20175 COALIZÕES PARA A MUDANÇA Discurso perante a Junta de Governadores James D. Wolfensohn Presidente Grupo do Banco Mundial Washington, D.C., 28 de setembro de 1999 É com grande prazer que lhes dou as boas-vindas a esta Reunião Anual do Grupo do Banco Mundial e FMI. Gostaria de expressar meu agradecimento ao Presidente, Mahesh Acharya, cujo trabalho no Nepal mostra uma profunda compreensão de muitas das questões que vou abordar hoje. E ao meu colega e amigo Michel Camdessus. Trabalhamos cada vez mais juntos e quero elogiar a maravilhosa equipe por ele liderada. Sr. Presidente, tive o privilégio de me dirigir ao senhor em quatro ocasiões anteriores. Em 1995, falei do desafio do desenvolvimento, da necessidade de educar as meninas e reduzir o ônus da dívida. Observei a necessidade de que o Banco se reorganizasse internamente e formasse alianças externas com um vigor todo novo, parcerias com outras instituições oficiais de assistência e desenvolvimento, com a sociedade civil, o setor privado, bem como que trabalhasse de maneira mais estreita com o governo e o povo dos países aos quais servimos. Em 1996, enfatizei nossa função como Banco do Conhecimento. Falei também do "câncer da corrupção". O Banco se comprometeu a ajudar os governos a combater a corrupção. Desde então, promovemos vigorosamente essa agenda. Mais tarde, com nossos parceiros no FMI, articulamos nossa estratégia de perdão da dívida dos países mais pobres. A Iniciativa HIPC representou uma contribuição importante e nas reuniões que se seguiram à Cúpula de Colônia avançou-se ainda mais. Em 1997, falei do "Desafio da Inclusão", da necessidade de pensar o desenvolvimento em termos humanos e trazer os mais fracos e vulneráveis das margens da sociedade para o centro do palco. Há um ano, quando a crise financeira da �sia dominava nossas preocupações, falei da "Outra Crise", a crise humana dos condenados à pobreza, bem como dos que encontraram esperança para depois vê-la arrancada de suas mãos. Falei da função especial de nossa instituição no sentido de atenuar o impacto da crise sobre a população e da necessidade urgente de olhar para além das soluções financeiras, de juntar o social e o estrutural ao macroeconômico. Sr. Presidente, ao nos reunirmos um ano depois, existe a tentação de nos confortarmos com a idéia de que a crise financeira passou, embora para milhões a outra crise ainda persista. Existe a tentação de deixar de lado as reformas necessárias, embora para milhões essas reformas ainda sejam importantes. Existe a tentação de falar de uma travessia segura, embora para milhões de pobres e desempregados não exista nenhum porto à vista. Reunimo-nos hoje no limiar de um novo milênio. Devemos fazer um balanço e formular algumas perguntas fundamentais. Aproveitaremos o momento para propor metas mais ambiciosas para um mundo melhor? Começaremos a julgar nossos esforços não pela prosperidade de uns poucos mas pelas necessidades de muitos? Estaremos preparados para assumir a responsabilidade e fazer o esforço necessário para que as coisas mudem? Que visão temos do mundo no final deste milênio? Um mundo em que nos últimos 40 anos a esperança de vida aumentou mais do que nos últimos 4.000 anos. Um mundo em que a revolução das comunicações apresenta a promessa de acesso universal ao conhecimento. Um mundo em que a cultura democrática abriu oportunidades a muitos. Um mundo em que 5,7 bilhões de pessoas vivem em economias de mercado, em comparação com 2,9 bilhões há 20 anos. Mas, se olharmos mais de perto, veremos uma outra realidade. Este ano, a renda per capita se estagnará ou diminuirá em todas as regiões, com exceção do leste e sul da �sia. No mundo em desenvolvimento, com exceção da China, o número de pessoas que vivem na pobreza aumentou em 100 milhões nos últimos dez anos. Pelo menos em 10 países da �frica, a Aids reduziu a esperança de vida em 17 anos. Mais de 33 milhões de casos de Aids no mundo, sendo 22 milhões na �frica; 1,5 bilhão de pessoas não dispõem de acesso a água potável e 2,4 milhões de crianças morrem a cada ano de doenças transmitidas pela água; 125 milhões de crianças não estão na escola primária; 1,8 milhão de pessoas morrem anualmente devido à poluição dentro de suas casas. Um mundo em que a defasagem de informação está aumentando e um acre de florestas é destruído a cada segundo. Sr. Presidente, a situação é desigual e os desafios são grandes. Mas, este é um momento na história em que podemos traçar para o mundo um novo rumo de paz, eqüidade e segurança. É um tempo não apenas de exame, mas de ação. Meus colegas e eu decidimos que, de modo a traçar nosso rumo para o futuro, precisávamos conhecer melhor nossos clientes. Lançamos o estudo "Vozes dos Pobres" e conversamos com eles sobre suas esperança, aspirações e realidades. Equipes do Banco e de ONGs escutaram as vozes de 60.000 homens e mulheres em 60 países. Gostaria de apresentar-lhes os resultados. A pobreza não é só uma questão de renda. Os pobres procuram um bem-estar que é paz de espírito, saúde, comunidade e segurança. É escolha e liberdade, bem como uma fonte estável de renda. O bem-estar consiste em ter a chance de aproveitar novas oportunidades econômicas, algo para o qual os pobres se sentem menos capazes do que há uma década. O bem-estar é segurança pessoal. Muitas mulheres estão trabalhando fora de casa, para cobrir as despesas. Mas persiste a desigualdade entre os sexos e a violência doméstica está aumentando. A corrupção é um fato que se mostra no cotidiano quando os pobres tentam obter acesso aos serviços públicos e ganhar a vida. O que os pobres respondem quando lhes perguntamos o que seria mais importante para eles? Eles dizem que são organizações próprias, para que possam negociar com o governo, comerciantes e ONGs. Assistência direta mediante programas comunitários para que possam forjar seu próprio destino. Propriedade local dos fundos, para que possam eliminar a corrupção. Querem que as ONGs e os governos lhes prestem contas. Gostaria de mostrar-lhes o mundo deles em suas próprias palavras. Uma mulher idosa na �frica :"Uma vida melhor para mim é ter saúde, paz e amor, sem passar fome." Um homem de meia idade na Europa Oriental: "Estar bem é saber o que me acontecerá amanhã." Um jovem no Oriente Médio: "Ninguém é capaz de comunicar nossos problemas. Quem nos representa? Ninguém." Uma mulher na América Latina: "Não sei em quem confiar, na polícia ou nos criminosos. Nós somos a segurança pública. Trabalhamos e nos escondemos." Uma mãe no sul da �sia: "Quando meu filho me pede algo para comer, digo que o arroz está cozinhando até que ele adormeça de fome, pois não tem arroz." Trata-se de vozes fortes, vozes de dignidade. Muitas representam uma nova geração que procura controlar sua vida. Essas pessoas têm valor, não são objeto de caridade. Podem construir seu futuro se tiverem oportunidade e esperança. Estão falando de segurança, uma vida melhor para seus filhos, paz, família e uma vida sem ansiedade e medo. Ao nos sentarmos confortavelmente aqui em Washington devemos escutar suas aspirações, pois não são diferentes das nossas. A crise não acabou, Sr. Presidente. O desafio mal começou. No próximo mês a população global chegará a 6 bilhões. Se as tendências atuais continuarem, não atingiremos a meta de reduzir a pobreza pela metade até 2015, nem a meta de proporcionar educação primária a todos nesse mesmo ano. Se as tendências atuais continuarem, não atingiremos a meta de reverter a perda de recursos ambientais, no âmbito nacional e mundial, até lá. Dentro de 25 anos, a população passará de 6 para 8 bilhões. Dos 6 bilhões atuais, 3 bilhões vivem com menos de 2 dólares por dia e 1,3 bilhão com menos de 1 dólar. Estou preocupado com a possibilidade de que essas cifras aumentem para 4 bilhões e 1,8 bilhão, respectivamente. Não é esse o legado que queremos deixar para nossos filhos. É provável que o número de conflitos aumente, que a qualidade do meio ambiente piore e que as disparidades entre ricos e pobres se ampliem. As vozes dos pobres serão mais fortes, mas serão escutadas? Sr. Presidente, o que aprendemos sobre desenvolvimento? Aprendemos que o desenvolvimento é possível, mas não inevitável. O crescimento é essencial, mas não suficiente para assegurar a redução da pobreza. Aprendemos que devemos colocar a pobreza à frente e no centro. Aprendemos que devemos tomar o social e o estrutural junto com o macroeconômico e o financeiro. Aprendemos que, para que o desenvolvimento seja real e efetivo, é preciso que a população local participe. Já se foram os dias em que o desenvolvimento podia ser feito a portas fechadas em Washington, nas capitais do Ocidente ou em qualquer outra capital. Numa reunião realizada recentemente em Estocolmo para avaliar o progresso do Esquema Integral de Desenvolvimento, o Presidente Mkapa da Tanzânia afirmou: " A identificação com as políticas e programas de desenvolvimento não só é uma aspiração compreensivelmente nacionalista e um direito soberano, mas cria a mais fervorosa disposição e condições propícias a um trabalho dedicado e autodesenvolvimento, tanto no âmbito nacional como no local." "Nosso povo deve ser incentivado", disse ele, "a ser dono do seu desenvolvimento: não só beneficiários, mas agentes do desenvolvimento." Devemos atender a esse apelo ao planejarmos nossas agendas de desenvolvimento para os próximos anos. Mas devemos fazer ainda mais. Devemos reconhecer nossa própria função em ternos de ajudar, não atrapalhar, esses agentes do desenvolvimento mediante uma melhor coordenação das nossas atividades. É uma vergonha que a Tanzânia deva produzir 2.400 relatórios a cada trimestre para as instituições internacionais. Também é uma vergonha que a Tanzânia deva receber 1.000 missões por ano. E a Tanzânia não é um caso isolado. Que devemos fazer? Sr. Presidente, ao reconhecer a necessidade de coordenar melhor nossas atividades, reconhecer o caráter integral do desenvolvimento e colocar o país no comando, lançamos o Esquema Integral de Desenvolvimento este ano. Nosso objetivo é simples: juntar os aspectos social e estrutural do desenvolvimento ao macroeconômico e financeiro para estabelecer uma estratégia mais equilibrada e eficaz. Reunir os agentes para alavancar nossas atividades. Trabalhar com toda a comunidade do desenvolvimento: Nações Unidas, União Européia, bancos de desenvolvimento bilaterais e regionais, sociedade civil e setor privado para construir uma nova geração de parcerias genuínas. Que resultados obtivemos até agora? Junto com nossos parceiros, esse esquema está sendo aplicado em 13 países. Estamos aprendendo a cooperar e coordenar melhor nosso trabalho no âmbito local. Após conversações com muitos ministérios, acredito que esse esquema conta com amplo apoio. Não como um modelo, mas um processo mediante o qual visamos a um desenvolvimento a longo prazo, comandado pelo país e em parceria com a comunidade de desenvolvimento. Em breve, o Comitê de Assistência ao Desenvolvimento publicará seu relatório sobre as iniciativas bilaterais e multilaterais nos mesmos moldes desse esquema. Esse relatório constatou que a necessidade de parceria e maior coordenação das atividades é amplamente reconhecida e aceita. Estou muito satisfeito também com o fato de termos obtido um acordo histórico com o FMI no sentido de elaborar uma Estratégia de Redução da Pobreza com os governos. Adotaremos uma estratégia equilibrada, vinculando os parâmetros macroeconômicos e financeiros com os aspectos humanos, estruturais e sociais, num documento que guiará os programas de cada instituição. Mas, nos últimos 12 meses, acho que aprendemos também outra coisa. Aprendemos que as causas das crises financeiras e da pobreza são uma só. Os países podem elaborar boas políticas fiscais e monetárias, mas, se não tiverem um bom governo, se não atacarem o problema da corrupção, se não tiverem um sistema jurídico completo que proteja os direitos humanos, os direitos de propriedade e os contratos e proporcione uma base para a legislação falimentar e um sistema fiscal previsível, se não tiverem um sistema financeiro aberto e regulamentado, regulamentos apropriados e um comportamento transparente, o desenvolvimento terá falhas e não será duradouro. De quer servem as leis se os juízes forem corruptos, se os pobres e mais vulneráveis só esperam brutalidade da polícia? De que serve a proteção constitucional, se as mulheres enfrentam discriminação no trabalho e em casa? De que serve o investidor estrangeiro, se não existem normas de contabilidade e requisitos de transparência ou lei sobre contratos e se o sistema fiscal não é previsível nem justo? De que serve a privatização, se não há rede de segurança social para proteger os desempregados nem regras para proteger o público dos monopólios privados dos ? Falhas no desenvolvimento institucional e na administração pública e falta de pessoal adequadamente e bem remunerado afetam destrutivamente a formulaç