sistemas modernos de alta velocidade com frequência e capacidade semelhantes à do metrô. Essas duas metrópoles também estão construindo amplas redes de metrô utilizando parcerias público-privadas. Muitas cidades também enfrentaram o desafio de intregrar os diferentes modos de trans- porte para reduzir a falta de comodidade e as demoras. Os sistemas que não são integra- dos em termos físicos e operacionais – por meio de terminais de transferência de alta qualidade e de horários coordenados – afastam os passageiros preferenciais e impõem um ônus para os usuários cativos. O pagamento em separado da passagem de cada modo de transporte, o que continua a ser comum, aumenta o desconforto. Além disso, para os pobres que vivem nos subúrbios e são as pessoas que têm maior probabilidade de fazer baldeações, as passagens múltiplas não são acessíveis. O estabelecimento do Bilhete Único, em São Paulo e no Rio de Janeiro foram importantes êxitos na integração. A construção de terminais de transferência de alta qualidade como as estações do Brás e da Luz, em São Paulo, ou o terminal Moreno, em Buenos Aires, tam- bém contribuíram para melhorar a integração e a eficiência. No entanto, a mais notável experiência talvez tenha sido o projeto Transantiago de Santiago do Chile, que promo- veu uma completa transformação no sistema de transporte público, passando de uma 41 prestação de serviço em geral informal para uma rede integrada de sistemas e cidades, que pode ser considerada no mesmo nível de um país desenvolvido. Os esquemas de pa- Serviços Urbanos e de Infraestrutura gamento de bilhetes e de transferência de passageiros foram integrados utilizando um 2. Crescimento inclusivo verde cartão inteligente. Embora o lançamento do Transantiago tenha sido prejudicado por problemas iniciais, o governo reagiu imediatamente para solucioná-los e hoje o novo sistema de transporte público é considerado como um dos melhores da América Latina. A transformação lançou as bases para uma cobertura de transporte público metropoli- tano contínua devido à integração, via SmartCard, com o metrô. A maioria dos ônibus é moderna, tem ar condicionado e padrão Euro3 (ambientalmente limpo), com motoristas uniformizados e treinados para proporcionar um serviço de qualidade para os usuários. Além disso, as pessoas pobres podem fazer diversas viagens entre os seus respectivos locais de residência, que são frequentemente distantes, até o centro comercial da cidade, pagando apenas uma passagem. Oportunidades e limitações O principal desafio na área de transporte consiste em manter o deslocamento dentro de um tempo razoável e tornar a viagem a mais acessível, confortável e conveniente possí- vel. Esta não é uma tarefa fácil, especialmente nas grandes cidades onde os congestiona- mentos são um problema crônico. Uma questão importante na região é que o investimento na infraestrutura de transporte metropolitano está muito aquém das necessidades e do seu potencial. Parte do problema está relacionada ao alto custo dos modernos sistemas de transporte público de massa: a última fase do VLP de alta qualidade de Bogotá, por exemplo, custa acima de US$15 milhões por quilômetro. Embora essa quantia seja substancial, ela representa apenas uma fração do preço da nova linha de metrô de São Paulo, cujos valores acima de US$300 Crescimento Inclusivo Verde milhões por quilômetro não são atípicos. Não apenas muitos países da ALC possuem na América Latina e no Caribe limitado espaço fiscal com os níveis subnacionais tem dificuldades ainda maiores. Com frequência, a recuperação do custo se constitui em um objetivo estabelecido, mas o seu impacto é regressivo e requer subsídios compensatórios para os pobres. A lógica econômica sugere que enquanto a cidade possua recursos, ou possa obtê-los, e tenha a capacidade para garantir que os incentivos estejam sendo destinados às melhorias nos serviços para os passageiros, algum nível de subsídio para o transporte público poderá ser justificado, devido aos benefícios que o sistema gera e ao seu potencial de redução 42 do uso do automóvel, que impõe externalidades negativas. Na prática, para equilibrar a sustentabilidade econômica e social, diversas cidades fixaram tarifas para recuperar os investimentos com o objetivo de garantir a sustentabilidade econômica e oferecer subsí- dios à demanda para os pobres, assegurando o acesso e a equidade. No entanto, o alcance desse duplo objetivo não é simples porque há dificuldade em identificar com precisão as pessoas mais pobres e garantir que os esquemas de subsídios não sejam utilizados de modo abusivo. Frequentemente, o resultado têm sido tarifas baixas que necessitam de grandes financiamentos públicos ou o uso de uma estratégia tarifária com preços mais altos e sustentáveis que cobrem os custos, mas que podem excluir os pobres e reduzir a utilização. Essa contradição se estende às operações. O Transantiago foi planejado para ser financeiramente autosustentável e isso contribuiu para os seus problemas no início do funcionamento; em retrospecto, a rede dispunha de muito poucos ônibus, devido às restrições orçamentárias, o que levou a uma extrema superlotação. Em Bogotá, as pesso- as reclamam da superlotação mesmo nos períodos fora de pico, mas se o TransMilenio utilizar um maior número de ônibus poderá correr o risco de se tornar deficitário. Apesar dessas preocupações, um dos mais celebrados benefícios dos modernos veículos leves sobre pneus (VLPs) tem sido o seu melhor desempenho ambiental, o conforto e a segurança em relação aos ônibus comuns. Os sistemas VLP também oferecem oportuni- dades para melhorar as frotas no sentido de reduzir as emissões de carbono. No entanto, essas tecnologias são vendidas a preços incrementais elevados, que podem sobrecarre- gar injustamente os pobres. Da mesma forma, seria importante aumentar a qualidade e a quantidade do transporte não motorizado como a bicicleta e andar a pé. Esses modos de deslocamento podem re- duzir os congestionamentos e melhorar a qualidade de vida, mas dependem da geografia da cidade, da renda, da segurança, do clima e da cultura. Mesmo nas maiores cidades da ALC, caminhar corresponde a um terço de todas as viagens, que são essenciais para manter os sistemas de transporte operacionais e sustentáveis, e manter a parcela de des- locamentos a pé deve ser um importante elemento de qualquer estratégia de transporte para as cidades da região. A Figura 7 mostra os percentuais dos modos de transporte em cidades selecionadas no mundo. 43 Serviços Urbanos e de Infraestrutura 2. Crescimento inclusivo verde Figura 7: Percentuais recentes dos modos de transporte em cidades selecionadas no mundo Não motorizado Transporte público Individual 100 % 10 % 12 % 19 % 25 % 31 % 90 % 23 % 24 % 26 % 27 % 32 % 33 % 34 % 36 % 37 % 37 % 37 % 38 % 38 % 39 % 80 % 54 % 56 % 40 % 70 % 58 % 60 % 20 % 56 % 44 % 32 % 29 % 52 % 54 % 50 % 32 % 53 % 28 % 53 % 42 % 38 % 32 % 37 % 42 % Crescimento Inclusivo Verde 46 % 40 % na América Latina e no Caribe 24 % 30 % 50 % 39 % 46 % 40 % 20 % 37 % 33 % 32 % 32 % 31 % 30 % 27 % 25 % 25 % 25 % 24 % 23 % 22 % 21 % 21 % 20 % 10 % 16 % 5% 0 Bogotá Buenos Aires Caracas Curitiba Guadalajara León Lima Montevidéu Porto Alegre San José Santiago Nova York Belo Horizonte São Paulo Mumbai Xangai Hong Kong Rio de Janeiro Ciudade do México París (Metropolitano) Londres (perímetro urbano) 44 Fonte: Banco Mundial Quanto à bicicleta, na última década, muitos cidades da ALC começaram a reconhecer o seu importante papel na melhoria do desempenho e da sustentabilidade das redes de transporte. Várias cidades -como Bogotá, Buenos Aires, Rio de Janeiro, São Paulo e San- tiago - tentaram promover o ciclismo e melhorar as condições para essa prática. Para concretizar essa mudança transformadora, é necessário combinar investimentos em infraestrutura e instalações com atividades que estimulem uma mudança de comporta- mento em relação ao uso da bicicleta. As próximas etapas Com o aumento da renda, as viagens na ALC utilizarão cada vez mais o automóvel, o que causará níveis inaceitáveis de congestionamento, a menos que os preços e o ambiente ur- bano motivem especificamente as pessoas de outro modo. Nesse contexto, muitos estão preocupados com o fato de que, ao deixar de refletir os custos externos impostos à so- ciedade, o preço dos veículos está artificialmente baixo, estimulando a tendência ao uso excessivo de automóveis. A teoria econômica apoia enfaticamente cobrar dos motoristas o custo que andar de carro impõe à comunidade. Os agentes econômicos (motoristas) são conhecidos pelo consumo excessivo quando o que pagam não reflete os custos reais impostos ao restante da sociedade: as mudanças climáticas, a poluição e as demoras atri- buídas aos congestionamentos. Nesse contexto, um imposto pigouviano8 poderá ajudar a alinhar os incentivos e custos individuais com os impactos mais amplos sobre a so- ciedade. As estimativas sugerem que a aplicação de uma taxa específicapara congestio- namentos, que reflita o efeito dos automóveis sobre a segurança, a poluição local ou as emissões de dióxido de carbono, acrescentaria cerca de U$2,28 por milha de uso do carro em uma área urbana nos EUA. Nesse contexto, uma série de opções está disponível para que as autoridades possam im- plementar medidas significativas de gestão da demanda nas regiões metropolitanas. Es- tas são algumas das alternativas: • Esquemas de incentivo para veículos com maior lotação para uma rede estratégica de estradas – Essa estratégia restringe faixas específicas de uma rodovia a veículos com vários passageiros (nomalmente, um mínimo de duas a três pessoas), incentivando os motoristas a considerar outras alternativas, ao invés de dirigir sozinho, e poder viajar sem enfrentar 45 congestionamentos. Serviços Urbanos e de Infraestrutura • Impostos sobre propriedade e uso de veículos – Os governos podem usar 2. Crescimento inclusivo verde diversos instrumentos para aumentar o custo de possuir e usar veículos, que reflitam os custos totais que os automóveis impõem à sociedade. A aplicação de uma sobretaxa aos combustíveis pode ser eficaz, e na 8 O imposto pigouviano é cobrado de indivíduos ou empresas cujas ações provocam consequências sociais negativas e corresponde ao dano social causado por uma atividade, de forma que o “custo” total para um indivíduo ou companhia reflita esses prejuízos. O im- posto é igual à externalidade negativa (ou o dano causado à sociedade) que deverá corrigir a situação do mercado para que volte a ser eficiente. Um exemplo típico desse imposto seria cobrar dos poluidores as emissões que comprometem o ar ou a água. maior parte da ALC um mecanismo básico para essa finalidade já foi implementado. • Gestão de estacionamentos – Todos os deslocamentos feitos em veículos particulares começam e terminam em estacionamentos, o que torna esses serviços um forte instrumento para administrar a demanda urbana. Embora os planejadores de transportes e os administradores de cidades tendam a tratar com simpatia as pessoas que procuram locais de estacionamento, as restrições e as taxas aplicadas a esse serviço têm um impacto virtuoso na gestão da demanda sobre o tráfego. Ao restringir os estacionamentos urbanos, fiscalizar o cumprimento dessas medidas e taxar de modo adequado os serviços disponíveis, as cidades podem simular as tarifas sobre o congestionamento com custos políticos e de transação relativamente baixos. • Restringir e taxar o acesso – Cobrar dos viajantes explicitamente pelo congestionamento para o qual eles contribuem – as chamadas taxas Crescimento Inclusivo Verde de congestionamento – constitui a forma mais direta de enfrentar esse na América Latina e no Caribe problema. Em suma, o planejamento urbano integrado e, especialmente, a abordagem direta da questão do uso do automóvel para maximizar a adoção dos modos não-motorizados são essenciais para melhorar o sistema de transporte na ALC. Na ausência dessas medidas, os efeitos do aumento da oferta de outros modos de locomoção poderiam ser limitados. A experiência na ALC, e em um âmbito mais vasto sugere que o tratamento dos conges- tionamentos nas áreas urbanas densas das cidades latino-americanas com um nível de 46 renda relativamente elevado é difícil e talvez impossível sem uma estratégia deliberada para controlar a demanda por automóveis. Além disso, como a renda continua a crescer, esse problema só aumentará. 3 Crescimento Inclusivo Verde Recursos Naturais e 47 Serviços Rurais Crescimento Inclusivo Verde Herdsmen cross Xingu River in Para state - Antonio Cruz ABr 48 na América Latina e no Caribe A sustentabilidade do crescimento da América Latina e do Caribe dependerá do seu com- promisso com a proteção e o fortalecimento de seus inigualáveis recursos naturais. As diversas vantagens oferecidas pela riqueza natural da ALC – extensos recursos hídricos, terras férteis e a incomparável diversidade – estão ameaçadas pela expansão do uso ine- ficiente do solo e do desmatamento, bem como pela degradação dos recursos hídricos. A agenda rural também está estreitamente associada aos desafios da inclusão social devido à grande população indígena e ao fato de que cerca da metade dos habitantes pobres da região vive nas áreas rurais. Adotando uma abordagem setorial, as seguintes seções examinam (i) os objetivos do de- senvolvimento inclusive verde, (ii) o progresso desde a Rio 1992, (iii) as oportunidades e limitações encontradas no caminho para o crescimento inclusivo verde e (iv) as próxi- mas etapas. A Seção 3.1 analisa o transporte rural, levando em conta as questões ecoló- gicas do acesso ao mercado e a conectividade. A Seção 3.2 passa em revista a gestão dos recursos hídricos e a Seção 3.3 reflete sobre o setor de agricultura. 3.1 Acesso rural ao mercado A demanda por transporte de carga e acesso ao mercado apresentou uma substancial expansão devido ao acentuado crescimento econômico nos últimos anos. O aumento da conectividade e do acesso aos mercados também leva a um desenvolvimento mais in- clusivo em termos sociais: as estradas rurais contribuíram para a redução da pobreza, promovendo a integração, a conectividade, a mobilidade e o acesso aos serviços sociais básicos. As rodovias rurais expandiram a inclusão social da população rural, especial- mente ao ligar as comunidades pobres dessas áreas às cidades no nível distrital. 49 A região da ALC caracteriza-se por um transporte de carga predominantemente rodoviá- Recursos Naturais e Serviços Rurais 3. Crescimento Inclusivo Verde rio, que é dispendioso e prejudicial ao meio ambiente. A maior parte da carga é transpor- tada por caminhões e há um limitado uso de ferrovias e hidrovias. Os custos logísticos também são elevados na região (50% a 100% acima dos países da OCDE) devido a uma ampla gama de participantes e à falta de coordenação entre eles; a uma integração insu- ficiente das cadeias de fornecimento; a um acúmulo de infraestrutura de baixa qualidade resultante de anos de déficit de investimento e de ênfase nas rodovias; e a uma integração inadequada dos meios de transporte com alta dependência das estradas. A área rural é considerada como a última fronteira do mundo – tanto em termos ambientais, devido à sua rica biodiversidade ameaçada, quanto sociais, com as suas várias populações indí- genas que vivem de modo tradicional. O ambiente natural proporciona a principal rede de proteção social para os pobres das áreas rurais e ajuda a limitar a má-nutrição e a migração urbana em massa. A economia rural também é a origem de quase metade das exportações de alimentos, animais vivos e matérias-primas da ALC. Objetivos verdes Os principais desafios ambientais e sociais de acesso ao mercado na ALC podem ser di- vididos em três categorias: • Minimizar os impactos ambientais e sociais locais e os efeitos induzidos da construção e das operações da infraestrutura de transporte. Na região, a maior parte do trabalho na área de transporte foi além dos aspectos exclusivos da engenharia rodoviária e passou a incorporar a redução dos impactos negativos sociais e ambientais. • Garantir uma infraestrutura inclusiva e eficiente. Os projetos de acesso ao mercado mais inovadores, especialmente nas áreas rurais, apóiamas iniciativas de desenvolvimento sustentável que são inclusivas e asseguram Crescimento Inclusivo Verde na América Latina e no Caribe a participação das comunidades afetadas. As ações também expandem a cobertura dos serviços básicos e os esforços complementares para reduzir a pobreza por meio do acesso universal à educação e saúde, mesmo nas zonas mais remotas. • Responder à agenda dos desafios impostos pelas mudanças climáticas em termos de atenuação e adaptação. Embora até hoje uma parte relativamente limitada das considerações sobre esses temas específicos tenha sido 50 incorporada à agenda de acesso ao mercado, essa questão vem atraindo mais atenção nos últimos anos devido ao crescente número de eventos climáticos. Progresso nas últimas duas décadas A região da América Latina e do Caribe apresentou um significativo avanço quanto à in- tegração da agenda verde em suas iniciativas de acesso ao mercado. Esses esforços abran- geram: • Integração de salvaguardas para a adoção das boas práticas ambientais e sociais preponderantes. A obtenção de licenças ambientais para obras rodoviárias, por exemplo, causa longos atrasos e, com frequência, os órgãos ambientais não tinham capacidade para identificar, monitorar e fiscalizar as implicações ambientais dos projetos viários. Salvaguardas foram criadas para institucionalizar as questões ambientais e sociais na implementação dos projetos de transporte. • Integração das iniciativas de conservação e minimização dos impactos locais. A garantia de um desenvolvimento harmonioso dos projetos de infraestrutura em áreas ambientalmente sensíveis continua a ser um desafio. Uma abordagem promissora é o desenvolvimento de instrumentos de planejamento do uso do solo que respaldem a concepção de uma paisagem que integre a construção de rodovias à conservação da biodiversidade e aos princípios de restauração das florestas. Os projetos de acesso ao mercado na ALC têm sido cada vez mais enriquecidos com abordagens proativas para proteção do meio ambiente (veja o Quadro 1). Quadro 1: Pagamentos por Serviços Ambientais em Honduras A área em torno da rodovia San Lorenzo-Olanchito, em Honduras, é o habitat de 80% a 90% da população mundial remanescente de uma espécie de beija-flor, o colibri esmeralda, que está em alto risco de extinção. Em 2005, foi estabelecida uma área protegida, a Reserva Polingo, mas não foi considerada suficientemente ampla para manter de e durante um longo tempo um população viável os beija-flores. Desta forma, foram tomadas medidas para conservar de modo efetivo, no longo prazo, as partes restantes e de tamanho considerável da floresta de espinhos. Isto poderá ocorrer utilizando um sistema de pagamentos por serviços ambientais (PSA), se os latifundiários do Valle Aguán concordarem em manter intactas as partes restantes da floresta de espinhos. Como primeiro programa desse tipo em Honduras, a iniciativa deverá levar à conservação no longo prazo de uma área suficientemente grande da floresta de espinhos para garantir a sobrevivência do colibri esmeralda e de outras espécies únicas da biodiversidade no Valle Aguán. Com o objetivo de assegurar a implementação do sistema PSA, o projeto integrou um compromisso juridicamente vinculado às medidas de conservação prévias a serem implementadas como uma condição para o desembolso de recursos destinados à melhoria da rodovia. • Aperfeiçoamento dos métodos de construção. Embora a adoção de melhores 51 métodos de construção e de um monitoramento ambiental mais rigoroso, Recursos Naturais e Serviços Rurais 3. Crescimento Inclusivo Verde como a estabilização de encostas e a gestão das bacias de drenagem, sejam essenciais para aperfeiçoar os métodos de construção, mais avanços ainda são necessários. A experiência do Brasil com contratos de manutenção e recuperação que se baseiam no desempenho levou à implementação de várias inovações na construção de rodovias como a reciclagem de detritos das estradas, que têm importantes efeitos positivos sobre o meio ambiente porque desperdiçam menos material. • Criação de capacidade local, integração das preocupações da comunidade e abordagem das diferenças culturais. Os projetos de acesso ao mercado continuam a apoiar as iniciativas de criação de capacidade local com o objetivo de integrar os interesses da comunidade e lidar com as sensibilidades e as questões culturais que possam afetar os grupos indígenas. Uma estratégia participativa que enfatiza o acesso equitativo de camponeses, indígenas, mulheres e jovens à tomada de decisões se tornou um elemento incorporado às boas práticas nos projetos de estradas rurais. Essa abordagem delegou poder e autonomia às comunidades e ampliou a sua integração na sociedade. • Criação de empregos. Na ALC, a conservação das estradas rurais gera o maior número de empregos entre todos os investimentos em infraestrutura analisados até esta data, de 25.000 a 50.000 postos de trabalho ao ano em relação a gastos de US$100 milhões. Os recursos para essas atividades também são relativamente fáceis de mobilizar em um ambiente onde existem poucos planos de infraestrutura de longo prazo com projetos prontos para iniciar. A construção de rodovias cria cerca de 1000 empregos anuais para um investimento de US$100 milhões (veja o Quadro 2). Crescimento Inclusivo Verde Quadro 2: Criação de Emprego no Projeto de Estradas Rurais do Peru na América Latina e no Caribe Em um programa de estradas rurais no Peru, as autoridades decidiram apoiar as microempresas em suas atividades de conservação rodoviária. Somente em 2011, 697 governos locais contrataram 744 microempresas e geraram 5.132 empregos para a comunidade. Até a presente data, as estradas rurais recuperadas até 12 anos atrás e que estão em manutenção de rotina realizada por essas microempresas permanecem em boas condições. Oportunidades e limitações 52 A conectividade inadequada ainda restringe o crescimento na região e é indispensável aumentar a eficiência do setor de transporte. Os custos logísticos na região da ALC, como percentual do PIB, estão na faixa de 17% a 28%, comparados às metas de 8% a 10% da OCDE. Em alguma medida, esses gastos elevados refletem a forte dependência da exportação de produtos a granel na região, mas sugerem também que um aumento de eficiência do setor de transporte se traduz diretamente em maior competitividade dos segmentos econômicos primários associados. O setor de transporte é a fonte de emissões de dióxidode carbono que cresce mais rápi- do na ALC. No Brasil, por exemplo, esse segmento foi responsável por cerca de 30% de todo o consumo de energia e das emissões de CO2 em 2007, com uma contribuição dos meios de transporte rodoviários superior a 90% desse indicador.9 As oportunidades para reduzir a intensidade de carbono dos transportes podem ser agrupadas em três amplas estratégias: • Facilitar a mudança do transporte de carga para outros modos mais eficientes em termos de consumo de combustível. O transporte de carga em caminhões é o mais intensivo em emissões de dióxido de carbono e o objetivo deveria ser o desenvolvimento de um setor integrado multimodal para permitir uma substituição do uso de caminhões. • Aumentar a eficiência do consumo de combustíveis dos modos já existentes. Devido à natureza distribuída e fragmentada do transporte rodoviário, os caminhões representam a maior parte de todos os veículos de carga e de quilômetros rodados (exceto em relação ao transporte aéreo). O desafio consiste em identificar e implementar estratégias para reduzir o uso de combustíveis no setor rodoviário de carga. A diminuição da intensidade de combustível nesse segmento está fortemente ligada ao controle dos poluentes locais. Por outro lado, muitas ações implementadas para “limpar” o óleo diesel, baixando os níveis de enxofre, também podem provocar efeitos sinérgicos na eficiência dos combustíveis das frotas de caminhões. • Reduzir a quantidade desnecessária de quilômetros rodados sem restringir o crescimento econômico. O imperativo de tornar “verde” o setor de transporte de carga da ALC é intrinsecamente importante. No entanto, os objetivos ecológicos estão estreitamente relacionados às exi- 53 gências econômicas e ambientais locais, nacionais e de negócios. Além disso, essa con- vergência de oportunidades propicia uma mudança fundamental para gerar um cres- Recursos Naturais e Serviços Rurais 3. Crescimento Inclusivo Verde cimento efetivamente ecológico. Um sistema de transporte integrado multimodal com manutenção adequada, que facilite a mudança de modos de transporte e a eficiência ope- racional, reduz tanto as emissões quanto os custos e melhora as condições de segurança. Da mesma forma, o aumento da economia de combustível não é apenas importante sob a perspectiva das emissões de dióxido de carbono; o setor de transporte tem um forte 9 Com base no Balanço Energético Nacional de 2008 do Ministério das Minas e Energia do Brasil. O setor de transporte rodoviário responde pelo mais alto percentual do consumo total de energia e das emissões de CO2 em relação à maioria dos países porque a matriz de produção enfatiza a energia hidrelétrica. incentivo para reduzir o uso de combustível por razões econômicas porque este é um dos componentes mais importantes do custo operacional dos caminhões. O alcance desse objetivo dependerá da abordagem das limitações históricas e institucio- nais: • A limitação multimodal – Quando estão disponíveis e são competitivas, as ferrovias e hidrovias podem com freqüênciaser muito mais eficientes em termos de custo do que o transporte por caminhão. No entanto, a ALC continua a ser muito dependente do modo rodoviário. • A limitação da eficiência de consumo de combustível em um setor fragmentado, no qual predomina a atividade privada – Embora seja clara a necessidade de um aumento de eficiência do consumo de combustível no transporte de carga, para o qual as opções técnicas estão disponíveis, a estrutura do setor impõe uma forte restrição. O transporte de carga é principalmente uma atividade privada, na qual os caminhoneiros e Crescimento Inclusivo Verde transportadores ferroviários e marítimos operam em um ambiente de na América Latina e no Caribe mercado. Além disso, alguns são empresários e operadores-proprietários individuais que administram pequenas empresas e priorizam com especial atenção os investimentos de capital. Consequentemente, há uma necessidade de buscar formas orientadas para o mercado, com o objetivo de promover o uso eficiente de uma frota modernizada em um setor altamente fragmentado, e iniciativas simplificadas que sejam coerentes com os princípios do mercado. 54 • A limitação da demanda agregada. Por fim, quando esses desafios relacionados à eficiência forem solucionados de modo adequado, talvez seja importante examinar modos viáveis de desacoplar o que tem sido historicamente uma forte correlação entre o crescimento econômico e a demanda por transporte de carga. As próximas etapas A ALC necessita adotar uma abordagem holística dos desafios de acesso ao mercado e de transporte interurbano e desenvolver uma ampla estratégia para o setor concentrada em três áreas: • Um importante requisito de uma agenda de crescimento verde é a infraestrutura. Esse elemento pode influenciar de forma positiva o desempenho ambiental oferecendo alternativas adequadas e eficientes em termos de custo, rodovias de qualidade e o direito de usar materiais e métodos de construção. Em primeiro lugar, a disponibilidade de opções adequadas e eficientes em termos de custo pode contribuir para a substituição do uso de caminhões por outros meios de transporte que consomem menos energia, como as ferrovias e hidrovias interiores. Em segundo lugar, a qualidade da infraestrutura rodoviária tem implicações importantes para a velocidade dos caminhões e, em consequência, para a eficiência energética. Por fim, a própria construção da infraestrutura é uma atividade intensiva em gasto de energia, por esse motivo o uso adequado de materiais e métodos de construção pode exercer um importante impacto no consumo de energia durante o desenvolvimento da infraestrutura. • Sistemas regulatórios e tarifários modernizados também podem ter uma influência importante na agenda de crescimento verde. Os governos da ALC são capazes de influir nas escolhas modais, nos custos, nos acordos contratuais e nos níveis de atividade econômica, mudando o ambiente regulatório em que as transportadoras operam. No entanto, o desenvolvimento de um regime normativo adequado ainda está em andamento na região. O marco regulador ideal deverá proporcionar oportunidades iguais para todos, transparência e incentivos para investimento, além de levar em conta especificamente as falhas de mercado como, por exemplo, taxas que reflitam os custos externos dos diferentes modos de transporte. Os preços devem representar os custos efetivos e 55 incluir o desenvolvimento da infraestrutura e os impactos ambientais, e os incentivos fiscais necessitam ser alinhados com os instrumentos mais Recursos Naturais e Serviços Rurais 3. Crescimento Inclusivo Verde amplos destinados ao crescimento verde. • É essencial aumentar a eficiência do consumo de combustível das frotas de caminhões já existentes. O fator mais importante é oferecer aos proprietários de caminhões e aos usuários de transportes os incentivos para medir e reduzir o impacto dos combustíveis e transformar os operadores de nível médio em bons operadores, por meio da adoção da cultura do contínuo aperfeiçoamento. Existe a oportunidade de criar um programa com base em parcerias voluntárias. A experiência internacional sugere que a estrutura do mercado e as relações entre os expedidores, as transportadoras e os fornecedores de tecnologia oferecem importantes oportunidades para a criação de programas colaborativos e voluntários com o objetivo de reduzir o impacto ambiental do setor. Diversos exemplos de boas práticas são evidentes nos países da ALC. As melhores frotas já adotaram uma grande parte das tecnologias mais modernas, práticas de gestão e treinamento para maximizar a eficiência do combustível. As evidências também sugerem que em alguns casos, os expedidores podem induzir as transportadoras com as quais estabelecem contratos a se concentrar mais na eficiência do combustível. Em alguns casos, os governos da ALC também instituíram programas para integrar a manutenção adequada e a prática ambiental. Não obstante, o desafio consiste em institucionalizar o conjunto ainda fragmentado de iniciativas e resultados para poder aperfeiçoar toda a frota, em um setor no qual o Crescimento Inclusivo Verde na América Latina e no Caribe governo exerce um papel relativamente minoritário. 3.2 Gestão dos Recursos Hídricos A água é um ingrediente essencial para apoiar o desenvolvimento e o crescimento econômico no longo prazo. Esse elemento é necessário para alimentar as populações, manter saudáveis as cidades em processo de crescimento e preservar a competitividade 56 industrial. Além disso, o desenvolvimento e a gestão eficaz da água são fundamentais para um crescimento limpo, eficiente, resiliente e inclusivo. Embora a ALC possua uma das maiores riquezas per capita em água potável do mundo10, a geografia, a poluição e a desigualdade impõem rígidos limites ao seu acesso. Na maior parte da região, as ba- cias hidrográficas e os habitats aquáticos servem de receptáculos para a eliminação de resíduos e efluentes industriais e mineiros. Como a região está alcançando a posição de renda média e alta, as pressões sobre os seus recursos hídricos continuarão a aumentar. 10 A região abriga quatro dos maiores rios do mundo: Amazonas, Paraná, Orinoco e Magdalena. Possui também alguns dos maiores lagos do mundo como o Maracaibo, na Venezuela, o Titicaca, no Peru e Bolívia, e o Poopo, na Bolivia. Somente a Bacia Amazô- nica responde por 20% da vazão mundial. Objetivos verdes Os objetivos verdes para o setor de água são torná-lo limpo, eficiente, resiliente e inclu- sivo, fatores estreitamente associados. O alcance dessas metas necessitará que os países da ALC: • Reduzam a contaminação humana, industrial e agrícola dos recursos hídricos. • Administrem e destinem os recursos hídricos de modo adequado, levando em conta a essencial importância da água para muitos setores. • Garantam serviços e uso da água mais eficientes mediante companhias bem administradas, incentivos apropriados e inovação tecnológica (como analisamos na Seção 2.3). • Adaptem-se de modo eficaz às variações e mudanças climáticas. Progresso nas duas últimas décadas A Rio 92 indicou que a gestão de cima para baixo dos recursos hídricos se mostrou inefi- ciente e deveria ser substituída por uma abordagem participativa que conte com o envol- vimento de usuários, planejadores e formuladores de políticas em todos os níveis. Essa agenda de governabilidade hídrica foi adotada por muitos países da ALC e os ajudou a melhorar o seu marco institucional e jurídico para o setor, especificamente por meio do desenvolvimento de metodologias de administração de bacias hidrográficas, com uma significativa contribuição das partes interessadas. Além disso, prevaleceu a implemen- 57 tação de incentivos econômicos para estimular a alocação e o uso mais eficiente da água, Recursos Naturais e Serviços Rurais 3. Crescimento Inclusivo Verde e os países da ALC lideraram o desenvolvimento de novos instrumentos como o paga- mento por serviços ambientais, por reconhecer a dimensão ambiental de uma gestão hídrica adequada. Embora muito já tenha sido feito, persistem vários desafios. Como a região continua em seu caminho de crescimento, precisa lidar com as questões da escassez de água e da variabilidade induzida pelo clima, lançando mão de seu conhecimento e experiência nos últimos anos e garantindo que o desenvolvimento e a gestão dos recursos hídricos continuem a ser conduzidos de modo limpo, eficiente, resiliente e inclusivo. Entretanto, a região lançou uma base adequada para promover mais avanços e administrar esses re- cursos visando um crescimento inclusive verde. Oportunidades e limitações Apesar da generosa abundância de água na ALC, grandes sub-regiões como o Nordeste do Brasil, partes da Bolívia, do Chile e do Peru, o México e diversas ilhas do Caribe enfren- tam a escassez de água, que piorou agora devido às mudanças climáticas. Não é surpre- endente que as regiões áridas e semi-áridas sejam com frequência as mais pobres. Combinada à escassez resultante da falta de recursos hídricos está a carência provo- cada pela poluição. Buenos Aires e Bogotá poluíram os seus corpos d’água a ponto de inutilizá-los. Agora, essas cidades estão fazendo grandes investimentos – da ordem de US$12 bilhões – para limpar as seus corpos d’água por meio do financiamento de obras de infraestrutura, da colaboração com as indústrias para que se tornem mais limpas e do desenvolvimento de novos métodos de gestão. Quando Quito começou a poluir os seus lençóis freáticos, a cidade teve que complementar o seu abastecimento com as bacias hidrograficas da Amazônia. A contaminação industrial também constitui um desafio, especialmente em torno das Crescimento Inclusivo Verde maiores cidades como Bogotá, Buenos Aires, Cidade do México e São Paulo. Os esforços na América Latina e no Caribe para combater a poluição industrial dos corpos d’água devem continuar para que as ci- dades cresçam de modo mais sustentável e saudável. Isto é especialmente importante para as metrópoles que dependem dos lençóis freáticos devido ao seu elevado custo de limpeza; na verdade, um aquífero subterrâneo normalmente torna-se inutilizável após a contaminação e o custo dos recursos alternativos muitas vezes é proibitivo. Até mesmo algumas áreas com população relativamente esparsa se deparam com a má qualidade da água. As regiões semi-áridas, como o Estado do Ceará – que costumava cen- 58 tralizar suas intervenções no aumento do abastecimento de água – estão enfrentando agora a eutrofização de seus reservatórios, devido ao esgoto lançado por muitas cidades pequenas situadas ao longo dos rios. Ao enfrentar a redução da quantidade de água, o Estado está buscando soluções para esse problema. Quadro 3: O Lago Nicarágua e a Fonte de Poluição Difusa A fonte de poluição proveniente da agricultura, gerada pelo escoamento de sedimentos e agrotóxicos, degrada a qualidade da água de grandes bacias hidrográficas na América Latina. Um exemplo desse fenômeno é o segundo maior lago da região – o Nicarágua, também chamado de Lago Cocibolca – e uma grande fonte de água potável da América Central. Essa bacia hidrográfica é o mais importante local de produção agrícola e uma das principais atrações turísticas da Nicarágua. A perda da cobertura florestal e a resultante erosão do solo, combinadas ao depósito de grandes camadas de sedimentos e a outros problemas ambientais decorrentes do uso de defensivos agrícolas e do fluxo de águas servidas, reduziram drasticamente a qualidade da água, a navegabilidade do lago e o potencial de desenvolvimento futuro do turismo. Um recente estudo do Banco Mundial estimou que uma combinação de medidas como o reflorestamento das encostas mais íngremes, a adoção de práticas agrícolas de conservação e o aperfeiçoamento da gestão de pastagens é tecnicamente viável para reduzir os fluxos de sedimentos em mais de 80% e baixar os níveis associados de nitrogênio acima de 18% e de fósforo em um percentual superior a 46%. A busca de soluções implica em esforços concertados da Nicarágua e da Costa Rica para combater as diversas causas da poluição e garantir o uso sustentável dessa fonte essencial de água potável para a América Central. Enquanto a poluição pontual encontrada em cidades e indústrias pode ser combatida com uma forte vontade política e grandes investimentos, a poluição difusa gerada pela agricultura continua a ser um desafio, conforme a descrição no Quadro 3. A mineração é um problema em rápida evolução no setor de recursos hídricos da ALC, que afeta a dimensão de limpeza do crescimento verde. A região está passando por um súbito cres- cimento nesse setor, que está atraindo os muito necessários fluxos financeiros para os países e ajudando-os a crescer, criar empregos e reduzir a pobreza. No entanto, essa bo- nança também está causando importantes impactos na qualidade da água. A contami- nação não se transformou apenas em um problema em torno das áreas de mineração, mas também está se estendendo por muitos quilômetros a jusante e afetando o uso da água para o consumo humano e a agricultura (veja um exemplo da Colômbia no Quadro 4). Para que a região usufrua de todos os benefícios do aumento da demanda de seus mi- nérios, deverá enfrentar essa questão adotando, por exemplo, uma legislação ambiental 59 relacionada às concessões de exploração mineira. Recursos Naturais e Serviços Rurais Difíceis concessões precisam ser feitas ao distribuir a água para os diferentes setores. A 3. Crescimento Inclusivo Verde irrigação, por exemplo, necessita de grandes quantidades de água, que pode faltar para a energia hidrelétrica, como ocorre no Chile. Da mesma forma, a cidade de São Paulo não colhe água apenas nas suas próprias bacias hidrográficas, mas procura importá-la de ou- tros estados. A prefeitura de Quito continua a expandir a sua pesquisa de água na Ama- zônia por meio de transferências entre bacias. O Brasil está quase concluindo a transpo- sição das águas do Rio São Francisco, que tem como finalidade redistribuir a água desta bacia para várias outras nos estados do Nordeste. Quadro 4: Colômbia, a Corrida do Ouro e a Poluição da Água A Colômbia é o maior produtor de ouro e de outros metais preciosos do mundo. Durante o período de 2003 a 2011, o país produziu mais de 330 toneladas de ouro e exportou 40 toneladas. Embora a produção aurífera da Colômbia traga benefícios econômicos, essa atividade também impõe custos sociais e ambientais porque a poluição do mercúrio proveniente das regiões mineradoras afeta a qualidade do ar e da água potável, bem como a pesca e a agricultura nas áreas a jusante, provocando graves problemas de saúde. Um recente estudo do Banco Mundial sobre os impactos da extração de ouro na Colômbia estima que pode ser necessário criar esquemas de redistribuição de royalties a serem pagos às áreas à jusante sobre as quais recai o elevado custo da poluição e que recebem pouco ou nenhum benefício da produção mineira. Esses esquemas permitiriam que parte do rendimento da mineração fosse investida nos setores de saúde, educação e abastecimento de água nas áreas à jusante para ajudar a limitar a exposição ao mercúrio e reduzir os efeitos adversos sobre as populações vulneráveis afetadas. As decisões sobre alocação têm dimensões financeiras, econômicas, sociais e ambien- tais. À medida que os países trilham caminhos de crescimento mais verde, as soluções de compromisso envolverão setores importantes como o de energia. Por sua vez, uma ener- gia mais limpa, que implica em mais desenvolvimento hídrico, pode afetar o sensível ecossistema amazônico em vários países da região. A ALC é uma das poucas regiões no Crescimento Inclusivo Verde mundo com potencial para aumentar a produção global de alimentos (veja mais detalhes na América Latina e no Caribe sobre agricultura na Seção 3.3). Vários países como a Argentina, o Brasil, a República Do- minicana e o Peru estão tentando expandir as suas áreas irrigadas. A Argentina e o Brasil também pretendem aumentar as suas atividades pecuárias. Embora isto seja positivo sob uma perspectiva global, significará mais pressão sobre os recursos hídricos já exis- tentes. No Brasil, por exemplo, o Cerrado é a nascente de cinco das suas maiores bacias hidrográficas. Não obstante, a expansão da fronteira agrícola para o Cerrado não apenas o afetará mas também os recursos hídricos e os serviços que essas fontes proporcionam a todo o País. 60 A necessidade do uso eficiente da água entre os setores já foi documentada de modo ade- quado. Muitos países da ALC se concentramna melhoria dos padrões de desempenho de suas companhias de serviços públicos, reduzindo a água não contabilizada e estabele- cendo esquemas tarifários que levam à economia desse recurso, preservando o acesso para as necessidades básicas. Com o objetivo de atender à crescente demanda por água na ALC, será essencial aumentar a eficiência do uso, mediante incentivos econômicos, pressões setoriais, novos modelos de parcerias público-privadas e inovação tecnológi- ca. Várias abordagens inovadoras estão sendo utilizadas, mas infelizmente muitas cida- des grandes e megacidades continuam a expandir suas importações de água como, por exemplo, a Cidade do México, Quito, São Paulo e Tegucigalpa, e ainda faltam incentivos para que a agricultura possa utilizá-las com mais eficiência. Sob uma perspectiva de inclusão verde, duas questões são importantes: (i) determinar se os recursos devem ser desviados para a criação de mais infraestrutura quando a gestão da demanda puder economizar água a uma fração do custo, liberando assim verbas para outros propósitos sociais; e (ii) a necessidade de reduzir o impacto na eficiência das alo- cações e nas ações compensatórias. Esses temas constituem claramente um grande de- safio para a região, especialmente levando em conta os efeitos das mudanças climáticas. As próximas etapas Daqui em diante, será necessário adotar uma abordagem multissetorial para a gestão dos recursos hídricos. Como a região da ALC está se voltando para o desenvolvimento de mais energia hidrelétrica, devem ser levadas em conta as mudanças nos padrões de precipita- ção. Ao formular os incentivos para a expansão agrícola, tanto a administração da seca e das enchentes quanto os métodos tecnológicos adequados devem ser considerados. A região também precisa encontrar o equilíbrio apropriado entre o fortalecimento das estruturas de gestão dos recursos hídricos e a administração do risco de desastres natu- rais, tornando-os verdadeiramente complementares. Como a região pretende continuar no caminho do crescimento, é essencial retirar cada vez mais pessoas da pobreza para aproveitar o conhecimento e a experiência coletiva adquiridos nos últimos anos e garantir que o desenvolvimento e a gestão dos recursos hídricos sejam implementados de modo limpo, eficiente, inclusivo e resiliente para o benefício das futuras gerações. Isto significará aproveitar e desenvolver os incentivos econômicos já existentes, bem como dar continuidade e adaptar as metodologias de manejo das bacias hidrográficas, priorizando as questões de alocação. 61 Recursos Naturais e Serviços Rurais 3.3 Agricultura 3. Crescimento Inclusivo Verde A ALC é uma potência agrícola global. Desde a Rio 1992, a sua contribuição para a ex- portação mundial de alimentos aumentou substancialmente, liderada pelo Brasil e a Ar- gentina. A pobreza na região apresentou uma expressiva redução na década de 2000, embora a tendência de queda tenha sido interrompida nos últimos anos, devido às crises financeira e de alimentos. Figura 8: Participação da ALC nas exportações agrícolas mundiais 14 12 10 Brasil 8 Cone Sul 6 Região Andina México 4 América Central e Caribe 2 0 Crescimento Inclusivo Verde 1995-1999 2000-2004 2005-2008 Mais recente na América Latina e no Caribe 2006-09 Nos próximos 40 anos, a ALC necessitará quase duplicar a sua produção de grãos e car- nes.11 A região deve fazê-lo de forma a manter sustentável a base de recursos naturais da qual a agricultura depende, eliminar as externalidades negativas impostas á sociedade, contribuir para o alcance da metas do milênio de redução das emissões de gases do efeito estufa (GEE), aumentar a resiliência à variabilidade e às eventuais mudanças climáticas e 62 continuar a reduzir a pobreza nas áreas rurais. Objetivos verdes Para manter a sua trajetória de alto crescimento da produção e da redução da pobreza, sem aumentar os seus impactos ambientais, a agricultura na ALC deve se tornar mais eficiente, causar menos danos externos ao âmbito das atividades e ser mais inclusiva e resiliente. Mais importante ainda, precisa se tornar mais inteligente em termos climáti- cos para manter a produtividade diante das condições em mutação, reduzindo ao mes- 11 Togkoz, Simla; Bhandary, Prapti e Rosengrant, Mark. Forces shaping present and future agricultural trends in Latin America and the Caribbean: Alternative Scenarios. 30 April 2012, International Food Policy Research Institute for the World Bank, LCSSD. mo tempo as emissões de GEE. Provavelmente, as mudanças climáticas afetarão a pro- dutividade, o que necessitará de uma substancial adaptação dos agricultores. De modo geral, a região está bem preparada para enfrentar esse desafio. Progresso nas duas últimas décadas O desmatamento é o principal obstáculo para tornar a agricultura mais verde. Felizmen- te, muitos países da ALC alijaram as políticas mais infames que o estimularam e alguns notáveis êxitos foram obtidos nos últimos anos, especialmente na Costa Rica, no Uru- guai, no Brasil e no México. Os países da região testaram abordagens inovadoras para reverter o desmatamento e proteger as florestas utilizando entre outros métodos o paga- mento por conservação. Oportunidades e limitações O alto potencial da América Latina e do Caribe para aumentar a produção agrícola de- corre de suas riquezas naturais, em particular os principais insumos de terra e água. Dos cerca de 446 milhões de hectares de solo no mundo inteiro que podem ser próprios para uma expansão sustentável da área cultivada, aproximadamente 28% estão na ALC (ou seja, uma extensão maior do que em qualquer outra região, exceto a África), mas parte desse solo é coberto por vegetação e inclui as florestas secas como o Cerrado, no Brasil. A capacidade da ALC torna-se ainda maior se a acessibilidade for levada em conta: a região dispõe de 36% dos 263 milhões de hectares de terras próprias para expansão agrícola no mundo, que estão a uma distância de seis horas de viagem até o mercado mais próximo. Embora algumas sub-regiões enfrentem uma escassez de água acima da média, numa 63 base per capita, a ALC possui a maior riqueza em recursos hídricos renováveis entre as regiões em desenvolvimento. Recursos Naturais e Serviços Rurais 3. Crescimento Inclusivo Verde Os níveis relativamente elevados de tecnologia e de capital humano da ALC constituem outro fator importante que contribui para o seu potencial de aumento da produção. Isto não somente torna a região capaz de incrementá-la, mas também de transferir conheci- mento para outros continentes, especialmente a África. Talvez o líder em termos de avan- ços em tecnologia da produção seja o Brasil, onde principalmente a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) desenvolveu uma tecnologia que transformou o Cerrado em uma área altamente produtiva, utilizando variedades de culturas aperfeiçoa- das e práticas ambientalmente adequadas de manejo do solo (ou seja, plantio direto ou a ração reduzida), mas isto custou a perda da sua biodiversidade. Além disso, a ALC está bem posicionada para responder com eficiência à alta de preços devido à sua estrutura de incentivos, que é talvez a menos distorcida no mundo. Apesar desse potencial de crescimento, entre os setores econômicos da ALC, a agricul- tura deverá sofrer o maior e mais direto impacto das mudanças climáticas em termos de temperatura e precipitação. Estratégias simples de adaptação tais como melhores va- riedades de culturas, mudanças nas datas de semeadura e irrigação moderada podem amortecer em um grau significativo os choques na produção de determinados cultivos, e o aperfeiçoamento das tecnologias de produção irrigada poderá controlar as emissões de metano, um potente produtor de GEE. O impacto das emissões de carbono da agricultura, que é determinado pelo desmata- mento, pela pecuária e por práticas insustentáveis de produção deve ser reduzido. Mais do que em outras regiões, a mudança nos padrões de uso e cobertura do solo – princi- palmente o desmatamento e a degradação da floresta – foi o fator que mais contribuiu para as emissões de GEE na América Latina e no Caribe. O desmatamento é o princi- pal obstáculo para tornar a agricultura mais ecológica. Como no Brasil, que possui de Crescimento Inclusivo Verde longe a maior floresta e foi teve a maior perda de cobertura florestal , o fenômeno do na América Latina e no Caribe desmatamento na região é extensivo(veja a Figura 9. Felizmente, muitos países da ALC abandonaram as piores políticas que estimulavam o desmatamento e experimentaram abordagens inovadoras para reverter o abate de árvores e proteger a cobertura florestal. 64 Figura 9: Perda bruta de floresta em hectares, 1990–2010 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 Nigéria Tanzânia Myanmar Zimbábue Sudão Congo Venezuela Argentina Camarões Brasil Indonésia Bolívia México Austrália Moçambique Equador Paraguai Zâmbia Honduras A região da ALC também deve proteger a sua rica diversidade.12 Até agora, uma grande parte da pressão sobre a biodiversidade do ecossistema tem sido causada pela penetração humana em áreas sensíveis. Sob uma perspectiva futura, a biodiversidade estará cada vez mais ameaçada pelas mudanças climáticas que provavelmente afetarão de modo substancial a sobrevivência das espécies devido à alteração na época reprodutiva e nas distribuições de algumas espécies. 65 As próximas etapas Recursos Naturais e Serviços Rurais 3. Crescimento Inclusivo Verde O pilar mais importante da estratégia de redução do impacto ambiental produzido pela agricultura é a preservação da cobertura florestal já existente e o incentivo ao refloresta- mento com espécies nativas onde for possível. É essencial avançar de modo substancial nessa área para reduzir a trajetória das emissões, proteger a biodiversidade e diminuir a erosão. O sucesso dessa iniciativa dependerá amplamente do desestímulo à pecuária in- sustentável, da eliminação de políticas prejudiciais ao meio ambiente, da implementa- 12 Entre os dez países do mundo com a maior biodiversidade, cinco estão na ALC: Brasil, Colômbia, Equador, México e Peru. ção de programas para conservar as florestas e as áreas protegidas, assim como do apoio aos projetos de incentivo à proteção como os pagamentos por serviços ambientais. A região tem exercido uma posição de liderança no uso de pagamentos diretos pela con- servação da floresta, com programas nacionais implantados em diversos países e nos estados brasileiros. A Costa-Rica foi pioneira em 1997 ao estabelecer o seu programa de pagamento por serviços ambientais (Pago por Servicios Ambientales, PSA) que remunera os usuários do solo para conservar a floresta nas áreas prioritárias ou reflorestar a sua terra. Quadro 5: A Pecuária Sustentável da Colômbia A Colômbia está implementando a pecuária sustentável com base nos sistemas silvipastoris, no qual as árvores leguminosas são plantadas em pastagens. Esse programa bem-sucedido de intensificação da pecuária leva a um aumento da capacidade biótica e da rentabilidade por hectare, agregando o valor social e ambiental de converter pastagens em florestas. Implementada em cinco áreas de projetos de ecossistemas estratégicos e com a partição de vários interessados, essa iniciativa expandiu a produção, aumentou a proteção do capital natural, ampliou o sequestro de carbono e reduziu as emissões de metano e óxido nítrico. O segundo pilar da estratégia de redução do impacto ambiental produzido pela agricul- Crescimento Inclusivo Verde tura é tornar a produção agrícola e a tecnologia da distribuição mais eficientes e inteli- na América Latina e no Caribe gentes em termos climáticos. A elaboração de sistemas de pastoreio específicos para a pecuária pode ser a maior contribuição no sentido de reduzir as emissões de gases do efeito estufa (veja o Quadro 5). A integração da tecnologia de comunicação e informação (TCI) nas práticas agrícolas pode ajudar os agricultores a melhorar a produtividade, a eficiência no mercado e reduzir as perdas após a colheita e na distribuição. Usando uma tecnologia móvel, os produtores podem ter acesso a informações meteorológicas com o objetivo de tomar melhores decisões sobre plantio e controle de pestes. Os sistemas de informação sobre os mercados podem contribuir para que eles decidam quando e onde 66 vender seus produtos, reduzindo o risco de atuar em um mercado saturado. Além disso, as aplicações de TCI também podem aumentar a capacidade dos agricultores de cumprir os padrões de qualidade e aperfeiçoar a gestão sanitária em suas terras e no país (veja o Quadro 6). Quadro 6: O Uruguai usa a TCI para Controlar a Febre Aftosa Um notável exemplo é o sistema de identificação de animais implementado no Uruguai para controlar a febre aftosa. O projeto fornece etiquetas, leitores e aplicativos conectados à Internet aos funcionários do governo e aos pecuaristas, que lhes permitem rastrear a posição exata dos animais na fazenda e no mercado. O sistema também possibilita controlar a transmissão de doenças infecciosas e implementar uma erradicação direcionada e iniciativas de remoção para a quarentena. Na verdade, o Uruguai eliminou a febre aftosa e está se tornando um modelo de vigilância zoossanitária eficaz. A integração da agricultura inteligente em termos de clima implicará no desenvolvimen- to de uma indústria de insumos agrícolas ecológicos. Esses insumos abrangem qualquer tipo de produto orgânico utilizado para melhorar a produção agrícola que não prejudica o ecossistema, como os fertilizantes e pesticidas orgânicos e os organismos microbia- nos, para substituir os insumos químicos, reduzir as emissões de GEE e a intensidade de energia da produção. Os insumos ecológicos podem ter efeitos positivos nos sistemas produtivos ou seja, no solo e na qualidade da água. O terceiro pilar da estratégia a gestão mais eficiente dos recursos hídricos para irrigação e outros sistemas de produção agrícola, além da expansão da energia hidrelétrica como parte das políticas nacionais de crescimento com baixas emissões de dióxido de carbono. A garantia de que os novos programas de energia hidrelétrica também incluam a irriga- ção poderá aumentar a capacidade de adaptação da agricultura. O quarto e último pilar da estratégia o aperfeiçoamento dos sistemas de comércio agrí- cola regionais e globais para que reduzam os futuros impactos das mudanças climáticas sobre a produção mundial de alimentos. Os mercados internacionais devem manter a abertura e facilitar o comércio agrícola por duas razões: (i) os padrões de vantagem com- parativa na produção de alimentos vão mudar e, quando isso ocorrer, a transferência dos gêneros alimentícios de países que os produzem com eficiência para aqueles com escassez necessitará de padrões comerciais diferentes dos atuais e (ii) numa base anual, a expectativa de uma grande variação meteorológica criará choques locais de curto prazo no abastecimento de alimentos, que implicarão em um rápido ajuste do mercado para evitar a sua escassez. 67 Recursos Naturais e Serviços Rurais 3. Crescimento Inclusivo Verde 1818 H Street, N.W. Washington, D.C. 20433 Estados Unidos de América www.worldbank.org/lac