Outubro 2002 No. 11 Uma série regular de notas ressaltando as lições recentes do programa operacional e analítico do Banco Mundial na Região da América Latina e do Caribe. DESENVOLVIMENTO RURAL E ALÍVIO DA POBREZA NO NORDESTE DO BRASIL Luis Coirolo e Tulio Barbosa O Nordeste do Brasil é há muito tempo o maior bolsão de representou uma das tentativas mais importantes do Banco pobreza rural da América Latina. Com uma área de 1,6 no sentido de tornar os projetos de desenvolvimento rural milhão de quilômetros quadrados ­ 16 por cento do mais participativos. O fundo APCR fez doações de território brasileiro ­ o Nordeste tem uma população de 45 contrapartida de até US$10 000 para associações milhões de pessoas, 28 por cento do total do país, dos quais comunitárias nas cidades de menos de 5 000 habitantes. 5,4 milhões vivem com cerca de US$1 dólar por dia e 10,7 milhões com US$1,6 ou menos por dia. Quase a metade de Depois da nova Constituição Federal do Brasil de 1988, a todas as comunidades rurais está na zona interior semi- tendência foi aumentar a descentralização do Governo Federal árida, caracterizada por solos inadequados e secas para os níveis estadual, municipal e local dos recursos fiscais, freqüentes e prolongadas. Os pobres do estabelecimento de prioridades e da rurais são pequenos agricultores, implementação de programas. Em 1993, arrendatários, meeiros, e o PDRN criou um ambiente propício a trabalhadores sem terra. Eles uma reformulação bastante radical do convivem com um clima incerto e programa. mercados instáveis. O seu acesso à terra é distorcido, quase sem qualquer Em 1993, quando uma avaliação sistema de financiamento rural para demonstrou que o projeto-piloto atender as suas necessidades. Eles estava conseguindo recursos para as dependem da cultura de subsistência associações comunitárias organizadas, para obter alimentos básicos, criação com maior impacto, eficácia de custos de animais em pequena escala, alguns e perspectivas de sustentação, decidiu- cultivos comerciais (principalmente se reformular o programa geral, isto é, algodão e caju), trabalho agrícola e não-agrícola casual, os 10 projetos que o constituíam, ampliando o piloto e pensões e remessas de membros da família que moram nas abandonando todos os demais componentes. As cidades. comunidades mais pobres receberam financiamento para implementar, operar, administrar e manter subprojetos de Experimentação de novas abordagens com investimento da sua escolha e contratar assistência técnica diretamente, quando necessária. Os Conselhos Municipais descentralização Participativos (Fundos Municipais de Apoio à Comunidade, FUMAC) foram introduzidos como piloto, compreendendo As atividades comunitárias começaram a ser introduzidas representantes da comunidade, sociedade civil e governo no Brasil em 1985, como um componente piloto do municipal. À medida em que os PDRN fechavam, foram Programa de Desenvolvimento Rural do Nordeste (PDRN), substituídos por um conjunto de oito Projetos de Alívio da financiado pelo Banco. Depois de diversos anos da sua Pobreza Rural (PAPR), para os quais os governos estaduais aprovação1, esse componente baseado na comunidade ­ levantaram empréstimos diretamente junto ao Banco. Apoio às Pequenas Comunidades Rurais (APCR) ­ foi o Seguindo a estratégia contínua de pilotos, experiências e único componente do PDRN a ser desembolsado expansão, os PAPR colocaram os Conselhos Municipais no efetivamente e a conseguir resultados positivos no campo. centro do programa e introduziram uma variante (ver Tendo distribuído um total de US$106 milhões, o APCR FUMAC-P, abaixo), que não só atribuíram poder de decisão 1 sobre recursos mas também responsabilidades de nesse orçamento, os conselhos municipais escolhidos administração dos fundos para os conselhos que apresentam ao estado um plano anual de operações. Depois funcionavam bem. de aprovados, os fundos são transferidos ao Conselho que, então, é responsável pela sua distribuição às associações Os projetos que constituem o Programa de Alívio da comunitárias e pela assistência na implementação dos Pobreza Rural (PAPR) abrangem oito estados no Nordeste subprojetos. Esse modelo é responsável por 10 por cento do Brasil, com empréstimos num total de US$444 milhões dos custos totais dos componentes dos projetos na Bahia, e funcionaram de 1995 a 1998. Seis dos oito projetos já Ceará, Sergipe e Rio Grande do Norte. foram concluídos, com os demais devendo terminar em junho de 2002. Esta nota dá uma visão geral de como esse modelo de participação comunitária e redução da pobreza Quadro 1 - Ciclo do subprojeto evoluiu, ressaltando algumas das lições deles extraídas. 1 As associações comunitárias decidem quais são Estruturas do programa as suas necessidades mais prementes de desenvolvimento e, com assistência que elas contratam, elaboram propostas de subprojetos Três mecanismos diferentes de fornecimento de recursos, por para financiamento de investimentos. meio dos quais os subprojetos comunitários são aprovados e o 2 As propostas de subprojetos das associações respectivo financiamento arranjado (Quadro 1). comunitárias são apresentadas aos respectivos conselhos municipais, cuja maioria é constituída Esquemas comunitários estaduais (PAC). No subprograma pelos beneficiários), que estabelecem prioridades PAC, as comunidades rurais apresentam as suas propostas e aprovam as propostas com base nos recursos de investimento diretamente à Unidade Técnica Estadual disponíveis (FUMAC) ou nas dotações (UTE), que seleciona, aprova e libera os fundos para as orçamentárias (FUMAC-P), e com o associações beneficiárias. Embora esse fosse o arranjo conhecimento local das necessidades relativas dominante nos projetos do PDRN-R2, sua importância por parte dos membros do conselho (isto é, de diminuiu na medida em que avançou a descentralização do como os fundos devem ser dirigidos). Esse passo nível estadual para os municípios, embora a parcela real não ocorre no caso dos PAC, onde as tivesse diminuído constantemente. Embora o PAC tenha associações comunitárias apresentam propostas sido mantido nos novos projetos de pobreza rural, são vistos de subprojetos diretamente às UTE. como residuais e estruturados para evitar certas 3 As UTE e, no caso dos FUMAC-P, os conselhos circunstâncias numa comunidade, que poderiam resultar em municipais, fazem avaliação técnica e aprovam atrasos ou impedir a formação de um conselho de FUMAC. os subprojetos, confirmando o cumprimento das diretrizes dos subprojetos antes da liberação dos Esquemas Comunitários Municipais. Nesse subprograma, as fundos. decisões sobre propostas de investimento são delegadas pelo 4 Órgãos dos estados e associações comunitárias estado aos conselhos municipais (CM), constituídos por (no caso dos PAC e FUMAC) ou as UTE e os membros da comunidade e representantes da sociedade civil conselhos municipais (No caso dos FUMAC-P) e autoridades municipais. Pelo menos 80 por cento dos assinam os acordos de subprojetos membros com direito a voto são extraídos das comunidades 5 Projeto transfere recursos diretamente às que potencialmente ou realmente irão se beneficiar. Os CM associações (PAC, FUMAC) ou à conta bancária discutem, procuram criar consenso sobre as prioridades e das CM e delas para a comunidade (FUMAC-P), aprovam propostas comunitárias no contexto de um para implementação dos subprojetos. montante indicativo de orçamento anual determinado pelo 6 As associações comunitárias são responsáveis estado. Depois do exame das recomendações dos conselhos, pela subcontratação de bens, obras e assistência para verificar se seguem as diretrizes do Manual de técnica para execução de projetos. Também são Operações do projeto, os fundos são desembolsados responsáveis pela operação e manutenção de diretamente para as associações comunitárias. Esse passou a todos os investimentos e podem solicitar ser o subprograma dominante do PAPR, sendo responsáveis assistência técnica para programas e técnicas de por 80 por cento dos custos dos subprojetos comunitários. operação e manutenção. Piloto dos Fundos Municipais de Apoio às Comunidades (FUMAC-P). O mecanismo dos FUMAC-P é uma variante Resultados mais descentralizada do FUMAC que foi experimentada no contexto do PAPR com os conselhos municipais de melhor desempenho. A Unidade Técnica Estadual (UTE) estabelece · Cumulativamente, o PDRN e o PAPR desembolsaram um orçamento anual, segundo uma fórmula de distribuição um total de US$900 milhões a mais de 50 000 baseada em critérios claros e mensuráveis (população rural, subprojetos ­ 69 por cento dos quais de infra-estrutura, níveis de pobreza e desempenho no ano anterior). Com base 26 por cento para produção e 5 por cento para fins 2 sociais. Até junho de 2002, o programa conjunto tinha obscureceu a responsabilidade pelo desempenho do projeto, implementado subprojetos em mais de 1 600 distanciando os beneficiários dos tomadores de decisões. Com municipalidades. a nova abordagem, a descentralização das decisões fiscais e de desenvolvimento ­ do governo federal para os estados e · Noventa e três por cento dos recursos atingem as municípios e, em última análise, para as organizações comunidades (em comparação com 20 a 40 por cento comunitárias ­ assegura administração eficiente do programa e dos outros programas, com 7 por cento fornecidos para melhores resultados. assistência e custos administrativos. · Em seu conjunto, os programas beneficiaram A tomada de decisões deve ser transparente, em todos os níveis. A transparência também foi fortalecida pelas normas aproximadamente 1,7 milhões de famílias (cerca de 7,5 claras para a constituição e funcionamento dos conselhos, com milhões de pessoas), eliminados os casos de repetição de 80 por cento dos membros vindo de representantes da famílias ­ as que se beneficiam de mais de um comunidade e da sociedade civil local. A transparência foi subprojeto. Isso representa 53 por cento da população a promovida por um sistema de incentivos e penalidades que eles se destinam nos oito projetos do PAPR e cerca operacionais ­ incentivos para o desempenho positivo e de 25 por cento de todas as famílias rurais naqueles penalidades para os desvios das diretrizes do projeto. estados. As comunidades devem participar do financiamento e da · Os projetos de infra-estrutura são 40 por cento mais administração dos investimentos. A maior participação no baratos quando implementados pelas comunidades. financiamento de subprojetos gera um sentimento de propriedade e uma disposição de compartilhar · Os investimentos geraram cerca de 100 000 novos responsabilidade pela operação e administração dos empregos permanentes e aumentaram as áreas de cultivo investimentos do projeto. A participação dos beneficiários na em 80 000 ha. seleção, financiamento, execução, operação e manutenção dos investimentos do projeto assegura a adequação deles às · O programa proporcionou sistemas de água para 7 000 necessidades da comunidade, gera economias de custo e comunidades, operadas e mantidas pelas próprias aumenta a responsabilidade local. comunidades, graças aos quais 600 000 famílias passaram a ter acesso a água geralmente de boa Mecanismos de orientação para a pobreza devem ser simples, qualidade. explícitos e mensuráveis. Os mecanismos de orientação devem basear-se em critérios objetivos, promover maior · A sustentação desses investimentos continua alta. Cerca transparência, minimizar interferência política e assegurar que de 90 por cento dos projetos que receberam os recursos do projeto atinjam as comunidades mais pobres. financiamento do Programa de Alívio da Pobreza Rural No programa do Brasil, o estabelecimento de prioridades pelos de 1995 a 1997 continuam funcionando atualmente. conselhos municipais é a base da orientação dos projetos, visto que as próprias comunidades, por meio da sua participação · Os subprojetos de eletricidade, abastecimento de água no majoritária nos conselhos, determinam onde os recursos do projeto devem ser aplicados, com base no seu conhecimento setor rural e produção permitiram que as famílias se das condições econômicas e sociais e nas necessidades de aproveitassem dos recursos produtivos disponíveis de investimento. forma melhor do que as famílias que não participaram deles, o que aumentou a disponibilidade de alimentos e Divulgação das melhores práticas tais como as experiências bens de consumo. com as ONG do Rio Grande do Norte, o órgão estadual de extensão rural no Ceará, os conselhos FUMAC na Bahia e · Os subprojetos também trouxeram consideráveis Sergipe e o FUMAC-P de Pernambuco podem apressar o benefícios à saúde das famílias, permitindo que se aprendizado e estimular as inovações. No caso do Ceará, o tornassem mais produtivas, com substanciais economias órgão de extensão desempenha um papel ativo, facilitando o de recursos para os estados, o que liberou recursos para projeto no campo, entrando em parceria com a Unidade outros fins. Técnica Estadual por meio dos seus escritórios locais e, dessa forma, descentralizando o apoio do projeto. Lições extraídas Padronização dos documentos do subprojeto, dos desenhos Importantes lições podem ser extraídas do PDRN-R e do técnicos e dos custos unitário simplifica o processo de preparação PAPR: e avaliação dos subprojetos, melhora a qualidade e facilita a aquisição de bens e obras, impedindo o excesso de obras e As decisões devem ser descentralizadas e abranger as permitindo a participação das comunidades mais pobres. autoridades locais. No Programa de Desenvolvimento Rural do Nordeste, burocracia excessiva ­ tanto federal quanto Critérios de proteção ambiental: a experiência demonstra que, estadual ­ criou engarrafamentos administrativos e tendo em vista a sua escala, a maior parte dos subprojetos não 3 têm efeito substancial sobre o ambiente. Não obstante, a lista capital social por meio do trabalho das CM e do processo geral de detalhada de verificação ambiental criada pelo PAPR está sendo participação. Trinta por cento das CM e 25 por cento das mantida e atualizada por meio de um programa de supervisão. associações comunitárias estão conseguindo outras fontes de financiamento que antes não tinham condições de acessar. O capi- A assistência técnica realça a capacidade das associações tal social também está ajudando as comunidades a atingir os comunitárias e CM identificar, preparar e implementar subprojetos, mercados. Setecentas comunidades estão exportando para a dessa forma aumentando a sua capacidade de competir pelos Europa e o número dessas comunidades exportadoras está cre- fundos de investimento. Essa assistência deve ser orientada para as scendo. municipalidades mais fracas, a fim de melhorar a sua capacidade de planejamento, administração e financeira para participar do Os novos projetos de pobreza rural no Nordeste estão procurando programa.Alocalização e criação de fontes de assistência técnica ampliar o papel dos conselhos municipais no planejamento local, nas áreas rurais requerem grande cautela e deve ser supervisionada promovendo maior integração entre os governos municipais e os no nível local. conselhos municipais de projeto, proporcionando informações aos conselhos sobre outros programas e fontes alternativas de doações Sumário e financiamento de crédito. Se forem nutridos com cuidado, não apenas com a combinação Uma variedade de benefícios sócio-econômicos dos projetos correta de assistência técnica, informações e apoio de recursos mas do PAPR tem impacto sobre as famílias e as suas também por meio da insistência a fim de que normas claras e comunidades. Esses benefícios caem em quatro categorias transparentes continuem a ser aplicadas ao funcionamento dos principais: melhores condições de vida, melhores condições de conselhos, esse fórum democrático poderá se tornar uma das saúde, maior produtividade, maior renda familiar e criação de instituições mais valiosas e duráveis para o desenvolvimento rural empregos ­ todos considerados essenciais para tirar gradualmente no Nordeste. as famílias da pobreza. O programa desenvolveu O café na Bahia assegura renda e melhores condições de vida Piatã é um município na região da Chapada Diamantina, no Estado da Bahia, cuja topografia favorece o desenvolvimento de atividades agrícolas temperadas. Tradicionalmente, os pequenos agricultores deste município cultivam café em pequenos lotes, geralmente usando a mão-de-obra familiar. A dependência do processamento manual dos grãos sempre levou a grandes perdas e baixa qualidade. A alternativa ­ levar os grãos aos centros mais distantes que têm debulhadoras ­ era muito cara. Muitos preferiam vender seu café em grão sem processar, absorvendo perdas enormes devido aos preços baixos oferecidos no mercado local. Em vista dessas dificuldades, os pequenos agricultores organizaram a Associação dos Cafeicultores do Município de Piatã (ASCAMP) e, em 1997, apresentaram um pedido ao Programa Produzir (RPAP) para a implementação de uma unidade de processamento de café que agora beneficia diretamente 190 famílias da região. Essa unidade é dirigida pela Associação que cobra uma taxa para a manutenção da pequena indústria comunitária. Essa taxa é apenas um quilo do produto por saca processada. Antes, os agricultores pagavam até três quilos por saca aos processadores privados, ou seja, um custo de 20% mais alto do que atualmente, sem contar os custos do transporte. O resíduo resultante da debulha, que o processador mantinha para si, é agora usado pelos pagricultores como fertilizante orgânico. A introdução desta pequena unidade agroindustrial trouxe outros benefícios. Em 1999 houve uma expansão de cerca de 470 hectares, equivalente a 1.200.000 pés de café. Calcula-se que, em conseqüência dessa expansão, serão criados 1.175 empregos diretos e 2.350 indiretos. Hoje a Associação dos Cafeicultores do Município de Piatã, além de ter sede própria e um sistema de contabilidade bem organizado, produz café de excelente qualidade procurado no mercado regional. Notas Sobre os autores 1- Um projeto tornar-se efetivo após a assinatura do acordo Luis Coirolo é Especialista Principal do Setor de legal e depois que o governo cumprir satisfatoriamente todas Desenvolvimento Rural, responsável pelas atividades de alívio as condições. da pobreza no Nordeste do Brasil. Trabalha na Representação 2- A "avaliação" de um projeto é o processo final mediante do Banco Mundial em Recife. Túlio Barbosa é Oficial Sênior o qual o Banco Mundial determina que um projeto atende de Operações e trabalha na Representação do Banco Mundial aos critérios de financiamento. em Brasilia. 4