Descentralização na Indonésia após a crise Ideal seria que a descentralização da Indonésia fosse administrada de modo que a devolução dos recursos fiscais ocorresse simultaneamente à dos gastos. Na realidade, a política determina a devolução dos recursos, freqüentemente sem a devida consideração pela responsabilidade com os gastos. O que pode ser feito? A Indonésia tem uma estrutura governamental unitária tripartite, possui 26 províncias e aproximadamente 330 distritos, distribuídos em 13.000 ilhas contendo mais de 300 grupos étnicos. Apesar de sua diversidade e tamanho, o País dispõe de um dos mais centralizados sistemas fiscais do mundo. No exercício fiscal de 1999, a arrecadação de impostos correspondeu a 94% da renda total do governo central que financiou 60% dos gastos subnacionais. Desde o início dos anos 70, diversas propostas de descentralização fiscal foram feitas, porém os principais elementos nunca foram implementados. O sistema excessivamente centralizado da Indonésia resulta em vínculos tênues entre as demandas e as decisões locais sobre os serviços públicos, em mecanismos ineficientes de controle da prestação de contas local e das alocações específicas de recursos nas várias regiões. No entanto, a Indonésia está atualmente prestes a iniciar uma ampla descentralização. Desencadeada pela crise financeira de 1997, pela renúncia do governo Suharto e pelo fraco apoio popular ao governo Habibie, em 1998 a demanda por uma descentralização política e fiscal aumentou. Em abril de 1999, o Legislativo aprovou, precipitadamente e de maneira espetaculosa, duas leis que determinavam a implementação de drásticas medidas descentralizadoras no ano fiscal de 2001. A Lei de Governabilidade Regional especifica as responsabilidades políticas e administrativas de cada nível de governo em uma estrutura descentralizada, enquanto a Lei de Equilíbrio Fiscal descreve a nova divisão das fontes de renda e das transferências intergovernamentais, incluindo o compartilhamento das receitas provenientes de petróleo e gás. Esta nota discute as principais questões relativas ao processo de descentralização da Indonésia, avalia as estratégias de implementação propostas e oferece lições para outros países. Baseia-se em trabalhos recentes do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e em uma conferência internacional, "Indonesia: Decentralization Sequencing Agenda", organizada pelo FMI, Banco Mundial e pela Universidade da Indonésia, que teve lugar em Jacarta, em março de 2000. As novas leis de descentralização As duas novas leis de descentralização abrangem todos os principais aspectos da descentralização fiscal e administrativa. As leis estabelecem que todas as funções de prestação de serviços públicos, exceto defesa, negócios estrangeiros, política comercial e monetária, e os sistemas jurídicos, serão descentralizados, passando aos governos subnacionais. A maioria dos serviços públicos, incluindo educação, saúde e infra-estrutura, será prestada pelos distritos e cidades, sendo que as províncias atuarão apenas na coordenação. A relação hierárquica anterior entre províncias e distritos ou cidades será abolida. Qualquer tarefa não especificada na legislação caberá aos distritos ou às cidades. A parte relativa aos gastos subnacionais do governo atingirá mais de 40%, acima de 19% no ano fiscal de 2000. O governo central irá compartilhar a receita obtida dos recursos naturais com os governos subnacionais. Esses governos receberão 15% da receita do petróleo do país, 30% da receita de gás do país (incluindo o gás fora do país, dentro do limite de 12 milhas da costa), 70% da receita da silvicultura e 100% da receita da pesca ­ todas compartilhadas na origem. Além disso, o Ministério das Finanças doou 20% da sua receita de imposto de renda para as províncias, embora isso não conste da legislação. O governo central também deverá transferir 25% de sua receita, após o compartilhamento, para aos governos subnacionais, através de uma alocação para fins gerais; 10% dessa quantia será repassada às províncias e 90% aos distritos. As alocações para fins gerais se basearão em fórmulas que têm como objetivo equiparar os recursos fiscais dos governos subnacionais para que atendam às suas necessidades de gastos. As leis refletem a pressão das regiões - principalmente daquelas com receitas altas - para aumentar a autonomia fiscal e, de modo mais geral, a liberdade administrativa e política, após décadas de legislação autoritária. Os distritos foram escolhidos como o principal nível de autonomia devido às fortes objeções dos militares à autonomia das províncias. Os militares - escaldados pela agitação regional nos anos 50 ­ temiam que a autonomia provincial iria aumentar em vez de reduzir as forças centrífugas. Riscos das novas leis Os especialistas do FMI e do Banco Mundial concluíram que o processo de descentralização da Indonésia, segundo a estrutura estabelecida pelas duas leis, apresentava sérios riscos: · A Lei de Governabilidade Regional é muito geral ao atribuir responsabilidades de gastos e, por isso, ameaça a eficácia da prestação de serviços. Em vez de esclarecer as responsabilidades, as normas de implementação da lei confundiram os governos regionais, porque as regulamentações especificavam apenas as responsabilidades que ainda cabiam ao governo central. Devido a essa falta de clareza na atribuição de funções, a descentralização da receita, estabelecida pela Lei de Equilíbrio Fiscal, poderia exacerbar os desequilíbrios macroeconômicos. · A descentralização da maioria das funções de prestação de serviços para os distritos pode não ser compatível com os recursos do governo ou compatível com os princípios econômicos de escala e transbordamento. · A descentralização política está incompleta. Embora os legislativos regionais tenham sido eleitos em julho 1999, muitos de seus dirigentes foram indicados pelo antigo governo e serão substituídos pelos dirigentes eleitos somente no final de seus mandatos. O resultado disso é que o principal elemento de responsabilidade do governo local poderá estar ausente durante muitos anos. · A proposta de compartilhamento das receitas de petróleo e gás distribuiria uma renda significativa, a maior parte da qual não se originaria de royalties ou impostos sobre o aluguel de recursos, a um pequeno número de províncias e distritos. Essa combinação exacerbaria as disparidades regionais da receita e seria inconsistente com o objetivo de uniformizar as transferências. Além disso, as receitas de petróleo e gás, altamente voláteis, não são fontes ideais de renda e criariam incertezas consideráveis para a criação do orçamento local. · A coincidência entre a descentralização administrativa e fiscal torna quase impossível o planejamento de um esquema de uniformização objetivo. As diferenças de custo entre as regiões não podem ser determinadas porque a maioria das funções era financiada pelo orçamento central. Além disso, não estão disponíveis as informações sobre os custos atuais de cada função, o que impede a determinação das transferências agregadas para financiar as funções descentralizadas. · A Lei de Equilíbrio Fiscal não dá aos governos regionais o poder de criar novos impostos. As regiões possuem apenas autonomia limitada sobre pequenas taxas, como aquelas referentes ao uso da água e da iluminação pública. Por conseguinte, os governos locais não podem cobrir seus gastos adicionais através da arrecadação de impostos dos residentes locais, comprometendo assim sua prestação de contas. subsídios. · O esquema de atividades para implementação das novas leis é extremamente restrito. A experiência internacional indica que são necessários pelo menos dois anos para preparar regulamentações detalhadas para a delegação de funções dos principais serviços e para estabelecer um sistema de administração de subsídios. Uma implementação apressada poderia interromper importantes serviços públicos locais. O preparo da implementação das leis tem sido lento devido à transição política e à falta de coordenação dos principais ministérios. Por exemplo, a ausência de uma clara definição das funções regionais que deveria ser fornecida pelos Ministérios do Interior, da Autonomia Regional e por outros. O Ministério das Finanças não foi capaz de propor distribuições financeiras detalhadas e simular o seu provável impacto distributivo. Finalmente, em abril de 2000, foi criado o conselho de coordenação da descentralização, um ano depois da promulgação das duas leis, mas nem todos os membros tinham sido indicados. O resultado disso é que o Conselho Consultor para Autonomia Regional ainda não está em funcionamento e as consultas têm sido regionais. Houve pouco progresso na identificação de novos poderes para criação de tarifas para os governos locais, e pouco esforço foi feito para fortalecer os governos distritais. Além disso, com a reorganização do gabinete, o Ministério da Autonomia Regional foi incorporado ao do Interior, e ao coordenador da descentralização foi atribuída uma tarefa diferente. Levando em conta as dificuldades da gestão desse processo, alguns elaboradores de políticas se interessaram por uma nova abordagem: devolver as principais funções, pelo menos inicialmente, às províncias em lugar dos distritos. Na primeira vez em que foi sugerida, essa abordagem ganhou impulso político. Mas foi preterida após forte oposição do Ministério da Autonomia Regional, o coordenador da descentralização. A argumentação foi de que o governo central estava contaminado pela antiga lei de descentralização, promulgada em 1974 e que nunca foi implementada devido às demoras do governo central e seria impossível atrasar ou postergar a descentralização desta vez. "As regiões querem poder e dinheiro agora", disse um funcionário do Ministério da Autonomia Regional quando indagado se era possível optar por uma estratégia alternativa de descentralização (Financial Times, 26 de abril de 2000). Lições da experiência da Indonésia Devido à natureza fluida da descentralização da Indonésia, é difícil chegar a conclusões definitivas sobre os benefícios e desvantagens das várias abordagens propostas ou praticadas pelo governo. Não obstante, o debate político atual tornou clara a importância de planejar um processo que minimize os riscos da descentralização. Várias lições podem ser obtidas da experiência da Indonésia. Primeira, é difícil senão impossível administrar simultaneamente a descentralização política, administrativa e fiscal. A partir de uma perspectiva econômica, a descentralização deveria ser administrada de modo que a transferência dos recursos fiscais ocorresse em linha com a transferência dos gastos, evitando assim a instabilidade e a interrupção da prestação de serviços locais. No entanto, o processo político determina o ritmo e o método de transferência de recursos, pouco considerando, com freqüência, a responsabilidade sobre os gastos, especialmente tratando-se de uma nova democracia. Segunda, mesmo que seja politicamente imperativa uma rápida descentralização fiscal, é preciso evitar uma interrupção na prestação de serviços adotando uma abordagem em etapas para a descentralização. Ou seja, a responsabilidade sobre os gastos pode ser transferida para um nível de governo compatível com sua capacidade administrativa. À medida que os governos de nível mais baixo aumentarem seus recursos, as responsabilidades poderão ser retomadas posteriormente. Evidentemente, para determinar o nível adequado de cada serviço, é necessário considerar também a área dos benefícios e as economias de escala. Terceira, todos os esforços devem ser empregados para evitar atrasos no estabelecimento das normas que detalham as responsabilidades dos vários níveis de governo, incluindo os padrões mínimos e a gestão de pessoal para a prestação de serviços. A exata determinação do custo de cada função local e, conseqüentemente, o mapeamento dos recursos e responsabilidades é quase impossível nos estágios iniciais da descentralização. Mas a falta de atribuição das responsabilidades sobre os gastos pode exacerbar os desequilíbrios verticais e comprometer a prestação de contas. Uma solução prática de curto prazo é transferir para os governos locais os funcionários do governo central que estejam executando serviços públicos durante o ajuste descentralizado, em paralelo ao financiamento. Quarta, aos governos locais devem ser atribuídos um ou mais impostos substanciais sobre os quais eles tenham alguma autonomia para determinar as alíquotas, a fim de garantir a prestação de contas local e a disciplina fiscal. A Indonésia, por exemplo, deveria optar por um sistema que transferisse os impostos sobre propriedade aos governos subnacionais no exercício fiscal de 2001 e deveria expandir outras bases de receita locais. Este é um componente essencial de um sistema fiscal equilibrado e ajuda a evitar pressões locais para aumento das fontes de financiamento que levam a atividades de obtenção de receita ilegais. Quinta, em um país com grande diversidade econômica e étnica como a Indonésia, o governo central tem de manter recursos suficientes para garantir uma equalização razoável e padrões mínimos de serviços em todas as regiões. O compartilhamento das receitas dos recursos naturais com as regiões produtoras ­ especialmente quando incluírem consumo e receitas de imposto de renda corporativo, originadas na produção de recursos naturais, e quando estiverem concentradas em poucas províncias ­ poderia gerar uma desigualdade substancial entre as regiões. Se essa distribuição for adotada, o seu impacto heterogêneo deverá ser compensado por um sistema geral com base em uma fórmula de transferência. Sexta, levando-se em conta a razoável disponibilidade de dados e a sofisticação técnica da equipe do Ministério das Finanças da Indonésia e dos acadêmicos envolvidos, é viável e desejável estabelecer um sistema geral de transferências que considere as capacidades de produção de renda locais e as necessidades de gastos. Mas é preciso atentar para o fato de que a adoção de um novo sistema com base em uma fórmula pode diminuir drasticamente as transferências para governos locais com excesso de funcionários. Para evitar a redução radical de servidores públicos e aumentar a aceitação política do novo esquema de transferência, a avaliação das necessidades de gastos pode levar em consideração o número de funcionários públicos no estágio inicial e reduzir o peso atribuído a esse fator durante alguns anos. Finalmente, reconhecendo a natureza inerentemente política da descentralização, faz-se necessário estabelecer, como primeira prioridade, um fórum político no qual a descentralização possa ser discutida entre os representantes de todos os níveis de governo. Esta nota foi escrita por Jun Ma e Bert Hofman (ambos Economistas Sêniores, Unidade Setorial PREM, Região do Leste Asiático e Pacífico). Os autores receberam apoio do Grupo Temático sobre Descentralização da PREM e das equipes de descentralização e economias subnacionais do EASPR.. Se você tiver interesse em artigos semelhantes, considere a possibilidade de participar do Grupo Temático sobre Descentralização. Entre em contato com Jennie Litvack (x80519) ou clique em Thematic Groups, na Rede PREM. Page 1 Banco Mundial PREM S e t e m b r o 2 0 0 0 n ú m e r o 4 3 Setor Público Vice-presidência para economia do desenvolvimento e rede de redução da pobreza e gestão econômica Page 1 ­ Margin text A Indonésia oferece lições para outros países interessados em delegar poder a governos locais Page 2 Nota PREM 43 Setembro 2000 Page 2 ­ Margin text As responsabilidades do serviço público devem ser compatíveis com as condições da receita e da administração em cada nível de governo Page 3 Nota PREM 43 Setembro 2000 Page 3 ­ Margin text Um processo bem planejado pode ajudar a minimizar os riscos da descentralização Page 4 ­ Margin text Deveriam ser atribuídos aos governos locais um ou mais impostos substanciais sobre os quais eles tivessem autonomia para alterar as alíquotas Page 4 Esta série de notas destina-se a resumir as recomendações sobre práticas corretas e as principais políticas sobre os tópicos relacionados à PREM. As Notas PREM são distribuídas para todo a equipe do Banco Mundial e também estão disponíveis no site da rede PREM na Web, (http://prem). Se você tiver interesse em escrever uma Nota PREM, envie a sua idéia por correio eletrônico para Sarah Nedolast. Para obter cópias adicionais desta nota, entre em contato com o PREM Advisory Service, no telefone x87736. Preparado para a equipe do Banco Mundial