96680 v1 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL: Subsídios para a Construção de uma Agenda e uma Estratégia Maio de 2015 1 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL: Subsídios para a Construção de uma Agenda e uma Estratégia Maio de 2015 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL Esse material é um produto da equipe do Banco Mundial. Os acha- dos, interpretações e conclusões apresentados nesta publicação não necessariamente refletem as opiniões dos Diretores Executivos do Banco Mundial ou dos governos representados. O Banco Mundial não assegura a precisão das informações incluí- das neste trabalho e não se responsabiliza por quaisquer conse- quências de sua utilização. Os limites, cores, denominações e ou- tras informações mostrados em quaisquer mapas ou gráficos neste trabalho não implicam julgamentos por parte do Banco Mundial sobre o status legal de qualquer território ou o endosso ou aceita- ção de tais fronteiras. 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ISS Imposto sobre Serviços RM Região Metropolitana RMBH Região Metropolitana de Belo Horizonte RMSP Região Metropolitana de São Paulo MTE Ministério do Trabalho e Emprego OECD Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento ONG Organização Não Governamental PAC Programa de Aceleração do Crescimento PDDI Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado PIB Produto Interno Bruto PLAMBEL Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PPP Parceria Público-Privada RSLs Proprietários Sociais Registrados RIDE Região Integrada de Desenvolvimento Econômico RIDE DF Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno ZEIS Zonas Especiais de Interesse Social 7 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL Apresentação Em menos de cinquenta anos, o Brasil passou de uma sociedade e economia predominatemente rurais a um país amplamente urbanizado, no qual 85% das pessoas vivem em áreas urbanas e mais de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional é gerado nas cidades. Este processo rápido de urbanização foi caracterizado por um planejamento inadequado e por um quadro persistente de desigualdade, que resultou em elevados níveis de concentração de pobreza em áreas urbanas. As regiões metropolitanas (RMs) cresceram mais rapidamente que o restante do país, tanto em termos de população, quanto de PIB. Em 2010, o PIB per capita era mais alto nas RMs que no restante do país e as economias metropolitanas somavam 70% do PIB. Ao mesmo tempo, a metade dos pobres brasileiros e 90% da população que vive em condições subnormais estava localizada nas RMs. As RMs apresentam realidades diversas. Para começar, há diferenças entre as áreas centrais e perifé- ricas de cada região, sendo que as áreas periféricas são caracterizadas pelo menor acesso aos serviços básicos de infrasestrutura e mobilidade, bem como aos empregos, à terra e à habitação. Também há diferenças importantes entre as RMs em termos de escala e riqueza. Mais de 19,7 milhões de pessoas moram na RM de São Paulo (um em cada dez brasileiros), enquanto que apenas 2,1 milhões moram na RM de Belém. A RM de São Paulo produz aproximadamente 1/5 do PIB brasileiro e, em 2012, gerou 1/4 do total de impostos coletados. Em contraste, a RM de Recife concentra 64% do PIB de Pernambuco, mas representa apenas parcela de 1,6% da economia brasileira. Finalmente, há grandes diferenças na composição racial das RMs, sendo que os residentes das cidades do Norte e Nordeste identificam-se predominantemente como pardos, enquanto que a maioria daqueles das cidades do Sul e Sudeste re- conhecem-se como brancos. Depois de anos de discussão, a aprovação recente de um novo arcabouço para a governança metropo- litana no Brasil – o Estatuto da Metrópole – cria a oportunidade para o debate e para evolução quanto a vários aspectos. Faz-se oportunidade para: a) reposicionar a questão metropolitana na arena do de- senvolvimento no Brasil; b) revisar o que se aprendeu sobre governança intermunicipal e prestação de serviços; c) estimar demandas pela mobilização de recursos para o desenvolvimento metropolitano; d) coordenar uso e ocupação do solo com transporte e habitação no território metropolitano; e) incluir a questão metropolitana em quaisquer revisões do federalismo fiscal no país; e f) promover sustentabi- lidade ambiental, inclusão social e resiliência a desastres, bem como planejamento para as mudanças climáticas em escala metropolitana. O Banco Mundial pode ser um parceiro no enfrentamento destas questões. Ao responder às demandas de seus Clientes, o Banco tem prestado amplo apoio aos estados e cidades brasileiras e, especialmente, às populações de baixa renda, nas áreas de infraestrutura e serviços básicos, urbanização de favelas, desenvolvimento institucional, gestão de recursos hídricos, desenvolvimento econômico local, pre- servação ambiental, saneamento e transportes. No futuro, esperamos que tal atuação possa cada vez mais ser ampliada para o recorte metropolitano. Este trabalho constitui parte da agenda do Banco Mundial de produção e disseminação de conhecimen- to. Está destinado a enriquecer e construir espaço para discussão entre nossos Clientes e Parceiros. 8 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL © Mariana Ceratti 9 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL Créditos Este relatório é de autoria de Alessandra Campanaro (Especialista Urbana Sênior, GSURR), Jeroen Klink (Professor da Universidade do ABC) e Mila Freire (Consultora), com consultoria de Leonel de Miranda Sampaio, Ana Akaishi e Jaclyn Sachs (Analistas Urbanos). Judy Baker (Economista Líder, GSURR), Fernanda Magalhães (Especialista Urbana Sênior, Banco Inte- ramericano de Desenvolvimento) e Victor Vergara (Especialista Urbano Líder, GSURR) foram revisores do documento, tendo fornecido comentários técnicos valiosos. Catalina Marulanda (Especialista Urba- na Líder, GSURR), Emanuela Monteiro (Especialista Urbana, GSURR), Alexandra Panman (Consultora, GSURR) e Beatriz Eraso Puig (Consultora, GSURR) forneceram insumos adicionais e revisões finais ao documento. Serviços de tradução foram prestados por Antônio Ribeiro de Azevedo Santos (Consultor) e de diagra- mação por Carlos Eduardo Peliceli da Silva (Consultor). Apoio administrativo foi fornecido por Sara Gey Feria (Assistente de Projeto, GSURR) e Karina Marcelino (Assistente de Projeto, LCC5C). Ao longo do tempo, Alessandra Campanaro, Catalina Marulanda e Josef Leitmann (Especialista Líder de Gestão de Riscos de Desastres, GSURR) sucederam-se no papel de coordenadores do estudo. O relatório recebeu contribuições finais e foi aprovado por Paul Kriss (Coordenador de Operações Seto- riais de Infraestrutura para o Brasil, LCC5C), Anna Wellenstein (Gerente Setorial Urbana para a Améri- ca Latina e Caribe, GSURR) e Deborah Wetzel (Diretora do Banco Mundial para o Brasil, LCC5C). 10 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL © Mariana Ceratti 11 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL © Joaquin Toro 12 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL Resumo Executivo O Brasil urbanizou-se a passos largos: a parce- Os núcleos normalmente gozam de um nível mais la de pessoas que vivem nas cidades aumentou elevado de renda e de melhores serviços do que dramaticamente nos últimos 40 anos, de 56% da as áreas periféricas. À medida que melhoram a população em 1970 para 84% em 2010. Desde a mobilidade e os níveis de educação e saúde, tanto virada do século, o PIB real per capita do Brasil a renda como o acesso a serviços acabam sendo cresceu 32%, ao mesmo tempo em que foram re- distribuídos de forma mais equilibrada. Esse pro- duzidos os índices oficiais de pobreza, passando cesso de convergência está ocorrendo no Brasil, de 25% para menos de 9%. A urbanização deu mas levará tempo até concluir. Atualmente, ainda lugar a uma concentração da atividade econômi- há contrastes importantes entre as regiões me- ca e da população em determinadas áreas, prin- tropolitanas (RMs). cipalmente em torno das capitais dos estados, onde a infraestrutura e o crescimento econômico Neste processo de transformação e inclusão es- agiram como um ímã, atraindo investimento pri- pacial, qual é o papel da governança metropo- vado e gerando empregos. As áreas metropolita- litana? Seria possível reduzir a desigualdade e nas1 formaram-se da agregação de municípios de ampliar o acesso aos serviços básicos por meio diferentes tamanhos e de níveis de especialização de uma colaboração metropolitana mais contun- diversos, interligados pelos fluxos de trabalho e dente? Que lições podemos extrair dos casos de pelo intercâmbio econômico. Hoje, as áreas me- governança metropolitana no Brasil e em outros tropolitanas do Brasil representam a metade da países? Este relatório pretende contribuir para população, em torno de 60% do PIB nacional e a esse debate. Partindo da literatura e dos dados maior parcela do crescimento econômico e urba- disponíveis para o Brasil, este relatório analisa no do país. os principais conceitos relacionados à governan- ça metropolitana, traz exemplos internacionais O rápido desenvolvimento econômico da última e discute ideias pertinentes ao caso brasileiro. década trouxe consigo profundas transforma- O presente relatório se divide em sete seções: (i) ções espaciais. As cidades cresceram rapidamen- princípios e arcabouço para a governança metro- te, mas o acesso aos serviços não acompanhou politana; (ii) a evolução das metrópoles no Brasil; esse ritmo nas periferias, onde os migrantes re- (iii) a dinâmica econômica e espacial de 15 regiões cém-chegados se estabeleciam. Políticas federais metropolitanas selecionadas do Brasil; (iv) estu- de ocupação do solo restritivas, escassez de re- dos de caso de três regiões metropolitanas (São cursos e planejamento insuficiente engessaram Paulo, Recife e Belo Horizonte); (v) financiamento; a oferta de moradia a preços acessíveis na pro- (vi) o novo marco para a governança metropolita- ximidade dos mercados de trabalho. Com o esta- na no Brasil, conhecido como Estatuto da Metró- belecimento das famílias de baixa e média renda pole; e (vii) observações e sugestões para o curto nas periferias, a mobilidade tornou-se difícil e e o médio prazo. longas as viagens entre a residência e o local de trabalho. Segundo explica a geografia econômica, Arcabouço analítico durante a fase inicial da urbanização as diferen- A literatura sobre governança metropolitana se ças em termos de renda e de serviços em deter- debruça sobre os critérios e as modalidades pos- minada região provavelmente serão acentuadas. síveis para a prestação de serviços públicos com 1. Segundo a definição do Observatório das Metrópoles, áreas metropolitanas são “áreas conurbadas funcionais e integradas que se encontram sob a influência de um núcleo”. 13 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL eficiência, equidade, transparência e responsabi- po, a responsabilidade de financiar e prestar os lização. A despeito de existir grande variação en- serviços básicos no plano local. Os investimen- tre países e RMs, e de ser largamente aceito que tos em infraestrutura tornaram-se escassos em não há um “modelo ideal” de governança que sa- razão da crise fiscal, tendo sido necessários vá- tisfaça as necessidades de todas as regiões, pode- rios planos de ajuste para controlar a inflação. mos definir algumas modalidades básicas de go- Em 1995 e 1996, emendas constitucionais foram vernança metropolitana, a saber: fragmentação responsáveis pela implementação de políticas jurisdicional (ou modelo fragmentado), amalga- nacionais voltadas para a população carente em mação (ou modelo monista consolidado), mode- setores como educação e saúde, que atribuíram lo de governo em 2 níveis, órgãos e/ou agências papéis bem definidos aos governos estaduais e para fins específicos e arranjos de cooperação vo- municipais e determinaram que parcela das re- luntária. O modelo mais comum nos países muito ceitas deveria ser destinada a cada um desses se- descentralizados é ojurisdicional fragmentado, tores. Entretanto, a nova Constituição não dispôs no qual os governos locais são responsáveis por sobre a governança metropolitana, ou seja, não prover e financiar os serviços públicos. Os mo- contemplou mecanismos de cooperação para ad- delos de amalgamação e em 2 níveis ampliam o ministrar as regiões metropolitanas nem recur- tamanho da jurisdição, propiciando uma maior sos específicos para financiá-las. eficiência na oferta de serviços à custa da fusão de vários governos locais. A colaboração horizon- O debate acerca da coordenação metropolitana tal pode adotar a forma de acordos de cooperação tem estado bastante ativo desde o início dos anos voluntária ou de órgãos e/ou agências para para 2000. O Novo milênio trouxe consigo a aprovação fins específicos, incumbidos de executar funções do Estatuto da Cidade (em 2001), a criação do específicas em nome dos governos locais. Ministério das Cidades (em 2003) e a aprovação da Lei de Consórcios Públicos, que legalizou os arranjos contratuais entre governos locais para A evolução da governança prestação de serviços. O longo debate sobre go- metropolitana no Brasil vernança metropolitana culminou, mais recente- mente, na aprovação do Estatuto da Metrópole, O modelo de governança metropolitana brasilei- em 12 de janeiro de 2015. O Estatuto define prin- ro evoluiu desde a década de 1970. Várias áreas cípios básicos que visam melhorar a coordenação metropolitanas conquistaram status legal nos em nível metropolitano, atribuindo responsabi- anos 1970, com a criação de nove regiões metro- lidades e propondo modalidades de governança politanas (RMs) pelo governo central. Essas RMs metropolitana. tinham como função predominante direcionar os investimentos para a construção da infraestrutu- Tensões entre os governos estaduais e munici- ra necessária para sustentar a política industrial pais, insuficiência de recursos e perpetuação das do país, com aportes de instituições financeiras desigualdades regionais contribuíram para au- nacionais, como o Banco Nacional da Habitação mentar a complexidade da governança metropo- (BNH) e o Ministério dos Transportes. A Consti- litana. O ordenamento constitucional brasileiro tuição de 1988 transferiu a atribuição de criar impede a aplicação dos modelos de governança regiões metropolitanas do governo central para adotados por outros países descritos neste rela- os governos estaduais, seguindo a tendência de tório. A prestação de serviços em escala metro- descentralização. Os municípios receberam sta- politana costuma ser resultado ou de cooperação tus pleno de entes federados e, ao mesmo tem- intermunicipal ou de decisões políticas tomadas 14 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL © Joaquin Toro em níveis superiores (federal ou estadual), como capita nas RMs foi maior que o do resto do país. ocorre com a educação e a saúde. O setor da saú- No tocante ao nível de remuneração dos empre- de é o que tem o maior número de acordos de gos, os núcleos metropolitanos concentram uma cooperação, o que se explica pelo incentivo dado parcela maior de pessoas que ganham mais de 10 pelos governos estaduais e federal aos consórcios salários mínimos e com maior escolaridade. To- intermunicipais para acelerar a implementação mando como base os dados dos Censos de 2000 do Sistema Nacional de Saúde. O governo federal e 2010, os valores do coeficiente de Gini calcula- também promoveu outros tipos de acordos mu- dos para os núcleos de São Paulo, Vitória, Reci- nicipais, como os consórcios intermunicipais, que fe, Rio de Janeiro e Porto Alegre revelaram um vêm sendo adotados cada vez mais para uma am- crescimento consistente da desigualdade de ren- pla gama de serviços. da entre 2000 e 2010. Embora tenham sido ob- servados certos avanços em Campinas, Manaus, Dinâmica econômica e espacial de Brasília, Goiânia, Belém e Curitiba, estes não fo- algumas regiões metropolitanas ram suficientes para contrapesar a exacerbação selecionadas da desigualdade de renda ocorrida na década de 1990. As remunerações mais altas oferecidas nos As RMs são motores de crescimento econômico, núcleos metropolitanos atraem os trabalhadores porém têm de conviver com disparidades sociais qualificados. Entretanto, mesmo com aumento do e espaciais. As RMs cresceram a uma velocida- número absoluto de trabalhadores qualificados de maior que o resto do país, tanto em termos bem remunerados nas RMs entre 2000 e 2010, de população como de PIB. Em 2010, o PIB per 15 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL sua participação no contingente de trabalhado- res encolheu. Em 2010, as regiões metropolitanas concentravam metade da população pobre e 90% da população que vive em condições subnormais no Brasil. As disparidades socioespaciais tanto em termos de renda como de acesso aos serviços básicos persistem. A prestação de serviços básicos vem melhorando gradativamente nas regiões metropolitanas, mas as desigualdades entre os centros e as periferias persistem. Embora os dados apontem uma nítida tendência de melhoria na prestação de serviços nas áreas urbanas, notadamente nas regiões Sul e Centro-Oeste, o acesso a infraestrutura básica (particularmente esgoto) ainda é limitado, sobre- tudo nos municípios periféricos. A população cres- cente desses municípios não tem condições de pa- gar o preço dos terrenos dotados de infraestrutura ou situados mais próximos do núcleo. A maioria das RMs caracteriza-se pela falta de planejamen- to territorial e pela inexistência de políticas proa- tivas de prevenção da favelização, especialmente na periferia. Unidades habitacionais cresceram em áreas com infraestrutura relativamente precária e favelas e/ou aglomerados subnormais surgiram na periferia das áreas metropolitanas, agravando os problemas de mobilidade em áreas urbanas já congestionadas. Isso indica a baixa elasticidade da oferta de terras em relação à procura por moradia e abrigo, ilustrando também a dinâmica dos mer- cados informais para responder a uma demanda evidente por terra e habitação a preços acessíveis, que não está recebendo a devida atenção. Estudos de caso: São Paulo, Recife e Belo Horizonte Três casos estudados – São Paulo, Recife e Belo Horizonte – lançam um olhar aprofundado sobre a governança metropolitana no Brasil, refletindo a ausência de um modelo único de governança metropolitana. As experiências apresentam distintas abordagens de governan- 16 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL © Joaquin Toro 17 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL ça metropolitana em curso nessas três RMs, fundamental de qualquer arranjo metropolitano que tiveram um papel ativo na modelagem que objetive planejar e executar projetos de de- da sua estrutura institucional e política. Elas senvolvimento, inclusive de infraestrutura e de exemplificam o dinamismo da governança me- desenvolvimento espacial de longo prazo. tropolitana, quer seja capitaneada pelo Estado quer pelos municípios, e oferecem uma opor- O novo Estatuto da Metrópole tunidade para extrair lições que possam ser Após vários anos em discussão, em ja- aproveitadas em outras RMs. São Paulo consti- neiro de 2015 o Estatuto da Metrópole2 tui um caso de estudo obrigatório pela simples foi aprovado. Esta nova lei apresenta uma opor- escala de seus desafios, pelo número de inicia- tunidade para discutir a questão metropolitana tivas metropolitanas empreendidas e pela ex- no Brasil e avaliar modelos e tipologias adequa- perimentação com consórcios intermunicipais dos de governança. O Estatuto: (i) define princí- e outras formas de governança metropolitana. pios e diretrizes gerais para o planejamento, a A herança histórica de Recife em planejamento gestão e a execução das funções públicas de in- metropolitano lança luz sobre iniciativas inova- teresse comum em regiões metropolitanas e em doras de planejamento participativo. O caso de aglomerações urbanas; (ii) incentiva a colabo- Belo Horizonte é interessante para demonstrar ração e a instituição de parcerias para a gestão como a sociedade civil pode contribuir para as compartilhada e a governança nos vários níveis instituições metropolitanas. de governo, através de instrumentos existentes Financiamento (tais como Parcerias Público-Privadas – PPPs, Consórcios, Operações Urbanas, Acordos de Na extensa literatura que trata do tema gover- Cooperação, Contratos de Concessão, etc.); (iii) nança metropolitana no Brasil, o financiamen- define arranjos para a governança metropo- to de estruturas e/ou serviços metropolitanos é litana (ou governança interfederativa); e (iv) um assunto raramente abordado. As discussões confere aos estados, através de leis regulató- com frequência giram em torno de qual seria a rias complementares, a responsabilidade pelo melhor maneira de os comitês metropolitanos detalhamento de tais arranjos. Em particular, assumirem a formulação de políticas ou a toma- o Estatuto da Metrópole reafirma a responsa- da de decisões em relação a investimentos que bilidade do governo federal em definir o arca- gerem impacto no nível territorial. Entretanto, a bouço geral de políticas públicas para as RMs. definição de mecanismos de financiamento, as- Não obstante, os estados continuariam sendo pecto crucial para assegurar a implementação os responsáveis pela criação das RMs, definin- das políticas e investimentos metropolitanos, do as diretrizes e critérios para esse propósito costuma ser preterida. Hoje, não se dispõe de um e desenvolvendo ferramentas para seu planeja- mecanismo legal ou institucional para que as mento integrado. Às cidades caberia articular regiões metropolitanas tenham acesso a recur- seus planos diretores e leis de uso e ocupação sos financeiros. Esse assunto escapa ao alcance do solo com os planos integrados estaduais e deste trabalho, motivo por que o relatório se li- metropolitanos. Constitucionalmente, as cida- mita a citar fontes secundárias de dados fiscais des manteriam sua autonomia e liberdade para relevantes. Entretanto, para avançar na agenda escolher o tipo de arranjo metropolitano que metropolitana no Brasil se faz necessária uma lhes seja mais conveniente. análise aprofundada dessa questão. A existên- cia de financiamento cativo é uma característica 2. Lei No 13.089, de 12 de janeiro de 2015. 18 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL © Joaquin Toro 19 GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL Apesar de constituir um avanço bem-vindo nas Observações finais políticas públicas do Brasil para as RMs, o Es- tatuto não resolve um aspecto importante, que As RMs brasileiras não estão sabendo aproveitar as é o financiamento da agenda metropolitana. Os oportunidades criadas pelas economias de aglo- princípios adotados pela legislação constituem meração3, como se pode evidenciar pelas extremas um sólido ponto de partida desde o passado e desigualdades existentes entre o núcleo metropoli- refletem a preocupação do país em melhorar a tano e a periferia. Apesar de serem estratégicas em prestação de serviços, reduzir a pobreza e acele- termos de concentração de oportunidades de de- rar o crescimento. A proposta de desenvolver um senvolvimento econômico e de equacionamento das marco político nacional para as RMs é louvável carências sociais, as RMs padecem tradicionalmente e de extrema utilidade. Porém, e apesar de abrir da ausência de uma institucionalidade adequada a possibilidade de apoio financeiro pelo gover- que oriente o planejamento, a gestão e as finanças no federal, seu conteúdo não é claro o bastante de sua trajetória de desenvolvimento. Ao longo da acerca deste aspecto; o artigo da proposta ori- última década, todos os níveis de governo empreen- ginal de um fundo específico para o desenvolvi- deram esforços metropolitanos significativos, porém mento urbano integrado, por exemplo, foi vetado sem obter resultados suficientes. Como resultado, o na sua redação final. Na esfera estadual, a ideia dinamismo econômico que se concentra nas RMs de utilizar critérios para criar RM é prática, e es- não se traduziu proporcionalmente em melhoria do tes são amplamente empregados nos EUA e na desenvolvimento urbano e das condições habitacio- Europa. A experiência mostra ser melhor manter nais. As áreas metropolitanas ainda se caracterizam o número de critérios pequeno a fim de reduzir pelas acentuadas desigualdades sociais e espaciais a burocracia na criação de novas modalidades e pelo desequilíbrio entre uso do solo, disponibilida- de governança. A obrigatoriedade da elaboração de de infraestrutura e grau de acessibilidade. de planos metropolitanos é outro avanço posi- A imposição de algumas formas de governança me- tivo. Os planos integrados são úteis e indispen- tropolitana tendo em vista a promoção de colabora- sáveis para definir as regras de uso e ocupação ção ou integração forçadas já foi muita discutida. O do solo e outras regras necessárias para gerir a status de entes federados conferido aos municípios localização de novos assentamentos. Por últi- brasileiros não é compatível com algumas formas mo, informação sobre a economia metropolitana de governança metropolitana, como a de estruturas e regional constituirá a base da análise e da for- amalgamadas ou dualistas. Embora sejam eficazes mulação de boas políticas públicas. Assim, é im- no tocante à redistribuição da oferta de serviços, es- portante atentar para o seguinte: (i) a definição sas soluções dificilmente se concretizariam no Bra- dos dados e o diagnóstico dos padrões socioeco- sil, uma vez que dependeriam da aprovação dos mu- nômicos das áreas metropolitanas, a fim de sub- nicípios incorporados, os quais teriam de abrir mão sidiar o planejamento de longo prazo e prever as de sua autoridade e de seu poder tributário. O atual necessidades de investimento; (ii) o levantamen- sistema monista, ou de fragmentação jurisdicional, to dos dados referentes a gastos, discriminados provavelmente seguirá vigente, com os governos por setor e por RM; (iii) a análise da eficácia e da locais ocupando-se da prestação de serviços no ní- eficiência dos gastos. vel local e o governo central das suas atribuições de redistribuição e equidade, por meio de normas e políticas nacionais. O associativismo voluntário tem sido bem sucedido, em linha com o que tem aconte- cido em todo o mundo. Os órgãos específicos criados 3. O termo economias de aglomeração refere-se às vantagens que a proximidade oferece 20 a empresas e trabalhadores (WDR, 2009) GOVERNANÇA METROPOLITANA NO BRASIL para coordenar os serviços de transporte e infraes- ros financeiros e esquemas para elaborar o pro- trutura, como no caso de São Paulo e Recife, terão ject finance. um papel cada vez mais importante na urgente am- pliação da infraestrutura e dos serviços. D. Internalizar a necessidade de coordenar uso e ocupação do solo com os setores de trans- A análise do Estatuto da Metrópole, a experiência porte e habitação em todos os planos municipais com as RMs do Brasil e as experiências internacio- e estaduais e ajudar as cidades a incrementar as nais apontam uma série de áreas prioritárias no receitas provenientes dos impostos prediais para curto e no médio prazo. financiar a infraestrutura e o desenvolvimento so- cial. Planejar estrategicamente a integração entre No curto prazo: trânsito e ocupação do solo é fundamental, assim como assegurar o financiamento adequado para A. Ampliar a visibilidade da problemática sua execução, e é da integração trânsito-uso do metropolitana. O Estatuto da Metrópole repre- solo de onde podem vir os recursos necessários senta uma oportunidade para reposicionar a para agilizar e sustentar o processo. questão metropolitana – planejamento, partici- pação, instrumentos e estrutura de governança No médio prazo: – no centro da discussão. Seria importante incluir na discussão a identificação dos principais servi- E. Avaliar o que seria mais eficiente: ter um ços ou desigualdades na prestação de serviços no marco comum para todas as RMs ou definir es- âmbito metropolitano, além de estender o debate truturas flexíveis. É importante compreender se de modo a incluir questões relacionadas a eco- o estabelecimento de um marco comum para as nomia, competitividade, clima de investimento e RMs – tal qual previsto no Estatuto da Metrópole vantagens comparativas. – é a melhor opção ou se seria mais adequada ao contexto brasileiro a definição de diretrizes para B. Centrar-se nos casos que deram certo. É estruturas metropolitanas flexíveis. preciso fazer com urgência uma revisão crítica das lições extraídas do processo de colaboração F. Inserir a problemática metropolitana em voluntária intermunicipal, o que poderia trazer qualquer revisão do federalismo fiscal que ve- bastantes ideias para a discussão. Os consórcios nha a ocorrer. O federalismo fiscal no Brasil tem que se mostrarem eficazes na prestação de ser- sido objeto de debate nos últimos anos. Se em viços no âmbito metropolitano ou regional pode- algum momento o governo empreender uma re- riam evoluir para órgãos e/ou agências para fins visão do modelo atual, oportuno seria incluir no mais amplos. debate os problemas relativos ao financiamento metropolitano. C. Avaliar as necessidades de financiamento e as estratégias para mobilizar recursos para as G. Abordar a sustentabilidade. Promover a áreas metropolitanas. Há uma lacuna persisten- sustentabilidade, reduzir as emissões de gases de te na discussão em torno dos aspectos econômi- efeito estufa e preparar planos de resiliência são cos e de financiamento, que deve ser preenchida. temas em torno dos quais gravita a comunidade A criação de um fundo para infraestrutura, cons- internacional dedicada à problemática urbana e tituído com aportes de fontes diversas, deveria metropolitana. ser uma opção futura a considerar, de modo a alavancar recursos para investimentos. Isso exi- giria a definição de critérios, terminologia, parcei- 21 Banco Mundial – Brasil World Bank – Washington, DC SCN Quadra 2 – Lote A – Ed. Corporate Financial Center – Cj. 702/703 1818 H Street NW Brasília, DF 70.712-900 Washington, DC 20433 Fone: +5561 3329-1000 Phone: +1 202 473-1000 E-mail: informacao@worldbank.org E-mail: informacao@worldbank.org