Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil BRASIL REVISÃO DAS DESPESAS PÚBLICAS Volume I: Síntese Novembro de 2017 Prefácio Após um período de estabilidade econômica, altas taxas de crescimento e redução substancial da pobreza, o Brasil enfrenta hoje grandes desafios para lidar com seus gastos públicos. O crescimento das despesas primárias superou o PIB mesmo durante a fase favorável do super ciclo das commodities. O gasto tornou-se cada vez mais engessado pela rigidez constitucional em categorias como folha de pagamento e previdência social, deixando quase nenhum espaço para despesas discricionárias e de investimento. Atento à mudança de cenário, o governo federal solicitou ao Banco Mundial a elaboração deste relatório, com o objetivo de realizar uma análise aprofundada dos gastos do governo, identificar alternativas para reduzir o déficit fiscal a um nível sustentável e, ao mesmo tempo, consolidar os ganhos sociais alcançados nas décadas anteriores. O principal achado de nossa análise é que alguns programas governamentais beneficiam os ricos mais do que os pobres, além de não atingir de forma eficaz seus objetivos. Consequentemente, seria possível economizar parte do orçamento sem prejudicar o acesso e a qualidade dos serviços públicos, beneficiando os estratos mais pobres da população. A análise é baseada nas melhores práticas internacionais e na revisão da eficiência dos gastos entre as diferentes entidades e programas governamentais. Com ela, queremos estimular que os debates considerem não apenas a alocação dos recursos públicos, mas também as premissas que devem nortear os gastos de forma a promover eficácia nos serviços prestados e igualdade social. Desenhar e implementar um "ajuste justo" que coloque as contas fiscais do Brasil de volta em uma trajetória sustentável, ao mesmo tempo em que protege os pobres, é um grande desafio. Abrangerá mais de um mandato presidencial e exigirá um diálogo extenso, incluindo governos subnacionais, movimentos sociais, sindicatos, associações empresariais e muitos outros grupos. Acreditamos que quanto antes o País iniciar esse debate e enfrentar seus problemas, mais cedo será possível transformar sua realidade e retomar o caminho da prosperidade compartilhada entre todos. 1 2 Agradecimentos Este relatório foi elaborado por uma equipe do Banco Mundial chefiada por Antonio Nucifora (Economista-Chefe para o Brasil, Banco Mundial), Cornelius Fleischhaker (Economista, Prática Global de Macroeconomia e Gestão Fiscal, Banco Mundial) e Fritzi Koehler-Geib (Líder de Programa e Economista Líder para América Central, Banco Mundial), sob a orientação de Martin Raiser (Diretor para o Brasil, Banco Mundial) e Pablo Saavedra (Gestor para América Latina e Caribe, Prática Global de Macroeconomia e Gestão Fiscal, Banco Mundial). A equipe principal inclui: Fernando Andres Blanco Cossio (Política fiscal); Rafael Amaral Ornelas e Fabiano Colbano (Folha Salarial); Alexandre Borges de Oliveira (Compras públicas); Heinz P. Rudolph e Asta Zviniene (Previdência); Pedro Olinto, Andre Loureiro e Vivian De Fatima Amorim (Educação); Kathy A. Lindert (Programas de assistência social); Edson Correia Araujo (Saúde); Truman G. Packard e Matteo Morgandi (Programas do mercado do trabalho); Emmanuel Skoufias e Renata Mayer Gukovas (Analise de incidência); Mark Dutz (Programas de apoio as empresas); e Flavia Nahmias da Silva Gomes (Coordenação da equipe). Outros especialistas do Grupo do Banco Mundial também participaram em vários aspectos do estudo: Candyce Da Cruz Rocha, Claudia Baddini, Dandan Chen, Daniela Pena de Lima, David Oliveira De Souza, Andres Estrada, Ezau Pontes, Fabiano Colbano, Fabio Sola Bittar, Frode Davanger, Hans Anand Beck, Igor Andre Carneiro, Joao Bevilaqua Teixeira Basto, Juliana Braga Machado, Julio Velasco, Leandro Costa, Lorena Vinuela, Maria Concepcion Steta Gandara, Mariana Vijil, Maria Elisa Diniz Costa, Mariana Vijil, Massimo Mastruzzi, Michael Drabble, Michael Weber, Miguel-Santiago da Silva Oliveira, Monica Porcidonio, Paul Procee, Rafael Barroso, Rafael Munoz Moreno, Raquel Tsukada Lehmann, Roland N. Clarke, Rong Qian, Rovane Battaglin Schwengber, Thiago Scott, Tomas Damerau, Uriel Kejsefman, Vanessa Moreira da Silva, Vivian Malta e Xavi Cirera. Vários especialistas e acadêmicos Brasileiros e internacionais também participaram no estudo: Andre Portela, Daniel Santin, Eduardo Pontual Ribeiro, Gabriel Ulyssea, Justin Barnes, Leonardo Lima Chagas, Stephen O’Connell, Ricardo Pais de Barros, Sergio Perelman, Stella Lobo e Tim Sturgeon. Embora cada um deles tenha contribuído para partes específicas do relatório, eles não concordam necessariamente com todo o trabalho e suas conclusões e, claramente, não são responsáveis por quaisquer erros ou omissões, que são de inteira responsabilidade dos autores. Foram valiosos os comentários e a orientação de Ana Paula Vescovi (Secretária do Tesouro Nacional, Ministério da Fazenda), Mansueto Almeida (Secretário da SEAE, Ministério da Fazenda), João Manoel Pinho de Mello (Secretario de Reformas Microeconômicas, Ministério da Fazenda), Fabio Kanczuk (Secretário de Política Econômica, Ministério da Fazenda), Marcelo Caetano (Secretário de Previdência, Ministério da Fazenda), Marcos Mendes (Chefe da Assessoria Econômica do Ministro de Estado, Ministério da Fazenda), Otavio Ladeira de Medeiros (Secretário Adjunto do Tesouro Nacional, Ministério da Fazenda), Waldery Rodrigues Júnior (Coordenador-geral para assuntos especiais, Ministério da Fazenda), Pedro Calhman de Miranda (Subsecretário de Regulação e Infraestrutura, Ministério da Fazenda), Alexandre Manoel Angelo da Silva (Subsecretário de Concorrência Internacional e Defesa da Economia Popular, Ministério da Fazenda), Angelo José Mont Alverne Duarte (Subsecretário de Análise Econômica e Advocacia da Concorrência), Pedro Jucá Maciel (Subsecretário de Planejamento Estratégico da Política Fiscal, Ministério da Fazenda), Felipe Palmeira Bardella (Coordenador-Geral, Coordenação-Geral de Estudos Econômico-Fiscais, Tesouro Nacional, Ministério da Fazenda), Jefferson Bittencourt 3 (Secretário adjunto de Política Fiscal e Tributária, Ministério da Fazenda), Rafael Cavalcanti de Araújo (Subsecretária de Política Econômica, Ministério da Fazenda), Rodrigo Cota (Secretário- Executivo Adjunto, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão), Jorge Arbache (Secretário da SEAIN, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão), Arnaldo Lima (Assessor Especial do Ministro de Estado, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão), Wilsimara Maciel Rocha (Coordenação-Geral de Políticas Sociais), Lorena Ferreira (Assessoria Especial do Ministro de Estado, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão), Martha Seillier (Chefe da Assessoria Especial, Casa Civil), Bruno Silva Dalcolmo (Assessore Especial, Casa Civil), Marcelo Pacheco dos Guaranys (Subchefe, Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais, Casa Civil), Fabiana Magalhães Almeida Rodopoulos (Subchefes Adjunta de Finanças públicas, Casa Civil), Janete Duarte (Subchefe Adjunta Substituta de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais, Casa Civil), Rogerio Boueri Miranda (Diretor de Desenvolvimento Institucional, IPEA), Alexandre Ywata (Diretor de Políticas e Estudos Regionais, Urbanos e Ambientais, IPEA), Lucas Ferreira Mation (Chefe da Assessoria Técnica, IPEA), Ricardo Alberto Volpe (Diretor da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira, Câmara dos Deputados) e Helio Martins Tollini (Consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira, Câmara dos Deputados). Também agradecemos os comentários de Carlos Alberto Vegh Gramont (Economista-Chefe para a América Latina e o Caribe, Banco Mundial), Daniel Lederman (Economista-Chefe Adjunto para a América Latina e o Caribe, Banco Mundial), Deborah Wetzel (Diretor Global, Prática Global de Governança, Banco Mundial), Ceyla Pazarbasioglu (Diretor Global, Prática Global de Finanças e Mercados, Banco Mundial), Carlos Felipe Jaramillo (Diretor Global, Prática Global de Macroeconomia e Gestão Fiscal, Banco Mundial), Paloma Anos Casero (Diretor para América Latina e Caribe, Europa e África, Prática Global de Macroeconomia e Gestão Fiscal, Banco Mundial), Marialisa Motta (Gestor para América Latina e Caribe, Prática Global de Comércio e Competitividade, Banco Mundial), Reema Nayar (Gestor para América Latina e Caribe, Prática Global de Educação, Banco Mundial), Margaret Ellen Grosh (Assessor Sênior, Prática Global de Proteção Social e Trabalho, Banco Mundial), Pablo Gottret (Gestor para América Latina e Caribe, Prática Global de Proteção Social e Trabalho Banco Mundial), Daniel Dulitzky (Gestor de para América Latina e Caribe, Prática Global de Saúde e Nutrição, Banco Mundial), Oscar Calvo- Gonzalez (Gestor para América Latina e Caribe, Prática Global de Pobreza, Banco Mundial). Um agradecimento particular para os “peer reviewers”: Teresa Ter Minassian (Consultora, ex- diretora do Departamento de Assuntos Fiscais, FMI), Jesko Hentschel (Diretor do Banco Mundial para a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, Banco Mundial), Jorge A. de Thompson R. Araujo (Assessor Econômico do Vice-Presidente para a América Latina e o Caribe, Banco Mundial), José Guilherme Reis (Gestor de Comércio e Competitividade, Banco Mundial) e Emily Sinnott (Líder de Programa, Desenvolvimento Humano, LCC7C, Banco Mundial). Além disso, o relatório beneficiou-se muito das opiniões e comentários recebidos em consultas formais e informais durante sua fase preparatória. Em particular, agradecemos aos muitos representantes da Presidência da República (Casa Civil), do Ministério da Fazenda e do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão que participaram de dois workshops sobre a análise preliminar em março de 2017, aos representantes do Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas Federais (CMAP) que participaram de uma apresentação da análise preliminar em junho 2017, e os participantes na sessão especial organizada durante o 38º Encontro da Sociedade Brasileira de Econometria (SBE) em dezembro 2016. 4 Sumário Prefácio .......................................................................................................................................... 1 Agradecimentos ............................................................................................................................. 3 Sumário .......................................................................................................................................... 5 Resumo Executivo ......................................................................................................................... 7 Introdução ................................................................................................................................... 17 Desafios para a Sustentabilidade Fiscal no Brasil ................................................................... 21 Sustentabilidade e tendências fiscais......................................................................................... 21 Incidência da política fiscal ....................................................................................................... 29 A adoção do Teto de Gastos...................................................................................................... 30 Complementação do ajuste de gastos: o papel da política fiscal e das despesas "abaixo da linha" ......................................................................................................................................... 34 Peso da Folha do Funcionalismo Público ................................................................................. 39 Análise comparativa internacional da massa salarial do setor público ..................................... 39 Tendências de gastos e composição da massa salarial do setor público ................................... 42 Estimativa da lacuna salarial ente o setor público e privado..................................................... 44 Massa salarial e gestão de recursos humanos: oportunidades para reformas ............................ 53 Compras Públicas: Planejamento e Estratégias de Licitações para Eficiência Fiscal.......... 57 Potencial de economias nas compras publicas .......................................................................... 57 Estratégias de aquisição para aumentar a eficiência: estudos de caso de automóveis e equipamentos de TI ................................................................................................................... 61 Veículos ................................................................................................................................. 62 Equipamentos de informática ................................................................................................ 65 Oportunidades de economias nas compras públicas do Governo Federal ................................ 67 Previdência Social: Uma Conta Impagável .............................................................................. 69 Revisão do sistema previdenciário brasileiro em um contexto internacional ........................... 69 Incidência dos subsídios previdenciários .................................................................................. 75 Reforma do sistema previdenciário brasileiro: a proposta do governo ..................................... 80 Reforma dos RPPSs subnacionais ............................................................................................. 82 Previdência: opções de reforma e redução do gasto fiscal ........................................................ 84 Programas de Apoio ao Mercado do Trabalho e Assistência Social: Integrar para Melhorar ...................................................................................................................................... 87 Níveis de gastos com programas de apoio ao mercado do trabalho e assistência social .......... 87 Eficiência e incidência dos programas para o mercado do trabalho e assistência social .......... 91 Melhorias na concepção dos programas de apoio ao mercado do trabalho e assistência social97 Opções para consolidação da assistência social: Bolsa Família, Salário-Família, BPC e aposentadorias rurais ............................................................................................................. 97 5 Opções para melhorar o apoio aos desempregados: FGTS e Seguro-Desemprego ............ 100 Opções para reformular os suplementos salariais: Salário-Família e Abono Salarial ......... 101 Simulações das reformas do FGTS, Seguro-Desemprego, Salário-Família e Abono Salarial ............................................................................................................................................. 102 Programas para o mercado do trabalho e assistência social: economia e eficiência a partir de uma abordagem sistêmica integrada ....................................................................................... 106 Saúde: Alternativas para Oferecer Mais e Melhores Serviços ............................................. 109 Níveis de despesas do setor de saúde ...................................................................................... 109 Eficiência e incidência das despesas com saúde ..................................................................... 111 Reformas do setor de saúde para aumentar a eficiência, a equidade e a economia fiscal....... 118 Gastar Mais ou Melhor? Eficiência e Equidade da Educação Pública ............................... 121 Níveis de despesas no setor de educação ................................................................................ 121 Eficiência dos gastos com educação ....................................................................................... 124 Ensino fundamental e médio ............................................................................................... 124 Ensino superior .................................................................................................................... 131 Incidência dos gastos públicos com educação ........................................................................ 134 Reformas do setor de educação para aumentar a eficiência e a equidade, e reduzir o custo fiscal ........................................................................................................................................ 136 Ensino fundamental e médio ............................................................................................... 136 Ensino superior .................................................................................................................... 137 Políticas de Apoio ao Setor Privado dão Retorno para a Sociedade? .................................. 139 Níveis de gastos com políticas de apoio às empresas ............................................................. 139 Eficiência e incidência de políticas de apoio às empresas ...................................................... 140 Reformas das políticas de apoio às empresas para aumentar a eficiência e reduzir o custo fiscal ........................................................................................................................................ 147 Referências................................................................................................................................. 151 6 Resumo Executivo 1. O Governo Brasileiro gasta mais do que pode e, além disso, gasta mal. Esta é a principal conclusão deste estudo, que analisa as raízes dos problemas fiscais recorrentes do Brasil e apresenta opções para sua solução. 2. Ao longo das duas últimas décadas, o Brasil observou um consistente aumento dos gastos públicos, o que agora coloca em risco a sustentabilidade fiscal. Nos últimos anos, o impacto do aumento constante dos gastos foi agravado pela queda das receitas resultante de uma profunda recessão e pelo crescimento dos gastos tributários. Essa combinação resultou em déficits fiscais anuais superiores a 8% do PIB em 2015-2016 e um aumento da dívida pública de 51,5% do PIB em 2012 para mais de 73% do PIB em 2017. O ajuste fiscal necessário para estabilizar a dívida pública no médio prazo é grande – cerca de 5% do PIB no resultado primário. Se o Brasil não conseguir reverter essa tendência, os resultados serão a perda de confiança dos investidores (nacionais e internacionais), a desvalorização da taxa de câmbio e o aumento da inflação, o que levaria o país de volta aos tempos críticos dos anos 1980 e início dos anos 1990. Além da estabilização fiscal, o Brasil precisa criar espaço fiscal adicional para aumentar o investimento em infraestrutura. O gasto público não é somente maior do que o Brasil pode pagar, mas também contribuí pouco para apoiar o crescimento, já que o investimento público foi quase completamente anulado nos últimos anos. 3. O limite constitucional de gastos ("teto de gastos") adotado em dezembro de 2016 introduziu uma trajetória de ajuste gradual para os gastos públicos ao longo dos próximos dez anos. Sua implementação exige a redução dos gastos em cerca de 0,6% do PIB ao ano em relação à tendência atual durante a próxima década. Isso corresponde a um corte cumulativo de quase 25% nas despesas primárias federais (em proporção do PIB), o que reduziria o orçamento federal (também proporcionalmente ao PIB) aos níveis do princípio da década de 2000. A identificação dessas oportunidades de economia será um grande desafio, pois a rigidez 7 orçamentária, os amplos gastos obrigatórios e os cortes orçamentários dos últimos anos já reduziram significativamente as despesas discricionárias. Em outras palavras, o "teto" somente poderá ser respeitado por meio de um rigoroso exercício de priorização. 4. Este estudo tenta demonstrar como tal priorização pode ser realizada de forma a proteger os mais pobres e vulneráveis e minimizar os impactos negativos sobre os empregos e a prestação de serviços públicos. Para tal, o estudo faz uma análise profunda dos programas existentes e das alocações de despesas e identifica as reformas que tornariam os gastos públicos mais eficazes, eficientes e equitativos. 5. A princípio, a redução dos gastos não é a única estratégia para restaurar o equilíbrio fiscal, mas é uma condição necessária. A outra alternativa seria, em vez de cortar seus gastos, o governo Brasileiro deveria aumentar suas receitas tributárias e reduzir os altos pagamentos de juros sobre sua dívida pública. Certamente, há escopo para aumentar a tributação dos grupos de alta renda (por exemplo, por meio de impostos sobre a renda, patrimônio ou ganhos de capital) e reduzir a dependência dos tributos indiretos, que sobrecarregam os mais pobres. Ganhos adicionais no equilíbrio fiscal poderiam ser obtidos por meio da redução das operações quase-fiscais realizadas por bancos públicos e da identificação de uma solução para os altos custos da gestão da dívida pública e das reservas internacionais. Tais medidas não são discutidas em detalhe neste relatório, mas deveriam fazer parte da estratégia de ajuste fiscal. No entanto, essas medidas adicionais não substituem o combate às causas fundamentais do aumento dos gastos públicos e a revisão das excessivas responsabilidades/obrigações associadas ao Estado brasileiro. Caso não consiga fazer isso, o Brasil inevitavelmente passará por outras crises fiscais e terá de implementar outros ajustes dolorosos no futuro. 6. A fonte mais importante de economia fiscal de longo prazo é a reforma previdenciária. Os grandes e crescentes déficits do sistema previdenciário constituem um fator- chave da pressão fiscal. É essencial ajustar o sistema previdenciário à realidade de rápida mudança demográfica e alinhá-lo a padrões internacionais. Além disso, o sistema previdenciário atual é injusto, pois 35% dos subsídios previdenciários (ou seja, o desequilíbrio entre contribuições e benefícios do sistema previdenciário) beneficiam os 20% mais ricos, ao passo que somente 18% dos subsídios beneficiam os 40% mais pobres da população. A aprovação da proposta de reforma em tramitação no Congresso seria um passo importante na direção de corrigir esse desequilíbrio. As projeções do Banco Mundial indicam que a reforma negociada no Congresso em maio de 2017 reduziria pela metade o déficit projetado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS, a previdência dos trabalhadores do setor privado) ao longo das próximas décadas – de 16% para 7,5% do PIB até 2067. Nos próximos dez anos, a reforma traria aproximadamente um terço da economia fiscal exigida pelo "teto de gastos" (atingindo 1.8% do PIB em 2026). A reforma é socialmente justa, pois reduziria principalmente os subsídios concedidos a trabalhadores que recebem acima de três salários mínimos. 7. Serão necessárias medidas adicionais para tornar o sistema previdenciário mais equitativo e sustentável financeiramente. Mesmo com a reforma, estima-se que grandes déficits previdenciários continuarão a existir. Ademais, a proposta não aborda suficientemente o déficit do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS, a previdência dos servidores públicos federais), que resulta de benefícios extremamente generosos – e altamente injustos – concedidos a servidores públicos contratados antes de 2003. Da mesma maneira, a reforma não resolve os déficits dos RPPSs subnacionais, que devem subir drasticamente ao longo dos próximos 5 ou 10 anos, à medida que muitos servidores públicos contratados antes de 2003 se aposentarem, pondo em risco 8 a solvência fiscal de muitos estados. Portanto, serão necessárias medidas adicionais para alinhar os benefícios do RGPS e do RPPS aos níveis das contribuições. 8. Para solucionar o déficit remanescente do RGPS, as seguintes medidas deveriam ser consideradas: - Reduzir ainda mais as taxas de reposição, pois mesmo com a adoção da reforma atual, as taxas de reposição ainda serão altas para padrões internacionais. A redução da taxa de reposição em 20 pontos percentuais adicionais reduziria o déficit do RGPS em 1,8% do PIB no médio prazo; - Desvincular o valor mínimo de aposentadoria do salário mínimo (e corrigi-la somente pelos aumentos do custo de vida) teria o impacto mais significativo na redução do déficit fiscal do que todas as medidas de políticas públicas. Manter a aposentadoria mínima constante em termos reais, geraria uma redução adicional no déficit do RGPS (urbano e rural) de até 0.5% do PIB em 2026 e chegando até 2.3% em 2067. 9. Os déficits do RPPS e a iniquidade do sistema previdenciário como um todo poderiam ser solucionados por meio da remoção dos privilégios concedidos aos servidores públicos contratados antes de 2003. Atualmente, tais servidores têm direito de um pacote previdenciário extremamente generoso, cujo valor é bem acima do que suas contribuições 1. O resultado é que, enquanto o RPPS pós-2003 irá se equilibrar no futuro, no curto prazo existe um grande déficit gerado pelo sistema pré-2003. Tal déficit pesará sobre os pagadores de impostos pelas próximas duas décadas. Em 2015 o custo estimado para os contribuintes foi de 1,2% do PIB no nível federal e mais 0,8% do PIB no nível subnacional. Como em sua maioria os servidores públicos pertencem ao grupo dos 40% mais ricos da população, seus benefícios previdenciários exigem uma enorme transferência dos contribuintes atuais, que na maioria é bem mais pobre que os beneficiados. Além disso, os benefícios pré-2003 também são uma generosa transferência das gerações mais jovens às mais velhas. Em outras palavras, há uma injustiça social inerente ao conceito de direitos adquiridos. Considerando a profundidade dos problemas fiscais brasileiros e a enormidade de seus déficits previdenciários atuais e previstos para o futuro, todas as gerações deveriam contribuir para o ajuste necessário. Isso poderia ser realizado, por exemplo, por meio da tributação dos rendimentos previdenciários dos atuais aposentados e pensionistas de alta renda 10. Uma reforma adicional a ser considerada seria o reconhecimento de que as aposentadorias rurais do RGPS e o BPC são, de fato, programas sociais. Portanto, a reforma deveria considerá-los como tal. Ambos esses sistemas previdenciários são, de facto, não contributivos, e seu objetivo é evitar que idosos caiam na pobreza. No entanto, diferentemente do programa Bolsa Família, que é bem direcionado aos mais pobres, as aposentadorias e pensões sociais não são bem focadas aos indivíduos pobres. Na verdade, 70% dos beneficiários do BPC e 76% dos beneficiários das aposentadorias rurais não pertencem ao grupo dos 40% mais pobres da população. Ademais, o nível dos benefícios concedidos por esses programas é muito mais alto que o de outros programas de assistência social – o benefício máximo concedido pelo Bolsa Família é cerca de um terço do que é concedido pelo BPC e pelas aposentadorias rurais. Uma reforma para consolidar as aposentadorias sociais com outros programas de assistência social (alinhando o foco 1 Por exemplo, no caso dos professores, o benefício líquido (aposentadoria prevista menos contribuições ao longo da vida) é equivalente a 300 salários mínimos para os que foram contratados antes de 2003, e cerca de 30 salários mínimos para os que foram contratados a partir daquele ano. 9 e o nível dos benefícios, conforme proposto abaixo) poderia gerar economias significativas por meio de um melhor direcionamento e, potencialmente, liberar recursos para necessidades sociais urgentes, tais como o acesso a saneamento básico, educação infantil e assistência aos idosos. 11. A massa salarial do funcionalismo público pode ser reduzida significativamente. Embora o funcionalismo público brasileiro não seja grande para padrões internacionais, o nível dos salários dos servidores públicos federais é, em média, 67% superior aos do setor privado, mesmo após levar em consideração o nível de educação e outras características dos trabalhadores como idade e experiência. Este prêmio salarial do setor público é atípico em relação a padrões internacionais. A remuneração dos servidores estaduais também é muito alta e, na média, é mais de 30% superior àquela oferecida a trabalhadores equivalentes no setor privado. Em termos relativos, o hiato salarial aparenta ser particularmente amplo nos poderes Judiciário e Legislativo, bem como nas ocupações de menor qualificação do Executivo. 12. A redução dos prêmios salariais excepcionalmente altos dos servidores públicos também seria desejável de um ponto de vista de equidade. A grande maioria (83%) dos servidores públicos federais integram o quintil mais rico da população. Estimativas sugerem que a redução pela metade do prêmio salarial em relação ao setor privado geraria uma economia equivalente a 0,9% do PIB. Isso sugere a necessidade de um estudo aprofundado para comparar as remunerações dos setores público e privado. No entanto, os dados disponíveis já são suficientes para recomendar a suspensão de reajustes nas remunerações do funcionalismo no curto prazo, enquanto se desenvolvem estudos mais detalhados sobre o valor adequado de remuneração das diversas carreiras públicas. 13. A melhora dos métodos de aquisições públicas de bens e serviços geraria economias em todos os níveis de governo Licitações públicas são um passo crítico na provisão de serviços públicos para a população, seja na saúde, educação, infraestrutura, etc. Uma análise das licitações públicas realizadas pelo Governo Federal durante os três anos de 2012-2014, cobrindo cerca de R$ 155 bilhões (ou 5% orçamento federal, em média) indica que o Governo Federal pode economizar entre R$ 24 bilhões e R$ 35 bilhões em três anos (ou um valor entre 0.15% e 0.20% do PIB anualmente; aproximadamente 1% do orçamento federal) via a introdução de estratégias customizadas para licitações públicas. O limite inferior (de R$ 24 bilhões) considera um cenário conservador baseado no desenvolvimento de estratégias melhores de compra para obter economias de escalar, maior competitividade, diversificação de ofertantes, minimizar o efeito da sazonalidade dos preços, entre outras estratégias que podem ser implementadas durante a fase de compras. O valor mais alto (de R$ 35 bilhões) corresponde a um cenário agressivo que exigiria também gerenciamento da demanda, para reduzir desperdício, para repor materiais e serviços, e para padronizar produtos de baixa complexidade. Todas as economias propostas não necessitam de modificações nas leis de licitação e contratos ou da elaboração de novas leis. Todas as propostas são baseadas unicamente em planejamento e estratégias de licitações, seguindo políticas já existentes. 14. As despesas com políticas de apoio às empresas cresceram rapidamente, atingindo 4,5% do PIB em 2015; porém, não há evidências de que os programas existentes tenham sido eficazes e eficientes em seu objetivo de impulsionar a produtividade e a geração sustentável de empregos. Pelo contrário, tais programas provavelmente tiveram consequências negativas para a concorrência e a produtividade no Brasil. Muitas das despesas não fazem parte do orçamento, pois derivam de isenções tributárias e do fornecimento de crédito subsidiado por meio de bancos públicos. Seria crucial fazer avaliações robustas desses programas para informar o debate público 10 e a reformulação das políticas. Análises preliminares indicam que talvez seja possível economizar (ou realocar) até 2% do PIB do orçamento federal ao longo da próxima década por meio da eliminação (ou reformulação) dos programas menos eficientes: - O maior programa da área – o SIMPLES – equivale a cerca de 1,2% do PIB em perdas de receitas tributárias. Seria benéfico reformar esse programa para torná-lo menos custoso e mais eficaz no que diz respeito ao estímulo à formalização, ao rápido crescimento das empresas mais produtivas e ao aumento da geração de empregos. - Propostas do governo para reduzir isenções na folha de pagamento (a Desoneração da Folha) gerariam uma economia equivalente a até 0,4% do PIB. Vários estudos indicam que esse programa teve pouco ou nenhum impacto na geração de empregos e que o custo das poucas vagas de emprego criada (ou protegida) foi muito alto – superior ao triplo do salário pago ao trabalhador. - O programa Inovar-Auto não parece ser eficaz, custa muito aos consumidores internos e viola princípios da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ele deveria ser extinto ou, no mínimo reformado, caso em que deveria vincular o apoio a metas de exportação e dar mais atenção aos fornecedores (em vez de manter o foco na montagem final realizada por grandes empresas do setor automotivo). Isso geraria muitos benefícios para os consumidores e uma possível economia fiscal adicional de 0,03% do PIB. - As isenções tributárias fornecidas à Zona Franca de Manaus, que custam o equivalente a 0,38% do PIB, também parecem ser ineficazes e deveriam ser pelo menos reformuladas, para que efetivamente contribuam para a economia local. - Alguma economia já vem sendo realizada em relação ao crédito subsidiado desde que o Programa de Sustentação do Investimento (PSI) foi eliminado em 2015. Vários estudos indicam que o PSI teve pouco impacto no apoio ao crescimento do investimento e da produtividade. Pelo contrário, o programa parece ter introduzido distorções, pois beneficiou principalmente empresas mais antigas e pouco produtivas. Os custos do PSI (associados a empréstimos existentes a juros subsidiados) continuarão a representar um peso para as finanças públicas por muitos anos – estima-se que o custo seja de aproximadamente 0,4% do PIB em 2018, e que se reduza a 0,1% do PIB até 2026. 15. Os programas de proteção social e emprego também se beneficiariam de reformas que introduzissem incentivos mais bem alinhados e mantivessem o foco nos grupos populacionais mais vulneráveis. O sistema brasileiro de proteção social engloba a gama quase total dos programas oferecidos em países de alta renda para ajudar as famílias a lidar com riscos ao longo do ciclo de vida. Entretanto, nossa análise concluiu que resultados semelhantes ou até melhores poderiam ser atingidos com menos gastos: muitos programas com funções semelhantes são implementados isoladamente, o que resulta em milhões de famílias aptas a receberem múltiplos benefícios. Uma melhor coordenação das políticas e uma maior integração das funções de gestão e prestação de serviços poderiam reduzir as sobreposições, economizar recursos e realinhar os incentivos para aumentar a produtividade da força de trabalho. A recomendação geral é reformular e integrar os programas de proteção social (programas de apoio ao mercado do trabalho, assistência social e aposentadorias sociais) em um sistema coerente que faça melhor uso da capacidade brasileira de identificar famílias carentes e, assim, obter economias fiscais. O estudo recomenda a reformulação de todos os programas sociais em três partes complementares, o que geraria uma economia de até 1,3% do PIB ao longo da próxima década: 11 (a) Assistência social consolidada: Isso implicaria a reformulação e integração de todos os benefícios não contributivos de transferência de renda – incluindo pensões e aposentadorias de cunho social (BPC e rural), assistência social e Salário-Família – em um programa consolidado desenhado de acordo com as melhores práticas de países da OCDE. Com base no bom desempenho do programa Bolsa Família, um benefício consolidado de assistência social poderia garantir gastos progressivos, critérios de elegibilidade internamente coerentes e regras de recebimento de benefícios compatíveis com os incentivos, de forma a estimular a participação no mercado de trabalho formal. No âmbito de tal programa, todos os indivíduos em situação de pobreza estariam aptos a receber não mais de uma transferência condicionada à renda. A economia fiscal potencial dependeria dos níveis de elegibilidade e benefícios (e da capacidade do governo de detectar erros por meio da garantia da interoperabilidade dos dados administrativos), mas poderia chegar a aproximadamente 0,7% do PIB sem aumento da taxa de pobreza. Uma medida de curto prazo compatível com tal objetivo de reforma mais ampla seria a transformação do Salário-Família em um benefício condicionado à renda em nível de domicílio (beneficiando-se da capacidade do Cadastro Único) a fim de incentivar os beneficiários do Bolsa Família a migrarem para empregos formais. Embora isso não gere economias fiscais no curto prazo, os efeitos positivos esperados sobre a oferta de mão de obra e a produtividade dos trabalhadores formais gerariam benefícios sociais e econômicos de longo prazo. (b) Subsídios salariais dirigidos: O Abono Salarial poderia ser transformado em um verdadeiro subsídio salarial pago ao empregador como um incentivo à contratação de (i) indivíduos desempregados há muito tempo, ou (ii) pessoas em busca de um primeiro emprego no mercado de trabalho formal (em sua maioria, jovens). Essa reforma reduziria o número de beneficiários de subsídios salariais. Parte da poupança fiscal pode ser reinvestida para outros programas do mercado de trabalho ativo que atualmente são insuficientemente financiados, como programas de treinamento e intermediação de mercado de trabalho que são mais efetivos para melhorar o pareamento (entre trabalhadores e empregos) e, assim, a produtividade. No geral, nenhuma economia fiscal significativa é esperada dessa medida. No entanto, os recursos seriam gastos de maneira mais eficaz e seriam dirigidos aos trabalhadores mais vulneráveis. Além disso, a reforma aumentaria a capacidade do Brasil de fornecer serviços de intermediação com o mercado de trabalho e apoio à busca de emprego, o que resultaria em ganhos de produtividade gerados pelo uso da mão de obra ociosa. (c) Apoio integrado de renda para os desempregados: A integração do FGTS e do Seguro- Desemprego em um conjunto sequencial de instrumentos de apoio à renda para indivíduos em busca de emprego poderia reduzir em mais de 95% as despesas públicas com o Seguro- Desemprego. Com base em melhores práticas internacionais, os desempregados teriam acesso ao Seguro-Desemprego somente após o esgotamento de seus saldos de FGTS, ao passo que os pagamentos de tal fundo seriam limitados a um valor máximo mensal que fosse alinhado a taxas razoáveis de reposição (por exemplo, 70%) do último salário. Tal reforma também geraria o espaço fiscal necessário para aumentar o período máximo de pagamento do seguro-desemprego (por exemplo, até 7 meses) para a minoria de trabalhadores que realmente necessita do benefício, principalmente durante períodos de crise econômica. A reforma também eliminaria muitos dos riscos morais que atualmente levam a excessiva rotatividade da mão de obra, que resultam da interação dos dois programas. A elevação da remuneração do saldo do FGTS para taxas de mercado deveria fazer parte dessa reforma. A reforma estimularia o emprego e geraria economias fiscais de aproximadamente 0,6% do 12 PIB. Além disso as multas rescisórias pagas pelos empregadores poderiam ser usadas para aumentar o fundo de intermediação com o mercado de trabalho e melhorar os serviços de apoio à busca de emprego. 16. As despesas públicas com ensino fundamental e médio apresentam ineficiências significativas, e o mesmo nível de serviços poderia ser prestado gastando 1% a menos do PIB em nível local. Uma análise de eficiência intermunicipal demonstra que o desempenho atual dos serviços de educação poderia ser mantido com 37% menos recursos no Ensino Fundamental e 47% menos recursos no Ensino Médio. Isso corresponde a uma economia de aproximadamente 1% do PIB. As baixas razões aluno/professor representam a principal causa de ineficiência (39% da ineficiência total). O aumento do número de alunos por professor em 33% no Ensino Fundamental e 41% no Ensino Médio economizaria R$ 22 bilhões (0,3% do PIB) por ano. Isso poderia ser realizado simplesmente ao permitir o declínio natural do número de professores, sem substituir todos os profissionais que se aposentarem no futuro, até se atingir a razão eficiente aluno/professor. Outras melhorias poderiam ser obtidas por meio da redução do absenteísmo dos professores e do aumento do tempo empregado para atividades de ensino. Embora a redução das ineficiências gere economias agregadas, a análise também demonstra que, para alguns municípios, grandes ganhos de qualidade poderiam ser atingidos com pequenos aumentos de gastos, ao passo que, em muitos outros, mais gastos simplesmente levariam a mais desperdício. 17. A vinculação constitucional dos gastos em educação a 25 por cento das receitas dos municípios pode ser uma das principais causas da ineficiência dos gastos. Municípios mais ricos, com uma alta taxa de receita corrente liquida por aluno, tendem a ser bem menos eficientes que municípios mais pobres. Logo, é provável que para cumprir as regras constitucionais, muitos municípios ricos sejam obrigados a gastar em itens que não necessariamente ampliem o aprendizado. Isso é ainda mais preocupante dada a drástica transição demográfica pela qual o país está passando. Com a rápida queda da taxa de fertilidade para menos de 1.8, o número de alunos vem caindo rapidamente em muitos municípios, principalmente no Ensino Fundamental. Dado que essa queda do número de alunos não está necessariamente associada a uma queda das receitas correntes liquidas, isso implica que para cumprir a lei, muitos municípios são obrigados a gastar mais e mais por aluno, mesmo que esse gasto adicional não seja necessário. Se este gasto adicional por aluno não resulta em maior aprendizado, isso explicaria a maior ineficiência de municípios mais ricos. 18. As despesas com ensino superior são, ao mesmo tempo, ineficientes e regressivas. Uma reforma do sistema poderia economizar 0,5% do PIB do orçamento federal. O Governo Federal gasta aproximadamente 0,7% do PIB com universidades federais. A análise de eficiência indica que aproximadamente um quarto desse dinheiro é desperdiçada. Isso também se reflete no fato que os níveis de gastos por aluno nas universidades públicas são de duas a cinco vezes maior que o gasto por aluno em universidade privadas. A limitação do financiamento a cada universidade com base no número de estudantes geraria uma economia de aproximadamente 0,3% do PIB. Além disso, embora os estudantes de universidades federais não paguem por sua educação, mais de 65% deles pertencem aos 40% mais ricos da população. Portanto, as despesas com universidades federais equivalem a um subsídio regressivo à parcela mais rica da população brasileira. Uma vez que diplomas universitários geram altos retornos pessoais (em termos de salários mais altos), a maioria dos países cobra pelo ensino fornecido em universidades públicas e oferece empréstimos públicos que podem ser pagos com os salários futuros dos estudantes. O Brasil já fornece esse tipo de financiamento para que estudantes possam frequentar universidades 13 particulares no âmbito do programa FIES. Não existe um motivo claro que impeça a adoção do mesmo modelo para as universidades públicas. A extensão do FIES às universidades federais poderia ser combinada ao fornecimento de bolsas de estudo gratuitas a estudantes dos 40% mais pobres da população (atualmente, 20% de todos os estudantes das universidades federais e 16% de todos os estudantes universitários no país), por meio da expansão do programa PROUNI. Todas essas reformas juntamente melhorariam a equidade e economizariam pelo menos 0,5% do PIB do orçamento federal. 19. No sector da saúde, cerca de 0,3% do PIB poderia ser economizado através de melhorias de eficiência a nível local, mantendo o mesmo nível de serviços de saúde, e mais 0,3% com o fim dos créditos tributários do IRPF para despesas privadas com saúde. Ao comparar os níveis de eficiência dos municípios, a análise deste estudo identifica possíveis ganhos de eficiência de 37% no atendimento primário (uma economia potencial de R$ 9 bilhões) e 71% nos serviços secundários e terciários (uma economia adicional potencial de R$ 12 bilhões). Em total, isso poderia gerar uma economia potencial de 0,3% do PIB. A ineficiência resulta principalmente da fragmentação do sistema público de saúde, especialmente do alto número de pequenos hospitais, o que impede economias de escala na prestação de serviços. Também foram identificadas carências relativas à integração dos sistemas e insuficiência de incentivos oferecidos a prestadores e pacientes para a escolha do tratamento mais eficaz em relação ao custo. Muito poderia ser ganho, por exemplo, por meio da identificação e tratamento de doenças não transmissíveis antes que se tornem casos hospitalares. Além disso, os gastos tributários são grandes e altamente regressivos. Em particular, os gastos tributários do IRPF poderiam ser eliminados para gerar ganhos de receita equivalentes a 0,3% do PIB. Melhorar a eficiência nos serviços de saúde será importantíssimo para garantir que o setor possa absorver os aumentos previstos dos custos associados a alterações demográficas. 20. Em síntese, com base em uma análise aprofundada de políticas setoriais, este estudo identifica pelo menos 7% do PIB em potenciais economias fiscais em nível federal até 2026 (Tabela 1). Isso inclui 1,8% do PIB resultante da proposta de reforma previdenciária (negociada no Congresso em maio de 2017); 0,9% do PIB em reduções na massa salarial dos servidores públicos; 0,2% do PIB em ganhos de eficiência em aquisições públicas; 1,3% do PIB resultantes da racionalização dos programas de assistência social e de apoio ao mercado do trabalho; 2% do PIB em reduções nos créditos subsidiados e nos gastos tributários de apoio às empresas; 0,3% do PIB por meio da eliminação de créditos tributários para a saúde; 0,5% do PIB em reformas no financiamento do ensino superior; além de 1,3% do PIB resultante de reformas para melhorar a eficiência nos setores de saúde e educação (embora essa economia beneficie os governos subnacionais). Com base nos dados disponíveis, pudemos quantificar as economias potenciais geradas pela implementação de reformas selecionadas de políticas públicas. No entanto, esses resultados não são exaustivos. Essas economias podem apoiar a consolidação fiscal ou serem realocadas (no mesmo setor, ou entre setores diferentes). 21. As economias identificadas neste estudo exigirão alterações das atuais regras e rigidezes orçamentárias. As reformas descritas neste relatório supõem que tais regras e arranjos institucionais possam ser alterados. Na verdade, a menos que tais mudanças ocorram, o Brasil não conseguirá observar o teto de gastos e superar os riscos associados à incipiente recuperação atual, retornando, ao invés disso, a uma crise fiscal e macroeconômica. Algumas das medidas propostas podem ser atingidas sem mudanças na legislação, ao passo que outras exigiriam reformas mais 14 complexas e abrangentes. Todas elas são viáveis no médio prazo, mas algumas podem exigir estudos técnicos adicionais para definir detalhes e sequenciar sua implementação. 22. Por fim, além do atual ajuste fiscal, a melhoria da qualidade das despesas públicas exige a institucionalização de um sistema regular e rigoroso de monitoramento e avaliação das políticas públicas. O monitoramento deve manter seu foco nos resultados e vincular tais resultados aos insumos orçamentários. A avaliação pode fornecer dados para subsidiar a escolha das soluções mais eficazes para que as políticas públicas atinjam seus objetivos e, assim, orientar as decisões sobre quais programas devem ser suspensos, mantidos ou expandidos. A avaliação da eficiência de gastos não pode ser um exercício único, mas deve se tornar um processo institucionalizado que oriente a formulação de políticas públicas. Muitos países adotaram um arcabouço institucional que permite a triagem ex ante de novas propostas de programas, bem como o monitoramento e avaliação regulares dos programas existentes (ver Boueri Miranda et al., 2015). Além do arcabouço institucional, o monitoramento e avaliação regulares da eficiência dos gastos exigirão uma maior disponibilidade de dados administrativos. Atualmente, as restrições de acesso a informações, especialmente em relação aos gastos tributários (do Ministério da Fazenda) e à incidência de programas sociais (do IBGE e do Ministério do Desenvolvimento Social), limitam a disponibilidade dos dados rigorosos necessários para tomar decisões bem embasadas. Permitir que pesquisadores de fora do governo tenham acesso a tais dados – como é prática comum na maioria dos países da OCDE – poderia aumentar a credibilidade e a busca de eficiência. 15 Tabela 1: Resumo das opções de políticas públicas e seu impacto na eficiência, equidade e potencial economia fiscal Setor Medidas Eficiência Equidade Economia potencial até 2026 (% do PIB) Previdência Reforma do sistema previdenciário (conforme + + 1,8% negociada no Congresso em maio de 2017) Massa salarial Diminuição pela metade do prêmio salarial dos + + 0,9% dos servidores servidores públicos federais em relação ao setor públicos privado Aquisições Otimização dos procedimentos para bens e + Neutro Até 0,2% Públicas serviços selecionados Assistência Social Novo programa integrado de assistência social + + Até 0,7% (fusão do BPC, da aposentadoria rural e do Salário- Família com o Bolsa Família). Mercados de Reforma do Abono Salarial e do Salário-Família + Neutro 0,01% Trabalho Reforma do FGTS e do Seguro-Desemprego + + 0,6% Melhoria da eficiência dos profissionais de saúde + Neutro 0,09% Expansão da cobertura da atenção primária à + + 0,03% saúde (de 65% para 100%) Saúde Melhoria da integração entre atenção básica e + Neutro 0,12% avançada Melhoria da eficiência hospitalar + Neutro 0,05% Remoção dos subsídios tributários federais para + + 0,33% seguros privados de saúde Educação Eliminação da ineficiência no ensino fundamental + Neutro 0,5% em nível municipal Eliminação da ineficiência no ensino fundamental + Neutro 0,3% em nível estadual Eliminação da ineficiência no ensino médio em + Neutro 0,2% nível estadual Ensino superior federal + + 0,5% Programas para o Reforma do SIMPLES (idealmente como parte de + Incerto Até 1,2% desenvolvimento uma reforma tributária mais ampla) do setor privado Eliminação da Desoneração da Folha + Incerto 0,4% Reforma do Inovar-Auto + Incerto 0.03% Reforma da Zona Franca de Manaus (para uma + Incerto Até 0,4% alternativa menos distorciva e menos custosa) Economia total nas despesas subnacionais 1,29% Economia total nos gastos tributários federais 2,33% Economia total nas despesas federais 4,74% Total 8,36% Fonte: Estimativas da equipe do Banco Mundial 16 Introdução 1. O Governo Brasileiro gasta mais do que pode e, além disso, gasta mal. Os déficits fiscais brasileiros são altos e a dívida pública do país encontra-se em uma trajetória insustentável. As despesas públicas correntes vêm crescendo regularmente ao longo das duas últimas décadas, e dados demonstram que a maior parte de tais despesas é ineficiente e regressiva. Esta Revisão das Despesas Públicas (PER, na sigla em inglês) analisa as raízes dos desafios fiscais brasileiros e oferece recomendações para solucioná-los. 2 2. Este estudo mantém seu foco principal no orçamento federal, mas também trata de aspectos específicos das finanças subnacionais. O arcabouço intergovernamental do Brasil consiste em três níveis administrativos: Governo Federal, Estados e Municípios. A Constituição determina a alocação de poderes tributários, responsabilidades por despesas e mecanismos de repasse entre os níveis de governo. A política fiscal federal afeta as finanças dos governos subnacionais, que, por sua vez, constituem um risco fiscal significativo para o Governo Federal. 3 Enquanto esse relatório olha para aspectos específicos das finanças públicas dos entes subnacionais, particularmente com relação às aposentadorias e aos gastos com saúde e educação, o enfoque principal é o nível federal. O orçamento federal é responsável por cerca de 60% do gasto total do governo no Brasil. Além disso, ele determina uma proporção significante dos gastos obrigatórios dos entes subnacionais via legislação federal. 3. O Brasil enfrenta uma crise de sustentabilidade fiscal causada por uma tendência estrutural de aumentar as despesas correntes. Embora o aumento das despesas correntes tenha se mantido constante ao longo das duas últimas décadas, sua insustentabilidade foi ocultada pelo aumento contínuo das receitas durante o período de boom econômico entre 2004 e 2010. Contudo, fora desse período, o aumento das despesas não foi acompanhado por um crescimento suficiente das receitas. Nos últimos anos, o déficit fiscal cresceu drasticamente como resultado da queda significativa das receitas causada pela recessão econômica. Essa dinâmica resultou em déficits fiscais anuais de mais de 8% do PIB em 2015-2106, bem como no crescimento da dívida pública, que passou de 51,5% do PIB em 2012 para mais de 73% do PIB em 2017 4. O ajuste fiscal 2 Esse relatório será publicado em dois volumes. O presente Volume I resume os resultados de uma série de estudos específicos para cada uma das 9 áreas abrangidas. Esses estudos serão publicados na íntegra no Volume II. 3 Os estados e municípios são responsáveis pelo fornecimento e pelos custos dos serviços de educação, saúde e segurança pública, bem como pelos salários e aposentadorias pertinentes a tais serviços. No entanto, regras federais sobre previdência, saúde e educação regem a maior parte das despesas subnacionais. Um bom exemplo disso é o piso salarial dos professores, que é estabelecido anualmente pelo Governo Federal e obriga todos os estados a pagarem aos professores em seus sistemas públicos um valor mínimo ajustado anualmente, sem que o Governo Federal lhes forneça os recursos para tal. Políticas tributárias federais, tais como as isenções tributárias concedidas entre 2011 e 2014, também geram consequências para as finanças subnacionais, pois tais tributos são sujeitos a programas de compartilhamento de receitas. Consequentemente, as isenções concedidas pelo Governo Federal reduzem os repasses orçamentários para os governos subnacionais. Por outro lado, os riscos de insolvência dos governos subnacionais (como, por exemplo, a atual crise fiscal no estado do Rio de Janeiro) representam um passivo contingente para o Governo Federal, pois os estados podem se tornar inadimplentes em sua dívida com o Governo Federal, ou demandar resgates financeiros para que não interrompam serviços essenciais, tais como policiamento, hospitais e escolas. 4 Os dados fiscais utilizados neste estudo seguem a metodologia de Estatísticas de Finanças Públicas (GFS) de 2014 e podem diferir levemente dos dados publicados pelo governo brasileiro, que adotam a metodologia GFS de 2001. 17 necessário para estabilizar a dívida pública no médio prazo é grande – cerca de 5% do PIB no resultado primário. 4. A PER é baseada no Novo Regime Fiscal aprovado por meio da Emenda Constitucional n° 95 de dezembro de 2016, que introduziu um teto para o crescimento das despesas primárias federais ao longo dos próximos 20 anos. A adoção desse teto de gastos representa a estratégia do governo para atingir o ajuste fiscal necessário. Este relatório mantém seu foco em recomendações que permitiriam ao governo cumprir a meta do teto de gastos. É importante notar, no entanto, que passos complementares adicionais podem e devem ser considerados como parte de uma estratégia de ajuste fiscal equilibrada, tanto em termos de receitas quanto em relação ao controle dos gastos "abaixo da linha" 5. Todavia, tais medidas adicionais não são discutidas em profundidade neste relatório. 5. O cumprimento do novo teto de gastos será um desafio, o que evidencia a importância de elaborar (e implementar) um programa de reformas fiscais. Para compreender a extensão do ajuste necessário ao longo da próxima década para cumprir a meta do teto, vale ressaltar que uma redução equivalente a 5% do PIB nos gastos federais reduziria de um quarto as despesas primárias federais em proporção ao PIB, restituindo-as aos níveis do princípio da década de 2000. Isso será muito desafiador no contexto da ampla rigidez orçamentária e das crescentes pressões de gastos relacionadas ao rápido envelhecimento da população. Além disso, o teto não garante a qualidade do ajuste fiscal. A extensão do ajuste fiscal necessário ressalta a necessidade de avaliar cuidadosamente quais despesas podem ser reduzidas sem prejudicar os mais pobres e o crescimento econômico futuro. A análise deste relatório visa a subsidiar esse debate. 6. Ajustes fiscais anteriores foram, em geral, prejudiciais aos mais pobres – é fundamental que os esforços futuros mitiguem esse risco. Logo, esta PER analisa detalhadamente quais despesas fornecem serviços públicos essenciais e proteção aos mais pobres e vulneráveis, e quais despesas beneficiam principalmente os mais ricos. Cobrindo a maioria das áreas-chave de despesas públicas, este relatório demonstra como as reformas em diversas áreas podem gerar economias e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade dos serviços públicos e a equidade. As recomendações não representam soluções milagrosas; elas são pontos de partida para a elaboração de reformas amplas que permitirão ao Brasil conduzir o ajuste fiscal necessário minimizando os impactos negativos para os mais pobres. 7. Este relatório consiste em nove capítulos. O primeiro capítulo ilustra a extensão do amplo desafio fiscal que o Brasil enfrenta. O capítulo examina as tendências de receitas e despesas, oferece projeções da dívida pública e apresenta uma avaliação dos passivos contingentes. Ele analisa importantes questões fiscais transversais, como rigidezes de despesas, desafios de receitas e áreas onde melhorar as normas fiscais. Ele não debate maneiras de fortalecer o processo orçamentário e o Marco Fiscal de Médio Prazo (MFMP), pois essa é uma área na qual o FMI já fornece assessoria técnica (FMI, 2017). 8. Os oito capítulos seguintes concentram-se no escopo dos ganhos de eficiência e equidade, e nas potenciais economias fiscais em áreas específicas. O capítulo sobre previdência 5 O termo “abaixo da linha" refere-se aos custos resultantes de necessidades de financiamento do governo, às medidas relativas à capitalização de empresas estatais (inclusive bancos públicos) e aos custos relacionados a operações do Banco Central. 18 avalia o regime previdenciário dos servidores públicos e dos trabalhadores do setor privado com base em um contexto internacional, analisando a sustentabilidade e a equidade do sistema. Ele também avalia os impactos fiscais e de equidade esperados da proposta de reforma atualmente em discussão no Congresso. O capítulo sobre a massa salarial do setor público avalia a remuneração dos servidores públicos federais em comparação a padrões nacionais e internacionais. O capítulo sobre aquisições públicas explora a possibilidade de otimizar as estratégias de compras e a gestão Quadro 1: Ajuste fiscal, crescimento e equidade no Brasil. Tradicionalmente, ajuste fiscal no Brasil está associado à uma redução de bem-estar para pessoas comuns. No entanto, como esse relatório analisa em detalhes, a necessidade urgente de se abordar os desequilíbrios fiscais do Brasil oferece uma oportunidade de se corrigir vieses estruturais de longos prazo que têm prejudicado o crescimento econômico, gerado “rent seeking” e corrupção, e cimentado desigualdades econômicas. Pode-se destacar quatro áreas em particular que vinculam diretamente ajuste fiscal com crescimento econômico mais sustentável e mais socialmente inclusivo: A necessidade de consolidação fiscal oferece uma oportunidade única para realizar importantes reformas estruturais, fiscais e setoriais. Tais reformas podem garantir o crescimento econômico futuro do Brasil, melhorar o acesso e a qualidade da prestação de serviços e impulsionar a redução da pobreza. Quatro aspectos das reformas determinarão o futuro do Brasil: • Recuperação da sustentabilidade fiscal e reconstrução de proteções fiscais. Isso inclui o tratamento das causas fundamentais das pressões fiscais, permitindo a redução das taxas de juros reais; a estabilização da dívida pública e sua colocação em uma trajetória decrescente; a reconstrução de proteções fiscais; e a mitigação dos riscos de passivos contingentes. A reforma do sistema de previdência pública é fundamental para conter as pressões de gastos e restaurar a sustentabilidade fiscal de longo prazo. A racionalização da folha de pagamento do setor público também é importante devido ao seu tamanho no âmbito do orçamento federal. • Prestação mais eficiente de serviços públicos. O Brasil poderia melhorar o volume e a qualidade dos serviços públicos por meio do uso mais eficiente dos recursos atuais. A eliminação de ineficiências criaria um espaço adicional para lidar com pressões de despesas futuras e gerar recursos que possam ser realocados para programas que demonstrem impactos positivos. Em particular, em áreas prioritárias como saúde e educação, as ineficiências das despesas significam que resultados iguais ou melhores poderiam ser obtidos com menos recursos. • Reformulação das políticas de apoio às empresas para fomentar investimento, emprego e aumento da produtividade. As projeções atuais indicam que o crescimento permanecerá tímido no médio prazo, o que exige que o Brasil impulsione o aumento da produtividade e, ao mesmo tempo, gere ganhos de eficiência em sua estrutura fiscal. O Brasil gasta somas significativas para apoiar o setor privado, com pouco impacto sobre a produtividade e a geração de empregos. Se direcionar os gastos atuais com subsídios ineficientes ao financiamento de melhorias na infraestrutura ou a intervenções que visem ao fomento da inovação e à adoção de tecnologias, o Brasil poderia construir os alicerces para a recuperação de taxas de crescimento mais altas e sustentáveis e para a criação de empregos de qualidade. • Aumento da equidade nas despesas públicas e na tributação. A incidência de despesas primárias federais é muito heterogênea. Atualmente, o Brasil gasta somas significativas com programas públicos que são ineficazes em relação ao cumprimento de seus objetivos e beneficiam principalmente os mais ricos. Embora alguns programas desempenhem um papel importante na redução da pobreza, outros são regressivos. Portanto, um ajuste fiscal bem elaborado não precisaria reduzir o apoio aos mais pobres e vulneráveis; ele poderia até aumentar a equidade por meio da redução de gastos regressivos e do aumento da progressividade da tributação. 19 da demanda com o objetivo de reduzir o custo das aquisições públicas de bens e serviços. Os cinco capítulos finais avaliam o escopo para ganhos de eficiência e potenciais economias fiscais em setores selecionados: políticas para o desenvolvimento do setor privado; programas de assistência social; programas para o mercado de trabalho; educação; e saúde. 9. Juntas, essas oito áreas representam mais de 80% das despesas primárias do Governo Federal e a maior parte do crescimento das despesas primárias nos últimos 15 anos, além de cobrir uma parcela significativa da prestação de serviços públicos. O relatório utiliza uma variedade de abordagens metodológicas com o objetivo de identificar economias potenciais e ganhos de eficiência técnicas e alocativas. Por exemplo, parte da análise dos programas de assistência social e mercado de trabalho é baseada em uma análise de incidência e cobre vários programas que permitem inferir o escopo para ganhos de eficiência e equidade. A análise dos gastos públicos com educação e saúde é baseada em curvas de produtividade que permitem inferir o escopo para ganhos de eficiência. O capítulo sobre políticas de apoio às empresas é baseado em vários estudos que avaliam os custos e a eficácia de programas específicos. 20 Desafios para a Sustentabilidade Fiscal no Brasil O Brasil precisa realizar reformas profundas e abrangentes em suas políticas de tributos e despesas para que consiga cumprir a nova regra de gastos. O ajuste de 6% exigido ao longo de uma década corresponde a 25% do orçamento federal. Isso é, por si só, um grande desafio, que é exacerbado pelo fato de mais de 90% do orçamento ser rígido. A remoção de alguns programas e a introdução de reformas marginais não serão suficientes. Além disso, atualmente a política fiscal tem pouco impacto na redução da desigualdade e da pobreza em relação ao volume dos gastos públicos. É necessário desenvolver um plano abrangente para maximizar a qualidade (em termos de eficiência e equidade) do ajuste fiscal e remover rigidezes orçamentárias. Sustentabilidade e tendências fiscais 10. O equilíbrio fiscal brasileiro tem se deteriorado drasticamente nos últimos anos, o que evidencia a insustentabilidade das tendências fiscais. Em relação a outros países latino- americanos, o Brasil possui uma alta carga tributária e grandes gastos sociais. O rápido crescimento das receitas durante os anos 2000 camuflou um aumento igualmente rápido das despesas, impulsionado por fatores estruturais. Quando as receitas pararam de crescer e começaram a cair (embora as despesas continuassem em alta), o saldo primário declinou de um superávit médio de 2,9% do PIB entre 2004 e 2013 para um déficit de mais de 2% do PIB em 2015 e 2016. O déficit nominal superou 8% do PIB em 2015 e 2016. Como resultado, a dívida pública bruta do governo geral cresceu de 51,5% do PIB em 2013 para mais de 73% do PIB em 2017. Embora a receita decrescente e as altas taxas de juros entre 2014 e 2016 tenham influenciado esse resultado, o rápido crescimento das despesas primárias foi o motivador estrutural da deterioração fiscal. Sem reformas, a expansão dos gastos primários resultará em déficit estrutural ainda maior no futuro. Para reverter essa tendência, é necessário um ajuste fiscal de cerca de 5% do PIB para atingir um saldo primário de cerca de 2% do PIB, capaz de estabilizar a dívida. 21 11. O principal fator de pressão fiscal é o crescimento das despesas primárias obrigatórias, embora os custos dos juros da dívida também tenham contribuído6. As despesas primárias cresceram, em média, 6,5% ao ano em termos reais entre 2006 e 2014, antes de cair levemente em 2015. Mais de metade do aumento das despesas primárias deveu-se ao crescimento dos programas sociais (53%), principalmente com gasto em previdência (no âmbito dos três principais programas previdenciários públicos – RGPS, RPPS e BPC) 7. Os repasses a outros níveis de governo também contribuíram (35%). O Governo Federal mais que dobrou suas despesas com educação em termos reais entre 2006 e 2014, embora tais gastos permaneçam moderados (1,3% do PIB), pois a maior parte das despesas com educação ocorre nas esferas estadual e municipal. 12. Embora os custos dos juros e outras operações “abaixo da linha” sejam muito altos no Brasil, seria errado concentrar a estratégia de ajuste fiscal nesses custos. Além dos déficits primários, a grande conta de juros da dívida brasileira contribuiu para o aumento do déficit fiscal nominal. O custo dos juros cresceu moderadamente entre 2006 e 2014 (de 6,4% para 7,4% do PIB). No entanto, quando as taxas de juros superaram 14%, o gasto com juros saltou para 8,7% do PIB em 2015, impulsionando a deterioração do déficit fiscal nominal naquele ano. De fato, os pagamentos de juros desempenharam um papel importante no desequilíbrio fiscal brasileiro, representando 62% do aumento do déficit nominal entre 2011-2014 e 2015-2016. Todavia, atribuir demasiada importância às contas "abaixo da linha" é um equívoco do ponto de vista de política econômica. Na verdade, é importante distinguir o cálculo da contribuição de cada componente para o resultado fiscal (que é simplesmente um exercício contábil) da avaliação das fontes de desequilíbrio fiscal. De um ponto de vista de política fiscal, a despesa em serviço da dívida é geralmente considerada endógena, pois ela é determinada pelo estoque da dívida (acumulação de déficits passados) e a taxa de juros que, por sua vez, é determinada nos mercados financeiros, influenciada entre outros fatores pela orientação da política monetária e da absorção de poupança agregada, através de déficits fiscais e o prêmio de risco da dívida pública. Seria incorreto, portanto, buscar solucionar o desequilíbrio fiscal a partir dos custos "abaixo da linha". Em vez disso, a política do governo deveria manter seu foco na redução do déficit primário (que, por sua vez, permitiria a redução das taxas de juros, dos pagamentos de juros e do déficit nominal) 8. 6 Almeida, Lisboa e Pessoa (2015) destacam a natureza de longa data dos desafios fiscais estruturais enfrentados pelo Brasil e a economia política que impede reformas significativas. Seus cálculos indicam que, impulsionadas pelos custos de seguridade social, as despesas do Governo Federal com programas e setores sociais aumentaram regularmente em cerca de 0,39% do PIB ao ano entre 1991 e 2014. A insustentabilidade dessas tendências tornou-se evidente devido à profunda recessão observada recentemente. Embora as receitas sejam cíclicas e tenham diminuído durante a recessão, as despesas são rígidas e continuaram a crescer, impulsionadas pelos compromissos sociais garantidos pela Constituição, especialmente os generosos benefícios previdenciários. 7 As políticas de transferência de renda a indivíduos, tais como aposentadoria e pensões, transferências condicionais de renda e benefícios de desemprego compõem a maior parte dos gastos primários do Governo Federal. Em 2015, três funções (aposentadoria, assistência social e trabalho) representam 55% das despesas primárias do Governo Federal. Quase tudo isso é gasto na forma de transferências de renda a indivíduos por meio de uma série de programas dirigidos a objetivos sociais e grupos populacionais distintos. 8 Conforme descrito em World Bank (2017a), isso deriva da interação entre as políticas fiscais e monetárias. Em países com uma posição fiscal estrutural frágil, qualquer tentativa de baixar os juros e, assim, reduzir o ônus de financiamento da dívida levaria inevitavelmente a pressões sobre a taxa de câmbio. Para recuperar a credibilidade de sua política monetária, o Banco Central precisa abandonar sua política de taxas baixas. Os ganhos fiscais de tal estratégia são, portanto, temporários. Se contrastarmos isso com a experiência recente do Brasil, notamos que, ao se comprometer com uma regra fiscal rígida no médio prazo, o país permitiu que sua política monetária gradualmente 22 13. A pressão fiscal tem sua origem na indexação de grande parte das despesas primárias federais ao PIB, às receitas ou ao salário mínimo, bem como na vinculação generalizada das receitas e nos níveis mínimos de gastos obrigatórios. Em particular, a indexação do piso previdenciário e dos principais programas sociais ao salário mínimo – que, por sua vez, é indexado ao crescimento (positivo) e à inflação – resulta em um aumento constante dos gastos com seguridade social. Estima-se que um aumento de 1% no salário mínimo resulte em um aumento de 0,11% nos gastos primários do governo geral (e 0,17% nos gastos primários do governo central). Considerando que o aumento real anual médio do salário mínimo entre 2000 e 2016 foi de 4,8%, isso elevou os gastos primários do governo geral em cerca de 0,5% ao ano (0,8% para o governo central). Ademais, há uma vinculação generalizada das receitas a despesas específicas, além de níveis mínimos obrigatórios de gastos com saúde e educação (na verdade, esse fator não é, atualmente, vinculante, especialmente no caso da educação – ver Quadros 2 e 3). Além de serem a raiz das tendências fiscais insustentáveis, todas essas regras e restrições reduzem a flexibilidade do orçamento e resultam em aumentos ineficientes dos gastos 14. As receitas também contribuíram para a deterioração das contas fiscais desde 2012, inicialmente devido às reduções discricionárias de impostos e, posteriormente, à recessão econômica. Nos cinco anos até 2011, as receitas cresceram a uma taxa real média de 6% (9,3%, Quadro 2: Regras de despesas com saúde e educação no âmbito do teto de gastos A Emenda Constitucional que introduziu o teto dos gastos primários federais (EC 95/2016) também alterou a indexação das exigências de gastos federais mínimos com saúde e educação. As despesas com saúde e educação costumavam ser estabelecidas como um percentual das receitas, mas agora dependerão de ajustes inflacionários, o que mantem constante os gastos em termos reais de acordo com o teto de gastos geral. Isso significa que não há mais pressão dessas cotas mínimas para exigir parcelas maiores dos gastos limitados. Entretanto, uma vez que as despesas com saúde e, principalmente, educação, permaneceram acima do piso mínimo legal nos últimos anos, há espaço para reduções decorrentes de racionalização da despesa nessas áreas. No caso da educação, especialmente, o piso é quase a metade do orçamento atual do setor. Figura Q2.1: Pisos de gastos vs. despesas reais com saúde e educação Saúde Educação 2.0 2.0 1.5 1.5 % do PIB % do PIB 1.0 1.0 0.5 0.5 0.0 - 2020 2022 2024 2026 2028 2010 2012 2014 2016 2018 2030 2010 2012 2014 2016 2018 2020 2022 2024 2026 2028 2030 Gastos Reais Antigo Piso Gastos Reais Antigo Piso Novo Piso Novo Piso assumisse um caráter acomodatício, ao passo que a taxa de câmbio até se valorizou um pouco. Naturalmente se o teto fosse abandonado devido à dificuldade de ajustar os gatos, esses ganhos também seriam temporários. 23 se for excluído 2009, o ano da crise). De 2012 a 2014, as receitas diminuíram levemente (taxa real média de -0,2%), apesar de a economia ainda estar crescendo um pouco, devido a tentativas de estimular o crescimento por meio de benefícios tributários direcionados 9. Em 2016, após dois anos de profunda recessão, as receitas tributárias contraíram-se em outros 7,3% em relação a 2014, e as contribuições previdenciárias (RGPS) caíram 7,1%, mesmo após o governo ter revogado alguns dos benefícios tributários concedidos nos anos anteriores. 15. A deterioração fiscal obrigou o Governo Federal a utilizar fontes extraordinárias de financiamento para cumprir a “Regra de Ouro”. A chamada “Regra de Ouro”, que limita o uso de novos empréstimos para o financiamento de investimentos em vez de gastos correntes, é uma das regras fiscais mais comumente adotadas por diferentes países ao redor do mundo e faz parte da estrutura fiscal do Brasil desde 1988, pelo artigo 167 da Constituição Federal. Especificamente, a “Regra de Ouro” do Brasil afirma que o total das receitas de operações de crédito não pode exceder o total de gastos de capital, que são definidos como o somatório das amortizações de dívidas e investimentos reais e financeiros. Qualquer empréstimo acima disso exige uma aprovação especial do congresso. Desde 2015, déficits fiscais (empréstimos líquidos) têm sido superiores ao gasto com investimento federal, sugerindo o não cumprimento da “Regra de Ouro”. Apesar disso, o Governo federal cumpriu a “Regra de Ouro” utilizando operações de financiamento pontuais e receitas atípicas. 10 Assim sendo, sem um ajuste significativo nos balanços fiscais, o cumprimento da “Regra de Ouro” será mais um desafio para a política fiscal do Brasil nos próximos anos. 16. As projeções fiscais indicam que, na ausência de reformas, a trajetória fiscal do Brasil será insustentável. Utilizando um modelo fiscal detalhado da trajetória das despesas individuais e das linhas de receita baseado em um conjunto de premissas macroeconômicas razoáveis (Quadro 4), este estudo simulou a sustentabilidade das tendências fiscais. O modelo demonstra que, na ausência de reformas, o déficit primário aumentaria continuamente, chegando a 5% até 2030 (Figura 1). O déficit nominal chegaria a 18% do PIB até 2030, e a dívida chegaria a 150% do PIB no mesmo período (Figuras 2 e 3). Tais níveis de desequilíbrio fiscal não seriam aceitáveis para investidores privados e, muito antes disso, gerariam uma fuga de capitais, o que levaria a uma crise macroeconômica. 17. O panorama fiscal também é vulnerável a passivos contingentes significativos, principalmente relacionados a dificuldades fiscais subnacionais. Vários governos estaduais no Brasil enfrentam graves dificuldades financeiras. Três estados (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais) declararam estado de calamidade financeira em 2016, e o Rio de Janeiro suspendeu o pagamento de suas dívidas. Além disso, em 2017 o Piauí declarou falência financeira do estado, anulando pagamentos devidos a seus fornecedores. A dívida desses três estados totaliza R$ 270 bilhões (4,2% do PIB). A dívida de todos os estados juntos equivale a aproximadamente 9 Os impostos sobre a renda de pessoas jurídicas (IRPJ e CSLL), que representavam 25% das receitas tributárias federais em 2011, diminuíram em 6,4% em termos reais em 2014. O imposto sobre combustíveis (CIDE) foi praticamente eliminado em 2014. 10 A lei permite algumas formas excepcionais de financiamento, como a reavaliação das reservas internacionais mantidas pelo Banco Central para serem contabilizadas como receitas de capital, mesmo que nenhuma reserva tenha sido vendida (isso equivaleu a um montante de R$ 116.7 bilhões em 2016). Além disso, o crédito estendido pelo Tesouro Nacional para o BNDES é contabilizado como inversões financeiras e o pagamento desses empréstimos em 2017 foi utilizado para amortizar a dívida federal, gerando aumento dos gastos de capitais, permitindo o cumprimento da “Regra de Ouro”. 24 12% do PIB. Uma vez que a maior parte desse valor é devida diretamente ao governo federal, e o restante é devido a credores externos com garantia da união, o governo federal é diretamente afetado pela inadimplência subnacional. Em 2016, o governo federal reescalonou a dívida dos Quadro 3: Motivadores do crescimento das despesas, das rigidezes orçamentárias e da ineficiência Um importante motivo para a constante pressão fiscal é a indexação de grande parte das despesas primárias federais ao PIB, às receitas ou ao salário mínimo. As despesas estão sujeitas a aumentos automáticos devido à indexação. Por exemplo, o salário mínimo define uma grande parte dos benefícios previdenciários (devido ao fato de a aposentadoria mínima ser igual ao salário mínimo) e dos programas sociais (os benefícios do maior programa de assistência social, o BPC, também equivalem ao salário mínimo). Tabela Q3.1: Regras de vinculação das receitas Receitas Federais Regras IR (Imposto sobre a Renda) 21,5% para o Fundo de Participação dos Estados (FPE), 10% para os 3,47% do PIB em 2015 estados exportadores, 24,5% para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Do restante, 18% para educação (MDE), e o resto (cerca de 36% do total) torna-se receita federal ordinária. IPI (Imposto sobre Produtos 21,5% para o Fundo de Participação dos Estados (FPE), 10% para os Industrializados) estados exportadores, 24,5% para o Fundo de Participação dos Municípios 0,80% (FPM). Do restante, 18% são destinados à educação (MDE), e o resto (cerca de 36% do total) torna-se receita federal ordinária. IOF-ouro (Imposto sobre Operações 30% devolvidos ao estado de origem, e70% devolvidos ao município de Financeiras com Ouro) origem. IOF (Imposto sobre Operações 18% vinculados à educação (MDE). Financeiras, exceto ouro) 0,58% do PIB em 2015 Imposto de Importação 18% vinculados à educação (MDE). 0,65% do PIB em 2015 ITR (Imposto sobre a Propriedade A maior parte do valor é devolvida aos municípios onde o imposto é Territorial Rural) arrecadado. Do restante, 18% são destinados à MDE, e o resto torna-se 0,02% do PIB em 2015 receita federal ordinária. COFINS e CSLL (impostos sobre 30% desvinculados (DRU). O restante é destinado ao orçamento de lucros de pessoas jurídicas) seguridade social. 4,32% do PIB em 2015 CIDE-Combustíveis (imposto sobre 30% desvinculados (DRU). Do restante, 71% são usados pelo Governo combustíveis) Federal para pagar subsídios para o etanol e o gás natural, bem como 0,05% do PIB em 2015 projetos ambientais relacionados à indústria de petróleo e gás e à infraestrutura de transportes. 21,75% são transferidos aos estados para investimentos em infraestrutura de transportes, e 7,25% são destinados aos municípios para o mesmo fim. Pis/Pasep (impostos sobre a folha de 30% desvinculados (DRU). 80% destinados ao Fundo de Amparo ao pagamento) Trabalhador (FAT), que custeia o Seguro-Desemprego e o Abono Salarial. 0,73% do PIB em 2015 O FAT também é usado como capital de investimento do BNDES. Salário-Educação (imposto sobre a 100% para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) folha de pagamento para a educação) do Ministério da Educação. 0,32% do PIB em 2015 CPSS (imposto sobre a folha de 100% para a previdência do setor público pagamento do setor público) Royalties e participações especiais do Recursos de áreas comercializadas antes de dezembro de 2012: 50% para o setor de petróleo e gás Fundo Social (saúde e educação); recursos de áreas comercializadas após dezembro de 2012: 75% para educação e 25% para saúde Contribuições de Seguridade Social 100% para o Fundo do Regime Geral de Previdência Social 5,34% do PIB em 2015 25 Quadro 3 (continua): Motivadores do crescimento das despesas, das rigidezes orçamentárias e da ineficiência As despesas mínimas obrigatórias impõem mais rigidez. Além da indexação dos benefícios individuais, a rigidez e as pressões de gastos estruturais também têm sua origem em exigências de gastos mínimos. Em particular, antes da adoção do novo regime fiscal (EC 95/2016), as despesas mínimas com saúde e educação eram definidas como um percentual das receitas tributárias. Uma vez que as receitas tendem a subir com o crescimento econômico e aumentaram significativamente como percentual do PIB nas últimas décadas, isso implica um volume de gastos obrigatórios estruturalmente crescente e pró-cíclico, não relacionado aos motivadores de necessidades de gastos, tais como o número de estudantes nas escolas públicas. Agora, esses gastos mínimos foram ajustados no âmbito do novo regime fiscal, e ajustes futuros serão ditados somente pelas taxas de inflação, em linha com o teto geral de gastos. A fragmentação entre programas, níveis de governo, fontes orçamentárias e não orçamentárias resulta em perdas de eficiência causadas por sobreposições e falta de coordenação. Como demonstram os capítulos setoriais, as despesas com áreas-chave ocorrem nos três níveis de governo e em vários programas. Ademais, elas frequentemente dependem de várias fontes (orçamentárias e não orçamentárias), sem que esses elementos sejam coordenados. Essa fragmentação reduz a eficácia do monitoramento e da avaliação das políticas e, em muitos casos, resulta em ineficiência e sobreposição. Em muitas áreas, as despesas públicas poderiam se beneficiar de uma reforma fundamental destinada a melhorar o alinhamento dos programas e despesas aos objetivos das políticas. As políticas fiscais em nível federal e subnacional interagem de forma considerável. A política fiscal federal afeta as finanças dos governos subnacionais, que, por sua vez, constituem um risco fiscal significativo para o Governo Federal. Regras federais sobre previdência, saúde e educação regem a maior parte das despesas subnacionais. Um bom exemplo disso é o piso salarial dos professores, que é estabelecido anualmente pelo Governo Federal e obriga todos os estados a pagarem aos professores em seus sistemas públicos um salário específico, sem que o Governo Federal lhes forneça os recursos para tal. Políticas tributárias federais, tais como as isenções tributárias concedidas entre 2011 e 2014, também geram consequências para as finanças subnacionais, pois tais tributos são sujeitos a programas de compartilhamento de receitas, e as isenções concedidas pelo Governo Federal reduzem os repasses orçamentários para os governos subnacionais. Por outro lado, os riscos de insolvência dos governos subnacionais, tais como a crise fiscal no Rio de Janeiro, representam um passivo contingente para o Governo Federal, uma vez que os estados podem se tornar inadimplentes em suas dívidas com o Governo Federal ou se beneficiar de perdões da dívida. estados ao estender o prazo e acordar uma moratória sobre o pagamento das dívidas de R$ 50 bilhões até 2018. Em seguida, em 2017 o Congresso aprovou uma lei que permitia ao governo federal apoiar os estados em dificuldades financeiras, adiando os pagamentos das dívidas à União por três anos e permitindo que esses estados tomassem empréstimos com aval federal. Essas medidas dependiam da adoção de reformas para restaurar a sustentabilidade fiscal, inclusive o aumento das contribuições de seguridade social, a redução das isenções tributárias e a privatização de empresas estatais selecionadas. O panorama fiscal dos governos subnacionais permanece muito delicado, contudo, porque a maioria dos estados encontra-se onerada por uma grande massa salarial e pelos déficits previdenciários, que são relativamente rígidos por serem parcialmente definidos por leis federais. Ademais, as projeções atuariais indicam que os déficits previdenciários subnacionais aumentarão drasticamente ao longo da próxima década (ver seção abaixo sobre previdência). 26 Quadro 4: Breve descrição do modelo fiscal e suas premissas As projeções fiscais incluídas nesta revisão de despesas foram criadas a partir de um modelo fiscal complexo. O modelo projeta todos os principais elementos de receitas e despesas para os três níveis de governo (federal, estadual e municipal), vinculando-os a um conjunto de variáveis econômicas. As projeções para as variáveis econômicas são baseadas em previsões do Banco Mundial de crescimento e preços de commodities, previsões populacionais da Organização das Nações Unidas e consensos de mercado sobre variáveis financeiras. Eles refletem expectativas do início de março de 2017. Em termos gerais, as projeções preveem uma recuperação da economia brasileira entre 2017 e 2019, com o crescimento real do PIB atingindo 2,3%. A inflação deve permanecer na meta de 4,5% durante o período da projeção. Estima-se uma queda das taxas de juros, embora essas permaneçam relativamente altas em termos reais (4,5%) no cenário base, em consistência com a experiência passada. Estima-se que o salário mínimo continue a ser ajustado com base na fórmula atual (inflação do ano anterior e crescimento real do PIB de dois anos antes). Tabela Q4.1: Modelagem de Variáveis Fiscais Variáveis Fiscais Variáveis Explicativas Receitas RGPS, Outras Contribuições, IRPF, Salário- Educação Folha de pagamento do setor privado IRPJ, CSLL, Cofins, PIS/PASEP, IOF, CIDE, Dividendos Crescimento do PIB ICMS Folha de pagamento do setor privado e crescimento do PIB Impostos Imobiliários (por exemplo, ITR) Inflação e crescimento populacional Despesas Pessoal Folha de pagamento do Governo Federal Bens e Serviços Inflação (IPCA) e crescimento populacional Subsídios Crescimento do PIB Repasses a Estados e Municípios Regras de vinculação de receitas tributárias Benefícios de Seguridade Social do Setor Privado (RGPS) Inflação, salário mínimo, crescimento da população idosa (>60) Seguro-Desemprego, Abono Salarial e BPC Salário mínimo e crescimento populacional Bolsa Família Inflação (IPCA) Seguridade Social do Setor Público Folha de pagamento do Governo Federal e crescimento da população idosa (>60) Pagamentos de juros Estoque da dívida, taxa de câmbio, taxa de juros, spreads Tabela Q4.2: Principais premissas econômicas subjacentes ao modelo fiscal Variável 2017 2018 2019 2020 2021 Crescimento Real do PIB 0,3% 2,0% 2,3% 2,3% 2,3% Inflação (IPCA, EOP) 3,6% 4,2% 4,2% 4,0% 4,0% Taxa de Juros (SELIC, média) 10,20% 8,00% 8,75% 9,00% 9,00% Taxa de Câmbio (R$/US$, média) 3,18 3,30 3,48 3,65 3,80 Salário Mínimo (R$, nominal) 937 970 1014 1077 1144 Folha de Pagamento do Governo Federal 6,0% 6,0% 6,0% 5,0% 5,0% Folha de Pagamento do Setor Privado 3,9% 6,4% 6,4% 6,5% 6,4% Preço do Petróleo (US$/barril, Brent, média) 55 60 61,5 62,9 64,5 Importações Não-Petrolíferas (bilhões de US$) 156 175 197 219 242 Crescimento Populacional 0,77% 0,73% 0,70% 0,67% 0,64% População > 60 4,14% 4,12% 4,10% 4,08% 4,04% Fonte: Projeções/premissas da equipe do Banco Mundial 27 Sem o teto de gastos, o saldo primário, o saldo total e a dívida pública permaneceriam em uma trajetória insustentável, o que levaria o país a uma crise macroeconômica. Figura 1: Projeção do resultado primário (com e Figura 2: Projeção do resultado fiscal nominal sem teto), 2016-2030 (com e sem teto), 2016-2030 5% 5% Com teto Sem teto 3% 0% 1% -5% -1% -10% -3% -5% -15% Com teto Sem teto -7% -20% 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030 Fonte: Simulação com base no modelo fiscal do Banco Fonte: Simulação com base no modelo fiscal do Banco Mundial. Mundial. O ajuste exigido no âmbito do teto de gastos é diferido: 0,2% do PIB em 2017, 0,5% em 2018 e 0,6% nos anos seguintes. A maior parte do desafio caberá ao governo que for eleito em 2018. Figura 3: Projeções da dívida pública (com e sem Figura 4: Ajuste fiscal acumulado em despesas teto), 2016-2030 primárias no âmbito do teto, 2016-2030 160% 15% 150% Diferença - economias necessárias para atingir a regra do gasto 140% Com teto Sem teto Primário com teto 130% 10% 120% Primário sem teto 7.6% 7.1% 6.6% 110% 6.0% 5.5% % do PIB 100% 4.9% 4.3% 90% 5% 3.7% 3.0% 2.4% 80% 1.7% 1.1% 70% 0.5% 0.1% 60% 0% 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030 50% -5% Fonte: Simulação com base no modelo fiscal do Banco Fonte: Simulação com base no modelo fiscal do Banco Mundial. Mundial. 18. As empresas estatais também são fontes de riscos fiscais significativos. A petrolífera estatal Petrobras encontra-se altamente endividada. Sua dívida de US$ 118 bilhões, 80% dos quais em divisa estrangeira, representa um passivo contingente do governo federal. No entanto, o fluxo de caixa e a posição de liquidez da Petrobras melhoraram desde 2015 devido ao aumento da produção de petróleo, aos preços mais altos praticados internamente, a um programa de desinvestimento de US$ 35 bilhões e a uma emissão bem-sucedida de bonds. Três grandes bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES) possuem passivos equivalentes a 28 cerca de 60% do PIB. Tais bancos podem vir a enfrentar problemas de solvência caso haja uma recessão econômica prolongada (Banco Central do Brasil, Relatório de Estabilidade Financeira, abril de 2016). No caso do BNDES, a maior parte do valor é devido ao governo federal. Em 2014, a Caixa Econômica Federal recebeu um apoio de R$ 7 bilhões (ou 0,1% do PIB) por meio de um "banco ruim" de propriedade do governo (Empresa Gestora de Ativos, EMGEA). No segundo semestre de 2016, a Caixa deu início a um programa de demissão voluntária com o objetivo de reduzir seus custos. Incidência da política fiscal 19. Apesar do alto volume de gastos públicos, a política fiscal brasileira tem tido pouco sucesso na redução da desigualdade e da pobreza. Higgins e Pereira (2013) estimaram o efeito redistributivo da política fiscal sobre a distribuição de renda e a pobreza no Brasil. Eles utilizaram dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Municípios (PNAD) sobre muitas fontes de renda (de trabalho ou não); pagamento de tributos diretos; contribuições ao sistema previdenciário; recebimento de transferências; uso de serviços públicos de educação e saúde; e consumo (Figura 5). Eles demonstraram que, por meio de impostos e transferências diretas, o Brasil reduziu a desigualdade em 6%, o que é considerável para padrões latino-americanos (mas não para padrões da Europa Ocidental) 11. Ao considerar todos os tributos e transferências (tributos diretos e indiretos, e transferências diretas e indiretas, isto é, incluindo o acesso a serviços públicos), o Brasil reduziu a desigualdade em 19%. Considerando o alto nível dos gastos, contudo, Higgins e Pereira (2013) consideram que essa redução indica que a política fiscal não é muito eficaz na redução da desigualdade no Brasil 12. 20. Embora intervenções fiscais sejam bem-sucedidas para a redução da miséria, elas levam, de fato, a um aumento da pobreza moderada. Para medir o impacto da política fiscal sobre a pobreza, Higgins e Pereira (2013) utilizaram as linhas de pobreza propostas pelo Banco Mundial de US$ 1,25 PPC ao dia (miséria), US$ 2,50 PPC ao dia (pobreza extrema) e US$ 4,00 PPC ao dia (pobreza moderada). A miséria foi reduzida em 55% por meio de transferências diretas (líquidas do pagamento de tributos diretos); a pobreza extrema, em 28%; e a pobreza moderada, somente em 14%. No entanto, quando são considerados os tributos indiretos, a redução da miséria é atenuada, a redução da pobreza extrema quase desaparece, e a pobreza moderada efetivamente cresce, quando são comparadas a renda de mercado e a renda pós-fiscal. Em outras palavras, o número de indivíduos quase pobres que são levados à pobreza moderada por pagar mais em tributos do que recebem em benefícios é mais alto que o número de pessoas que se livram da pobreza por receber mais em transferências do que pagam em tributos. Além do efeito prejudicial dos tributos indiretos, o fato de a pobreza não ser mais reduzida apesar dos altos gastos brasileiros com transferências diretas também se deve aos muitos vazamentos aos não pobres. Higgins e Pereira (2013) estimam que, em média, pelo menos 74% de todas as transferências diretas beneficiam os não pobres. Com resultado, o volume restante é distribuído de maneira mais esparsa entre os pobres. 11 Transferências e tributos diretos reduzem a desigualdade em certa de um terço na Europa, em média (Immervoll et al. 2006). 12 Esses resultados são consistentes com Immervoll et. al. (2009), que também demonstram os limitados efeitos redistributivos da política fiscal brasileira (com base em diferentes conjuntos de dados e microssimulações), apesar do alto nível de tributação e dos altos gastos com programas sociais. 29 O forte uso da tributação indireta no Brasil aumenta a desigualdade. Figura 5: Curvas de concentração das categorias de despesas e tributos, Brasil, 2009 Fonte: Higgins et al. (2014), Figura 1, página 21. Elaborado a partir da POF e da PNAD 2008-2009. A adoção do Teto de Gastos 21. Em dezembro de 2016, o Congresso aprovou uma emenda constitucional que introduziu um limite para as despesas primárias federais (o teto de gastos), o que forçará o Brasil a continuamente priorizar suas despesas federais. O novo regime fiscal limita o crescimento das despesas primárias federais (líquidas das transferências a outros níveis de governo) com base na taxa de inflação do ano anterior (acumulada em doze meses até junho), mantendo constante, portanto, os gastos em termos reais. 13 Considerando um crescimento da 13 A reforma inclui disposições que desencadeiam uma série de medidas corretivas no caso de quebra da regra. Especificadamente, o poder que exceder o limite será proibido nos próximos anos de: (i) conceder aumentos ou ajustes na remunerações dos seus servidores públicos (exceto aqueles derivados de decisão judicial ou de determinação de atos legais antes da publicação da PEC); (ii) criar novas cargos, empregos ou funções que impliquem em aumento de despesas; (iii) realizar alterações na estrutura de carreiras que impliquem em aumento das despesas; (iv) admitir ou contratar pessoal em qualquer capacidade (exceto para reposição ou vacância de cargos que, por lei, são vitalícios – e.g. Ministros do Supremo Tribunal -, e a reposição de cargos gerenciais que não aumentem as despesas); (v) conduzir qualquer concurso público para contratação de servidores públicos, exceto para reposições nos cargos mencionados no item (iv); (vi) criar qualquer tipo de bônus ou pagamentos não classificados como salários para os servidores civis; (vii) criar novas despesas obrigatórias; (viii) aumentar despesas obrigatórias já existentes a taxas maiores que a taxa de inflação. Em adição, se o poder executivo não estiver em conformidade, é proibido no ano seguinte: (i) aumentar a despesa nominal com subsídios econômicos acima daqueles incorridos no ano anterior; (ii) concessão ou extensão de incentivos ou de benefícios tributários (que resultem em redução das receitas tributárias). 30 economia e das receitas próximo às tendências históricas de longo prazo, tal regra gradualmente reduziria as despesas como parcela do PIB e geraria um ajuste fiscal suficiente para estabilizar a dívida pública em cerca de 10 anos. Projeções baseadas no modelo fiscal (Quadro 4), considerando um crescimento anual do PIB de cerca de 2,3% e uma taxa de inflação em torno de 4%, indicam que, com o teto de gastos, o saldo primário retornaria a um estado de superávit somente em 2024 e atingiria 2% do PIB até 2029 (Figura 1). De acordo com isso, é prevista a estabilização da dívida pública em torno de 2028, com uma expectativa de queda muito gradual a partir daquele ano (Figura 3). Naturalmente, um crescimento maior e taxas de juros reais mais baixas poderiam levar a uma estabilização mais rápida da dívida. Isso geraria um espaço fiscal muito bem-vindo para recuperar a capacidade de investimento do governo federal e, dessa forma, apoiar um crescimento mais sustentável no futuro. 22. O teto de gastos representa a estratégia do governo para atingir o ajuste fiscal necessário, que se concentra no controle das despesas primárias federais. A adoção do teto constitui um primeiro passo crucial para a recuperação da sustentabilidade fiscal. Ele trata diretamente da principal fonte estrutural do desequilíbrio fiscal, ou seja, o crescimento das despesas primárias. Ele também ajudará a limitar as políticas de gastos pró-cíclicos do passado 14. Além disso, a regra é simples, o que facilita sua explicação e monitoramento. Dito isso, outros países adotaram diferentes regras fiscais, cada uma com suas vantagens e desvantagens (Quadro 5). Em particular, muitos países possuem regras que se concentram no equilíbrio fiscal (o que permite que as receitas contribuam para o ajuste fiscal), ou impõem um teto aos níveis da dívida pública; alguns países distinguem entre diferentes tipos de gastos públicos (despesas correntes vs. investimentos), ou aplicam regras mais sofisticadas que consideram o ciclo econômico; alguns optaram por uma estratégia mais abrangente que inclui múltiplas regras, combinando, por exemplo, uma regra de gastos com um teto da dívida; outros, ainda, incorporaram uma cláusula de salvaguarda para manter sua flexibilidade em momentos de crise econômica ou lidar com choques exógenos. Este relatório não considera essas alternativas e concentra-se, em vez disso, nas recomendações que permitirão ao governo cumprir a regra de gastos desde que mantenha o 14 Vários estudos enfatizam que a falta de política fiscal de médio prazo no Brasil contribui para a existência de expansões cíclicas e ajustes imediatistas. O foco no saldo primário acumulado de 12 meses oferecia pouco estímulo para a restrição de despesas em momentos de receitas altas, o que resultou em expansões pró-cíclicas. A adoção de metas constantes de superávit primário e o excesso de indexação das despesas às receitas, ao PIB ou ao salário mínimo reforçaram essa tendência. Em períodos de receitas decrescentes, o ajuste fiscal tende a afetar o investimento público ou ser obtido por meio de medidas pontuais de geração de receitas. Nesse contexto, o teto de gastos servirá para definir níveis gerais de despesas de longo prazo e evitar expansões pró-cíclicas. Ao introduzir um limite ao crescimento dos gastos que seja desvinculado do desempenho das receitas ou da atividade econômica, o novo regime fiscal impediria tais expansões pró-cíclicas. Ele também serve para reduzir as incertezas macroeconômicas, pois o nível máximo de gastos federais (ajustados à inflação) será predeterminado, o que aumenta a previsibilidade da política fiscal. No entanto, a implementação da regra de gastos seria beneficiada pela introdução de um orçamento plurianual. O sistema atual de indexação e vinculação das receitas é um vestígio do passado de hiperinflação e, ao mesmo tempo, um esforço do Legislativo para estabelecer prioridades de gastos além do ciclo orçamentário anual e proteger tais prioridades da discricionariedade do Executivo. Um marco de gastos de médio prazo (MGMP), que inclua previsões macrofiscais com projeções de baixo para cima da linha de base de gastos, aprimoraria a priorização das despesas no âmbito do teto de gastos. Um processo orçamentário plurianual no qual o Executivo e o Legislativo definam conjuntamente as despesas prioritárias de médio prazo também reduziria a necessidade de indexação das despesas a linhas específicas de receitas. 31 Quadro 5: Experiência internacional com regras fiscais: opções para o Brasil A regra de gastos adotada pelo Brasil não é o único tipo de regra, nem a mais comum adotada internacionalmente. Outros tipos de regras concentram-se no controle da dívida, no deficit orçamentário e nas receitas. Um estudo publicado pelo FMI em 2015 ("Fiscal Rules at a Glance") comparou essas regras em 96 países desde 1985 (Figura B2). Os modelos que limitam os resultados orçamentários (primários e/ou gerais) e os que restringem a dívida pública são claramente dominantes. Uma minoria de países optou por limitar o aumento do nível de gastos. Dos 96 países pesquisados pelo FMI, somente 14 (menos de 16% do total) adotaram uma regra que limita o crescimento real das despesas públicas. Além disso, cerca de 79% desses países também aplicaram um teto para a dívida pública. A prática de combinar essas duas regras é comum em economias emergentes. Alguns estudos já concluíram que isso melhora a eficácia dos controles que visam à sustentabilidade das contas públicas no curto e longo prazos. Nos poucos casos em que se tentou limitar a expansão dos gastos em termos reais, é possível identificar diferentes metodologias que definem o sistema de controle. Figura Q5.1: Regras fiscais adotadas em 96 países, por tipo de regra 90 80 70 78 76 60 50 40 45 30 20 10 14 0 Regra de Regra de Regra de Regra de Equilíbrio Dívidas Gastos Receitas Orçamentário Algumas regras consideram o ciclo econômico, outras distinguem a natureza dos gastos (despesas correntes vs. investimentos), outras concentram-se no equilíbrio fiscal e algumas permitem cláusulas de salvaguarda. Na Austrália, desde 2009, o crescimento real das despesas não pode exceder 2%, mas se o crescimento econômico for superior ao PIB potencial e o superávit fiscal exceder 1% do PIB, tal regra é afrouxada. O PIB potencial também é um comparador adotado na Croácia, onde, desde 2014, o crescimento real das despesas é limitado pela taxa do PIB potencial (a menos que o excesso seja financiado por medidas específicas). As regras também possuem uma longevidade relativamente curta: a França, a Finlândia e os Países Baixos, por exemplo, revisam as regras a cada quatro anos. A propósito, o caso dos Países Baixos também ilustra como o escopo das regras varia ao longo do tempo: os benefícios de desemprego e assistência social foram excluídos do teto no biênio 2009/2010. A Dinamarca, a Islândia, o Kosovo, o Peru e o México optaram por limitar somente a expansão das despesas correntes. Alguns estudos também destacam que tais regras podem minar o investimento público. Cláusulas de salvaguarda demonstraram fortalecer a estabilidade das regras. O caso do Peru é interessante: o aumento das despesas correntes tem sido limitado desde o ano 2000, mas a regra pode ser suspensa por três anos se o crescimento for baixo ou o Congresso decretar estado de emergência. Assim, em 2013-2014, o Peru aplicou somente a regra que limita o déficit fiscal. Fonte: IMF, Fiscal Rules at a Glance, 2015; disponível em: http://bit.ly/2cNFwIU. foco em medidas para a redução das despesas primárias federais 15. Como será discutido brevemente abaixo, medidas complementares adicionais podem e devem ser consideradas como parte de uma estratégia de ajuste fiscal equilibrada, tanto em termos de receitas quanto em relação ao controle dos custos "abaixo da linha". 32 23. A implementação da regra de gastos será um enorme desafio, pois, em termos práticos, ela representa uma redução de 25% do orçamento federal (ao longo de uma década). O teto de gastos significa que, em relação ao PIB, as despesas primárias federais teriam de ser reduzidas em cerca de 0,6 ponto percentual ao ano (em comparação à projeção de linha de base de quais despesas teriam ocorrido na ausência de uma reforma, ou seja, considerando a pressão atual para crescimento das despesas) (Figura 4). Ao longo de dez anos isso corresponde a uma redução de mais de um quarto nas despesas primárias federais. Trata-se de um ajuste grande, que evidencia a necessidade de um planejamento cuidadoso para garantir a sua qualidade. 24. O ajuste fiscal será particularmente difícil devido ao alto grau de rigidez do Orçamento Federal e às pressões demográficas. Segundo as leis atuais, mais de 90% das despesas primárias do governo federal são consideradas obrigatórias (Figura 6). A maior parte de tais despesas é composta por repasses obrigatórios a outros níveis de governo, salários do funcionalismo público, benefícios sociais e exigências de gastos mínimos (Quadro 3). Ademais, a pequena parte do orçamento que é discricionária contém importantes prioridades, tais como os investimentos públicos em infraestrutura e o principal programa brasileiro de combate à pobreza, o Bolsa Família (Figura 7). Além disso, o Brasil vem passando por uma rápida transição demográfica, que levará a uma pressão fiscal significativa sobre os serviços públicos de saúde (World Bank, 2011) 16. Uma vez que importantes componentes rígidos de gastos, especialmente os benefícios concedidos aos idosos, tendem a crescer, os gastos obrigatórios totais (segundo as regras atuais) devem exceder rapidamente os níveis estabelecidos pelo teto de gastos. Portanto, para permitir a implementação do teto de gastos e garantir que o ajuste não afete exclusivamente a pequena parcela discricionária do orçamento, serão necessárias mudanças nos programas de gastos obrigatórios. 25. Embora o teto de gastos defina o volume do ajuste das despesas ao longo do tempo, ela não garante a concepção, qualidade e aplicação das reformas fiscais necessárias para cumprir a trajetória de ajustes estabelecida pela regra. Uma vez que o limite para o crescimento dos gastos é aplicado somente às despesas primárias agregadas (e não a seus componentes ou programas específicos), ele não oferece orientação sobre onde reduzir os gastos. Nesse contexto, é fundamental determinar quais despesas devem ser reduzidas devido a sua eficácia limitada, sua incidência regressiva e seu impacto negativo sobre a produtividade, em vez de concentrar as reduções nos itens que podem ser cortados mais facilmente. A qualidade do ajuste fiscal terá repercussões na prestação de serviços públicos, na equidade e no crescimento econômico. 26. O resto desta PER motiva e elabora propostas de reformas que garantiriam um ajuste de qualidade alinhado ao teto. O resto desta seção resume brevemente o escopo para reformas complementares do sistema tributário e maneiras de lidar com as chamadas "despesas abaixo da 16 O ritmo de envelhecimento da população brasileira será significativamente mais acelerado do que aquele verificado em sociedades mais prósperas no século passado. A população idosa mais que triplicará nas próximas quatro décadas, de menos de 20 milhões em 2010 para aproximadamente 65 milhões em 2050. A população idosa crescerá de cerca de 11% da população em idade ativa em 2005 para 49% até 2050, ao passo que a população em idade escolar diminuirá de cerca de 50% da população em idade ativa em 2005 para 29% até 2050. Tais mudanças na estrutura etária da população levarão a significativas pressões fiscais adicionais sobre os serviços públicos de saúde e o sistema previdenciário, paralelamente a reduções consideráveis nas pressões fiscais relativas ao ensino público (World Bank, 2011). 33 linha" (relacionadas à gestão da dívida pública do Brasil, medidas relativas à capitalização das empresas estatais e os custos das operações do Banco Central). É importante considerar essas medidas não como substitutos do ajuste das despesas públicas. Como ficará claro ao longo deste estudo, os gastos públicos brasileiros não estão alinhados a padrões internacionais, são ineficientes em muitas áreas e, além disso, falham em sua tentativa de reduzir os altíssimos níveis de desigualdade de renda e de riqueza. Os gastos públicos devem ser reformados simplesmente por motivos de justiça e eficiência. O risco iminente de crise fiscal no Brasil somente aumenta a urgência da reforma. O ajuste necessário não pode ocorrer sem a redução da rigidez das despesas e, necessariamente, precisará solucionar o problema de altos gastos previdenciários. Figura 6: Parcela rígida das despesas não Figura 7: Despesas primárias federais, 2015 financeiras totais do governo central (percentual do PIB) País e ano Despesas rígidas Legislativa, Ciência e Transporte, (percentual do 0.12 Tecnologia, 0.20 Essencial à 0.12 orçamento) Justiça, 0.10 Argentina (2003) 85 Outras, 2.65 Judiciária, Brasil (2017) 92 0.51 Administração, Previdência Bulgária (2011) 80 0.33 Social , 8.54 Defesa Chile (2014) 65 Nacional, 0.69 Colômbia (2000) 84 Segurança Pública, 0.15 Equador (2003) 79 Agricultura, México (2015) 82 0.45 Saúde , Políticas 1.65 Moldova (2011) 86 Industriais, Assistência Educação , Trabalho , 0.54 EUA (1999) 80 Social , 1.39 1.38 1.25 Fonte: Banco Mundial, vários relatórios. Fonte: Base de dados BOOST sobre o Brasil em nível federal, com base em dados do SIOP (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento). Complementação do ajuste de gastos: o papel da política fiscal e das despesas "abaixo da linha" 27. Devido à relativamente alta carga tributária agregada, o espaço para aumentos adicionais de receitas será limitado. Entre os mercados emergentes, o Brasil já possui uma das cargas tributárias mais altas. Ao longo dos últimos 25 anos, a carga tributária subiu significativamente para incorporar os aumentos de gastos resultantes da Constituição de 1988 e substituir o financiamento inflacionário em seguida à implementação do Plano Real em 1994. A receita do governo geral chegou a 38% do PIB em 2016, o que elevou o custo marginal de aumentos tributários adicionais para a economia. Apesar disso, uma reforma tributária poderia gerar grandes dividendos em termos de crescimento e equidade, complementando, assim, o ajuste de gastos. 28. A reforma do sistema tributário elevaria as perspectivas de crescimento do Brasil, pois o sistema atual é demasiadamente complexo, implica altos custos de conformidade e 34 gera significativas distorções e ineficiências. O Brasil arrecada 85 impostos diferentes. A complexidade do sistema tributário é agravada pelo fato de a autoridade e a regulamentação tributárias serem divididas entre o governo federal, os 26 estados e o Distrito Federal, além dos mais de 5.000 municípios brasileiros. Consequentemente, o Brasil ficou na 181ª posição entre 190 países no quesito "pagamento de impostos” da pesquisa Doing Business do Banco Mundial em 2017. As altas taxas tributárias incluem os impostos de pessoas jurídicas, os impostos sobre o trabalho e os vários impostos indiretos em cascata sobre bens e serviços. No entanto, os muitos regimes especiais e outras isenções tributárias reduziram a eficiência do sistema tributário e criaram uma série de distorções econômicas. Uma ampla reforma tributária que vise a racionalizar o sistema tributário, eliminar as brechas legais e, possivelmente, reduzir algumas alíquotas tributárias provavelmente levaria a um aumento da produtividade e das receitas 29. A reforma tributária também poderia melhorar a equidade, pois o sistema tributário brasileiro é regressivo. Tributos indiretos, que tendem a afetar os mais pobres de maneira desproporcional, representam 55% da receita tributária. Apesar das baixas alíquotas, a tributação efetiva sobre alimentos básicos é de 13,1%. Conforme mencionado acima, o efeito regressivo da tributação indireta acaba por neutralizar os efeitos positivos das transferências aos mais pobres (Higgins e Pereira, 2013). A tributação sobre a renda pessoal desempenha um papel relativamente pequeno no Brasil (18% da receita tributária, ou 6% do PIB). Devido à existência de muitas fontes de renda não tributáveis (tais como ganhos de capital e dividendos), a tributação sobre a renda pessoal não afeta os ricos de maneira adequada. Os indivíduos que ganham mais de 40 salários mínimos pagam somente 6,4% de sua renda total na forma de imposto sobre a renda, ao passo que os que ganham entre 20 e 40 salários mínimos pagam somente um pouco mais (11,7%) (Gobetti e Orair, 2016). 30. Uma ampla reforma tributária exigirá muita preparação 17. No entanto, a eliminação de gastos tributários distorcivos e caros é um processo simples que geraria benefícios significativos. Embora isso não seja exigido no âmbito do teto de gastos, a eliminação das isenções fiscais que se demonstraram ineficientes como instrumentos de política industrial e que beneficiam os segmentos mais ricos da sociedade contribuiria para elevar a eficiência e a equidade da política fiscal. Estima-se que o aumento da eficiência dos gastos públicos e a redução das distorções causadas por isenções tributárias e crédito subsidiado possam gerar efeitos positivos para o crescimento e a produtividade. A eliminação de isenções tributárias garantiria condições iguais para todos, o que facilitaria a alocação de recursos para onde esses pudessem ser mais produtivos, em vez de mantê-los em setores e firmas que obtiveram um tratamento tributária mais favorável. A redução dos gastos tributários também poderia contribuir significativamente para o ajuste fiscal e, ao mesmo tempo, elevar a eficiência, reduzir distorções e diminuir a regressividade da carga fiscal. O resto do relatório contém recomendações sobre como eliminar vários programas de gastos tributários que parecem ser ineficazes e/ou injustos. 17 Este estudo não inclui uma avaliação detalhada do sistema tributário, nem apresenta opções para uma reforma tributária ampla. Várias propostas apresentadas melhorariam substancialmente o sistema tributário atual. Por exemplo, a proposta do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) sugere substituir cinco taxas indiretas (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por uma única IVA (imposto sobre valor adicionado), chamada imposto sobre bens e serviços (IBS), e as receitas seriam divididas entre o Governo Federal, Estados e Municípios, o que se aproxima das práticas internacionais. Uma reforma tributária separada e mais ambiciosa está sendo discutida atualmente no Congresso Brasileiro. 35 Embora a dívida pública brasileira seja um pouco mais alta que nos países pares e esteja próxima da média dos países da OCDE, o Brasil encontra-se claramente em uma posição atípica no que diz respeito aos custos de empréstimos. Figura 8: Dívida bruta do governo geral em 2015 (percentual do PIB), vários países 300 Brasil Pares Média 250 200 150 100 50 0 Peru Chile Áustria Chile Islândia Suíça Colômbia Colômbia Suécia Estônia Portugal Irlanda Israel China Federação da Rússia Argentina República Tcheca Itália Reino Unido Eslovênia Hungria Finlândia Austrália Noruega Alemanha Brasil Polônia Coreia, Rep México África do Sul Brasil Japão Estados Unidos Brasil Brasil África do Sul Turquia Grécia Espanha Canadá França Nova Zelândia Países Baixos Dinamarca Índia Eslováquia Indonésia Bélgica México Pares estruturais Pares regionais OCDE BRICS Fonte: IMF, World Economic Outlook, 2015. Figura 9: Despesas com juros em 2014 (percentual do PIB), vários países 9 Brasil Pares Média 8 7 6 5 4 3 2 1 0 África do Sul Portugal Itália Hungria Áustria Eslováquia Colômbia Estados Unidos Espanha Finlândia África do Sul Brasil Brasil Colômbia Peru Brasil Austrália Grécia Dinamarca Brasil França Noruega Turquia Chile Reino Unido Japão Suíça Chile Federação da Rússia Irlanda Israel Suécia Canadá Alemanha Nova Zelândia República Tcheca Islândia Coreia, Rep Indonésia Bélgica Pares estruturais Pares regionais OCDE BRICS Fonte: GFS, cerca de 2014. 31. Uma melhor gestão dos custos "abaixo da linha" também poderia contribuir para o ajuste fiscal. O Brasil possui uma grande conta de juros sobre a dívida, o que levou o déficit fiscal nominal a superar 8% do PIB em 2015 e 2016. Embora a dívida pública brasileira seja superior à de seus países pares e venha crescendo rapidamente, ela permanece em linha com a média da OCDE (Figura 8). Vale destacar, todavia, que a situação brasileira é atípica no que diz respeito a sua conta de juros (Figura 9). As contas são infladas por operações quase-fiscais e pelos altos 36 custos da política monetária. Assim, paralelamente à redução das despesas primárias e ao aumento das receitas, é importante reduzir os custos das operações "abaixo da linha”. Algumas propostas- chave encontram-se resumidas a seguir: • Em primeiro lugar, a quase totalidade da dívida pública é interna, e o Brasil possui uma das mais altas taxas de juros do mundo 18. Após o Brasil ter passado por várias crises da dívida nos anos 1970, 1980 e 1990, o Tesouro Nacional decidiu reduzir a dívida pública em divisa estrangeira, que, atualmente, encontra-se em cerca de 5% da dívida pública total. Não obstante os riscos cambiais, todavia, ao levarmos em consideração as altas taxas de juros reais brasileiras, é possível que a parcela ideal de dívida externa seja mais alta. Isso exigiria um estudo mais aprofundado. • Em segundo lugar, a conta de juros inclui vários itens que são peculiares ao Brasil, tais como o custo dos empréstimos ao BNDES, o custo da política monetária, o custo das grandes reservas internacionais do Banco Central e o custo das operações de swap cambial do Banco Central: a. No contexto da crise financeira global de 2008, o Brasil expandiu drasticamente o crédito a taxas subsidiadas oferecido por bancos públicos. Tais empréstimos foram financiados por meio da emissão de títulos públicos, e a diferença (negativa) entre o empréstimo subsidiado (com base na taxa TJLP) 19 e as taxas dos títulos públicos foi registrada como despesa de juros do governo 20. Em 2016, a dívida pendente do governo com o BNDES (cerca de R$ 500 bilhões) equivalia a um prejuízo anual de aproximadamente R$ 29 bilhões (ou 0,5% do PIB) 21. b. O nível de reservas internacionais também é bastante alto para padrões internacionais, o que acarreta um custo fiscal significativo (estimado como a diferença entre a taxa SELIC e a taxa de obrigações do Tesouro, multiplicada pelo estoque das reservas): cerca de R$ 150 bilhões, ou 2,6% do PIB. Seria importante estudar cuidadosamente se há escopo para redução das reservas internacionais c. Além disso, limitar as intervenções cambiais por meio de operações de swap também poderia ajudar a reduzir a conta de juros. Em média, os swaps cambiais levaram a perdas 18 Várias explicações foram sugeridas para justificar as altas taxas de juros reais: baixas taxas de poupança, possivelmente resultantes das aposentadorias generosas; mercado financeiro segmentado, que força o aumento das taxas de juros no mercado livre; persistentes rigidezes orçamentárias e choques fiscais, que aumentam os prêmios de risco; indexação generalizada (ver síntese em Seguro, 2012). 19 Até 2017, a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) era estabelecida trimestralmente pelo Conselho Monetário Nacional e adotada como referência para empréstimos do BNDES a empresas. A partir de 2018, o governo passou a adotar uma nova Taxa de Longo Prazo (TLP) baseada no mercado como taxa-referência para os empréstimos do BNDES. 20 A maior parte dos custos dessas medidas foi "abaixo da linha". No entanto, no caso do PSI, um subsídio adicional entre a TJLP e a taxa de empréstimo do programa foi contabilizado como parte do orçamento público (acima da linha); ver Pazarbasioglu et al. (2017). 21 Além disso, 30% dos recursos do BNDES advêm do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que também implica em uma perda (para os trabalhadores) graças a esse diferencial de taxas, totalizando R$ 15,9 bilhões em 2016. Somam- se a isso mais R$ 2,8 bilhões do mesmo tipo de subsídio arcado pelo Fundo da Marinha Mercante (FMM). Então, o custo total associado à TJLP foi de R$ 47,8 bilhões, somente no ano de 2016. 37 líquidas de 0,2% do PIB entre 2013 e 2016 (com um pico de 2,2% do PIB em 2015) 22. Desde o pico de US$ 110 bilhões em março de 2016, no entanto, o volume de swaps emitidos reduziu-se rapidamente, chegando a US$ 27 bilhões em agosto de 2017. 32. Por fim, medidas financeiras pontuais também podem ajudar a reduzir o nível da dívida. A privatização ou concessão de infraestrutura pública e de outros serviços pode gerar recursos pontuais ou royalties, e tais recursos podem ser canalizados para reduzir a dívida pública. 23 Da mesma maneira, além de reduzir as perdas financeiras, o pagamento antecipado de empréstimos contraídos pelo BNDES junto ao governo federal também reduziria a dívida bruta do governo. Um desses pagamentos foi realizado em 2016 no valor de R$ 100 bilhões (US$ 29 bilhões); um segundo, no valor de R$ 50 bilhões (US$ 15 bilhões), deverá ocorrer no final de 2017; e um terceiro pagamento está sendo considerado para 2018. 22 O Banco Central do Brasil iniciou um programa de intervenção em agosto de 2013 para limitar a volatilidade do real, após a moeda brasileira chegar ao seu menor valor em cinco anos, o que se deu em consequência a indicações de que o US Federal Reserve (o Banco Central dos EUA) estaria se preparando para reduzir os estímulos financeiros. A autoridade monetária mudou de ideia em março de 2016, passando a celebrar contratos de swap cambial reverso – o equivalente a comprar dólares no mercado de futuros. Isso ocorreu em seguida à valorização do real causada por perspectivas de uma mudança de governo. Embora os swaps cambiais não alterem a oferta de dólares físicos no Brasil, eles sustentam o real ao atender às demandas dos investidores que queiram se proteger do risco de uma desvalorização da moeda brasileira. 23 Porém, a experiência internacional sugere que o objetivo principal das privatizações deve ser obter melhor gerenciamento de qualidade e maior eficiência, e não o aumento das receitas. 38 Peso da Folha do Funcionalismo Público Embora somente 12% das despesas primárias do governo federal sejam destinadas à folha de pagamento, a massa salarial agregada do setor público em todos os níveis de governo é muito alta para padrões internacionais. Os altos níveis de gastos são impulsionados pelos altos salários dos servidores públicos, e não pelo número excessivo de servidores. Isso se verifica principalmente na esfera federal, onde os salários são significativamente mais altos que aqueles pagos a servidores dos governos subnacionais, ou a trabalhadores em funções semelhantes no setor privado. Os altos salários recebidos colocam os servidores federais no topo da pirâmide de renda nacional, o que contribui para aumentar a desigualdade no Brasil. Portanto, há espaço para realizar economias significativas por meio da redução dos prêmios salariais pagos aos servidores públicos federais em comparação ao setor privado. Alinhar os salários iniciais aos pagos pelo setor privado e introduzir um sistema mais meritocrático de aumentos salariais reduziriam os custos e aumentariam a produtividade no setor público. Análise comparativa internacional da massa salarial do setor público 33. A massa salarial do governo geral brasileiro é alta para padrões internacionais. A análise comparativa internacional da massa salarial brasileira como percentual do PIB, das despesas públicas e das receitas evidencia o fato que o Brasil excede a média de todos os grupos de renda (Figura 10 e Figura 12). Como percentual do PIB, a folha de pagamento brasileira é mais alta que a de qualquer média regional de países. Como percentual das despesas e receitas fiscais, a massa salarial brasileira fica um pouco abaixo das médias da América Latina e da região do Oriente Médio e Norte da África (MENA); quase se iguala à média da África; e é significativamente superior às médias encontradas na Ásia e Europa (Figura 11). 39 34. Como percentual do PIB, a massa salarial do Brasil cresceu, excedendo a média encontrada em países de renda alta. A massa salarial do setor público brasileiro subiu de 11,6% do PIB em 2006 para 13,1% do PIB em 2015, superando até Portugal e França, que registravam massas salariais mais altas que o Brasil há uma década (Figura 12 e Figura 13). Outros países desenvolvidos, tais como a Austrália e os EUA, possuem massas salariais consideravelmente menores (cerca de 9% do PIB), ao passo que o Chile, uma nação latino-americana de renda média, gastou somente 6,4% do PIB em salários do funcionalismo público em 2015. 35. O número de servidores públicos no Brasil não é extraordinariamente alto, e, da mesma maneira, o tamanho do governo federal não parece ser excessivo. Com base em dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a relação entre o número de funcionários públicos e a população no Brasil (5,6%) é mais alta que a média latino-americana (4,4%). No entanto, esse percentual é bem mais baixo que o encontrado nos países da OCDE, da Europa e da África (Figura 14). Similarmente, o emprego público como parte do emprego assalariado no Brasil parece ser relativamente pequeno, cerca de 18% (ou 24% como parte do emprego formal) (Figura 15). Isso indica que o motivo de a massa salarial do setor público brasileiro ser tão alta é o elevado custo dos servidores públicos (altos salários), em vez do excessivo número de servidores. A parcela de servidores públicos federais no Brasil é de apenas 10%, o que é menos do que em outros países federalistas (tais como EUA, Canadá e Austrália), onde a maior parte dos serviços que demandam muito pessoal são prestados pelos governos estaduais ou municipais (Figuras 16 e 17) 24. Os estados e municípios detêm a responsabilidade primária por serviços de saúde, educação e policiamento, e essas funções que demandam mão de obra intensiva justificam o número mais alto de servidores nessas esferas em comparação com o governo federal. O Brasil gasta um alto percentual do PIB com a massa salarial do setor público; isso se deve, em grande parte, aos altos salários do setor público, uma vez que o número total de servidores públicos não é particularmente alto. Figura 10: Massa salarial por nível de renda Figura 11: Massa salarial por região (governo (governo geral) geral) 45% Massa salarial % PIB 45% Massa Salarial % PIB Massa salarial % Despesas Massa Salarial % Despesas 35% Massa Salarial % Receitas Massa Salarial % Receitas 2000 - 2015 Média 2000 - 2015 Média 25% 25% 15% 5% 5% OCDE ALC EAC ( MNA AFR SAR LAP Brasil (n=30)(n=12) n=20) (n=9) (n=6) (n=4) (n=8) -5% Renda Alta Renda Renda Baixa Brasil -15% Média Fonte: Base de dados de Estatísticas de Finanças Fonte: Base de dados de Estatísticas de Finanças Públicas (GFS) do FMI. Públicas (GFS) do FMI. 24 Não há dados disponíveis sobre o número de servidores estaduais e municipais. Os dados apresentados na Figura 17 foram obtidos a partir da subtração do número oficial de servidores federais (civis e militares) do número total de servidores públicos divulgado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que inclui servidores públicos em todos os níveis. Embora essa combinação de dados administrativos e dados de pesquisa não seja perfeita, ela pode fornecer uma boa estimativa do resultado real. 40 Figura 12: Massa salarial como percentagem do PIB por país 20 18 16 Massa Salarial (% do PIB) 14 BRA 12 10 8 6 4 2 0 6 7 8 9 10 11 12 Log do PIB per capita, 2015 Leste da Ásia e Pacífico Europa e Ásia Central América Latina e Caribe Oriente Médio e Norte da África América do Norte Sul da Ásia África Subsaariana Brasil Fonte: Worldwide Bureaucracy Indicators, World Bank Bureaucracy Lab. Figura 15: Emprego público como parte do emprego assalariado por país 60% Emprego público como % do emprego 50% 40% assalariado 30% 20% BRA 10% 0% 6 7 8 9 10 11 12 Log do PIB per capita, 2015 Leste da Ásia e Pacífico Europa e Ásia Central América Latina e Caribe Oriente Médio e Norte da África América do Norte Sul da Ásia África Subsaariana Brasil Fonte: Worldwide Bureaucracy Indicators, World Bank Bureaucracy Lab. Nota: Dados do emprego público com porcentagem do emprego assalariado podem ser referentes a diferentes anos, variando entre 2009 e 2015, dependendo do ano em que a observação está disponível para cada país. Dados do Brasil referentes a 2014. 41 Figura 13: Massa salarial (governo geral) Figura 14: Emprego no setor público como percentual da população, por região 15% Austrália 12% 10% 13% Massa Salarial % PIB Chile 8% 11% França 6% 9% 4% 7% Portugal 2% 5% 0% Estados 3% Unidos Brasil 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Ano Fonte: Base de dados de Estatísticas de Finanças Fonte: Organização Internacional do Trabalho (ILO). Públicas (GFS) do FMI. Figura 16: Percentual de servidores públicos por Figura 17: Percentual de servidores públicos nível de governo em países federalistas, 2003 por nível de governo, média de 2012 a 2015 100% 5% 10.4% 32% 22% 80% 49% 48% 64% 60% 73% 46% 40% 51% 36% 20% 10% 47% 24% 33% 18% 17% 13% 15% 0% 89.6% Governo Central Governo Estadual Governo Federal Governos Subnacionais Governo Municipal Fonte: OCDE e Banco Mundial (2011). Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, MPOG e PNAD. Tendências de gastos e composição da massa salarial do setor público 36. Em linhas gerais, os gastos com salários do funcionalismo público no Brasil são divididos igualmente entre os governos federal, estaduais e municipais. Os estados e municípios são responsáveis pela maioria das despesas com educação e saúde, e essas áreas representam a maior parte de suas massas salariais. Desde 2010, as despesas com pessoal dos governos estaduais vêm crescendo em termos reais, excedendo aquelas do governo federal, ao passo que os governos municipais têm aumentado seus gastos no mesmo ritmo que o governo federal (Figura 18). Entretanto, em termos de quantidade de servidores públicos, o governo federal possui 10% do total (Figura 17), o que indica que o governo federal gasta mais do que o dobro por servidor que os governos subnacionais. Embora as funções desempenhadas pelo governo federal sejam bem diferentes daquelas realizadas pelos governos subnacionais, essa grande diferença indica que a remuneração dos servidores federais é muito generosa. Seria útil realizar uma análise 42 mais detalhada comparando servidores em funções semelhantes em vários níveis de governo, mas isso ainda não foi feito devido à indisponibilidade de dados. 37. O aumento da massa salarial federal ao longo das duas últimas décadas deveu-se, principalmente, ao aumento da remuneração, ao passo que, em nível subnacional, o crescimento da folha resultou de uma combinação entre aumentos salariais e contratação de mais funcionários. Com base em dados da PNAD combinados com publicações do governo federal (Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, MPOG), este relatório analisou a evolução do número de servidores públicos nas esferas federal e subnacionais entre 1999 e 2015. Estimou-se, em seguida, a decomposição da massa salarial entre o número de servidores públicos e a remuneração por servidor no Poder Executivo, tanto em nível federal quando subnacional. A massa salarial ao nível federal teve uma forte alta entre 2003 e 2010, impulsionada, principalmente, por aumentos salariais (e não pelo aumento do número de funcionários), mas, desde então, houve uma desaceleração desse crescimento. O custo por servidor aumentou a uma taxa média anual real de 7%, ao passo que o número de funcionários cresceu a uma taxa anual média de aproximadamente 2% (Figuras 19 e 22). Por outro lado, o rápido aumento da massa salarial dos governos subnacionais foi impulsionado na mesma medida por aumentos salariais e por novas contratações. O custo por servidor aumentou a uma taxa média anual real de 2,5%, ao passo que o número de funcionários cresceu a uma taxa anual média de aproximadamente 3% (Figuras 23). A rápida expansão do acesso a serviços públicos verificada no Brasil ao longo das duas últimas décadas explica o motivo de o número de servidores nos níveis subnacionais ter crescido além dos índices observados no governo federal. Os salários do funcionalismo público são muito superiores aos da iniciativa privada, especialmente nos Poderes Judiciário e Legislativo. Figura 18: Evolução da massa salarial nas Figura 19: Número de servidores por poder no esferas federal, estadual e municipal (bilhões de governo federal (milhões), 2003-2016 R$ em preços de 2016), 2010-2015 350 1.1 Executivo - Civis Governo Central 1 Executivo - Militares Governos Estaduais 0.9 Ministério Público da União (em preços de 2016) Governos Municipais 0.8 Legislativo Bilhões de R$ 300 0.7 Judiciário Milhões 0.6 0.5 250 0.4 0.3 0.2 0.1 200 0 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, MPOG. Organizacionais, MPOG. 43 Figura 20: Despesas com pessoal por poder no Figura 21: Remuneração anual por servidor governo federal (bilhões de R$ em preços de público no governo federal e no setor privado 2016), 1995-2016 (Mil R$ em preços de 2016), 2003-2016 Executivo - Civis 100 600 Executivo - Civis Executivo - Militares Executivo - Militares Mil R$ (em preços de 2016) Ministério Público da União 500 Ministério Público da União 80 Legislativo (em preços de 2016) Legislativo Judiciário 400 Judiciário Bilhões de R$ 60 Setor Privado Formal 300 40 200 20 100 0 0 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, MPOG. Organizacionais, MPOG. Figura 22: Decomposição do crescimento real Figura 23: Decomposição do crescimento real da massa salarial entre o número de servidores da massa salarial entre o número de servidores públicos e a remuneração por servidor no Poder públicos e a remuneração por servidor nos Executivo Federal governos subnacionais 140% 140% Funcionários Funcionários 120% 120% Salários Salários 100% 100% Total Total 80% 80% 60% 60% 40% 40% 20% 0% 20% -20% 0% 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 -20% Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais (MPOG), e estimativas do Banco Organizacionais (MPOG), PNAD e estimativas do Mundial (2011). Banco Mundial (2011). Estimativa da lacuna salarial ente o setor público e privado 38. Em média, os salários do setor público são muito superiores aos pagos no setor privado. Segundo a PNAD, o setor público agregado (federal e subnacional) paga, em média, salários aproximadamente 70% superiores (R$ 44.000 por ano) aos pagos pelo setor privado formal (R$ 26.000 por ano), e quase três vezes mais do que recebem os trabalhadores informais (R$ 16.000 por ano) (Figuras 21 e 24). O governo federal paga salários ainda mais altos: com base em dados de 2016, os militares brasileiros recebem, em média, mais do que o dobro pago pelo setor privado (R$ 55.000 por ano), e os servidores federais civis ganham cinco vezes mais que trabalhadores do setor privado (R$130.000 por ano) (Figura 21). A remuneração média por funcionário é excepcionalmente alta no Ministério Público Federal (R$ 205.000 por ano), no Poder 44 Legislativo (R$ 216.000 por ano) e no Poder Judiciário (R$ 236.000 por ano) (Figura 21), apesar de os salários terem caído em termos reais nos últimos anos. Naturalmente, essas médias cobrem grupos bastante grandes e heterogêneos, e muitos cargos públicos não são facilmente comparáveis a empregos no setor privado. Além disso, é importante observar que os dados não capturam os benefícios não salariais, tais como os bônus recebidos por alguns funcionários do setor privado e os generosos planos previdenciários e outros benefícios concedidos aos servidores públicos. Os altos salários no setor público refletem, em parte, um nível de escolaridade cada vez maior entre os funcionários públicos federais. Figura 24: Remuneração anual média no setor Figura 25: Nível de escolaridade dos público (PNADc) servidores públicos federais do Poder Executivo 70,000 Setor Privado Formal 500,000 Superior 60,000 Setor Privado Informal Intermediário R$ (em preços de 2016) Setor Público 400,000 Auxiliar 50,000 Sem Informação 300,000 40,000 30,000 200,000 20,000 100,000 10,000 0 0 2012 2013 2014 2015 2016 2017 Fonte: PNAD contínua. Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, MPOG. Figura 26: Distribuição por faixas salariais – servidores públicos federais (somente Poder Executivo, percentual do total) 20 17.3 18 16 14.6 14 11.7 12 10.2 10 8.2 6.7 7.2 8 5.6 6 5.0 5.0 3.3 2.5 4 2 0.9 1.0 0.8 0 Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, MPOG. 39. Os servidores públicos estão cada vez mais qualificados. Os altos salários do funcionalismo público podem ser explicados, em parte, pelo crescente nível de qualificação dos 45 servidores públicos (Figura 25). Em 2016, o percentual de servidores públicos com diploma universitário havia chegado a 47% (sem considerar os funcionários sobre os quais não havia dados disponíveis), ao passo que, em 2003, somente 35% dos servidores tinham essa qualificação. 40. Todavia, parece que mesmo os servidores menos qualificados recebem altos salários. Não há dados detalhados disponíveis sobre os salários conforme o cargo e as qualificações. Contudo, o Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais (edição de agosto de 2016) fornece informações sobre a distribuição de servidores federais no Poder Executivo conforme seu salário mensal em 2016 (Figura 26). Mais de 25% dos servidores públicos ganham mais de R$ 10.000 ao mês, e mais de 17% encontram-se na faixa mais alta, com salários mensais acima de R$ 13.000 25. Cerca de metade da distribuição encontra-se em torno de R$ 5.000 (entre R$ 2.500 e R$ 7.500), com muito poucos recebendo menos de R$ 2.500 (Figura 26). É razoável presumir que os salários em torno de R$ 5.000 sejam recebidos pelos servidores públicos relativamente menos qualificados. Ainda assim, trata-se de um salário muito alto para padrões brasileiros, uma vez que o salário médio de todos os trabalhadores formais do setor privado é de apenas R$ 1.924, e a maioria dos trabalhadores ganha menos de dois salários mínimos (R$ 1.760 em 2016). 41. Após controlar o nível de escolaridade e outras características dos trabalhadores, o prêmio salarial dos servidores públicos permanece extremamente alto. Uma análise de regressão comparando os salários do setor público com os do setor privado formal e informal, controlando a educação, a idade, a experiência, a localização, a cor e o gênero, revela que há um prêmio salarial significativo no setor público (17%, em média). No entanto, o prêmio é muito mais alto na esfera federal (67%) do que na estadual (31%). No caso de servidores municipais, não há prêmio salarial (os servidores municipais ganham, em média, 1% abaixo de seus equivalentes no setor privado). A descrição completa e os resultados das regressões fazem parte do Volume II. Tabela 2: Resumo de resultados de regressão salarial de servidores públicos Coeficiente Erro-padrão robusto Variável Dependente: log de salário Todo o setor público 0,176*** (0,007) Federal 0,674*** (0,020) Estadual 0,308*** (0,012) Municipal -0,0148** (0,008) *** p<0,01, ** p<0,05, * p<0,1 Fonte: Estimativa dos autores com base na PNAD 2015. Obs.: Os resultados completos de regressão encontram-se no Volume II. 42. O prêmio salarial dos servidores públicos federais brasileiros é atípico para padrões internacionais, e o prêmio salarial dos servidores estaduais encontra-se entre os mais altos do mundo – muito acima dos níveis da OCDE. Em uma comparação de prêmios salariais do setor público (controlando a educação) em 53 países, o prêmio salarial dos servidores federais 25 Infelizmente, não há dados detalhados sobre a categoria mais alta, mas seria útil acessar tais informações, uma vez que os salários mensais superam R$ 33.000. 46 brasileiros, de 67%, aparece como o mais alto da amostra (Figura 27). A maioria dos países observa um prêmio salarial positivo no setor público, embora o prêmio médio seja de 16%, e somente em alguns países esse prêmio supere os 40%. O prêmio dos servidores públicos estaduais brasileiros é de 31%, o que ainda é muito alto comparado a países semelhantes da região e ao nível da renda per capita, e está muito acima dos níveis da OCDE. O pequeno prêmio negativo no funcionalismo municipal encontra-se no extremo mais baixo da distribuição, mas isso não é algo atípico segundo parâmetros internacionais. 26 O prémio salarial dos servidores federais no Brasil é o mais elevado quando comparado com a maioria dos países para que existem dados. Figura 27: Prêmio salarial brasileiro do setor público em relação ao privado (controlando o nível de escolaridade, a experiência profissional, o gênero, a localização etc.), comparado internacionalmente 80% Brasil - Federal Prêmio salarial do setor público (com controles) BWA 60% PAK COLCRI HND SLV ECU 40% TGO UGA PHL GTM Brasil - Estadual RWA TZA MLI MEX GHA BOL MDV PAN GRC DEU CAN PRY URY 20% ETH BGD CHL IRL PER ITA GMB CHN KAZ EST GBR DOM USA 0% TJK VNM FIN EGY Brasil - Municipal RUS MNG -20% 7.000 8.000 9.000 10.000 11.000 Log do PIB per capita, 2015 Brasil América do Norte Europa e Ásia Central América Latina e Caribe Sul da Ásia Leste da Ásia e Pacífico África Subsaariana Oriente Médio e Norte da África Fonte: Worldwide Bureaucracy Indicators, World Bank Bureaucracy Lab. 43. Uma comparação da remuneração em carreiras específicas confirma a existência de um alto prêmio salarial nas remunerações iniciais pagas aos servidores públicos federais. Para comparar os salários de algumas carreiras do setor público com aqueles de áreas equivalentes no setor privado, utilizamos o Guia Salarial da Robert Half (edição de 2017), que fornece dados sobre a faixa salarial de algumas carreiras no setor privado. Mantivemos nosso foco nos setores 26 Um recente artigo do Correio Brasiliense fornece uma comparação da remuneração de algumas carreiras do serviço público federal no Brasil com os Estados Unidos. Os dados sugerem que os servidores públicos no Brasil são extremamente bem pagos para os padrões internacionais. Evidências dos salários de algumas carreiras selecionadas mostram que, no Brasil, servidores públicos são pagos entre 20% e 200% a mais do que nos Estados Unidos. (Fonte: Aline do Valle, 2017, Serviço público – comparação internacional, publicado em Correio Brasiliense 26/10/2017) 47 jurídico e financeiro (análise financeira, auditoria e contabilidade), nos quais os funcionários costumam ser altamente qualificados e os salários pagos estão entre os mais altos. As faixas salariais de diferentes funções nessas áreas no setor privado, quando comparadas a cargos semelhantes no setor público, confirmam a existência de prêmios salariais significativos (Figuras 28 e 29). As carreiras selecionadas no setor público fazem parte do Poder Executivo Federal, e não do Legislativo, Judiciário ou Ministério Público, onde os salários tendem a ser ainda mais altos. Os hiatos salariais nesses setores são tão grandes que o salário inicial de um servidor público (por exemplo, um analista júnior) chega a ser superior ao de profissionais seniores no setor privado. Na área jurídica, advogados recém-formados têm a expectativa de receber um salário de aproximadamente R$ 3.100 no setor privado. No Poder Executivo (por exemplo, na Procuradoria- Geral da Fazenda), o salário inicial é de R$ 18.283. Nos Poderes Legislativo e Judiciário, os salários iniciais de advogados são ainda mais altos – cerca de R$ 30.000 ao mês (tabelas completas com todos os cargos e salários encontram-se disponíveis no Volume II). Naturalmente, esse tipo de comparação entre as estruturas remuneratórias dos setores público e privado tem suas limitações, principalmente porque a remuneração no setor privado pode se beneficiar de acréscimos significativos na forma de bônus de desempenho (que são muito limitados no setor público), e porque os benefícios não salariais são muito mais altos no setor público (em particular, a estabilidade, os benefícios previdenciários mais generosos e muitos outros benefícios menores para habitação, transporte, alimentação etc.) 27. Ainda assim, os resultados são consistentes com os achados gerais da nossa análise de regressão 28. 44. Servidores públicos altamente qualificados também recebem salários mais altos em comparação a seus equivalentes no setor privado. Em algumas carreiras, é possível comparar servidores públicos altamente qualificados com seus equivalentes no setor privado com base no Guia Salarial da Robert Half (edição de 2017). Em geral, os cargos no setor público oferecem uma faixa salarial mais estreita, e aumentos salariais significativos derivam de transferências para outras funções ou de nomeações políticas (“cargos de confiança”) para funções adicionais. A escala salarial do funcionalismo público é limitada pelo salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (R$ 33.763 ao mês em 2016). Os altos salários iniciais de alguns servidores (acima de R$ 20.000, em certas carreiras) limitam seu espaço para aumentos salariais. Isso contrasta com o setor privado, no qual os baixos salários iniciais são combinados com mais oportunidades de progressão salarial e pagamentos de bônus. Nas carreiras jurídicas do Executivo, os salários iniciais são mais do que o dobro pago a advogados no setor privado. Os profissionais jurídicos dos Poderes 27 Grande parte do gasto com o “auxílio moradia” é pago a servidores do Judiciário e Ministério Público (o por força de liminar judicial). Em relação ao Poder Executivo, a maior parte se deve a gastos com servidores da diplomacia e militares, nesse caso, justificado pela natureza das atribuições com frequentes deslocamentos (ex-ofício). O legislativo por sua vez, tem participação relativamente pequena com auxílio moradia, principalmente devido ao fato de esse benefício ser pago basicamente a parlamentares. 28 Os trabalhadores das áreas jurídica e financeira do setor privado recebem, em geral, salários variáveis acrescidos de um bônus, que depende de seu desempenho (“bônus de performance”). O Guia Salarial da Robert Half considera somente o salário fixo. O bônus aumenta à medida que o funcionário adquire mais experiência e demonstra seu valor para a empresa. Isso geralmente vem acompanhado de um aumento de responsabilidade. No caso de desempenho insatisfatório, os trabalhadores do setor privado correm o risco não somente de perder o bônus, mas também de serem demitidos. A maior parte dos servidores públicos não recebe um bônus significativo por seu desempenho, mas se beneficia da plena estabilidade funcional. Eles também recebem bônus baseados na obtenção de qualificações acadêmicas mais altas. Porém, as carreiras jurídicas e os auditores fiscais do Governo Federal receberão bônus de performance a partir de 2018, com base em leis recentemente aprovadas. Outra vantagem do setor público é o sistema previdenciário, que é muito mais generoso que o do setor privado. 48 Judiciário e Legislativo recebem salários iniciais mais de três vezes superiores aos pagos a advogados no setor privado. Para os profissionais financeiros (por exemplo, analistas do Banco Central ou do Ministério da Fazenda), os salários iniciais também são duas ou três vezes superiores aos pagos em carreiras comparáveis no setor privado (analistas ou funcionários de instituições financeiras privadas). No entanto, embora os salários iniciais sejam bem mais baixos no setor privado nessas três carreiras, o topo da escala oferece salários equivalentes aos do setor público nas profissões jurídicas, e significativamente mais altos na área de finanças, no caso dos profissionais mais bem pagos. O elevado prêmio salarial do funcionalismo público federal é evidente nos salários de carreiras de alta qualificação. Figura 28: Salários públicos e privados iniciais Figura 29: Salários públicos e privados iniciais em carreiras jurídicas (salário mensal em reais em carreiras financeiras (salário mensal em de 2016) reais de 2016) 40000 18000 Privado Público Privado Público 35000 15000 12000 30000 9000 25000 6000 20000 3000 15000 0 Analista (Conformidade Analista Financeiro Analista Financeiro 10000 Analista Financeiro 5000 /Auditoria) Júnior Sênior 0 Advogado Sênior Coordenador Chefe da Jurídico Assessoria Jurídica Fontes: Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Fontes: Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais do Ministério do Planejamento e Guia Organizacionais do Ministério do Planejamento e Guia Salarial de 2017 da Robert Half. Salarial de 2017 da Robert Half. 45. Os servidores públicos federais também têm direito de vários benefícios adicionais. Além da participação no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), os servidores públicos federais dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário, além da Advocacia-Geral da União e da Controladoria-Geral da União/Ouvidoria) têm acesso a nove benefícios adicionais, tais como alimentação, transporte, habitação e assistência médica, além de uma série de bônus (Quadro 6). As despesas com benefícios pagos aos servidores públicos totalizaram R$ 16,6 bilhões em 2016, o que representa um pouco menos de 11% da folha de pagamento, em média. Os benefícios do Poder Executivo comprometem cerca de 11% da folha de pagamento daquele poder (R$ 12,9 bilhões em 2016) 29. Os benefícios do Judiciário, do Legislativo e da Advocacia-Geral da União representaram, respectivamente, 9%, 12% e 13% de suas respectivas folhas de pagamento. 29 Os mais importantes desses benefícios são o Auxílio Saúde e Auxilio Alimentação. Em 2016, do total de R$ 12.9 biliões, R$ 10,0 bilhões foram para esses dois auxílios. 49 46. A economia potencial na massa salarial do governo federal é significativa. Seria necessária uma análise mais ampla das estruturas salariais nas diferentes carreiras para mensurar a dimensão exata em que os servidores públicos recebem demais e estimar a economia potencial. Contudo, uma análise preliminar indica que muitas funções do serviço público oferecem uma remuneração acima das taxas de mercado, e aproximar os salários do setor público aos pagos pelo resto da economia poderia economizar um volume considerável de recursos. Por exemplo, se o prêmio salarial dos servidores públicos federais (67%) fosse reduzido pela metade, alinhando os salários federais aos estaduais (ou seja, mantendo um prêmio de 31%), a economia anual resultante seria de 0,9% do PIB (R$ 53 bilhões). Alternativamente, a equiparação do prêmio salarial à média internacional de 16% reduziria a massa salarial em 1,3% do PIB ao ano (R$ 79 bilhões). Uma simulação baseada no modelo fiscal (ver Quadro 4) indica que o congelamento dos salários nominais reduziria o prêmio salarial de 67% para 36% até 2021, e 16% até 2024. O congelamento Quadro 6: Pacote de benefícios dos servidores públicos federais Benefícios: • Auxílio-alimentação. • Assistência medica e odontológica. • Auxílio-transporte: compensação pelo uso de veículo próprio para viagens de trabalho. • Diárias: compensação pelos custos de missões e viagens de trabalho (bilhetes e despesas diárias). • Auxílio-moradia: reembolso de despesas com aluguel e moradia. O auxílio-moradia é concedido aos servidores públicos com base em critérios pré-definidos. • Auxílio-creche. • Ajuda de custo: compensação por despesas de mudança para nova localidade. • Auxílio-funeral: auxílio para despesas funerárias. • Auxilio-natividade: auxílio para despesas de parto. • Programa previdenciário RPPS. Gratificações e adicionais: • Retribuição pelo exercício de função de direção, chefia e assessoramento; • Gratificação natalina; • Adicional pelo exercício de atividades insalubres, perigosas ou penosas; • Adicional pela prestação de serviço extraordinário; • Adicional noturno; • Adicional de férias; • Outros, relativos ao local ou à natureza do trabalho; • Gratificação por encargo de curso ou concurso. Nota: Alguns desses adicionais são previsões constitucionais, também previstos para o trabalhador do setor privado, como por exemplo, o adicional por trabalho noturno; adicional por exercício de atividade insalubres, perigosas ou penosas; e a gratificação natalina (13º salário). Fontes: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8112cons.htm https://www.servidor.gov.br/gestao-de-pessoas/lei-8112-anotada https://www.servidor.gov.br/gestao-de-pessoas/lei-8112-anotada 50 somente dos salários reais (ou seja, mantendo o reajuste salarial baseado na inflação) reduziria o prêmio mais lentamente, atingindo 36% até 2029, e 16% até 2036. 47. Considerando a necessidade de expandir continuamente a prestação de serviços públicos, também é fundamental reduzir o prêmio salarial dos servidores públicos estaduais. Os custos de pessoal vêm crescendo rapidamente nas esferas subnacionais e representam uma importante causa das dificuldades fiscais. Em 2015, 17 estados já gastavam mais de 55% de suas receitas líquidas com folhas de pagamento e aposentadorias 30. Se o número de servidores nas esferas subnacionais continuar crescendo ao mesmo ritmo da última década (3,2% ao ano, em média), os níveis salariais atuais não serão financeiramente viáveis. Se os estados reduzissem o prêmio salarial médio de seus servidores dos atuais 31% para os níveis internacionais (aproximadamente 16%), eles poderiam economizar 0,6% do PIB (R$ 37 bilhões em valores agregados) ao ano. Caso contrário, dadas as restrições fiscais, os governos estaduais precisarão encontrar maneiras de reduzir o número de funcionários. Isso poderia ser feito, por exemplo, por meio da terceirização dos serviços de educação e saúde, pois o setor privado tende a pagar salários mais baixos e operar de maneira mais eficiente. A reforma dos sistemas previdenciários subnacionais também é fundamental para frear a expansão insustentável das despesas correntes. Por fim, conforme a análise abaixo, ganhos de eficiência significativos podem ser realizados nas áreas de saúde e educação, e, portanto, reduções no número de funcionários e nas remunerações não necessariamente afetariam a qualidade dos serviços prestados. 48. Salários iniciais menores aliados a uma maior progressão salarial vinculada à experiência e ao desempenho poderiam gerar economias e oferecer incentivos. Atualmente, o setor público oferece altos salários iniciais para atrair candidatos qualificados, mas tem pouco espaço para recompensar os funcionários com melhor desempenho ou atrair profissionais qualificados do setor privado. Uma estrutura salarial que combine salários iniciais menores com maior flexibilidade para pagar mais com base no desempenho e na experiência poderia permitir ao setor público manter os funcionários com desempenho melhor e atrair profissionais no meio da carreira, reduzindo, ao mesmo tempo, as grandes lacunas salariais nos níveis iniciais. A redução dos salários iniciais teria de ser acompanhada por aumentos salariais baseados no desempenho ao longo da carreira 31. Os salários iniciais deveriam refletir não somente a escolaridade dos candidatos, mas também sua experiência e competências (ver OCDE e Banco Mundial, 2010). No entanto, isso exigiria não somente a revisão dos salários, mas também a introdução de um sistema mais rigoroso de avaliação de desempenho, além de, possivelmente, a criação de mais níveis nas carreiras do setor público. Impacto sobre a produtividade e incidência dos gastos públicos com a folha de pagamento 49. Os servidores públicos são comparativamente ricos no Brasil. Uma análise da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2015) revela que 54% dos servidores públicos (em todos os níveis administrativos) encontram-se no quintil superior da distribuição de renda nacional, e 77% estão entre os 40% mais ricos (Figura 30). Os servidores públicos federais 30 O limite legal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal é de 60%. Estes dados são baseados no Boletim de Finanças Públicas de Estados e Municípios do Ministério da Fazenda. 31 A combinação da redução dos salários e dos limites atuais de progressão salarial no setor público poderia criar um efeito adverso para a seleção de servidores, pois o funcionalismo público seria pouco atraente para profissionais experientes e para aqueles que buscam um alto crescimento salarial no setor privado com base em seu desempenho. 51 têm uma renda particularmente alta: dois terços encontram-se no decil superior da distribuição de renda, 83% estão entre os 20% mais ricos, e quase todos (94%), entre os 40% mais ricos. A concentração de servidores militares e estaduais (incluindo as polícias militares) no topo da distribuição de renda é um pouco mais baixa: 49% e 67% nos 20% superiores, respectivamente. No entanto, 75% dos militares brasileiros e 89% dos servidores públicos estaduais encontram-se entre os 40% mais ricos. Os servidores municipais (que incluem um grande número de trabalhadores nas áreas de ensino fundamental I e saúde) ganham relativamente menos, com 39% entre os 20% superiores, e 66% entre os 40% mais ricos. Os funcionários públicos federais estão no topo da distribuição de renda nacional, portanto, os altos salários perpetuam a desigualdade na sociedade brasileira. Figura 30: Distribuição de servidores públicos na distribuição de renda nacional 100 80 60 40 20 0 Todo o setor público Federais (exc. Militares Estaduais Municipais militares) 10 superior 20 superior 30 superior 40 superior Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base em dados da PNAD. Figura 31: Evolução da desigualdade (coeficiente de Gini) entre setor público e setor privado (salários em preços de 2015) 0.50 0.48 0.46 Índice de Gini 0.44 0.42 0.40 0.38 0.36 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 Gini (Público) Gini (Privado) Fonte: Firpo e Pieri (2016) com base na PNAD. 50. Os altos salários do setor público contribuem para a desigualdade. Uma vez que a maioria dos servidores públicos está próxima ao topo da distribuição de renda, seus altos salários e prêmios salariais em relação a funções comparáveis no setor privado aumentam a desigualdade 52 de renda. Uma análise das declarações de imposto de renda feita por Afonso (2016) demonstra que, das 10 atividades com salários mais elevados, 6 estão no setor público – o que não se observa, com frequência, em países da OCDE e economias emergentes. Como os salários dos servidores públicos são financiados por meio de tributação, que no Brasil não é muito progressiva (em sua maioria, impostos sobre o consumo), os altos salários do setor público constituem uma forma de redistribuição de renda dos mais pobres e da classe média aos mais ricos. 51. Ao longo da última década, a desigualdade diminuiu muito menos no setor público que no setor privado (Figura 31). A última década observou uma redução acentuada dos retornos da educação no setor privado, o que foi um motivador da queda da desigualdade. No entanto, os retornos da educação mantiveram-se praticamente estáveis no setor público. A diferença na evolução dos retornos da educação e as diferenças educacionais entre os dois setores explicam o motivo de os salários do setor público serem mais desiguais que os do setor privado. Firpo e Pieri (2016) simulam a distribuição de renda "contrafatual" no setor privado que teria prevalecido caso os trabalhadores do setor privado tivessem a mesma distribuição educacional encontrada no setor público, mas fossem remunerados conforme o padrão do setor privado (Figura 31). Esse exercício demonstrou que as diferenças explicam o motivo de, até 2013, o coeficiente de Gini do setor privado ser sete pontos inferior ao do setor público. O fato de os altos retornos da educação no setor público não terem se reduzido da mesma forma que no setor privado desacelerou a redução total da desigualdade no país durante os anos 2000 (Firpo e Pieri, 2016). 52. Reformas que reduzam a lacuna de salários e benefícios entre os setores público e privado poderiam não somente reduzir a desigualdade, mas também aumentar a produtividade no Brasil. A grande lacuna salarial, especialmente nos salários iniciais, aliada à estabilidade funcional e aos benefícios mais generosos, atrai profissionais qualificados. Muitos profissionais com formação universitária preferem empregos públicos mesmo se não utilizarem suas qualificações da melhor maneira possível. Não é raro que profissionais formados invistam tempo e recursos significativos na preparação para concursos públicos, em vez de buscarem empregos produtivos no setor privado. Embora a magnitude desse efeito não seja bem compreendida, ele pode criar distorções que afetam negativamente o mercado de trabalho e a capacidade das empresas de contratar mão de obra qualificada. Utilizando um modelo de ciclo de vida com escolhas ocupacionais endógenas, agentes heterogêneos e aplicação imperfeita, Cavalcanti e Santos (2015) simularam (i) uma redução dos prêmios salariais do setor público; (ii) o alinhamento dos regimes previdenciários dos setores público e privado; e (iii) uma redução da estabilidade do setor público. Os resultados demonstram que a redução do prêmio salarial do setor público aumenta a produção, pois o governo gasta menos com folhas de pagamento, os empregos públicos tornam-se menos atraentes e menos pessoas se candidatam a eles. Como resultado, a economia gasta menos com custos de transação associados à demanda excessiva por empregos no setor público. Massa salarial e gestão de recursos humanos: oportunidades para reformas 53. A reforma do funcionalismo público deve visar a reduzir os prêmios salariais, inclusive fora do Poder Executivo. A redução dessa lacuna deve ser o foco das futuras reformas. Embora seja necessária uma análise mais detalhada, é possível fazer algumas recomendações preliminares. Uma opção seria reduzir os salários iniciais de todos os novos funcionários e, assim, reduzir gradualmente os níveis de remuneração e aumentar os retornos da experiência profissional 53 à medida que as coortes mais antigas de servidores se aposentarem. Uma análise demográfica dos servidores públicos atuais indica que a economia poderia crescer rapidamente, pois muitos devem se aposentar na próxima década (38% têm mais de 50 anos) 32. Essa medida deveria ser acompanhada pela introdução de um sistema de avaliação de desempenho mais rigoroso e um bônus por desempenho mais alto. A vantagem dessa abordagem é que ela poderia criar incentivos para o desempenho à medida que os servidores mais jovens buscassem uma promoção. Outra opção seria restringir os aumentos de todos os salários no setor público até que os níveis salariais estejam compatíveis com referências internacionais e com o setor privado. Por exemplo, a restrição dos aumentos dos salários nominais reduziria o prêmio salarial dos servidores públicos federais pela metade até 2021, o que resultaria em uma economia anual de 0,9% do PIB (R$ 53 bilhões). A manutenção dos salários a nível constante em termos reais reduziria o prêmio salarial pela metade até 2029. O Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público, embora relativamente pequenos em termos de número de funcionários, oferecem prêmios salariais particularmente altos e devem ser incluídos em qualquer reforma das políticas salariais. Medidas adicionais podem ser tomadas para reduzir o número de cargos comissionados e endurecer o processo de avaliação dos novos servidores durante o estágio probatório 33. 54. Um estudo anterior do Banco Mundial, realizado em parceria com a OCDE, fornece recomendações detalhadas sobre como melhorar a gestão de recursos humanos no funcionalismo público (OCDE e World Bank 2010): - Racionalização da remuneração. Os ajustes salariais são frequentemente baseados no poder de lobby de diferentes grupos, o que produz custos desnecessários, falta de transparência e aumento da complexidade da estrutura de remuneração. Os bônus por desempenho foram, em grande parte, incorporados aos salários básicos, perdendo, assim, seu propósito original de recompensar os funcionários mais dedicados. A metodologia para aumentos salariais deveria ser baseada nos critérios de viabilidade, integridade e atratividade. Os salários deveriam ser estabelecidos com base no orçamento geral do governo. - Priorização do planejamento estratégico da força de trabalho. O planejamento da força de trabalho deveria ser baseado em uma análise das necessidades variáveis do governo, das possibilidades de realocação de funcionários e de terceirização, bem como das mudanças tecnológicas. A flexibilidade da capacidade de gestão do governo poderia ser expandida por meio do aumento da mobilidade dos funcionários resultante de uma profunda reforma das carreiras e categorias funcionais. A atual onda de aposentadorias oferece uma oportunidade para ajustar o tamanho e as competências da força de trabalho. - Reforma do sistema de carreiras. Atualmente, os servidores são selecionados por meio de um processo competitivo para uma carreira específica e limitada, não podendo mudar para outra carreira a menos que passem em outro concurso. As oportunidades profissionais 32 https://pep.planejamento.gov.br/ 33 Existem cerca de 20,000 “cargos de confiança” no governo (poder executivo), que custam aproximadamente R$ 1 bilhão por ano. Esse número vem diminuindo nos últimos anos, mas ainda se mantem 10% acima do nível observado no começo dos anos 2000. Uma redução de 10% pode trazer economias de cerca de R$ 100 milhões (ou 0.15% do PIB). Outra possibilidade seria endurecer as avaliações dos funcionários em estágio probatório (durante os três anos iniciais). Considerando que o governo contratou em média 18,000 novos servidores durante os últimos 3 anos, se o governo adotar uma política de que apenas 90% deles venceriam o estágio probatório, isso poderia gerar economias adicionais. 54 horizontais e verticais são limitadas, e as exigências de desempenho são mínimas para que os funcionários sejam promovidos dentro da mesma categoria funcional. Uma reforma do sistema de classificação funcional deveria eliminar a diferenciação entre categorias semelhantes de vários órgãos públicos e reduzir o número de categorias, aumentando seu escopo e criando mais mobilidade. As categorias funcionais deveriam incluir mais responsabilidade, e as faixas salariais e a progressão de carreira deveriam ser baseadas na aquisição de competências e no desempenho. - Seleção com base em competências. O governo federal deveria ir além do sistema atual de contratação com base somente nas habilidades acadêmicas e no conhecimento básico dos candidatos, principalmente para funções mais qualificadas e de gestão. A introdução de métodos mais modernos de seleção exige um foco nas competências e na experiência prévia dos candidatos, sem minar os princípios da transparência e do mérito. 55 56 Compras Públicas: Planejamento e Estratégias de Licitações para Eficiência Fiscal Licitações públicas são um passo crítico na provisão de serviços públicos para a população. Uma análise de “strategic sourcing” (aquisições estratégicas) das licitações públicas realizadas pelo governo federal durante os três anos de 2012-2014, cobrindo cerca de R$ 155 bilhões (ou 5% orçamento federal, em média) indica que o governo federal pode economizar entre R$ 24 bilhões e R$ 35 bilhões em três anos (ou um valor entre 0.15% e 0.20% do PIB anualmente; aproximadamente 1% do orçamento federal) via a introdução de estratégias customizadas para licitações públicas. O limite inferior (de R$ 24 bilhões) considera um cenário conservador baseado no desenvolvimento de estratégias melhores de compra para obter economias de escala, maior competitividade, diversificação de ofertantes, minimização do efeito da sazonalidade nos preços, entre outras estratégias que podem ser implementadas durante a fase de compras. O valor mais alto (de R$ 35 bilhões) corresponde a um cenário agressivo que exigiria também gerenciamento da demanda, para reduzir desperdício, substituir materiais e serviços, e padronizar produtos de baixa complexidade. Todas as economias propostas não necessitam de modificações nas leis de licitação e contratos ou da elaboração de novas leis. Todas as propostas são baseadas unicamente em planejamento e estratégias de licitações, seguindo políticas já existentes. Potencial de economias nas compras públicas 55. As compras públicas do governo federal Brasileiro totalizaram 155 bilhões de reais no período 2012-2014, atingindo um patamar de 5% dos gastos do governo neste período (Figura 32). Comparando com outros países da região, as compras públicas do governo federal representaram um percentual significativamente inferior do orçamento, mas deve-se levar em conta o fato de que um grande valor das compras públicas no Brasil é executado por Estados e Municípios. Como o mandato de prestação de serviços públicos por governos locais varia expressivamente entre países, fica difícil fazer uma comparação precisa. 57 56. As contratações de serviços representaram a grande maioria das compras públicas do governo federal nos anos 2012 a 2014, e cerca de 60% do valor total das compras quando se consideram as três esferas de poder. Depois de serviços, materiais foram a segunda maior categoria de despesa, representando cerca de 26%, enquanto que obras alcançaram 14% do valor total contratado. 57. Uma análise detalhada dos dados das compras públicas revela um potencial de economia entre R$24 e R$35 bilhões em um período de três anos (Figura 33). Estas economias podem materializar-se através de melhores estratégias e políticas de compras, sem necessidade de modificar as leis de licitações e contratos. Estas estimativas foram calculadas com base nos dados de licitações e contratos do data warehouse dos sistemas de Compras Governamentais (DW SIASG/Comprasnet) dos anos 2014-2016 e somente dos órgãos do Sistema de Serviços Gerais (SISG) 34. Estas estimativas preveem um cenário conservador, onde as economias seriam geradas nos preços e condições de contratação, e um cenário agressivo, que demandaria ações no lado da demanda, como redução de quantidades, substituição de produtos entre outros. Ambas opções se encontrariam sob controle dos gestores públicos seguindo o atual arcabouço normativo, sem necessidade de novas leis ou modificações às leis existentes. Figura 32: Parcela das compras públicas nas despesas do governo federal Execução orçamentária 2012-2014, em R$ bilhões Compras públicas somaram 5% dos gastos Fonte: Base de dados BOOST em nível federal. 58. O modelo desenvolvido para estimar o potencial de economia é capaz de explicar um pouco mais de 60% da variância nos preços unitários, um resultado bastante robusto. O modelo identificou os seguintes elementos com impacto significante sobre preços: (1) quantidade comprada em cada licitação, (2) licitação aberta em contrapartida a processos restritos, (3) sazonalidade, (4) uso de registro de preços, (5) prazo permitido para preparação e apresentação de propostas, (6) comprador e fornecedor de Estados distintos, (7) número de licitantes. Entre estas variáveis, a quantidade comprada em um processo de licitação se mostrou a mais relevante em termos de impacto sobre os preços. Estimamos que uma melhor alavancagem da demanda do governo federal poderia resultar em economia média de 8% nos preços contratados. Das sete 34 Os dados do DW SIASG/Comprasnet não incluem as obras contratadas pelo Regime Diferenciado de Contratações (RDC). 58 Figura 33: Potencial de economia nas compras variáveis com impacto sobre preços públicas (R$ bilhões, anos-base 2012-2014) apresentadas acima, as cinco primeiras podem ser influenciadas diretamente por decisões dos gestores públicos, através de políticas ou estratégias de compra. As duas últimas variáveis (número de licitantes e comprador e fornecedor de Estados diferentes), ainda que não possam ser diretamente alteradas pelos gestores públicos podem ser influenciadas pelas políticas e estratégias de compras de maneira indireta. Por exemplo, licitações em maior escala teriam muito mais chance de interessar a um mercado nacional de fornecedores do que várias licitações de pequeno volume, que Fonte: Análises do Banco Mundial. provavelmente interessarão mais a fornecedores locais. Figura 34: Variáveis com impacto sobre preços Fonte: DW SIASG/Comprasnet e Análises Banco Mundial. 59. Uma melhor consolidação da demanda do governo federal constitui a principal oportunidade para geração de economias nas compras públicas (Figura 34). Neste sentido, a sugestão seria realizar uma compra principal para atender a maioria da demanda. Compras paralelas à principal deveriam ser exceções justificadas. Esta estratégia permitiria não somente melhorar os preços de contratação como também uniformizar a qualidade dos produtos adquiridos, o que poderia levar a uma melhoria na média. Existe ampla latitude para alavancar a demanda do governo federal, pois, dos principais produtos adquiridos pelo governo, metade deles tiveram uma maior compra que não alcançou sequer 20% da demanda total no ano correspondente (Figura 35) 35. 60. O período do ano também teve impacto substancial sobre os preços contratados pelo governo federal, sendo que os preços de dezembro foram enfaticamente mais caros (Figura 36). Infelizmente, a maior parte do valor comprado ocorre justamente no final do ano, e alguns 35 DW SIASG/Comprasnet, anos 2014-2016, somente órgãos SISG. Todas as análises apresentadas neste documento foram preparadas com estes parâmetros. 59 produtos de alto valor como veículos são comprados em sua grande maioria justamente no último mês do ano. Estima-se que o governo poderia economizar cerca de 1,3% do valor comprado com uma melhor distribuição das compras ao longo do ano, evitando efeitos da sazonalidade. No caso de veículos por exemplo, o final do ano coincide com o lançamento de novos modelos que são mais caros. Existe espaço para alavancar a demanda do governo federal, pois a maioria dos principais produtos adquiridos pelo governo não tiveram compras que alcançaram mais de 20% da demanda total no ano. Figura 35: Oportunidades de economia através de consolidação da demanda Volumes comprados e previsão de preços Maior compra não chegou a 20% da demanda contratados para maioria dos produtos Fonte: DW SIASG/Comprasnet e análises Banco Mundial. A maior parte do valor comprado ocorre no final do ano, quando os precos são mais caros. Figura 36: Efeito da sazonalidade sobre os preços Fonte: DW SIASG/Comprasnet e análises Banco Mundial. 61. O nível de competitividade nas licitações também teve impacto significante nos preços, sendo que licitações com maior número de licitantes resultaram em menores preços. 60 Estima-se um potencial de economia de 0,2% ou pouco mais de 300 milhões de reais em três anos se as licitações tivessem entre 6 e 11 licitantes. Os dados das compras públicas dos órgãos SISG nos anos 2014-2016 mostram que esta seria uma meta factível, pois metade das licitações no período tiveram cinco ou mais licitantes (Figura 37). Como previsível, licitações com maior número de licitantes resultaram em menores preços. Figura 37: Nível de competição e preços Maior número de licitantes resultou em Distribuição de licitantes nas compras: Número menores preços de licitantes por quartis, órgãos SISG, 2014- 2016 Fonte: DW SIASG/Comprasnet e análises Banco Mundial. Estratégias de aquisição para aumentar a eficiência: estudos de caso de automóveis e equipamentos de TI 62. Para o desenvolvimento e implementação das estratégias para materialização das economias, sugere-se o uso da metodologia “strategic sourcing”, que é amplamente utilizada em organizações eficientes tanto do setor privado como do setor público. Em poucas palavras, esta metodologia é constituída de seis etapas principais, com produtos e escopo bem determinados (Figura 38). A metodologia “strategic sourcing” busca alcançar maior eficiência nos resultados e processos de compra e suprimento, o que constituiria o pilar de fundação de um bom sistema de compras. Figura 38. Metodologia empregada para implementação das estratégias de compras Etapas principais da metodologia “strategic sourcing” Fonte: Banco Mundial. 63. Com base na análise de gastos do governo federal em 2014, selecionamos duas categorias de produtos – equipamentos informáticos e veículos - para iniciar um projeto de “strategic sourcing”. Estas categorias foram escolhidas com base na relação custo/benefício, 61 levando em conta o custo e a complexidade de desenvolver um projeto de compras bem como o potencial benefício que estes projetos trariam ao governo em termos de economias e melhoria na qualidade média. Elas representam um valor e volume expressivo das compras, somando aproximadamente R$ 6,8 bilhões nos anos 2014-2016. Além disso, estas categorias são compostas por um grupo relativamente pequeno e homogêneo de materiais, o que facilita o desenvolvimento de estratégias de compras. Também são produtos fáceis de padronizar, com especificações bem definidas e conhecidas no mercado. E, o fato de que são compradas por diversos órgãos do governo de maneira dispersa e fragmentada representa grande potencial de economia. Os dados das compras de 2014-2016 também mostram que estas categorias respondem à competição e à consolidação da demanda, aumentando as chances de êxito dos projetos. 64. Estas duas categorias apresentam potencial de economia estimado entre R$1,1 e R$1,6 bilhão três anos. As estimativas são apresentadas em um cenário conservador, mais fácil de alcançar e baseado em melhores estratégias e processos de compras, e um cenário agressivo, mais ambicioso, que requer mudanças no padrão e forma de consumo ademais dos melhores preços de contratação. Veículos 65. A categoria veículos constitui uma oportunidade bastante atrativa para projetos de estratégias de compras porque são produtos de padronização simples, com segmentos de mercado bem definidos, o valor contratado é vultoso, e diversos órgãos do Governo Federal compram veículos. Por conseguinte, trata-se de uma categoria que pode gerar economias de maneira simples e rápida. Entre 2014 e 2016, o Governo Federal comprou 33 produtos distintos na categoria veículos, sendo que quatro deles – ônibus, caminhão, automóvel e ambulância – somaram 80% do valor comprado no período. Ainda mais, quase 90% da demanda por automóveis em 2014 originaram de órgãos no Distrito Federal. Estas são características propícias para o desenho de estratégias de compra. 66. E, muito embora a demanda esteja concentrada em poucos mercados, metade das compras de automóveis contemplaram somente uma ou duas unidades, dispersando, por conseguinte, a demanda entre vários órgãos do governo. A maior compra de automóveis em 2014 não alcançou 16% da demanda total naquele ano. Outrossim, ainda que 103 órgãos diferentes tenham comprado veículos, apenas sete deles somaram 90% do valor total comprado. Igualmente relevante é o fato de que 75% dos órgãos que compraram veículos entre 2014 e 2016, compraram não mais que 11 unidades em três anos. Isto revela a dispersão da demanda e a impossibilidade da grande maioria dos órgãos de alavancar menores preços através de economias de escala se o fizerem individualmente. 67. A divisão da demanda por veículos resultou em grandes diferenças nos preços pagos pelo Governo Federal (Figura 39). Por exemplo, para um automóvel tipo sedan que tem a funcionalidade de transportar cinco passageiros, os preços se encontraram em um intervalo de R$ 55,000 a mais de R$120,000, considerando somente os preços entre os percentis 25 e 75. A discricionariedade dos órgãos nas especificações dos automóveis é uma das razões para esta diferença, que em alguns casos pode resultar na compra de um ativo que sobrepassa sua funcionalidade e utilidade para o governo. Os dados também mostram que os preços fora da curva ocorreram quase que exclusivamente em compras muito pequenas, por poucas unidades. 62 Fracionamento da demanda resulta em grande dispersão de preços. Figura 39: Distribuição de preços unitários de automóveis, ônibus e caminhões nos preços pagos pelo Governo Federal Fonte: DW SIASG/Comprasnet e análises do Banco Mundial. 68. Os dados das compras de automóveis dos anos 2014-2016 revelam que os fornecedores apresentaram preços diferentes pelo mesmo produto, dependendo do órgão comprador, da quantidade demandada, do período do ano entre outros. Em um caso, o preço por um mesmo automóvel teve variação de 40%. Uma estratégia centralizada de compras poderia gerar economias e também minimizar a assimetria de informação entre os diferentes órgãos do governo, que resulta em substancial variação de preços por produtos similares. 69. Quase 80% do valor comprado de veículos ocorreu no último trimestre do ano, justamente a época que apresentou os maiores preços por estes produtos. Possivelmente, o lançamento de novos modelos pode haver contribuído para a sazonalidade dos preços. Mas, a execução tão concentrada no final do ano em um item de alto valor agregado traz a pergunta se a demanda esteve reprimida ao longo de todo o ano ou se este é um resultado do descontingenciamento do orçamento no final do ano. Qualquer das opções representa uma oportunidade bastante expressiva de melhoria da eficiência. 70. Ainda mais, quase 90% das compras de veículos através de registro de preços ocorreram no último trimestre, parecendo indicar que existe alguma insatisfação com as ofertas dos registros de preços, pois os órgãos parecem acudir a este instrumento somente quando já não há tempo suficiente para fazer uma licitação individual. Em contrapartida, compras por outras formas que não registro de preço corresponderam somente a 35% do total no mesmo período. Estes números parecem sugerir que seria importante avaliar as ofertas de registros de preço para assegurar que atendam às demandas de funcionalidade dos diversos órgãos compradores. 71. Os dados das compras de veículos durante os anos 2014-2016 não permitem chegar a uma conclusão sobre a tendência de crescimento da frota de veículos do governo, mas quase 54 mil novos veículos automotivos foram comprados neste período. A introdução de novos veículos na frota do governo traz custos de operação, adicionalmente aos custos de aquisição. Em média, os custos de operação de um veículo podem representar entre 15 e 33% do custo total de 63 vida do veículo 36. Dados de compras do Governo Federal mostram que foram gastos pelo menos R$ 969 milhões nos anos 2014-2016 com a operação de veículos – excluídos os gastos de aquisição. Por esta razão, a introdução de um novo veículo automotivo na frota do governo é uma decisão importante e que deveria seguir regras e políticas de consumo. O preço de compra pode representar somente 67% do custo total de vida de um veículo; preço por kilômetro seria uma métrica mais ajustada para compras de novos veículos. Figura 40: Preço por kilômetro de um veículo Fonte: Automotive Fleet. 72. As compras de novos veículos utilizam como critério de escolha da proposta vencedora o menor preço de compra; entretanto, como mencionado acima, o preço de compra pode representar somente 67% do custo total de vida de um veículo. Sugere-se a adoção de uma métrica mais relevante para escolha das propostas vencedoras, que seria o preço por kilômetro de um veículo. Esta métrica inclui não somente o preço de compra, mas também os custos de operação do veículo, como manutenção e consumo de combustível. O menor preço de compra pode não representar o menor preço quando se inclui os gastos para manter o veículo em operação (Figura 40). 73. Em síntese, no tocante à compra de veículos, apresentam-se as seguintes sugestões para uma estratégia de contratações: 37  Consolidação da demanda em um contrato principal, com exceções justificadas;  Limite às especificações e requerimentos dos produtos de acordo com a funcionalidade;  Adoção de um critério de avaliação de propostas para aquisição de novos veículos com base no preço por kilômetro ou outra métrica que leve em conta os custos de operação;  Padronização das especificações de acordo com a funcionalidade; 36 Automotive Fleet. 37 É importante citar que já existem iniciativas no Governo Federal para racionalizar gastos com aquisição de automóveis: p.ex.: o serviço de mobilidade de servidores instituído pelo Ministério do Planejamento (Táxi-GOV): Além de melhorar a eficiência do gasto público, com economia estimada de R$ 20 milhões por ano, o TáxiGov permitirá maior controle e transparência sobre o serviço de transporte, com informações mais precisas sobre o uso dos veículos. (http://www.planejamento.gov.br/taxigov) 64  Desenvolvimento e implementação de uma política de gestão da frota de veículos do governo;  Controle da demanda no último trimestre do ano, com o objetivo de evitar compras no último mês e melhor distribuir a demanda ao longo do ano. Equipamentos de informática 74. A categoria de equipamentos de informática é mais heterogênea que veículos, com um total de 235 produtos diferentes, 961 órgãos compradores, mais de 5.300 licitações e um valor total comprado de quase R$4 bilhões no período 2014-2016. Apesar da diversidade de produtos e mercados na categoria, uma análise mais detalhada das compras revela que a complexidade é baixa e o potencial de economia, alto. Por exemplo, dos mais de 200 produtos na categoria, apenas quatro alcançam quase 70% do valor total comprado; e, ainda mais importante, estes quatro produtos são simples: computadores laptop e desktop, equipamentos de rede de informática, software para computadores pessoais e software para servidores. 75. A categoria de equipamentos de informática foi uma das mais competitivas no período 2014-2016, sendo que metade das licitações tiveram nove ou mais licitantes. Igualmente importante foi o fato de que esta categoria apresentou comportamento típico de mercados competitivos, sendo que os preços apresentaram correlação sólida com o nível de competição e com as quantidades compradas. E, considerando que as compras de computadores laptop e desktop somaram 1,5 bilhão de reais no período – atrás somente de livros - conclui-se que esta categoria apresenta uma alta relação custo/benefício, pois computadores são fáceis de especificar e comprar, e o potencial de economia e melhoria média na qualidade é bastante alto. A grande dispersão de preços unitários contratados na compra de equipamentos de informática revela uma ampla oportunidade de economias de escala. Figura 41: Preços contratados dos principais equipamentos de informática Fonte: DW SIASG/Comprasnet e análises Banco Mundial. 76. Dados das compras de computadores laptop e desktop em 2014 mostram que as compras estiveram bastante dispersas: enquanto que foram comprados mais de 371,000 computadores, metade das licitações contemplaram não mais que seis unidades, o que revela uma grande oportunidade de economias de escala. A título ilustrativo, uma pesquisa com 65 grandes organizações realizada pelo Corporate Executive Board do Gartner Group mostrou que 80% das organizações gerenciam as compras de computadores na escala mais ampla possível, seja ela global, para empresas multinacionais, ou nacional, para empresas com negócios em todo um país 38. A divisão da demanda por computadores do Governo Federal resultou em uma grande diversidade de preços contratados por equipamentos que atendem uma necessidade muito similar (Figura 41). 77. A compra de equipamentos de informática do Governo Federal esteve distribuída entre vários órgãos, mas uma particularidade desta categoria foi que muitos órgãos tiveram demanda bastante significativa: 66 órgãos compraram mais de R$10 milhões no período 2014-2016, sendo que 10 órgãos somaram metade do valor total comprado. O grande número de compradores desta categoria requer que o trabalho de preparação de uma estratégia central de compras seja mais detalhado, buscando entender as necessidades dos diversos usuários. Entretanto, deve-se ter em mente que a maioria das compras são computadores laptop e desktop e que é relativamente simples especificar estes equipamentos em função da sua funcionalidade esperada. 78. O comportamento do mercado de equipamentos de informática revela que o potencial de economia é alto nesta categoria porque foram mercados com comportamento típico de mercados competitivos. Licitações com maior número de licitantes consistentemente pressionaram para baixo os preços contratados e os preços reagiram positivamente a licitações que consolidaram a demanda. Ainda mais, a presença constante de fabricantes nas licitações do Governo Federal demonstra que a demanda é atrativa e que o governo tem credibilidade junto com os fabricantes. Figura 42: Uso da tecnologia “cloud computing” para redução de despesas com infraestrutura de informática Fonte: Garner Group. Corporate Executive Board (2014). 79. Os dados das compras entre 2014-2016 não permitem chegar a uma conclusão sobre a tendência da demanda por equipamentos de infraestrutura informática, mas o valor gasto é expressivo: foram R$143 milhões em 2014, R$27 milhões em 2015 e R$57 milhões em 2016. 38 Gartner Group, Corporate Executive Board, 2014. Category Manager Survey. 66 Como o licenciamento de software é permanente e a necessidade de upgrade da infraestrutura constante, não é difícil de imaginar que estes gastos continuarão elevados no futuro. 80. O Governo Federal mantém sua própria infraestrutura de informática, mas muitas organizações estão migrando alguns sistemas para a tecnologia “cloud computing”, com o objetivo principal de reduzir custos. Uma pesquisa do Gartner Group concluiu que organizações que adotaram a “nuvem” economizaram em média 14%. 39 Estas economias derivaram de uma redução de despesas com infraestrutura, licença de software, salários e elasticidade possibilitada pela “nuvem”, uma vez que se pode facilmente interromper o serviço quando já não seja mais necessário. A figura 42 apresenta um detalhamento das principais conclusões da pesquisa do Gartner Group. 81. Embora uma migração total dos sistemas do governo para “cloud computing” não seja algo recomendável ou sequer desejável, o uso desta tecnologia para sistemas menos críticos pode reduzir materialmente os custos, não só de investimento, mas, ainda mais importante, de manutenção e upgrade da infraestrutura. A decisão de quais sistemas seriam melhor mantidos na “nuvem” requer uma análise detalhada e consulta com diversas partes interessadas que se encontram fora do escopo deste trabalho. 82. Em síntese, estas seriam as principais sugestões para geração de economias na compra de equipamentos de informática:  Para os produtos de maior valor de compra, consolidar a demanda em um contrato principal;  Padronizar especificações técnicas e requerimentos para os produtos com base na funcionalidade e necessidade do usuário final, com exceções justificadas;  Reduzir gradualmente a infraestrutura informática do governo, mantendo prioritariamente os sistemas considerados críticos em infraestrutura própria, e migrando sistemas não- críticos para a tecnologia de “cloud computing”. Oportunidades de economias nas compras públicas do Governo Federal 83. Com um valor total gasto de quase R$155 bilhões entre 2012-2014, o mercado de compras públicas do Governo Federal é bastante vultoso e apresenta oportunidades eminentes de economias. Estimamos que se poderia, em três anos, economizar entre R$24 bilhões através de melhores estratégias de compras e R$35 bilhões se melhores compras forem acompanhadas de programas de racionalização e gerenciamento da demanda. 84. Uma melhor consolidação da demanda do Governo Federal prévia ao processo de compra apresenta a melhor oportunidade de derivar economias através de ganhos de escala. Estimamos que esta estratégia se implementada apropriadamente poderia resultar em 8% de economias. Os dados das compras mostram uma elevada divisão da demanda do Governo Federal, uma vez que as compras são planejadas e executadas em nível de órgão, ainda que muitos produtos estratégicos sejam comprados em grande volume quando se somam as demandas de todos os órgãos. 39 “Cost optimization secrets: plan and managed cloud services for 14% savings, on average”. (Garner Group, Corporate Executive Board, 2014). 67 85. A sazonalidade teve efeito substancial nos preços contratados pelo governo, sendo que dezembro foi consistentemente o mês mais caro das compras, e coincide justamente com o período do ano quando uma quantidade substantiva da demanda foi adquirida. No caso de veículos, uma das categorias de maior valor contratado, a maior parte das compras foram realizadas no final do ano. Um melhor planejamento das compras combinado com uma estratégia que busque evitar os efeitos da sazonalidade poderia resultar em economias substanciais para o governo. 86. Os dados parecem indicar que as ofertas de registros de preços necessitam ser enfaticamente melhoradas: o registro de preços não só resultou em maiores preços, contrário ao objetivo original do instrumento, mas também grande parte dos órgãos preferiram compras individuais a menos que a proximidade do final do ano não permitisse tempo suficiente. Mais de sete mil produtos foram oferecidos por registro de preços, um número exponencialmente superior ao encontrado em organizações onde o instrumento traz resultados positivos. Isto parece indicar que o registro de preços foi usado para compras em que o instrumento não seria a melhor opção. E, uma reformulação do registro de preços com o objetivo de melhorar os resultados e as ofertas de produtos será um elemento fundamental para aumentar a eficiência das compras públicas. 68 Previdência Social: Uma Conta Impagável Para padrões internacionais, o Brasil gasta muito em benefícios previdenciários, embora sua população ainda seja relativamente jovem. Esse valor aumentará drasticamente ao longo das próximas décadas, pois o número de idosos crescerá rapidamente. Estimativas sugerem que, na ausência de uma reforma, até 2030 o gasto primário total federal previsto na nova regra de gastos (o teto) teria de ser usado somente para pagar a previdência. A reforma previdenciária proposta pelo governo reduziria o déficit do sistema previdenciário RGPS pela metade ao longo dos próximos 50 anos e economizaria cerca de 2% do PIB durante a próxima década. Essa economia é um componente fundamental de qualquer estratégia de ajuste fiscal confiável. A reforma da previdência é necessária não só para reduzir os custos fiscais, mas também para tornar o sistema previdenciário mais equitativo. Os subsídios per capita no RGPS são muito mais altos para os trabalhadores que ganham três salários mínimos ou mais. A reforma proposta imporia custos de ajuste mais altos aos trabalhadores mais ricos e tornaria, assim, o sistema mais equitativo. A parte mais injusta da previdência brasileira, no entanto, é o sistema previdenciário dos servidores públicos (Regime Próprio de Previdência Social – RPPS), que oferece aposentadorias extremamente generosas, principalmente para os que ingressaram antes da reforma de 2003. O RPPS federal já apresenta um déficit de 1,2% do PIB. Ademais, os déficits dos RPPSs subnacionais devem subir drasticamente nos próximos anos, levando muitos estados à beira da falência. Os altos subsídios embutidos nas aposentadorias dos servidores públicos são altamente injustos, pois eles fazem parte do grupo mais rico da população. Portanto, os servidores devem contribuir para a reforma por motivos de equidade e sustentabilidade. O conceito de direitos adquiridos precisa ser revisto. Revisão do sistema previdenciário brasileiro em um contexto internacional 87. O Brasil mantém vários sistemas de previdência pública em diferentes níveis de governo. O Governo Federal é responsável por dois sistemas previdenciários contributivos, que 69 funcionam como programas de benefícios definidos: O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) dos trabalhadores do setor privado, e o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) dos servidores públicos civis e militares. O maior desses sistemas, o RGPS, com cerca de 59 milhões de contribuintes e 30 milhões de beneficiários, é administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No âmbito do RGPS, a maior parte dos contribuintes e beneficiários (54 e 20 milhões, respectivamente) faz parte do sistema urbano, que recolhe contribuições de trabalhadores formais e seus empregadores. O RGPS também mantém um programa de previdência rural, que paga aposentadorias a trabalhadores agrícolas (mesmo se não tiverem um contrato formal de trabalho) e somente exige contribuições mínimas. O INSS também administra o programa de benefícios sociais para os pobres idosos e portadores de deficiência (Benefício de Prestação Continuada, BPC) 40. Servidores públicos federais fazem parte do sistema próprio do governo (RPPS), que opera em condições consideravelmente diferentes daquelas adotadas pelo RGPS. Os estados e grandes municípios também mantêm seus próprios RPPSs, que estão sujeitos, todavia, a regras estabelecidas pela Constituição Federal e por leis federais. Os servidores públicos de pequenos municípios, caso não tenham instituído um RPPS, são incluídos no RGPS. 88. O sistema previdenciário atual é generoso para padrões internacionais. Ambos os esquemas (RPPS e RGPS) permitem que os contribuintes se aposentem por tempo de serviço com base em parâmetros relativamente generosos, o que permite que os trabalhadores se aposentem cedo e com altos benefícios. Muitos trabalhadores, especialmente aqueles com salários altos e por volta dos seus 50 anos tiram grande benefício disso. Essas aposentadorias são fiscalmente custosas, pois elas envolvem 100% de taxas de reposição e um horizonte de pagamento de mais de 30 anos. Atualmente, nenhum país da OCDE oferece aposentadoria por tempo de serviço, uma vez que todas as aposentadorias são concedidas pela idade. Atualmente, a idade mínima para aposentadoria é de 65/60 anos para homens e mulheres em regiões urbanas; 60/55 para homens e mulheres em regiões rurais; 60/55 para homens e mulheres no funcionalismo público; e 55/50 para homens e mulheres que trabalham como professores ou outros grupos especiais de servidores públicos, dentre os quais a polícia militar. Em comparação aos padrões da OCDE, os aposentados brasileiros estão em uma situação favorável, pois mesmo os países com sistemas previdenciários mais generosos da OCDE exigem uma idade mínima para aposentadoria de 65 e 67 anos para homens e mulheres (Figura 43). As taxas de reposição também são muito altas no Brasil, pois a maioria dos trabalhadores ao fim de sua vida laboral recebe uma renda previdenciária equivalente a seu último salário (aposentadoria integral) 41, ao passo que as taxas de reposição ficam em torno de 70% na maior parte dos países da OCDE (Figura 44). 89. Embora o Brasil ainda esteja na fase inicial de sua transição demográfica, as despesas previdenciárias já são mais altas que em muitas economias avançadas, que possuem populações muito mais idosas. Até 2013, os gastos do RGPS permaneceram relativamente estáveis em cerca de 6% do PIB, mas subiram para 8% do PIB em 2016. O déficit do RGPS (urbano e rural) atingiu 2,4% do PIB em 2016, em que a aposentadoria rural é responsável por 1.6%. Os gastos dos vários sistemas previdenciários do setor público (RPPS) também aumentaram, atingindo 4,1% do PIB em 2015 (Figura 45). O sistema RPPS federal, que beneficia cerca de um milhão de aposentados, teve um custo de 1,8% do PIB em 2015, com um déficit 40 Como o BPC é um programa social não contributivo, ele será tratado em mais detalhes no capítulo sobre proteção social. 41 Na verdade, a aposentadoria mínima é indexada ao salário mínimo e garante uma taxa de reposição de 100% para os trabalhadores formais de baixa renda, bem como para os trabalhadores rurais. 70 equivalente a 1,2% do PIB em 2015. As despesas com RPPSs subnacionais atingiram 2,4% do PIB em 2015, com um déficit do RPPS de 0,8% do PIB (TCU, 2016). Uma comparação entre a despesa previdenciária total (RPPS e RGPS) como percentual do PIB e a razão de dependência dos idosos em vários países revela que o Brasil é atípico para padrões internacionais (Figura 46). Mesmo após a reforma, a previdência brasileira permaneceria muito generosa para padrões internacionais. Figura 43: Idade de aposentadoria (estimada, 2040), comparação internacional 72 70 68 66 64 anos 62 60 58 56 54 LU ES HR LV LT PL EE HU RO Brasil com reforma EL PT BE BG IT IE CY UK CZ DK DE MT FR SE SK FI AT Brazil sem reforma NL SI Homens Mulheres Fonte: European Commission (2015) e Banco Mundial. Figura 44: Taxa de reposição teórica (para trabalhadores do sexo masculino com 40 anos de contribuição), comparação internacional 120% 100% 80% % último salário 60% 40% 20% 0% LV LT LU HR HU Brasil com reforma RO BE BG EE ES PL PT IT CZ IE CY MT UK Brasil sem reforma DK DE NL AT FR SI SK FI SE Fonte: European Commission (2015), e Banco Mundial. 90. Ambos os sistemas previdenciários (RGPS e RPPS) são propícios à insustentabilidade fiscal no nível federal e subnacional: o pacote de benefícios generoso, aliado ao rápido envelhecimento da população brasileira vai resultar em um déficit na previdência que administrações futuras terão dificuldades de lidar ao longo das próximas décadas. Sem reforma, 71 A despesa do Brasil com as aposentadorias do setor público é bem alta. Figura 45: Despesas previdenciárias com servidores públicos: países selecionados da OCDE e Brasil (percentual do PIB) 4.5% 4.0% 3.5% 3.0% 2.5% % PIB 2.0% 1.5% 1.0% 0.5% 0.0% Eslovênia Bélgica Grécia Áustria EUA Israel Alemanha Canada Polônia Chile Austrália Japon México Suíça Francia Irlanda Espanha Suécia Holanda Turquia Portugal Finlândia Reino Unido Coreia Dinamarca Brasil Fonte: Whitehouse (2016) e estimações do Banco Mundial baseadas em fontes federais e estaduais para o Brasil. as despesas do RGPS devem chegar a 11% do PIB até 2027, e o déficit estrutural do RGPS deve exceder 4% do PIB no mesmo período, chegando a 7,5% até 2037, e mais de 16% do PIB até 2067. No RPPS, servidores civis que entraram antes de 2003 são, atualmente, agraciados com pacotes de aposentadorias muito mais generosos. Então, enquanto o sistema RPPS federal vai se equilibrar no longo prazo, no curto e médio prazo, um grande déficit vai continuar a existir graças as aposentadorias dos servidores civis pré-2003, o que vai pesar nos pagadores de impostos pelas próximas duas décadas. Aliadas aos gastos com o sistema RPPS federal, as despesas previdenciárias totais em nível federal comprometerão toda a despesa governamental prevista no âmbito do teto de gastos até 2030 (Figura 47). O Brasil já gasta mais que países mais idosos, e, sem a reforma, a previdência ocupará todo o espaço de gastos permitidos até 2030. Figura 46: Despesas previdenciárias totais (RPPS e RGPS) como percentual do PIB e razão de dependência 18 Despesas com seguridade social (% do 16 Itália 14 Grécia França Áustria Portugal 12 Brasil Eslovênica Polônia 10 Bélgica Alemanha Espanha Hungria Finlândia Japão PIB) República Tcheca 8 Turquia Luxemburgo Eslováquia Estônia Suécia Estados Unidos Suíça 6 Dinamarca Unido Reino Baixos Países Noruega Irlanda Nova Zelândia Israel Canadá 4 Austrália Chile 2 México Coreia Islândia 0 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 Razão de Dependência (% da população com 65 anos/população em idade ativa) Fonte: Banco Mundial. 72 Sem reforma, as despesas previdenciárias absorverão todo o espaço sob o teto até 2030. Figura 47: Projeção de despesas Figura 48: Valor presente dos déficits previdenciárias e regra de gastos (percentual do projetados do RGPS até 2080 (% do PIB PIB) nacional de 2017) 22% 160% 20% RGPS RPPS Teto 140% 18% 16% 120% % do PIB (2017) 14% 100% 12% 80% 10% 8% 60% 6% 40% 4% 20% 2% 0% 0% Dívida Pública VPL dos deficits 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030 projetados do RGPS Fonte: Simulação com base no modelo fiscal do Banco Fonte: Estimativas do Banco Mundial Mundial. Obs.: O VPL é o somatório dos déficits futuros projetados do RGPS até 2080, descontados a uma taxa real de 5%. 91. A insustentabilidade do Sistema previdenciário Brasileiro atual é também refletida no alto valor presente dos déficits futuros projetados. Déficits projetados para o Sistema RGPS e o Sistema RPPS dos estados podem ser trazidos para valor presente para estimar a responsabilidade fiscal total do governo com os sistemas previdenciários. O valor presente dos déficits futuros cumulativos do RGPS é estimado em 150% do PIB, aproximadamente o dobro da dívida pública contratada pelo Tesouro Nacional, que ficou em 73.9% do PIB em setembro de 2017 (Figura 48). Similarmente, o valor presente dos déficits projetados dos sistemas RPPS dos estados é bem maior do que do que a dívida explícita desses estados (Figura 49). 42 92. O Brasil está próximo a uma crise do sistema previdenciário em nível subnacional. Estima-se que os déficits dos RPPSs subnacionais tenham um crescimento rápido ao longo da próxima década, pois muitos servidores públicos se aposentarão com os benefícios concedidos antes de 2003. Simulações do RPPSs sugerem que os déficits previdenciários se estabilizarão e depois começarão a reduzir gradualmente por volta de 2035, quando começarão a se sentir os efeitos da reforma de 2003 (Figura 50). Segundo dados atuariais publicados por 23 estados, os déficits dos RPPSs subnacionais devem crescer de 1,6% do PIB em 2014 para 2,1% até 2020, antes de se reduzirem para 2,0% em 2027, 1,7% em 2036 e 0,4% até 2066 43. Na ausência de uma reforma, estima-se que, até 2030, vários estados precisarão gastar até um terço de suas receitas 42 Municípios maiores e o RPPS do Governo Federal estão em uma situação similar, mas essas figuras não são apresentadas nesse capítulo. 43 Os cálculos são baseados na projeção de déficit previdenciários atuariais divulgada por 23 estados (excluindo MT, PB, SC e SP), disponível em: http://www1.previdencia.gov.br/sps/app/draa/draa_default.asp. Vale destacar que a qualidade desses dados é, provavelmente, baixa. Um relatório recente do Tribunal de Contas da União (TCU), utilizando dados dos relatórios fiscais (resultados realizados) estima que o déficit dos RPPS subnacionais seja menor, por volta de 0.86% do PIB em 2015 (TCU 2016). 73 A reforma não afeta os aumentos insustentáveis dos déficits dos RPPSs estaduais nos próximos 3-5 anos. As implicações fiscais são amplas e sistêmicas, e a solução exige a liderança do governo federal. Figura 49: Valor presente dos déficits futuros projetados do RPPS dos estados, como porcentagem dos seus PIBs 140% VPL dos deficits do sistema previdenciário Dívida explícita 120% 100% % do PIB estadual 80% 60% 40% 20% 0% AC RN PI SE AL CE DF AP RS MA PA GO PE AM MG MS BA PR RJ TO RR ES RO PB SC* SP MT Fonte: Estimativas do Banco Mundial baseadas em dados do Ministério da Fazenda: http://www1.previdencia.gov.br/sps/app/draa/draa_default.asp Obs.: 1. O VPL é o somatório dos déficits futuros projetados do RPPS até 2088, descontados a uma taxa real de 5%. 2. Os dados para o MT, PB, SC e SP não estão disponíveis. Figura 50: Gasto projetado do RPPS (% da receita corrente líquida) nos estados da Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro 35% 30% 25% 20% 15% Bahia São Paulo Rio de Janeiro (exc. royalties) 10% 5% 2014 2016 2018 2020 2022 2024 2026 2028 2030 2032 2034 2036 2038 2040 2042 2044 2046 2048 2050 2052 2054 2056 2058 2060 2062 2064 2066 Fonte: Simulações utilizando o modelo PROST do Banco Mundial. correntes líquidas para financiar os déficits previdenciários. Simulações realizadas em três estados (Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro) indicam que no cenário base os déficits do RPPS chegarão a 20-30% das receitas correntes líquidas nos próximos 15 anos (Figura 50) 44. O valor atual da 44 Nossos cálculos concentram-se na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, mas esses estados são, provavelmente, representativos de muitos outros, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do país. 74 estimativa de déficit futuro dos RPPSs estaduais é de 30% de seus PIBs em média, o que é muito superior à dívida explícita dos estados (12% do PIB estadual, em média) (Figura 49) 45. Incidência dos subsídios previdenciários 93. A maior parte dos subsídios implícitos nas generosas aposentadorias atuais beneficia a metade mais rica da população. O déficit do sistema previdenciário implica uma transferência dos contribuintes aos aposentados nos regimes RGPS e RPPS, que gozam de uma situação relativamente abastada. Uma análise de incidência revela que 82% dos subsídios previdenciários atuais beneficiam os 60% mais ricos da população, e 35% são destinados somente ao quintil mais alto. A próxima seção fornece mais detalhes sobre a incidência dos subsídios previdenciários. 94. No Brasil, a grande maioria dos idosos recebem alguma forma de aposentadoria. A taxa de cobertura varia entre os estados, mas é, na média, de 82%. Como resultado, a pobreza entre a população idosa no Brasil é inferior a 5%, o que é uma grande conquista para um país em desenvolvimento. Esse baixo nível de pobreza é alcançado via quantidades significativas de transferências de recursos para esse segmento da população por diferentes programas, incluindo aposentadorias rurais e aposentadorias sociais do BPC. Essa alocação de recursos para os idosos contrasta com os níveis mais altos de pobreza entre a população mais nova (Figura 51). As despesas e os subsídios previdenciários são regressivos e beneficiam muito pouco os pobres. Figura 51: Distribuição acumulada de Figura 52: Curvas de Lorenz da renda per aposentados por decil, 2015 capita, benefícios previdenciários (aposentadorias) per capita, e subsídios às aposentadorias per capita no Brasil, 2015 100 Linha de 45 graus subpopulação em questão Percentual acumulado da 80 Recebiam Aponsetadoria 60 40 20 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Decil de renda per capita Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base em dados da PNAD de 2015. 45 Esta estimativa é baseada em dados sobre os déficits atuariais do RPPS divulgados por estados individuais em: http://www1.previdencia.gov.br/sps/app/draa/draa_default.asp. Os déficits foram descontados pelo VPL com base em uma taxa de desconto de 5% e, em seguida, acumulados até 2088. Os dados relativos aos estados de MT, PB, SC e SP não estão disponíveis e, portanto, esses quatro estados foram excluídos do cálculo. Vale destacar que a qualidade desses dados é, provavelmente, baixa. 75 95. Apesar da alta cobertura para a população mais velha, a previdência beneficia principalmente os mais ricos da sociedade. Com base nos dados da PNAD, é possível calcular a distribuição dos aposentados por decil de renda per capita. A distribuição acumulada demonstra que eles se concentram, principalmente, no 6° decil (20% do total), pois o limite máximo (R$ 776) ficou levemente acima do salário mínimo de 2014. Vale destacar que menos de 20% dos indivíduos que recebem algum benefício previdenciário encontram-se entre os 40% mais pobres da população, e 30% deles fazem parte do grupo dos 20% mais ricos (Figura 51). Um resultado semelhante foi observado a partir das curvas de Lorenz da renda per capita e dos benefícios previdenciários per capita (Figura 52). Tal resultado demonstra que as os benefícios previdenciários e a renda total possuem uma distribuição bastante parecida (e desigual). A distribuição dos benefícios previdenciários é mais desigual que a renda total entre a metade mais pobre da população; uma vez que a maior parte dos aposentados se encontra em torno do sexto decil, há um "inchaço" nesse ponto, e a partir daí a concentração se alinha à renda total. 96. As aposentadorias são tão generosas que, mesmo se fossem reduzidas significativamente, ainda manteriam seus beneficiários bastante acima da linha de pobreza. Os beneficiários das aposentadorias e geralmente dependem delas como sua principal fonte de renda. A renda de tais benefícios representa 70% da renda em todas as faixas etárias, e mais de 80% da renda dos que têm mais de 60 anos. Como percentual da renda familiar total, a parcela é menor, variando da metade (indivíduos entre 40 e 50 anos) a cerca de 70-75% (indivíduos acima de 60 anos). Os índices de pobreza (medidos aqui como a parcela de cidadãos que vivem com menos de R$ 140 per capita em preços de 2012) disparariam para os indivíduos mais idosos se fosse excluída a renda das aposentadorias e (Figura 53). Tal exercício, no entanto, ignora o fato que (i) a reforma previdenciária não implica a eliminação total das aposentadorias, mas sim seu ajuste; e (ii) a mediana das aposentadorias é significativamente superior à linha de pobreza. Para os indivíduos acima de 60 anos, a renda mediana domiciliar per capita é cerca de 4 vezes superior à linha de pobreza (140*4,5 = R$ 630, o salário mínimo em preços de 2012), e a renda média é de 6 a 7 vezes superior à linha de pobreza. Sem a renda previdenciária a pobreza entre os idosos seria muito maior; tal exercício, no entanto, ignora o fato que a mediana das aposentadorias é significativamente superior à linha de pobreza. Figura 53: Estimativas dos índices de pobreza (R$ 140 per capita) com e sem a renda previdenciária 60% Índice de pobreza com a renda previdenciária Índice de pobreza sem a renda previdenciária 50% 40% 30% 20% 10% 0% 0 3 6 9 12 15 18 21 24 27 30 33 36 39 42 45 48 51 54 57 60 63 66 69 72 75 78 81 84 87 90 Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base em dados da PNAD. 76 97. O sistema previdenciário brasileiro prevê um elemento de transferências sociais que varia conforme o segmento populacional. Intuitivamente, se o sistema previdenciário for autossustentado, não há despesas públicas: é possível tratar toda a renda previdenciária como uma renda de mercado diferida, ou como uma poupança obrigatória. No entanto, quando os sistemas previdenciários são deficitários, recursos públicos são transferidos para indivíduos a fim de cobrir a diferença entre as receitas e os desembolsos. Consideremos, além disso, que grupos diferentes recebam "transferências líquidas" distintas: os trabalhadores rurais, por exemplo, são, na prática (mesmo não sendo de jure), isentos da contribuição. Para eles, a aposentadoria é uma pura transferência pública. Alguma redistribuição dos mais ricos aos mais pobres é comum em sistemas previdenciários com benefícios definidos pré-pagos. No Brasil, contudo, a redistribuição é invertida – as transferências líquidas per capita são muito mais altas para os ricos. Os déficits previdenciários constituem uma transferência social altamente regressiva em comparação a outros programas de assistência social. Figura 54: Análise distribucional dos subsídios previdenciários, Bolsa Família e BPC por quintil 60% 57% 50% 44% 40% 35% 35% 30% 26% 26% 24% 22% 22% 19% 19% 20% 14% 12% 12% 10% 10% 10% 4% 2% 3% 3% 0% Aposentadorias Públicas - Aposentadoria Rural Bolsa Família BPC Subsídios Q1 Q2 Q3 Q4 Q5 Fonte: Estimativas do Banco Mundial. Obs.: 1. Resultados devem ser tratados com cautela, uma vez que a incapacidade de se distinguir os tipos de benefícios chave na PNAD (depois de 2006) requer fortes pressupostos. 2. Os "Aposentadorias Públicas – Subsídios" são definidos como a diferença, segundo as regras vigentes do sistema previdenciário, entre os benefícios médios e as contribuições médias de cada quintil de renda da população coberta pela PNAD. Isso inclui os benefícios do RGPS (urbano e rural) e do RPPS. 3. A incidência é calculada utilizando-se a renda per capita total. Portanto, os resultados também refletem o fato de que os benefícios recebidos pelos receptores do BPC e de aposentadoria rural são altos em comparação com a distribuição de renda. 98. Os resultados por quintil demonstram que o atual sistema previdenciário é regressivo, pois os subsídios previdenciários beneficiam principalmente a classe média e os mais ricos 46. Para fins de ilustração, a distribuição também é comparada aos benefícios do 46 “Subsídios de aposentadorias” públicos são definidos como a diferença, segundo as regras do sistema previdenciário predominante, entre os benefícios médios e as contribuições médias por cada quintil de renda da população abrangida pela pesquisa domiciliar da PNAD. Os cálculos incluem os benefícios do RGPS (urbano e rural) e do RPPS. 77 programa brasileiro de transferência condicionada de renda (Bolsa Família), aposentadoria social (Benefício de Prestação Continuada, BPC) e aposentadoria rural (que é, de fato, não contributiva) (Figura 54). Cerca de metade dos subsídios previdenciários beneficia os dois quintis de renda mais altos 47. Somente 4% de tais subsídios beneficiam os 20% mais pobres. Similarmente, 76% dos beneficiários de aposentadorias rural estão nos três quintis mais altos, e apenas 2% estão no quintil de renda mais baixa. Em contraste, 57% dos benefícios do Bolsa Família são destinados aos 20% mais pobres. O BPC encontra-se em uma posição intermediária, com cerca de 43% dos benefícios destinados aos dois quintis superiores, e 12% dirigidos aos 20% inferiores (Figura 54; ver também capítulo sobre Programas de Assistência Social). Outra prova disso é o fato que há poucos contribuintes e poucos beneficiários do sistema previdenciário no quintil mais baixo, uma vez que os brasileiros mais pobres raramente possuem empregos formais. Assim, quando o sistema se torna deficitário, ocorre uma transferência da sociedade em geral aos mais ricos. Consequentemente, a reforma do RGPS e do RPPS não teria nenhum impacto sobre os mais pobres (e, na verdade, poderia liberar recursos para aumentar as alocações de programas voltados aos mais pobres, como o Bolsa Família). 99. Outra maneira de analisar a incidência dos gastos previdenciários é calcular o valor presente líquido das transferências para coortes típicas de trabalhadores. Com base nos dados de contribuintes do RGPS, é possível calcular os benefícios vitalícios destinados a diferentes coortes de trabalhadores. Os contribuintes do RGPS são agrupados em três perfis com base em seu histórico estimado de contribuição no momento da aposentadoria: (i) os que preveem atingir os 35 anos atualmente exigidos para aposentadoria por tempo de serviço antes de atingir a idade regular de aposentadoria e ganham cerca de três salários mínimos, em média; (ii) os que preveem atingir 25-34 anos de contribuição até os 60-65 anos de idade (homens e mulheres, respectivamente) e ganham, em média, dois salários mínimos; e (iii) os que somente atingirão entre 15 e 24 anos de contribuição e ganham aproximadamente 1,5 salário mínimo. O primeiro grupo representa cerca de 50% de todos os contribuintes do RGPS; o segundo grupo, 20%; e o terceiro, 30%. Para cada perfil, o benefício líquido obtido com base nas regras previdenciárias atuais e reformadas é calculado como o valor presente líquido (VPL) dos benefícios menos as contribuições (no qual o valor esperado do benefício de sobrevivência é adicionado ao VPL). Também comparamos os benefícios concedidos a esses três grupos aos das aposentadorias não contributivas (BPC e aposentadoria rural), nas quais o valor é somente o VPL dos benefícios futuros 48. O principal resultado é que os benefícios líquidos mais altos cabem aos trabalhadores do primeiro perfil, cujo benefício líquido é estimado em torno de 22 salários mínimos mensais (Figura 55). Similarmente, os trabalhadores rurais também recebem um nível relativamente alto de benefícios líquidos. 47 Para fazer esse cálculo, estimamos as contribuições e os benefícios médios recebidos por cada quintil com base em dados da PNAD e nas regras vigentes do sistema previdenciário. Embora a razão entre contribuições e benefícios totais seja menor nos quintis mais baixos (ou seja, o subsídio percentual é mais alto), como esses quintis recebem uma parcela muito menor dos benefícios totais, a incidência total de subsídios do sistema previdenciário favorece os mais ricos. 48 A taxa de desconto utilizada para calcular os benefícios do VPL é a taxa de crescimento real dos salários, que, no nosso modelo, é calibrada para igualar o crescimento da produtividade do trabalho. A aposentadoria rural é paga 13 vezes ao ano a partir dos 60 e 55 anos de idade, respectivamente para homens e mulheres, ao passo que o BPC começa a ser pago aos 65 anos e somente 12 vezes ao ano. Consequentemente, o valor presente líquido da aposentadoria rural é muito mais alto, mesmo que o valor nominal do benefício seja o mesmo. 78 O sistema previdenciário brasileiro é altamente injusto, pois os trabalhadores mais ricos recebem os maiores subsídios em suas aposentadorias. Figura 55: Valor Presente Líquido vitalício da participação no RGPS e o Valor Presente Líquido vitalício das aposentadorias do RPPS no estado do Rio de Janeiro (em número de salários mínimos) 450 400 Perfil 1: Perfil 2: Perfil 3: 3 SM, 2 SM, 1.5 SM, 350 contribui contribui contribui 300 35 anos 25-34 15-24 250 até os 65 anos até anos 200 os 65 150 100 50 0 -50 -100 -150 -200 Contribuição Aposentadoria Benefício de Sobrevivência VPL Fonte: Cálculos do Banco Mundial. Obs.: A categoria "Policia Militar" inclui as polícias militar e civil, bem como os corpos de bombeiros. Obs.: RGPS Perfil 1: Trabalhadores que recebem cerca de 3 salario mínimos, e que preveem atingir os 35 anos de contribuições até os 65; RGPS Perfil 2: Trabalhadores que recebem cerca de 2 salario mínimos, e que preveem atingir os 25-34 anos de contribuições até os 60-65; RGPS Perfil 3: Trabalhadores que recebem cerca de 1,5 salários mínimos, e que preveem atingir somente entre 15 e 24 anos de contribuições. 100. Uma análise semelhante dos contribuintes do RPPS demonstra quão extraordinariamente altas são as transferências líquidas aos servidores públicos contratados antes de 2003. Para fins de ilustração, apresentamos os cálculos relativos ao estado do Rio de Janeiro (Figura 55). Os servidores públicos desse estado encontram-se entre os mais bem pagos do país; portanto, os resultados talvez não sejam plenamente representativos. Todavia, os resultados qualitativos são os mesmos, pois a grande maioria dos servidores públicos pertence aos 60% mais altos na distribuição de renda nacional (ver capítulo sobre a massa salarial do funcionalismo público) 49. Os valores presentes líquidos dos benefícios de RPPS diferem enormemente entre contribuintes contratados antes ou depois de 2003. A reforma de 2003 reduziu significativamente o déficit atuarial do RPPS para os demais servidores públicos, exceto no caso dos regimes especiais mantidos para professores e policiais militares. O subsídio implícito do RPPS, no entanto, é enorme para os que ingressaram no sistema antes de 2003: mais de 80 salários mínimos para os professores, mais de 100 salários mínimos para os servidores públicos do 49 Mais de 90% dos servidores públicos do Rio de Janeiro integram os dois quintis superiores de renda, ao passo que 79% dos servidores federais encontram-se na mesma situação. 79 Executivo, e mais de 200 salários mínimos para os policiais militares. Além disso, no caso dos outros poderes (Judiciário e Legislativo), os subsídios previdenciários líquidos superam 250 salários mínimos 50. Como quase todos esses servidores encontram-se entre os 40% mais ricos da população, fica evidente que o sistema previdenciário brasileiro é altamente injusto. Reforma do sistema previdenciário brasileiro: a proposta do governo 101. A reforma previdenciária proposta pelo governo em dezembro de 2016, e subsequentemente ajustada pela Comissão Especial do Congresso em maio de 2017, constituiria um primeiro passo importante na direção de racionalizar os benefícios, melhorar os incentivos e recuperar a sustentabilidade fiscal. A fim de melhorar a sustentabilidade financeira do sistema previdenciário, o governo apresentou uma proposta de reforma previdenciária (PEC 287/2017) ao Congresso em dezembro de 2016. A proposta de reforma visa a reduzir as diferenças entre os vários sistemas previdenciários e os incentivos para aposentadorias precoces. A proposta aprovada pela Comissão Especial na Câmara dos Deputados prevê um aumento na idade de aposentadoria para 65 e 62 anos para homens e mulheres, respectivamente. Além do aumento da idade mínima para aposentadoria, a reforma propõe a eliminação das aposentadorias por tempo de serviço (ou por tempo de contribuição) e o aumento de 15 para 25 anos do período mínimo de contribuição exigido para a aposentadoria por idade. Os contribuintes com menos de 25 anos de contribuição estariam aptos a receber uma aposentadoria social, que equivale atualmente a um salário mínimo. Ademais, a reforma alteraria a fórmula de cálculo dos benefícios: de 70% do salário mais alto com 1% adicional por ano de contribuição (que, atualmente, resulta em uma taxa de reposição de quase 100% para muitos trabalhadores) para 70% da média de salários acrescidos de 1,5% para cada ano acima dos 25 anos mínimos de contribuição, 2% para cada ano acima dos 30 anos de contribuição, e 2,5% para cada ano acima dos 35 anos de contribuição. Na prática, isso significaria que seriam necessários 40 anos de contribuição para se obter uma taxa de reposição de 100%. Os entes subnacionais teriam um prazo de seis meses para aprovarem as reformas de seus próprios RPPSs, ou teriam de adotar as regras federais. Além disso, a reforma limita a possibilidade de uma mesma pessoa acumular benefícios de longevidade e sobrevivência, impondo um limite de dois salários mínimos nos benefícios cumulativos. Os efeitos das novas regras serão graduais, e regras de transição serão aplicadas para os homens que se encontram acima de 45 anos de idade e mulheres acima de 44 (veja abaixo). Estima-se que a reforma original tivesse a capacidade de reduzir os gastos previdenciários em 2,1% do PIB até 2026 em relação ao cenário de linha de base (sem reforma). As alterações aprovadas pelo Congresso reduziram essa economia para cerca de 1.8% do PIB até 2026 (Figura 56). 51 102. A reforma proposta não afetaria as aposentadorias atuais e inclui regras de transição para aqueles perto da aposentadoria. Aqueles já aposentados ou já elegíveis para se aposentarem de acordo com as regras atuais manteriam os seus benefícios e direitos (uma vez que esses são direitos adquiridos protegidos legalmente). A idade mínima de aposentadoria vai começar com 53 anos para as mulheres e 55 para os homens e, gradualmente, vai aumentar um ano a cada dois anos até atingir 62 para as mulheres em 2036 e 65 para os homens em 2038. Contribuintes mais velhos, homens com pelo menos 45 e mulheres com pelo menos 44 anos de 50 Da mesma maneira, os VPLs dos subsídios da polícia militar no RPPS equivalem a 200 salários mínimos, contra 10 salários mínimos para os contribuintes do terceiro grupo do RGPS. 51 A atual proposta de reforma previdenciária não altera as aposentadorias dos militares. 80 idade, têm direito à regra de transição. Ela permite aposentadoria por tempo de contribuição, mas aplicará uma penalidade de 30% sobre o tempo que falta ao contribuinte para atingir os requerimentos necessários para se aposentar de acordo com as regras atuais de aposentadoria por tempo de contribuição. 103. A reforma previdenciária é um passo necessário para estabilizar a situação fiscal, mas mesmo se ela for totalmente promulgada, alterações adicionais no sistema previdenciário serão necessárias dentro de um curto período de tempo. Devido a pressões demográficas, os déficits previdenciários continuarão a crescer mesmo com a reforma proposta. A proposta inicial teria somente reduzido o déficit pela metade. Assim, mesmo após sua implementação, projeta-se que as despesas previdenciárias ainda cresçam significativamente, atingindo 8% do PIB até 2067 (Figura 56). Embora a reforma represente um importante passo à frente, ela não eliminaria a necessidade de outra reforma significativa no futuro. Parte desse déficit (crescendo de 1.6% do PIB em 2015 para 1.8% do PIB até 2067), contudo, está relacionado às aposentadorias rurais do RGPS (Figura 56). Aposentadorias rurais são de facto, não contributivas e, portanto, o esquema das aposentadorias rurais do RGPS vai naturalmente implicar um déficit. Seria apropriado avaliar o sistema do RGPS rural separadamente do resto do sistema RGPS, e compará-lo com ao BPC e outros programas sociais em termos do seu custo fiscal e de seu direcionamento e generosidade 52. A reforma previdenciária será insuficiente para equilibrar o RGPS: devido a pressões demográficas, os déficits previdenciários continuarão a crescer mesmo com a reforma proposta. A reforma será, em grande parte, progressiva, pois os benefícios dos grupos mais pobres serão protegidos. Figura 56: Projeção de déficit do RGPS Figura 57: Valor Presente Líquido dos (percentual do PIB): Cenário baseline e de benefícios recebidos por diferentes grupos de Proposta de Reforma (ajustada pelo aposentados: Cenário baseline e de Proposta de Congresso em maio de 2017) Reforma (ajustada pelo Congresso em maio de 2017) 18% Perfil 1: Perfil 2: Perfil 3: 16% 3 SM, contribui 2 SM, contribui 1.5 SM, contribui 35 anos até os 65 25-34 anos 15 - 24 anos 14% 70 70 até os 65 12% 50 50 30 30 10% 10 10 8% -10 -10 6% -30 -30 4% -50 -50 2% 0% 2017 2027 2037 2047 2057 2067 RGPS urbano - base RGPS rural - base Benefício de Sobrevivência Aposentadoria RGPS urbano - reforma RGPS rural - reforma Contribuição VPL Fonte: Simulação com base no modelo PROST do Banco Mundial. 52 Se nos concentrarmos somente no RPPS urbano, a proposta de reforma reduziria o déficit de 14,5% do PIB em 2067 (sem reforma) para 6,8% do PIB (com reforma). 81 104. Em termos gerais, a reforma tornaria o sistema previdenciário mais progressivo. A reforma reduz os benefícios principalmente dos trabalhadores que, atualmente, se aposentariam mais cedo e com benefícios mais altos. Para entender isso, é útil retornar ao cálculo do valor presente líquido dos benefícios previdenciários do RGPS e RPPS e compará-los ao valor das transferências líquidas antes e depois da reforma. Conforme demonstra a Figura 57, a maior redução de benefícios líquidos afetaria os contribuintes do primeiro grupo, com 35 anos de contribuição e rendimento equivalente a três salários mínimos. Os trabalhadores na terceira categoria, com somente 15-24 anos de contribuição e rendimentos equivalentes a um salário mínimo, teriam a menor redução das transferências líquidas. Em geral, 78% do VPL da economia total obtida por meio da reforma deriva da redução dos benefícios pagos aos trabalhadores dos grupos 1 e 2. Como resultado, a reforma tornaria o sistema previdenciário muito mais equitativo do que é atualmente. 105. A decisão de manter os direitos adquiridos dos aposentados atuais introduz uma injustiça intergeracional significativa na reforma do sistema previdenciário. No Brasil, a Constituição protege os direitos de aposentadoria daqueles já aposentados, e decisões judiciais estabeleceram o princípio de que benefícios não podem ser alterados ex post. Contudo, na situação atual, é possível argumentar que a manutenção desse conceito torna o sistema previdenciário menos justo do que deveria ser. De fato, os trabalhadores atuais pagam pelos benefícios generosos dos aposentados atuais, embora eles não possam gozar dos mesmos benefícios no futuro porque o sistema era insustentável desde o início. Em outras palavras, o custo total do ajuste necessário está sendo pago pelas gerações mais novas. Uma revisão do conceito de direitos adquiridos de forma a igualar (ou, pelo menos, aproximar) os benefícios oferecidos a gerações distintas de trabalhadores iriam garantir justiça intergeracional. Outra opção para solucionar as injustiças atuais seria aumentar a tributação da renda previdenciária atual 53. Alternativamente se poderia utilizar mais intensivamente o sistema do imposto de renda (em que não há direitos adquiridos) para resolver o problema de distorção. Reforma dos RPPSs subnacionais 106. A crise do sistema de previdência dos entes subnacionais exige uma ação urgente. As propostas atuais de reformas não alteram significativamente os direitos dos servidores públicos pré-2003 que são o coração da crise de solvência do RPPS dos entes subnacionais. Servidores públicos não tendem a se aposentar cedo, a densidade de suas contribuições é alta, e eles não se beneficiam do subsídio mínimo de aposentadoria que são os problemas em foco nas atuais reformas. Em vez disso, os problemas de curto e médio prazo do RPPS são causados pela integralidade e paridade, 54 que foram eliminadas para os trabalhadores que entraram depois de 2003, mas não para os que entraram antes. Por isso, a reforma de 2003 já resolveu boa parte dos 53 Atualmente, a contribuição individual dos servidores públicos federais e estaduais ao RPPS é fixada em 11%. Isso se aplica aos trabalhadores atuais, bem como aos aposentados (mas, no caso desses últimos, somente sobre a parte de sua renda que superar o teto de R$ 5.531 do RGPS), mas o governo propôs aumentar para 14%. Alguns estados elevaram as taxas de contribuição, mas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) têm limitado, até agora, tais contribuições individuais a um máximo de 14%. Considerando o fato de que muitos aposentados gozam de uma taxa de reposição próxima a 100%, mas que as taxas de reposição futuras devem cair, em média, para 70-80%, é justificável uma taxa de contribuição mais alta, entre 20% e 30%. 54 O termo "integralidade" refere-se à taxa de reposição de 100% em relação ao último salário do trabalhador; "paridade" consiste em conceder aos aposentados os mesmos aumentos e reajustes concedidos aos servidores ativos. 82 déficits do RPPS no longo prazo, daqui três a quatro décadas (exceto para os militares, que foram isentos da reforma de 2003). Ainda assim, é esperado que o desequilíbrio fiscal do RPPS cresça rapidamente no curto e médio prazo, não abordados pela reforma proposta (Figura 58) 55. De fato, simulações para o Estado do Rio de Janeiro sugerem que a reforma proposta não melhora substancialmente as projeções do déficit da previdência do estado 56. O desafio, portanto, é como lidar com o acumulado nos próximos 15 anos, que está relacionado com os benefícios pré-2003. Ainda mais, os déficits associados com as aposentadorias dos militares (e da polícia militar) vão crescer rapidamente no longo prazo. Reformar as aposentadorias dos militares, portanto, também deve fazer parte da agenda. Para os estados, o déficit previdenciário é devido principalmente ao coorte pré-2003 e à polícia militar. Figura 58: Composição dos déficits de RPPS projetados (como percentual da receita corrente líquida) no estado do Rio de Janeiro Fonte: Simulação com base no modelo PROST do Banco Mundial. 107. É necessário alterar as regras federais para permitir que os governos subnacionais controlem os custos de seus RPPSs. A legislação federal limita o espaço para reformas do RPPS em nível subnacional. Portanto, é urgente que as propostas de reforma previdenciária sejam complementadas por uma mudança na legislação federal para permitir que os governos subnacionais controlem os custos de seus próprios RPPSs. Os governos subnacionais que o fizerem por meio, por exemplo, do aumento das alíquotas tributárias sobre a renda previdenciária, do aumento da idade mínima de aposentadoria para os servidores públicos ou da diminuição das taxas de reposição mediante alterações das regras de indexação das aposentadorias poderiam receber ajuda de liquidez do Governo Federal para facilitar a transição. Caso não se atinja uma 55 A reforma proposta afeta os servidores civis pré-2003 que ainda não se aposentaram na medida que eles necessitarão atingir a nova idade de aposentadoria de 62/65 para mulheres/homens para ganharem os benefícios de paridade (aposentadoria ajustada de acordo com os servidores ativos). Se eles escolherem aposentar mais cedo, eles ainda vão receber aposentadoria de 100% de reposição (integralidade), mas será ajustada apenas pela inflação. Para aqueles no corte pós 2003, que não têm paridade, a taxa de reposição irá mudar, iria ser calculada da mesma forma que no RGPS: 70% mais bônus por contribuições acima de 25 anos, com 40 anos de contribuição necessários para atingir a reposição de 100% (integralidade). Essas alterações iriam afetar o RPPS federal e o RPPS subnacional dos entes que não passarem uma reforma própria dentro de 6 meses. 56 Existe uma provisão da reforma proposta que teria algum impacto. Cerca de 55% dor servidores civis contratados antes de 2003 perderiam a paridade, a menos que eles aposentassem. Modelar esse impacto é complexo, no entanto. 83 solução cooperativa, o resultado seria uma crise generalizada, à medida que vários governos subnacionais se tornariam insolventes e não conseguiriam pagar os seus servidores, o que resultaria, em última análise, em custos sociais e fiscais muito mais altos. 108. O Governo Federal precisa assumir a liderança das negociações nesse sentido. Embora o problema afete as finanças públicas dos governos subnacionais, trata-se de uma questão sistêmica que demanda a liderança do Governo Federal. Na verdade, obrigações previdenciárias insustentáveis em nível subnacional representam um grande passivo contingente para o Governo Federal. Ademais, é fundamental que o Governo Federal trabalhe em parceria com o Judiciário para chegar a uma solução que não seja minada por futuras decisões judiciais. Previdência: opções de reforma e redução do gasto fiscal 109. A proposta atual de reforma previdenciária (alterada pelo Congresso em maio de 2017) geraria uma economia fiscal de cerca de 1,8% do PIB até 2026. A proposta é equilibrada de um ponto de vista social e sua aprovação, portanto, é fundamental. Os generosos benefícios previdenciários oferecidos no Brasil são atípicos em comparação ao resto do mundo e, considerando também o rápido envelhecimento da população, o Brasil não pode mais manter os benefícios concedidos atualmente. A reforma proposta não eliminaria a pressão previdenciária motivada pelo rápido envelhecimento, mas retardaria tal pressão, preservando recursos para outros gastos prioritários. A reforma faz isso principalmente por meio da eliminação de subsídios concedidos no âmbito das regras atuais a trabalhadores formais e servidores públicos no topo da distribuição de renda. A proposta de reforma previdenciária brasileira não somente oferece uma contribuição significativa ao ajuste fiscal como um todo, mas também torna o atual sistema previdenciário menos regressivo. O resultado não é, de todo, injusto com os trabalhadores mais ricos. A reforma simplesmente reduz os subsídios injustificados que esse grupo de trabalhadores recebe do sistema, de forma a aproximar seus benefícios a suas contribuições. Mais importante que isso, os trabalhadores mais pobres, com poucos anos de contribuição, estarão em uma situação melhor após a reforma do que os trabalhadores de alta renda, ao passo que o oposto ocorre no sistema atual. 110. Embora a reforma proposta represente um ajuste importante, fica claro, pensando no futuro, que reformas adicionais serão necessárias para fortalecer a sustentabilidade fiscal dos RPPSs e torná-los mais equitativos. Com base em simulações de modelos (contidas no Volume II), algumas recomendações detalhadas incluem: - A fim de conter os déficits de longo prazo, será necessário reduzir ulteriormente as taxas de reposição, pois mesmo com a adoção da reforma atual, essas taxas permanecerão altas para padrões internacionais. Especificamente, a redução da taxa de reposição em 20 pontos percentuais adicionais reduziria os déficits do RGPS em 1,8% do PIB no médio prazo; - A desvinculação do benefício previdenciário mínimo do salário mínimo, corrigindo-o somente pela inflação, também geraria uma economia considerável ao longo do tempo. Essa medida teria o impacto mais significativo para a redução do déficit fiscal em comparação a outras medidas de políticas que visem a estabilizar a dívida implícita do RGPS (por exemplo, elevar ainda mais a idade de aposentadoria e reduzir a taxa de reposição). Congelar aposentadorias mínimas em termos reais, alcançaria uma redução adicional do déficit do RGPS (urbano e rural) de 0,5% do PIB até 2027 e de 2,3% até 2067. 84 111. Também é recomendável reconhecer o BPC e as aposentadorias rurais como programas sociais não contributivos e consolidá-las no contexto dos programas de assistência social. As receitas das contribuições rurais são insignificantes para justificar tal sistema como um programa contributivo. A transformação da aposentadoria rural em um programa não contributivo tornaria o sistema mais administrável, pois os benefícios seriam mais dirigidos aos indivíduos que carecem de apoio, e também seria mais fácil reduzir a acumulação de benefícios, inclusive as pensões por morte e o 13o benefício mensal. Embora o objetivo desses dois sistemas previdenciários seja evitar que grupos de idosos caiam em uma situação de pobreza, eles não são dirigidos aos mais pobres. Portanto, embora talvez de maneira contra intuitiva, uma reforma para consolidar o BPC e aposentadoria rural com outros programas de assistência social (alinhando o foco e os níveis dos benefícios), contribuiria para aumentar a equidade e a proteção dos mais pobres (ver seção abaixo sobre programas de assistência social). 112. No caso do RPPS, há uma necessidade urgente de aumentar as contribuições e introduzir um tributo sobre a renda previdenciária de forma a neutralizar o esperado rápido aumento dos déficits previdenciários subnacionais ao longo dos próximos anos. A maior parte dos aumentos nos déficits previdenciários subnacionais previstos para a próxima década será motivada pelos amplos benefícios concedidos a indivíduos que ingressaram no sistema antes de 2003. É necessário reduzir esses valores, pois o sistema é incapaz de manter os generosos benefícios prometidos. Outrossim, os grandes subsídios inerentes aos generosos benefícios previdenciários pré-2003 são altamente injustos, pois os servidores públicos estão entre os mais ricos da população. Olhando para o longo prazo, existe também a necessidade de reforma o sistema previdenciário dos militares e da polícia militar (no nível subnacional). 113. Uma vez que o valor do ajuste necessário é muito alto, a reforma previdenciária deveria compartilhar o ônus entre todas as gerações, inclusive os que já estão aposentados. Reformas futuras precisariam dividir o ônus entre várias gerações, pois certos grupos populacionais, incluindo as mulheres, os trabalhadores rurais, os professores e os militares, possuem benefícios previdenciários especiais, de difícil justificativa e não mais sustentáveis. Uma opção para solucionar as injustiças atuais seria aumentar a tributação da renda previdenciária atual. Por se tratar de um problema sistêmico (que constitui um grande passivo contingente para o orçamento federal), é necessário que o Governo Federal, em coordenação com o Judiciário, negocie uma solução para o problema que não seja minada por decisões judiciais futuras, de forma a equiparar (ou pelo menos aproximar) os benefícios oferecidos a diferentes gerações de trabalhadores. 114. Também é essencial adotar políticas conservadoras de recursos humanos nas esferas federal e subnacionais para estabilizar as despesas previdenciárias futuras. Políticas prudentes de recursos humanos devem prever aumentos salariais modestos (pois os servidores públicos já recebem muito acima do que é pago no setor privado – ver capítulo sobre massa salarial); políticas de contratação que minimizem o impacto atuarial; e revisões da estrutura salarial dos servidores públicos em conformidade com despesas previdenciárias mais baixas no futuro. Ao adotar uma política de indexação conservadora relativa ao piso salarial dos professores, o Governo Federal pode contribuir significativamente para reduzir os déficits previdenciários dos estados, pois, geralmente, toda a estrutura salarial está atrelada ao piso, mesmo nos estados mais ricos. 85 86 Programas de Apoio ao Mercado do Trabalho e Assistência Social: Integrar para Melhorar A proteção social é um sistema integrado de assistência social, programas para o mercado de trabalho e sistemas previdenciários. Esses elementos interagem para proteger os indivíduos em momentos de necessidade e influenciam as escolhas das pessoas e a produtividade do trabalho. No Brasil, há muitos programas, mas a coordenação entre eles é insuficiente, o que gera duplicidade de esforços e ineficiências, pois recursos são transferidos aos não pobres. Os programas são, em sua maioria, elaborados isoladamente, sem considerar sua interação. As sobreposições são muitas, com milhões de famílias aptas a receberem vários benefícios que atendem aos mesmos objetivos, ao passo que as lacunas de cobertura deixam outros domicílios em situação de pobreza. A multiplicidade e incoerência dos instrumentos geram riscos de gastos excessivos e podem reduzir os incentivos para que as famílias mais pobres busquem seu próprio sustento no mercado de trabalho. Níveis de gastos com programas de apoio ao mercado do trabalho e assistência social 115. O Brasil possui muitos programas de emprego e assistência social, mas sua coordenação é insuficiente, o que gera duplicidade e despesas regressivas. O sistema brasileiro de proteção social é um conjunto complexo de muitos programas com objetivos e públicos-alvo variados, embora alguns deles se sobreponham. Os programas são, em sua maioria, elaborados isoladamente, sem considerar sua interação. Como resultado, há muitas sobreposições, e muitas famílias estão aptas a receberem múltiplos benefícios. A multiplicidade e incoerência dos instrumentos também geram riscos de gastos excessivos e incentivos perversos devido à interação ou duplicidade não intencionais entre os programas. 87 116. O sistema brasileiro de proteção social favorece os idosos, que recebem altos benefícios per capita por meio de vários regimes previdenciários (Figura 59). Despesas com aposentadorias, assistência social e programas de apoio ao mercado do trabalho vêm subindo, impulsionadas por fatores demográficos (envelhecimento da população), mudanças estruturais (formalização durante os anos de alto crescimento econômico) e escolhas de políticas públicas (nível do salário mínimo). A maior parte dos gastos refere-se aos regimes da previdência social (RGPS e RPPS), os quais, conforme vimos na seção anterior, incluem um componente significativo de subsídios, pois seu crescente déficit é financiado por meio da tributação geral (Figura 60). Alguns programas, tais como as aposentadorias rurais e o programa de benefício para os idosos mais pobres e os portadores de deficiências (BPC), oferecem benefícios de transferência de renda relativamente altos e que aumentam automaticamente, pois são indexados ao salário mínimo. Em geral, o Brasil já gasta mais com sua previdência que países mais demograficamente avançados (ou idosos), embora a população brasileira seja relativamente jovem e ainda esteja às vésperas de um rápido envelhecimento populacional. 117. Os gastos gerais do Brasil com programas de assistência social, que equivalem a 1,5% do PIB, encontram-se alinhados aos de países pares. Os gastos com assistência social para os mais pobres e vulneráveis subiram muito no Brasil ao longo da última década, à medida que cresceram a cobertura e os níveis dos benefícios. Em 2015, os gastos do Governo Federal com programas de assistência social comprometeram cerca de 1,5% do PIB, ou 7% das despesas primárias federais totais (Figura 60) 57. Isso representa um aumento em relação ao que se gastava com assistência social na década anterior (cerca de 1% do PIB). Em comparação com outros países, o Brasil gasta muito em pessoas idosas e pouco nos demais. Figura 59: Parcela de gastos com idosos em relação à população com idade superior a 65 anos 90% Brazil (2011) programas de mercado do trabalho e assistência Brazil (2014) 80% Gasto com idosos como parcela do total de JPN 70% TUR GRC ITA social (Fonte: SOCX ou Aspire) CZE PRT POL CHE SVN EST 60% USA AUT FRA SVK HUN 50% FIN DEU CHL* KOR AUS ESP NOR GBRBEL SWE ISR NZL CAN NLD 40% MEX* LUX DNK IRL 30% ISL 20% 10% 0% 0 5 10 15 20 25 Pop. 65 + (% do total) Fonte: Banco Mundial. 57 Se considerar também a aposentadoria rural como benefício assistencial, esse percentual mais que dobraria de 1,5% para aproximadamente 3,5%. 88 A soma dos subsídios e dos déficits previdenciários equivale ao valor de todos os programas de assistência social e emprego. Figura 60: Gastos com aposentadoria, programas de apoio ao mercado do trabalho e assistência social (percentual do PIB) Deficit Previdenciário Previdência Mercado de Trabalho Assistência Social Total PST 16% 13.8% 14% 1.5% 12% 1.1% 10% Percentual do PIB 8% 8.5% 6% 4% 2% 2.6% 0% Fonte: Estimativas da equipe do Banco Mundial a partir da base de dados BOOST sobre o Brasil em nível federal, com base em dados do SIOP (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento). Obs.: Esta figura não leva em consideração as despesas subnacionais e, portanto, os valores relativos ao déficit previdenciário são menores do que os apresentados na seção sobre Previdência acima. Vale destacar que, conforme apresentado acima, o déficit do RGPS cresceu significativamente em 2016. 118. Os gastos com assistência social são dominados pelos benefícios não contributivos no âmbito do BPC, também conhecidos como “aposentadoria social". Dois programas consomem 75% das despesas federais com assistência social: o programa de benefício para os idosos mais pobres e os portadores de deficiências (BPC) e o programa de transferência condicional de renda, o Bolsa Família. Esses dois programas comprometem 0,7% e 0,5% do PIB, respectivamente (Figura 61). O BPC fornece benefícios relativamente altos por indivíduo, equivalentes a um salário mínimo (R$937 em 2017). Esse valor é mais de três vezes superior ao benefício máximo concedido por família no âmbito do programa Bolsa Família (R$ 280 em 2017). O BPC aumentou consideravelmente o número de seus beneficiários, atingindo 4,4 milhões de pessoas. Além disso, os níveis dos benefícios também subiram em termos reais, pois os valores estão indexados ao salário mínimo, que vem crescendo regularmente ao longo do tempo. A cobertura do Bolsa Família também cresceu, beneficiando 14 milhões de famílias, mas os benefícios permaneceram bastante estáveis em termos reais. 119. Os gastos orçamentários com programas para o mercado de trabalho representam 1,2% do PIB, mas chegam a 2,9% do PIB se considerarmos os programas extraorçamentários (Figura 62). Programas importantes voltados para o mercado de trabalho são extraorçamentários, tais como os saques das contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS (1,65% do PIB), o Salário-Família (0,05% do PIB) e os programas de treinamento oferecidos pelo Sistema S (0,13% do PIB). Se incluirmos todos esses programas, a despesa total com programas para o mercado de trabalho atingiu 2,9% do PIB em 2015, o que fica acima da 89 mediana da OCDE. Os gastos com programas para o mercado de trabalho aumentaram na década até 2015, motivados pelo crescimento da força de trabalho, pela formalização e pelo aumento dos salários reais. 120. A despesa (orçamentária) com programas para o mercado de trabalho é dominada pelo Seguro-Desemprego. Os gastos com o Seguro-Desemprego atingiram 0,64% do PIB em 2015 (Figura 62). O segundo maior segmento das despesas com programas de emprego são as contribuições do governo para as contas de FGTS de algumas categorias de trabalhadores resultantes de legislação compensatória específica (0,29% do PIB). O terceiro maior programa é o Abono Salarial, um subsídio salarial que visa a incentivar o emprego no setor formal (0,16% do PIB). Há muitos programas sociais e de emprego, mas alguns grandes programas comprometem a maior parte dos gastos. Os gastos com assistência social são dominados pelo BPC. Os gastos (orçamentários) com programas de emprego são dominados pelo Seguro-Desemprego. Figura 61: Despesas orçamentárias com os Figura 62: Despesas orçamentárias com os principais programas de assistência social, 2015 principais programas de apoio para o mercado do trabalho, 2015 Idosos Incapacitados EPU Ativas Passivas Pensões Sociais Seguro-Desemprego 0.64% (BPC/RMV, EPU) 0.30% 0.39% 0.04% 0.73% PBF (transferências às FGTS (Complemento) 0.29% famílias) 0.45% Abono Salarial 0.157% PMCMV 0.17% PRONATEC 0.043% PNAE 0.06% PNATER 0.005% SUAS 0.03% Fomento 0.003% Defesa Civil 0.02% ATER 0.002% PAA (distribuição de 0.01% Seguro-Defeso 0.002% alimentos) Garantia-safra 0.01% Economia Solidária 0.001% Mais Emprego 0.001% 0.00% 0.25% 0.50% 0.75% Despesas como % do PIB 0.0% 0.5% 1.0% Fonte: Estimativas da equipe do Banco Mundial a partir da base de dados BOOST sobre o Brasil em nível federal, com base em dados do SIOP (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento). 121. Os gastos com programas para o mercado de trabalho são desequilibrados em favor de programas passivos (de apoio à renda); eles não são bem elaborados para incentivar o emprego formal e estável. O Brasil gasta 0,9% do PIB em programas passivos para os desempregados. Esse percentual aumenta para 2,4% do PIB se forem incluídos programas extraorçamentários, como o FGTS (Figura 62). A concepção desses programas (acesso ao Seguro- Desemprego e ao saldo total do FGTS) pode estimular uma alta rotatividade de mão de obra, em vez de favorecer empregos mais estáveis (ver abaixo). O país também gasta recursos significativos com subsídios salariais, que podem chegar a 0,21% do PIB (Abono Salarial de 0,16% e Salário- Família de 0,05% do PIB). No entanto, esses programas parecem ser ineficazes para reduzir o desemprego ou incentivar a formalização do trabalho, uma vez que os trabalhadores somente recebem o abono após 5 anos de emprego formal. Por outro lado, o Brasil gasta somente 0,2% do 90 PIB (incluindo os gastos extraorçamentários do Sistema S) em programas ativos para o mercado de trabalho, tais como programas de recolocação e treinamento. Em comparação, os países da OCDE gastam, em média, cerca de 1,0% do PIB em tais programas. Eficiência e incidência dos programas para o mercado do trabalho e assistência social 122. O "sistema de proteção social" do Brasil não é realmente um sistema, pois é composto por uma série de programas sobrepostos e mal articulados. O gráfico abaixo apresenta os principais programas de apoio ao mercado do trabalho e assistência social em termos de orçamento e número de beneficiários (Figura 63). Ele evidencia o fato que os custos possuem pouca relação com o número de beneficiários, e, na verdade, não há consistência nos níveis de benefícios de cada programa. 123. De todos os programas de assistência social, somente o Bolsa Família é bem direcionado e eficaz em termos de custo. O Bolsa Família constitui a única rede de proteção significativa para os pobres não idosos, principalmente as famílias com crianças. As despesas com o Bolsa Família aproximam-se de 0,45% do PIB, o que é relativamente baixo, considerando que o programa beneficia quase 14 milhões de famílias, ou cerca de 40 milhões de pessoas. Isso se O "sistema de proteção social" do Brasil não é realmente um sistema, pois é composto por uma série de programas sobrepostos, que não são coordenados entre si em termos de populações-alvo e níveis de benefícios. Figura 63: Diversidade dos programas de assistência social por níveis de benefícios, beneficiários e custos, 2015 1600 Três Dimensões de Tamanho das Transferências de Proteção Social: Generosidade, Cobertura e Gastos Totais como % do PIB (tamanho da esfera) Azul = Assistência Social, Amarelo = Benefícios de Trabalho, Verde = Previdência Social Generosidade: Benefícios Mensais Médios Per Capita, 1400 1200 Aposentadoria Serviço civil RGPS Aposentadoria 1000 Urbana 800 RGPS R$ Aposentadoria Rural 600 BPC (invalidez & aposentadoria 400 social de idosos) FGTS (2014) Seguro Desemprego (SD) 200 Bolsa Família Abono Salarial 0 -10000000 0 10000000 20000000 30000000 40000000 50000000 -200 Cobertura: Número de beneficiários por ano (indivíduos) Fonte: Banco Mundial, base de dados BOOST em nível federal. Obs.: 1.O tamanho da esfera indica o custo total do programa (em percentual do PIB). 2. O programa Minha Casa Minha Vida não foi incluído por motivos de escala: em 2015, ele atingiu 153,282 domicílios (ou cerca de 450 mil indivíduos) e transferiu, em média, R$ 3.140 por pessoa ao mês. 3. O eixo vertical indica o benefício médio mensal por beneficiário. 91 deve aos baixos níveis dos benefícios (R$ 53 por pessoa ao mês em 2015). O programa é bem direcionado: 57% dos beneficiários encontram-se entre os 20% mais baixos na distribuição de renda (Figura 64). Estimativas do impacto da recessão econômica sobre o desemprego e a pobreza indicam a necessidade de expandir o programa em cerca de R$ 1,8 bilhão para proteger a subsistência dos que caírem abaixo da linha de pobreza (Skoufias et al., 2017). 124. Uma comparação da incidência de vários programas de proteção social indica que, além de serem fragmentadas, as despesas também não são bem direcionadas 58. Embora o programa Bolsa Família seja muito progressivo, o BPC, em contraste, não é bem direcionado: 70% dos benefícios cabem aos 60% mais ricos, e somente 12% dos benefícios cabem aos 20% mais pobres da população (Figura 64). Na verdade, o quintil mais rico recebe muito mais em subsídios previdenciários e BPC que o quintil mais pobre recebe em Bolsa Família. O Abono Salarial também não é progressivo, com 67% dos benefícios dirigidos aos 60% mais ricos. 125. O custo do BPC deve triplicar até 2035 devido a uma série de fatores. Estima-se que as despesas com o BPC cresçam rapidamente devido à indexação dos benefícios ao nível e aos ajustes do salário mínimo; às projeções demográficas; e à tendência crescente de "judicialização", ou obtenção de benefícios por meio de ações judiciais 59 (MPOG, 2016). Uma simples simulação da pressão fiscal estimada no âmbito do BPC evidencia o fato que, com base nas regras atuais, as despesas do programa devem crescer de 0,7% do PIB em 2015 para 1,1% do PIB até 2025, e 1,6% do PIB até 2035. 126. O número de pessoas com acesso ao BPC pode crescer ainda mais, caso seja reduzido o acesso ao RGPS, como resultado, por exemplo, da exigência de atingir pelo menos 25 anos de contribuição, como propõe a reforma da previdência. Muitos brasileiros do grupo mais baixo de renda (às margens da economia formal) têm poucas chances de atingir 25 anos de contribuição. Muitos desses trabalhadores podem vir a depender dos benefícios do BPC, que são não contributivos. A crescente parcela de Benefícios de Prestação Continuada (BPC) concedidos judicialmente indica que os tribunais parecem considerar tais demandas justificadas. O aumento líquido dos custos orçamentários provavelmente será limitado, pois as contribuições ao sistema RGPS desse grupo de trabalhadores são pequenas e, diferentemente do RGPS, o BPC requer prova de necessidade e não paga o 13o. No entanto, a falta de incentivos para contribuir para o RGPS pode resultar no aumento da informalidade. Para solucionar esse problema, talvez seja necessário oferecer aos trabalhadores com menos de 25 anos de contribuição um benefício por prazo determinado que reflita o valor de suas contribuições (de forma a reduzir as saídas antecipadas), ou reduzir o valor dos benefícios por incapacidade. 58 É importante considerar essas estimativas com cautela. A incapacidade de distinguir entre os principais tipos de benefício na PNAD desde 2006 exige a adoção de fortes suposições. Para melhorar a confiabilidade desse tipo de análise, seria importante que, no futuro, os questionários da PNAD incluíssem questões sobre o recebimento de benefícios dos vários programas sociais por núcleo familiar. 59 Uma crescente parte dos benefícios é concedida por meio de decisões judiciais e não pelo processo administrativo normal, pois muitos tribunais demonstram a tendência de considerar os pleiteantes aptos a receberem os benefícios, mesmo quando eles foram considerados inaptos conforme os critérios adotados no processo administrativo. 92 Ao contrário do Bolsa Família, que é fortemente progressivo, os subsídios que cobrem os déficits previdenciários são fortemente regressivos. Figura 64: Incidência dos gastos com previdência, proteção social e programas de apoio ao mercado do trabalho (por quintil de renda) Previdência Programas de Mercado de Trabalho Programas de Assistência Social 60% 57% 50% 44% 40% 35%35% 37% 32% 28% 34% 22% 25% 24% 26% 30% 21% 24% 25% 26% 24% 22%22% 23% 22% 20% 24% 23% 20% 20% 18% 20% 20% 18% 19% 19% 20% 17% 14% 14% 14% 14% 12% 13% 11% 12% 10% 10% 10% 10% 7% 4% 2% 2% 3% 3% 0% Q1 Q2 Q3 Q4 Q5 Fonte: PNAD, estimativas do Banco Mundial. Obs.: 1. Resultados devem ser tratados com cautela, uma vez que a incapacidade de se distinguir os tipos de benefícios chave na PNAD (depois de 2006) requer fortes pressupostos. 2. Os “Aposentadoria Pública - Subsídios" são definidos como a diferença, segundo as regras vigentes do sistema previdenciário, entre os benefícios médios e as contribuições médias de cada quintil de renda da população coberta pela PNAD. Isso inclui os benefícios do RGPS (urbano e rural) e do RPPS. 3. A incidência é calculada utilizando-se a renda per capita total. Portanto, os resultados também refletem o fato de que os benefícios recebidos pelos receptores do BPC e de aposentadoria rural são altos em comparação com a distribuição de renda. 127. Uma análise dos beneficiários dos vários programas evidencia a existência de sobreposições generalizadas entre eles. A maioria das pessoas recebe apenas um benefício, mas muitas famílias recebem benefícios de mais de um programa (Figura 65). A maior parte desses benefícios acumulados encontram-se no 3°, 4° e 5° quintis de renda da sociedade brasileira (Figura 66). Na verdade, quase a metade dos domicílios entre o 2° e o 5° decis recebe benefícios de dois ou três programas, e mais de 30% dos domicílios entre o 6° e o 8° decis beneficiam-se de dois programas. Uma parte dessa sobreposição de benefícios pode ser atribuída a erros ou fraudes. Estima-se, por exemplo, com base em dados da PNAD, que 24,1% dos beneficiários do BPC também recebam fundos do Bolsa Família (aproximadamente um milhão de beneficiários). Os Benefícios de Prestação Continuada (BPC) dirigidos a esses indivíduos equivalem a 0,2% do PIB (R$ 12 bilhões), ao passo que a despesa do Bolsa Família com esses benefícios acumulados equivale, aproximadamente, a 0,03% do PIB (R$ 2 bilhões) (Tabela 3). Isso é um exemplo de fraude, pois a legislação que rege o BPC proíbe que seus beneficiários acumulem outros "benefícios de seguridade social". No entanto, a maioria das outras sobreposições simplesmente 93 reflete a falta de coerência na concepção e gestão dos programas, pois a acumulação de benefícios não é, com frequência, regulamentada. Uma melhor integração e coordenação dos programas de apoio ao mercado do trabalho e assistência social poderia gerar economias, oferecer melhor proteção às famílias mais pobres e vulneráveis, e melhorar os incentivos e resultados do mercado trabalho. Muitas famílias na metade superior de distribuição de renda beneficiam-se de mais de um programa. Figura 65: Recebimento de benefícios (número Figura 66: Parcela da população em cada decil de pessoas, pelo número de benefícios recebidos conforme o número de benefícios recebidos por por seu núcleo familiar) seu núcleo familiar 0.5% 2.0% 1.9% 1.6% 1.3% 0.7% 0.4% 0.2% 0.1% 0.0% 90 100% 0.0% 0.0% 0.0% 0.0% 0.0% 0.1% 0.1% 0.1% 0.0% 0.0% 5% 7% 18% 14% 11% 10% 5% 5% 3% 14% 1% 0% 90% 80 11% 21% 80% 23% 28% 70 40% 70% 27% 30% 33% 25% 60 60% 44% Milhões 59% 43% 50 50% 50% 42% 40 40% 37% 36% 37% 39% 30% 55% 30 20% 41% 20 32% 10% 23% 18% 18% 21% 20% 21% 24% 10 0% 0 D1 D2 D3 D4 D5 D6 D7 D8 D9 D10 0 programa 1 programa 2 programas 0 1 2 3 4 5 Número de programas recebidos pelo núcleo 3 programas 4 programas 5 programas familiar Fonte: Estimativas da equipe do Banco Mundial com base na PNAD. Obs.: Os resultados devem ser considerados com cautela, pois a incapacidade de distinguir entre os principais tipos de benefício na PNAD (após 2006) exige a adoção de fortes suposições. Tabela 3: Sobreposições de programas de proteção social por núcleo familiar Beneficiários de programas listados em cada linha que Subsídios Salario Seguro Abono Bolsa BPC também recebem do previdenciários Família desemprego Salarial Família programa listado na coluna: Subsídios previdenciários 100.0 8.1 4.9 25.3 12.8 4.7 Salario Família 15.7 100.0 8.2 87.9 33.3 1.5 Seguro desemprego 20.2 17.3 100.0 45.0 20.7 3.2 Abono Salarial 21.4 38.2 9.3 100.0 20.7 2.4 Bolsa Família 16.4 21.9 6.4 31.3 100.0 4.0 BPC 36.3 6.0 6.0 22.2 24.1 100.0 Fonte: Estimativas da equipe do Banco Mundial com base na PNAD. Obs.: 1. “Subsídios previdenciários” se referem aos benefícios de aposentadoria líquidos das contribuições. 2. Os resultados devem ser considerados com cautela, pois a incapacidade de distinguir entre os principais tipos de benefício na PNAD (após 2006) exige a adoção de fortes suposições. 3. Participação dos núcleos familiares que recebem de outros programas. Especificamente, a sobreposição é: Número de núcleos familiares recebendo transferências do programa X, dado que eles receberam transferências do programa Y. Núcleos familiares são ponderados utilizando-se os pesos do núcleo familiar multiplicados pelo tamanho do núcleo familiar. 94 128. A multiplicidade e incoerência dos programas levam a inconsistências, duplicidade e gastos excessivos. De um ponto de vista "sistêmico", vários problemas são aparentes: (i) A coexistência de múltiplos regimes de "aposentadoria social" leva a sobreposições funcionais consideráveis. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) para os idosos mais pobres sobrepõe-se à aposentadoria rural, que também é não contributiva de facto. Na verdade, a distinção entre rural e urbano não é clara devido à alta mobilidade populacional, e a única diferença real entre os dois é o fato que o BPC exige comprovação de pobreza, ao passo que as aposentadorias rurais não são dirigidas somente aos pobres, mas a todos os que comprovam histórico de atividade rural. Ademais, os altos níveis dos benefícios das aposentadorias não contributivas (BPC para os idosos e aposentadorias rurais) introduzem um desincentivo à contribuição exigida pelos programas de previdência contributiva. (ii) Também falta coordenação entre os programas de ajuda financeira: o Bolsa Família, o Salário-Família e o Abono Salarial. Por exemplo, o Abono Salarial e o Salário-Família possuem basicamente os mesmos objetivos, pois ambos oferecem subsídios salariais aos trabalhadores formais de baixa renda. Na verdade, há uma grande sobreposição de beneficiários, a maior parte dos quais entre os 60% mais ricos da população (Figuras 67 e 68). O Salário-Família é uma resposta antiquada às preocupações com os trabalhadores mais pobres, mas soluções mais modernas de políticas públicas conseguem integrar programas de emprego e de assistência social (Bolsa Família) para facilitar a transição da assistência social à reintegração no mercado de trabalho com distorções mínimas. O Abono Salarial beneficia principalmente os trabalhadores do 2°, 3° e 4° quintis de renda (Figuras 64 e 67) e, portanto, deixa de cumprir, em grande parte, seu objetivo de oferecer ajuda financeira aos trabalhadores mais pobres. Ele também deixa de incentivar o emprego formal, pois os beneficiários somente se tornam aptos a receber os benefícios após 5 anos de trabalho no setor formal. (iii) Também há uma incoerência e, consequentemente, uma sobreposição entre os programas de apoio ao mercado do trabalho e as funções de ajuda financeira aos desempregados: O Seguro-Desemprego e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), embora difiram em seus mecanismos de financiamento, possuem o mesmo propósito de fornecer ajuda financeira a trabalhadores formais que estão desempregados. Conforme análise mais detalhada abaixo, a configuração atual parece encorajar uma rotatividade excessiva, deixa de proteger os desempregados em períodos de crise prolongada e levou a gastos crescentes, mesmo durante períodos de baixíssimo desemprego e de mercados de trabalho pujantes. 129. Há um amplo consenso de que os atuais programas para o mercado de trabalho introduzem incentivos perversos que resultam em baixa produtividade. Em particular, as características peculiares do Seguro-Desemprego podem ajudar a explicar o alto nível de rotatividade entre emprego e desemprego observado no Brasil 60. Essa alta rotatividade no mercado 60 O mercado de trabalho brasileiro destaca-se por seu alto nível de rotatividade. Esse fenômeno geralmente é citado como uma das causas da estagnação da produtividade ao longo das três últimas décadas. Cerca de 23% dos brasileiros empregados foram contratados pela empresa onde trabalham há um ano ou menos; 38% há menos de dois anos; e mais da metade (58%) trabalham no mesmo estabelecimento há menos de cinco anos (CNI, 2016). Na verdade, a duração do emprego no Brasil é a mais baixa entre todos os países da OCDE, com exceção dos EUA (World Bank, 95 de trabalho brasileiro pode se dever a uma série de fatores, tais como as taxas de reposição relativamente altas; a falta de exigências rigorosas na busca e aceitação de ofertas de trabalho; e os períodos relativamente curtos de gozo do Seguro-Desemprego (Portela et al., 2016; Corseuil et al., 2014). Os programas de subsídios salariais (Abono Salarial e Salário-Família) apresentam uma sobreposição quase total de beneficiários, que se encontram, em sua maioria, nos domicílios mais ricos, o que indica um escopo para economias fiscais. Figura 67: Número de beneficiários do Abono Figura 68: Sobreposição de beneficiários entre Salarial e do Salário-Família (milhões) por o Abono Salarial e o Salário-Família grupo de renda 100 Nenhum Abono 90 Somente o Abono Salarial 80 Somente o SF (24 milhões) 70 Ambos 60 50 Sobreposição: Milhões 40 8,2 milhões Salário- 30 Família 20 (8,5 10 milhões) 0 Extremamen Classe Média Classe Média Pobres Vulneráveis Alta e Ricos te Pobres Fonte: Estimativas da equipe do Banco Mundial com base na PNAD. Obs.: 1. A figura não mostra os quintis por distribuição de renda. Os quintis são definidos da seguinte maneira. Extremamente pobres: de R$ 0 a R$ 92 por dia (equivalente a RS 70 em 2015); Pobres: de R$ 92 a R$ 185 por dia (equivalente a RS 140 em 2015); Vulneráveis: de R$ 185 a R$ 384 por dia (equivalente a RS 291 em 2015); Classe média: de R$ 384 a R$ 680 por dia; e Classe média alta e ricos: acima de R$ 680. 2. Esta figura utiliza a renda pré-transferência, bem como as linhas de pobreza e classificações de renda nacionais. Os resultados devem ser considerados com cautela, pois a incapacidade de distinguir entre os principais tipos de benefício na PNAD (após 2006) exige a adoção de fortes suposições. 130. Os incentivos perversos para a frequente busca de demissões são intensificados pelas regras do FGTS e sua coordenação precária com o Seguro-Desemprego. Primeiramente, os requisitos de elegibilidade do Seguro-Desemprego são baixos se compararmos o Brasil a países pares. Embora o período máximo de gozo do benefício seja mais curto, o valor do benefício é relativamente generoso. Em segundo lugar, as contas de FGTS administradas pela Caixa Econômica Federal são corrigidas por uma taxa de juros nominal, abaixo do mercado. Em uma economia com histórico de alta inflação e propensa a surtos inflacionários, o baixo retorno sobre 2015). Possíveis explicações para o alto nível de rotatividade no mercado de trabalho vêm sendo ativamente debatidas há anos (World Bank 2002, World Bank, 2015), mas há um entendimento comum de que a alta rotatividade compromete a produtividade. Uma vez que múltiplos benefícios se tornam disponíveis quando o trabalhador fica desempregado (Seguro-Desemprego, FGTS e a parcela das multas rescisórias pagas aos trabalhadores demitidos), a rotatividade também tem contribuído para os custos fiscais dos programas de emprego. 96 essa poupança obrigatória pode aumentar a repressão financeira sentida pelas famílias e os incentivos para sacar esses saldos. Embora a concepção do FGTS desencoraje as demissões ao obrigar o empregador a pagar uma multa rescisória, a maior parte do valor da multa vai diretamente para o próprio funcionário demitido, em vez de ser incorporado ao fundo de riscos compartilhados do Seguro-Desemprego (o Fundo de Amparo ao Trabalhador, FAT). Portanto, os trabalhadores possuem altos incentivos para serem demitidos e acessarem os benefícios substanciais resultantes da demissão. Por outro lado, a inflexibilidade dos contratos de trabalho e a alta incidência de ações trabalhistas incentivam os empregadores a realizar acordos de demissão e recontratar os funcionários sob regras diferentes, em vez de tentar renegociar seus contratos 61. Melhorias na concepção dos programas de apoio ao mercado do trabalho e assistência social 131. Os programas de proteção social e emprego seriam beneficiados por reformas que alinhassem melhor os incentivos, fossem mais dirigidas às populações vulneráveis e integrassem os sistemas de prestação dos serviços. A análise acima evidencia o escopo para melhorar a concepção dos programas sociais em três áreas complementares: (i) consolidação dos programas de assistência social; (ii) melhoria do apoio aos desempregados; e (iii) reformulação dos suplementos salariais. Opções para consolidação da assistência social: Bolsa Família, Salário-Família, BPC e aposentadorias rurais 132. A aposentadoria rural, o BPC e os programas de assistência social (Bolsa Família, Salário-Família) poderiam ser fundidos em um só programa que usasse o Bolsa Família como modelo. A reformulação e integração de todos os benefícios não contributivos de facto existentes em um programa cuidadosamente consolidado poderia garantir um gasto progressivo, condições de elegibilidade internamente coerentes e regras de recebimento de benefícios compatíveis com os incentivos, de forma a estimular a participação no mercado de trabalho formal 62. Um novo programa consolidado de assistência social poderia ser baseado no bem- sucedido Bolsa Família e em melhores práticas de países da OCDE. No âmbito de tal programa, todos os indivíduos em situação de pobreza estariam aptos a receber não mais de uma transferência condicionada à renda. Um sistema administrativo integrado (cobrindo a elegibilidade e a prestação dos serviços) também eliminaria as duplicidades indevidas. 133. O alcance da economia fiscal em potencial de uma consolidação dependeria dos níveis de elegibilidade e benefícios, mas, se cuidadosamente elaborada, a reforma geraria uma economia sem aumentar a pobreza. Se o nível dos benefícios fosse estabelecido com base no benefício médio do Bolsa Família atual (R$157 ao mês por família pela PNAD 2015), os gastos do programa BPC seriam reduzidos em cerca de 0,6% do PIB e as despesas com aposentadorias rurais, em aproximadamente 1.4% do PIB 63. Nesse cenário, a taxa de pobreza (de acordo com a linha de pobreza de R$ 140) iria aumentar de 8% para 11% da população (e de 24% para 27% da 61 A reforma trabalhista aprovada em maio de 2017 reduz algumas dessas inflexibilidades, mas não elimina os incentivos perversos inerentes à concepção dos benefícios de desemprego. 62 Tais reformas exigiriam uma emenda à Constituição. 63 Essa iniciativa também eliminaria a acumulação de benefícios do BPC e do Bolsa Família, que representa aproximadamente 0,2% do PIB. 97 população de acordo com a linha de pobreza internacional, abaixo de US$ 5.5 por dia). 64 Alternativamente, um cenário mais desejável poderia definir o nível de benefícios em todos os programas como 60% do nível atual do benefício do BPC (correspondendo cerca de R$ 473 por mês e por família, em 2015) 65. No âmbito desse cenário, o gasto com o Bolsa Família aumentaria para 1.3% do PIB, mas o gasto com o BPC e a aposentadoria rural diminuiria para 0.3% e 0.4% do PIB, respectivamente. No geral, isso geraria economias de 0.7% do PIB, disso, quase 0.6% do PIB seriam geradas ao se remover recebimentos duplos. Esse cenário não teria impacto negativo na pobreza, com a parcela da população abaixo da linha de pobreza de R$ 140 permanecendo constante em 8% (e caindo de 24% para 23% de acordo com a linha de pobreza internacional de US$ 5.5 por dia). No geral, os resultados mostram que a pobreza não aumentaria muito como resultado das simulações de diminuição do nível de benefícios BPC e de aposentadoria rural, enquanto que haveria uma grande redução da pobreza como resultado do aumento dos benefícios do Bolsa Família. 134. Como mínimo, seriam necessárias reformas nos níveis de benefícios e critérios de elegibilidade do BPC para conter o aumento previsto de seus custos e tornar o programa mais progressivo. Caso não seja possível uma integração completa da aposentadoria rural e do BPC a outros programas sociais, pelo menos seria importante controlar os níveis de gastos do BPC, que tendem a crescer significativamente (Figura 69). A simulação das possíveis medidas de contenção de custos no âmbito do BPC evidencia que a introdução de regras mais rígidas de elegibilidade e a desvinculação dos benefícios do BPC ao salário mínimo poderia reduzir as despesas de longo prazo do programa em cerca de 20%, ou o equivalente a 0,2% do PIB, mantendo tais despesas em 0,9% do PIB em 2025 (Figura 69). Ademais, há um forte motivo para reduzir o nível dos benefícios. A razão média entre os benefícios não contributivos e o salário mínimo na maioria dos países da OCDE é de cerca de 45% para os idosos (chegando a um máximo de 65%), e 26% para os portadores de deficiências (45%, no máximo), ao passo que, no Brasil, esses benefícios são fixados em 100% do salário mínimo. A redução do BPC aos níveis médios dos benefícios sociais não contributivos da OCDE economizaria 0,7% do PIB até 2025, em comparação com as previsões de linha de base (Figura 69). No entanto, isso implicaria em um aumento da taxa nacional de pobreza de 8% para 9% de domicílios abaixo da linha de pobreza de R$ 140 por dia (e de 24% para 25% de domicílios abaixo da linha de pobreza internacional de US$ 5.5 por dia), com aumentos maiores na pobreza entre os indivíduos acima dos 65 anos de idade. Porém, uma redução do benefício do BPC a um nível equivalente a 60 por cento do valor atual, economizaria cerca de 0,43% do PIB até 2025 e não teria impacto significativo no nível de pobreza. 135. Outra medida de curto prazo compatível com o objetivo de reforma mais ampla poderia incluir a transformação do Salário-Família em um benefício condicionado à renda em nível de domicílio a fim de incentivar os beneficiários do Bolsa Família a migrarem para 64 Em um outro cenário, os benefícios de todos os programas poderiam ser fixados como o dobro do valor médio do Bolsa Família (R$ 315 por família ao mês em 2015 – o que corresponde cerca de 40% do valor do BPC). Isso dobraria os gastos com o Bolsa Família, elevando os seus valores para 0.9% do PIB, mas reduziria as despesas com o BPC em cerca de 0.5% do PIB e as aposentadorias rurais em cerca de 1.3% do PIB. Isso iria somar uma economia líquida de 1.3% do PIB. Essas estimativas consideram as economias que seriam geradas ao se remover recebimentos duplos, que, somam aproximadamente a quase 0.4% do PIB. No âmbito desse cenário, a parcela da população abaixo R$140 aumentaria de 8% para 10% (e de 24% para 25% de acordo com a linha de pobreza internacional de US$ 5.5). 65 Isso equivale a uma transferência de R$127 por pessoa em núcleos familiares beneficiados. 98 empregos formais. O Bolsa Família e o Salário-Família são, de facto, benefícios não contributivos para os domicílios compostos por adultos em idade ativa e crianças. O Bolsa Família é dirigido aos domicílios que dependem do trabalho informal (pois seus benefícios são insuficientes para manter uma família), ao passo que o Salário-Família mantém seu foco nas famílias de trabalhadores formais de baixa renda. Como o foco do Salário-Família encontra-se ultrapassado, considerando a capacidade brasileira de direcionamento de programas, ele poderia ser explicitamente coordenado pelo Bolsa Família e, no futuro, ser incorporado a ele. O Salário- Família poderia ser condicionado à renda domiciliar para os beneficiários atuais e, ao mesmo tempo, oferecer incentivos explícitos para que os beneficiários do Bolsa Família migrem para o mercado de trabalho formal, permitindo que eles mantenham o benefício mesmo se estiverem trabalhando formalmente até um teto de salário e renda familiar per capita. Em linha com melhores práticas de países da OCDE, a retirada dos benefícios seria gradual à medida que a renda crescesse a fim de evitar a tributação acentuada dos ganhos salariais adicionais. A estrutura do benefício poderia se manter alinhada ao Bolsa Família para enfatizar o efeito comportamental observado pela continuidade do recebimento do benefício mesmo após a alteração da situação laboral. Essa reforma implicaria mudanças administrativas significativas e exigiria um aperfeiçoamento do Cadastro Único para permitir sua interoperabilidade com dados da RAIS e do INSS. O valor da reforma seria principalmente verificado no aumento da produtividade dos trabalhadores formais no longo prazo. Uma medida transitória com custos administrativos mais baixos poderia ser o alinhamento (com um leve aumento) do pagamento do Salário-Família por cada filho a fim de equipará-lo ao Bolsa Família. Ao mesmo tempo, seria feita uma campanha de conscientização entre os beneficiários do Bolsa Família para que eles soubessem que um benefício semelhante estaria disponível mesmo se eles aceitassem um emprego formal de até 1,4 salário mínimo ao mês. O custo do BPC triplicará até 2035, mas reformas nos níveis de benefícios e na cobertura poderiam reduzir os custos. Figura 69: Simulação dos gastos fiscais no âmbito do BPC e potencial para contenção de custos 2.0% Dispêndios fiscais como % do PIB 1.7% 1.5% 1.3% 1.1% 1.1% 0.9% 1.0% 0.9% 0.9% 1.0% 0.7% 0.8% 0.8% 0.6% 0.6% 0.5% 0.5% 0.4% 0.3% 0.4% 0.4% 0.3% 0.3% 0.3% 0.0% 2015 2020 2025 2030 2035 Cenário 1: Manter o Status Quo Cenário 2: Elevar a idade de elegibilidade de 65 a 70 para os idosos e ajustar os benefícios somente pela inflação Cenário 3: Reduzir os benefícios aos níveis médios da OCDE Cenário 4: Reduzir os benefícios ao máximo do BF Cenário 5: Reduzir os benefícios para 60% do SM 99 Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial. Opções para melhorar o apoio aos desempregados: FGTS e Seguro-Desemprego 136. Seria possível introduzir mudanças nos parâmetros do FGTS e do Seguro- Desemprego para reduzir os incentivos perversos e melhorar sua eficácia. A medida mais importante e urgente seria o sequenciamento do acesso aos dois programas. Em vez de permitir o acesso simultâneo às contas de FGTS e ao Seguro-Desemprego após uma demissão não voluntária, o sistema poderia exigir que os trabalhadores esgotassem seu saldo de FGTS antes de se beneficiarem do Seguro-Desemprego. Poderia ser imposto um limite aos saques mensais do FGTS durante o período de desemprego, e tal limite sofreria reduções ao longo do tempo. A maior parte dos programas de apoio a desempregados inclui uma taxa de reposição decrescente durante o período total de pagamento. Exigir que os trabalhadores esgotem suas contas de FGTS criaria uma urgência que neutralizaria o "risco moral" de apoio financeiro durante o período de desemprego. 137. O Seguro-Desemprego poderia sustentar o FGTS e oferecer mais apoio aos que ganham menos. A proposta também tem o mérito de reservar recursos do fundo de riscos compartilhados (ou seja, o FAT, que, como todos os tipos de seguro social, pode observar déficits entre contribuições e pagamento, que são sustentados por transferências orçamentárias) para os que, mais provavelmente, esgotarão seus saldos de FGTS antes de encontrar outro emprego. Esse grupo inclui pessoas cujas qualificações são menos procuradas pelo mercado, trabalhadores de mais baixa renda que não conseguem acumular grandes saldos em suas contas individuais, ou pessoas que passaram por repetidas demissões. Conforme ocorre em países que combinam poupanças individuais com fundos de riscos compartilhados, o número de vezes que um indivíduo pode acessar os benefícios de tal fundo poderia ser limitado em determinado período. Além disso, o acesso poderia ser condicionado à intensidade da busca por um novo emprego, à aceitação de ofertas de trabalho, ou à participação em programas de treinamento, aconselhamento ou apoio, bem como à combinação desses serviços públicos de apoio ao desempregado. 138. A coordenação entre o FGTS e o Seguro-Desemprego ofereceria às famílias um conjunto de ferramentas mais resilientes para administrar uma série de riscos ao emprego. Em qualquer país – mesmo em períodos de crescimento e estabilidade econômica – há um nível eficiente de rotatividade, à medida que os trabalhadores trocam de emprego e que as empresas abrem ou fecham suas portas. Contudo, no Brasil a rotatividade parece ser excessiva, o que reduz os incentivos para investir em formação continuada e, portanto, impede o aumento da produtividade. O sequenciamento do acesso ao FGTS e ao Seguro-Desemprego poderia contribuir para a produtividade ao apoiar a mobilidade dos funcionários em situações de choque idiossincráticas e aumentar esse apoio nos períodos mais longos de desemprego, ou quando o choque para a economia for sistêmico, como se verifica após longas recessões ou crises econômicas. O sistema misto de proteção ao desempregado do Chile, por exemplo, inclui gatilhos que podem estender o período total de pagamento quando o índice de desemprego no país superar determinado nível. 139. Os benefícios de incentivo e eficiência esperados do sequenciamento do FGTS e do Seguro-Desemprego precisam ser ampliados por meio de reformas administrativas. As penalidades impostas aos empregadores por demissões sem justa causa poderiam ser pagas integralmente ao FAT, o que aumentaria o volume dos recursos disponíveis para financiar o 100 Seguro-Desemprego e serviços mais robustos de intermediação com o mercado de trabalho. A fim de desencorajar fraudes nos saques do FGTS por parte de trabalhadores e empregadores, o governo poderia considerar a elevação gradual da taxa de retorno paga aos poupadores até que essa atinja níveis de mercado. Opções para reformular os suplementos salariais: Salário-Família e Abono Salarial 140. Economias fiscais, maior equidade e incentivos mais robustos para a formalização do trabalho podem ser atingidos por meio da consolidação do Salário-Família e do Abono Salarial em um único suplemento salarial progressivo. Conforme sua concepção atual, o Abono Salarial e o Salário-Família beneficiam a mesma população-alvo – trabalhadores formais que ganham menos de dois salários mínimos ao mês. Os dois suplementos salariais poderiam ser consolidados em um só e reformulados para que possam cumprir mais eficazmente seus objetivos comuns originais: incentivar a participação no mercado de trabalho formal e reduzir o risco de pobreza dos trabalhadores. 141. Primeiramente, as exigências de elegibilidade desse novo suplemento de renda consolidado poderiam ser revistas para melhorar o foco do benefício nos trabalhadores mais pobres. A reforma dos suplementos salariais pode atingir seu objetivo geral de várias maneiras. Uma exigência de elegibilidade ideal, embora complexa de um ponto de vista administrativo, seria oferecer o suplemento somente aos trabalhadores que estiverem abaixo ou próximos da linha de pobreza mesmo quando estiverem empregados formalmente. Tal abordagem exigiria a verificação da renda familiar total, em vez de considerar somente o salário individual do trabalhador: dessa maneira, os benefícios salariais brasileiros ficariam mais próximos aos benefícios empregatícios cada vez mais comuns na OCDE (por exemplo, o Crédito Universal no Reino Unido, ou o crédito tributário sobre a renda nos EUA). Uma alternativa administrativamente mais simples para melhorar o foco nos suplementos salariais seria eliminar completamente o direito ao Abono Salarial (uma vez que ele é mais regressivo) e preservar o Salário-Família, que é mais progressivo, pois o nível do benefício é proporcional ao número de dependentes no domicílio. A segunda abordagem seria menos eficaz para aliviar a pobreza dos trabalhadores em famílias sem filhos, embora as famílias com outros tipos de dependentes, tais como idosos ou portadores de deficiências, já estejam protegidas por benefícios previdenciários e de incapacidade (descritos nos capítulos sobre assistência social e previdência deste relatório). 142. Em segundo lugar, o suplemento salarial deveria recompensar as pessoas empregadas formalmente. A estruturação do suplemento salarial consolidado, como o Salário- Família, em vez do Abono Salarial, ajudaria o Brasil a cumprir este objetivo. Primeiramente, o longo período prévio de emprego formal exigido pelo Abono Salarial atual deveria ser eliminado. Dessa forma, o suplemento salarial seria um incentivo imediato para a formalização dos trabalhadores informais. Em segundo lugar, o subsídio salarial poderia ser mais claramente vinculado ao salário mensal do trabalhador de forma a constituir um incentivo comportamental: o suplemento salarial deveria integrar o salário regular do trabalhador, em vez de ser concedido na forma de um pagamento único ao final do ano. 143. Por fim, a taxa de retirada do suplemento poderia ser mais gradual, de forma a evitar "armadilhas" de incentivo a baixos salários. Segundo o formato atual, tanto o Abono Salarial quanto o Salário-Família apresentam pontos de corte de elegibilidade muito precisos e valores fixos para os benefícios. Essas características tornam a progressão salarial imediatamente acima 101 da linha de elegibilidade indesejável para os trabalhadores cobertos pelo benefício, pois o valor do benefício perdido é superior ao salário adicional recebido (considerando pequenos aumentos salariais). Há um risco de os trabalhadores ficarem "presos" a empregos com baixos salários porque os empregadores não podem oferecer aumentos salariais significativos de um ano para outro. Outros países solucionaram esse problema de incentivo por meio de uma taxa de retirada gradual dos benefícios, de forma a garantir que o benefício perdido seja mantido como uma fração dos ganhos gerados por um salário maior após a tributação. 144. A reforma dos suplementos salariais ajudaria a liberar fundos para financiar os serviços públicos de apoio ao emprego, que carecem de recursos. A aplicação das reformas propostas acima reduziria o número de beneficiários dos subsídios salariais (atualmente, 25 milhões de trabalhadores no Brasil). Algumas das economias fiscais derivadas das reformas aqui propostas poderiam ser reinvestidas em outros programas voltados ao mercado de trabalho ativo, que atualmente são subfinanciados, tais como os programas de treinamento e intermediação com o mercado de trabalho, que são mais eficazes na recolocação profissional dos trabalhadores e, portando, incentivam uma maior produtividade. 145. Como alternativa, o Abono Salarial poderia ser reformado para incentivar as empresas a contratarem indivíduos em seu primeiro emprego, ou trabalhadores que encontram dificuldades para serem contratados. O sistema brasileiro de programas para o mercado de trabalho carece de um instrumento utilizado na maioria dos países da OCDE e outros países comparáveis ao Brasil: incentivos pagos aos empregadores para compensá-los pela contratação de trabalhadores com produtividade mais baixa. A fim de melhorar as perspectivas profissionais de jovens em busca de emprego – principalmente os que se encontram na fase de transição entre ensino em tempo integral e mercado de trabalho, o Brasil obriga as empresas a oferecer contratos de aprendizagem por meio da Lei do Aprendiz. No entanto, se o benefício for pago ao empregador e não ao trabalhador, um subsídio salarial pode aumentar os incentivos para as empresas contratarem os aprendizes que têm mais dificuldades de colocação, mesmo se os custos trabalhistas não salariais associados à contratação formal constituírem um obstáculo significativo. Dessa forma, o Abono Salarial poderia ser transformado em um verdadeiro subsídio salarial pago ao empregador como incentivo para a contratação de (i) indivíduos desempregados há muito tempo, ou (ii) pessoas em busca de seu primeiro emprego no mercado formal (em sua maioria, jovens e trabalhadores informais mais pobres). O subsídio também poderia ser estendido de maneira flexível a outros trabalhadores vulneráveis com base nas condições do mercado de trabalho (por exemplo, jovens com menos escolaridade, desempregados com mais de 50 anos de idade, mães solteiras etc.). Simulações das reformas do FGTS, Seguro-Desemprego, Salário-Família e Abono Salarial 146. As simulações das propostas de reformas demonstram impactos positivos para o mercado de trabalho e os resultados fiscais. Para demonstrar o impacto que as reformas propostas poderiam ter nos mercados de trabalho e nos gastos públicos, o modelo do Banco Mundial de Simulações de Políticas na Economia do Trabalho (SimPLE, na sigla em inglês) foi calibrado com dados do mercado de trabalho brasileiro (ver quadro acima para informações 102 detalhadas sobre a metodologia SimPLE) 66. Quatro cenários de reforma foram simulados (Tabela 3). Embora o modelo possa ser particularmente útil para a compreensão da direção prevista de diferentes evoluções do mercado de trabalho resultantes de reformas em programas de emprego, os resultados quantitativos devem ser analisados com cautela, principalmente por se basearem em uma pesquisa do mercado de trabalho que não é plenamente representativa da força de trabalho brasileira. 147. A reforma do FGTS e do Seguro-Desemprego poderia reduzir substancialmente o número de beneficiários e os benefícios oferecidos pelos programas, com economias fiscais de aproximadamente 0,6% do PIB. O Cenário de Reforma A simula um contexto em que os trabalhadores que se tornassem desempregados precisariam, inicialmente, esgotar os recursos em suas contas de FGTS antes de ter acesso ao Seguro-Desemprego, o qual seria estendido por alguns meses adicionais. Mais especificamente, o Seguro-Desemprego ofereceria benefícios por até 7 meses (comparados aos 5 meses atuais), o que refletiria melhor o prolongamento dos períodos de desemprego durante a crise e alinharia a duração do programa ao que é oferecido em outros países de renda média. As taxas de reposição do Seguro-Desemprego e dos saques do FGTS seriam reduzidas a 70% do último salário e limitadas a dois salários mínimos, sem observar o piso mínimo atual de um salário mínimo. Além disso, o benefício estaria sujeito a uma redução adicional para 52% do último salário 67. A multa rescisória seria depositada integralmente no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) 68. Por fim, o número máximo de meses que um empregador poderia contribuir para o FGTS seria limitado a 50, a fim de evitar a acumulação de um alto saldo ocioso. Os resultados da simulação indicam que tal reforma poderia reduzir em mais de 90% o número de beneficiários mensais do programa, aumentando consideravelmente a economia fiscal (Figura 70). Uma vez que os desempregados sacariam os benefícios inicialmente de suas contas individuais de FGTS e muitos trabalhadores encontrariam outro emprego antes de esgotar sua poupança, o orçamento precisaria oferecer apoio financeiro somente a uma pequena parcela dos desempregados. Em segundo lugar, a reforma da generosidade do benefício (em relação às taxas de reposição e ao valor decrescente após 3 meses) reduziria o benefício médio em quase 40% e os pagamentos totais em 95% 69. Por fim, o depósito de todas as multas rescisórias no FAT, em vez de pagá-las diretamente ao trabalhador demitido, poderia financiar quase totalmente o custo fiscal do Seguro-Desemprego. Ao mesmo tempo, os limites máximos de saques do FGTS reduziriam pela metade os pagamentos mensais totais e os pagamentos médios. O limite sobre o número de 66 O Volume II contém uma análise mais detalhada dos principais problemas dos programas brasileiros para o mercado de trabalho; das opções de reformas de tais programas que refletiriam as principais práticas adotadas em outros países; e dos impactos que os formuladores de políticas públicas podem esperar de tais reformas. Detalhes sobre o modelo SimPLE e sobre os resultados das simulações também foram incluídos no Volume II. 67 Uma escala variável de benefícios, com a queda mensal da taxa de reposição, também seria desejável a fim de aumentar o estímulo para buscar outro emprego. Isso já foi posto em prática em alguns países (por exemplo, o Chile). No entanto, é importante ressaltar que, com base nas regras atuais, o piso dos benefícios de desemprego é o salário mínimo, o que impediria a redução das taxas de reposição para muitos trabalhadores. Considerando o impacto sobre o salário de reserva, a eliminação dessa restrição parece aconselhável. 68 Outras mudanças deveriam ser consideradas, tais como a elevação dos juros sobre os saldos de FGTS a níveis de mercado, de forma a reduzir a repressão financeira desse tipo de instrumento de poupança obrigatória; e possivelmente a redução da taxa de contribuição, que, a 8%, é alta para um instrumento de poupança para o desemprego. 69 Vale destacar que o SimPLE não captura o incentivo adicional dos desempregados para aceitarem outros empregos quando devem depender de sua própria poupança individual, em vez de contar com pagamento de Seguro- Desemprego durante os primeiros meses de desemprego; ou a redução do incentivo de buscar uma demissão sem justa causa para poder acessar seu saldo individual do FGTS, pois tal acesso seria limitado. Portanto, o modelo pode ter subestimado os benefícios da reforma. 103 contribuições mensais reduziria muito pouco (em 7%) o saldo das contas individuais de FGTS, mas geraria uma diminuição maior (30%) no número total de contribuições mensais que os empregadores devem recolher ao FGTS, o que poderia incentivar ainda mais o emprego. No longo prazo, a redução das contribuições ao FGTS e uma pequena redução das multas rescisórias poderiam, também, reduzir o custo não salarial enfrentado pelos empregadores. 148. O alinhamento do Salário-Família ao Bolsa Família em termos de generosidade poderia mitigar o impacto da remoção do Abono Salarial, conforme proposto acima. O Cenário de Reforma B simula a reforma do Salário-Família (Tabela 4). O objetivo original do programa é apoiar as famílias com salários mais baixos no setor formal, o que seria particularmente importante se outros benefícios (tais como o Abono Salarial), fossem suprimidos. Nesta simulação, os benefícios ainda seriam pagos ao grupo-alvo atual, mas os valores seriam alinhados aos benefícios variáveis do Bolsa Família por cada filho. Dessa maneira, a continuidade entre os dois programas ficaria mais explícita, e os trabalhadores informais teriam mais confiança nos benefícios de integrar o setor formal. As simulações demonstram que os pagamentos totais do Salário-Família seriam reduzidos em cerca de 3% (Figura 70). 149. A conversão do Abono Salarial em um subsídio salarial poderia ter um impacto positivo, embora pequeno, no desemprego. O Cenário de Reforma C simula uma possível reforma do Abono Salarial e do Salário-Família (Tabela 4). Mais especificamente, o Abono Salarial seria reconfigurado para que se tornasse um subsídio pago ao empregador pela contratação de indivíduos sem experiência formal de trabalho, ou trabalhadores que estiverem desempregados há muito tempo (7 meses ou mais). Segundo nossa suposição, o subsídio seria estabelecido em somente 10% do salário do trabalhador (o que se aproxima ao custo atual do Abono Salarial relacionado ao salário mínimo) e pago até um máximo de 12 meses. A justificativa seria fornecer um incentivo maior aos empregadores para que criassem empregos formais, em vez de manter os benefícios atuais oferecidos aos trabalhadores desfavorecidos 70. Os resultados da simulação indicam uma redução sensível na duração do desemprego e um aumento dos gastos com o subsídio salarial reformado (Figura 70). Muitos dos atuais trabalhadores informais tornar-se-iam aptos a se beneficiarem do novo programa, aumentando, assim, a formalização. Portanto, a economia gerada pela eliminação do Abono Salarial para um grande número de trabalhadores seria compensada pelo recebimento do subsídio salarial por um número maior de trabalhadores vulneráveis. Em outras palavras, a economia fiscal gerada pela reforma não seria significativa (0,01% do PIB, ou aproximadamente 3% dos gastos combinados do Abono Salarial e do Salário-Família). 150. Juntas, essas reformas estimulariam uma pequena queda na duração média das ondas de desemprego e uma redução no desemprego de longo prazo. A combinação de várias mudanças nos programas para o mercado de trabalho (Cenário de Reforma D) teria um efeito visível na dinâmica de longo prazo do mercado de trabalho, como, por exemplo, uma pequena redução no desemprego total e uma queda significativa no desemprego de longo prazo. Os efeitos resultariam da combinação dos novos subsídios salariais oferecidos a trabalhadores vulneráveis e da reforma do sistema de apoio aos desempregados (Figura 70). Estima-se que os impactos simulados dessas reformas também sejam capazes de impulsionar a produtividade do trabalho. 70 Devido a limitações na base de dados da PME, não pudemos utilizar o modelo para simular outras reformas propostas para o Salário-Família, como, por exemplo, adotar a renda familiar (em vez do salário individual) como critério para melhorar o direcionamento do programa. 104 Tabela 4. Simulações SimPLE: cenários de reforma dos principais programas de apoio ao mercado do trabalho Cenário de Reforma A: Cenário de Reforma Cenário de Reforma C: Cenário de Parâmetros Reforma do sistema de B: Reforma do Substituição do Abono Reforma D: de políticas apoio ao desemprego Salário-Família Salarial por um Subsídio (A+B+C) (FGTS e Seguro- Salarial Desemprego) FGTS Saque inicial limitado a Nenhuma mudança Nenhuma mudança Conforme o 70% do último salário por Cenário A mês, e somente enquanto durar a situação de desemprego Seguro- Acesso ao Seguro- Nenhuma mudança Nenhuma mudança Conforme o Desemprego Desemprego somente após Cenário A o saldo do FGTS ter se esgotado. O benefício é igual a 70% do último salário pelos três primeiros meses, e equivalente a 52% do último salário por até quatro meses adicionais. O valor absoluto do benefício é limitado a dois salários mínimos Multa Equivalente a 40% das Nenhuma mudança Nenhuma mudança Conforme o contribuições de FGTS, Cenário A mas depositada no FAT Salário- Nenhuma mudança O limiar de Nenhuma mudança Conforme o Família elegibilidade e Cenário B condicionalidade permanecem inalterados (igual a 1,4 salário mínimo). O valor do Salário- Família é aumentado para se equiparar ao pagamento da Bolsa Família de R$ 39 por filho abaixo de 18 meses de idade Abono Nenhuma mudança Nenhuma mudança Eliminação do Abono Conforme o Salarial Salarial. Cenário C Novo subsídio salarial pago aos empregadores que contratarem indivíduos em seu primeiro emprego ou trabalhadores desempregados há mais de 7 meses. Subsídio equivalente a 10% do salário por 12 meses 105 A reforma dos programas de apoio ao mercado do trabalho reduziria o desemprego, melhoraria a produtividade e geraria uma economia fiscal significativa. Figura 70: Impacto simulado da reforma do FGTS e suplementos salariais com base no modelo SimPLE a) Benefícios do Seguro-Desemprego (SD) em b) Poupanças e pagamentos individuais do cenários de reformas simulados FGTS em cenários de reformas simulados $1,200 200,000 R$8,000 $1,000 150,000 R$6,000 $800 $600 100,000 R$4,000 $400 R$2,000 50,000 $200 $0 - R$0 Contribuição Mensal Média Benefício Mensal Médio Saldo Médio na Conta de FGTS   Média Mensal de Beneficiários (à direita) Benefício Mensal Médio c) Gastos e número de beneficiários com d) Fluxos mensais para o desemprego e suplementos salariais em cenários simulados duração do desemprego em cenários simulados R$1.24 1.4 400 5.6 Bilhões 1.2 Beneficiários (milhões) Milhares R$1.22 5.5 300 1.0 5.4 R$1.20 0.8 Meses R$1.18 200 5.3 0.6 R$1.16 5.2 0.4 100 R$1.14 5.1 0.2 - 5.0 R$1.12 - Fluxo mensal ao desemprego Custo Fiscal dos Suplementos Salariais Fluxo mensal ao desemprego acima de 7 meses Total de Beneficiários (à direita) Duração média do desemprego (à direita) Fonte: Simulação SimPLE com base na PME 2015. Obs.: Os dados utilizados para construir o modelo SimPLE não são representativos da totalidade do mercado de trabalho no Brasil: resultados agregados em termos de gastos e cobertura de programas não são exatos em termos nominais. Esses dados são indicativos das prováveis tendências em diferentes cenários de reformas em relação à linha de base. Programas para o mercado do trabalho e assistência social: economia e eficiência a partir de uma abordagem sistêmica integrada 151. A recomendação geral é reformular e integrar todos os programas de proteção social (programas de apoio ao mercado do trabalho e assistência social, bem como as aposentadorias sociais) em um único sistema coerente. Resultados semelhantes ou até melhores 106 poderiam ser atingidos com menos gastos: muitos programas com funções semelhantes são adotados isoladamente, o que gera duplicidade, gastos regressivos e grandes sobreposições. Como resultado, milhões de famílias recebem múltiplos benefícios. Uma reforma dos programas de proteção social deveria manter seu foco na racionalização, integração e coordenação dos programas existentes, de forma a reduzir benefícios generosos, eliminar sobreposições e melhorar os incentivos. Também é necessário facilitar a transição entre a assistência social e os suplementos salariais para eliminar distorções na oferta de emprego, bem como redirecionar os programas voltados ao mercado de trabalho para que forneçam um apoio mais ativo na busca por emprego. Esse tipo de reforma deveria consolidar os programas, melhorar seu direcionamento e alinhar os incentivos para que as pessoas transitem gradualmente dos programas sociais para o mercado de trabalho formal. Ela deveria caminhar de mãos dadas com uma maior interoperabilidade dos sistemas de gestão e prestação de serviços. O estudo recomenda a reformulação de todos os programas sociais em três partes complementares, o que geraria uma economia de até 1,3% do PIB ao longo da próxima década: (a) Assistência social consolidada: Isso implicaria a reformulação e integração de todos os benefícios pecuniários não contributivos de facto – incluindo o BPC, a aposentadoria rural, a assistência social e o Salário-Família – em um programa consolidado baseado em melhores práticas e no bom desempenho do programa Bolsa Família. O novo programa garantiria um gasto progressivo, condições de elegibilidade internamente coerentes e regras de recebimento de benefícios compatíveis com os incentivos, de forma a estimular a participação no mercado de trabalho formal. A economia fiscal em potencial dependeria dos níveis de elegibilidade e benefícios, mas poderia chegar a 0,7% do PIB, sem aumento da taxa de pobreza. Caso não seja possível uma integração completa dos programas sociais no curto prazo, pelo menos seria importante rever os níveis de benefícios e elegibilidade do BPC para conter os aumentos de custos previstos e torna-lo mais progressivo. Outra medida de curto prazo compatível com este objetivo de reforma mais ampla transformaria o Salário Família em um benefício condicionado à renda em nível de domicílio a fim de incentivar os beneficiários do Bolsa Família a migrarem para empregos formais. Embora tal medida não implique uma economia fiscal no curto prazo, os efeitos positivos esperados sobre a produtividade e a oferta de mão de obra gerariam benefícios econômicos e sociais de longo prazo. (b) Subsídios salariais dirigidos: Um leve aumento na generosidade do Salário-Família e a eliminação do Abono Salarial, que é mais regressivo, apresentaria uma oportunidade de economia sem impactos distribucionais significativos. Em troca, o Abono Salarial poderia ser transformado em um verdadeiro subsídio salarial pago ao empregador como incentivo para a contratação de (i) trabalhadores desempregados há muito tempo, ou (ii) indivíduos em busca de seu primeiro emprego no mercado formal (em sua maioria, jovens e trabalhadores mais pobres do mercado informal). O benefício seria concedido ao empregador por um período limitado (por exemplo, 12 meses) para compensar alguns dos custos trabalhistas, e por um número máximo de vezes para cada trabalhador. A adoção de um subsídio salarial para um grupo relativamente maior de trabalhadores vulneráveis significa que nenhuma economia fiscal considerável seria gerada por esta reforma. No entanto, os recursos seriam gastos de maneira mais eficaz e seriam dirigidos aos trabalhadores mais vulneráveis. (c) Ajuda financeira integrada para os desempregados: A integração do FGTS e do Seguro- Desemprego em um conjunto sequencial de instrumentos de ajuda financeira aos que buscam emprego melhoraria os incentivos e estimularia o emprego, além de gerar uma economia 107 fiscal de aproximadamente 0,6% do PIB. Os desempregados teriam acesso ao Seguro- Desemprego somente após o esgotamento de seus saldos de FGTS, ao passo que os pagamentos de tal fundo seriam limitados a um valor máximo mensal que fosse compatível com taxas razoáveis de reposição (por exemplo, 70%) do último salário. Tal reforma também geraria o espaço fiscal necessário para aumentar o período máximo de pagamento do Seguro- Desemprego (por exemplo, até 7 meses) para a minoria de trabalhadores que realmente necessitarem do benefício, principalmente durante períodos de crise econômica. As simulações indicam que a reforma poderia reduzir a duração média das ondas de desemprego, reduzir os gastos com o Seguro-Desemprego e aumentar os incentivos para o emprego formal. As multas rescisórias pagas pelos empregadores poderiam ser usadas para aumentar o fundo de intermediação com o mercado de trabalho e melhorar os serviços de apoio à busca de emprego. 152. Uma maior integração e interoperabilidade dos sistemas de gestão e prestação de serviços poderiam melhorar os programas de assistência social e reduzir custos. Atualmente, os sistemas administrativos dos programas que cobrem os trabalhadores formais e os trabalhadores informais, em sua maioria mais pobres (o Cadastro Único), são completamente separados. A integração dos programas sociais exigiria a interoperabilidade dos sistemas de gestão e prestação dos serviços. Melhorias na coordenação e gestão poderiam elevar a eficiência e a equidade. Uma melhor interoperabilidade dos sistemas permitiria o cruzamento de informações entre programas sociais e outras bases de dados e, portanto, ajudaria a melhorar o foco, eliminar sobreposições e elevar a probabilidade de resultados de despesas progressivas. 108 Saúde: Alternativas para Oferecer Mais e Melhores Serviços A economia potencial nos gastos com saúde é relacionada a uma escala ineficiente de prestação de serviços, principalmente nos hospitais. A fim de lidar com a provável expansão da demanda por serviços de saúde devido à transição demográfica e ao crescente ônus das doenças não transmissíveis, o sistema brasileiro de saúde necessita de algumas reformas estratégicas. Primeiramente, há um número demasiadamente alto de hospitais pequenos (que não são eficientes em termos de custos), o que reflete a necessidade de equilibrar o acesso a serviços hospitalares com o tamanho ideal dos hospitais e a escala dos serviços. Em segundo lugar, é necessário melhorar a integração dos vários níveis de prestação de serviços e a coordenação entre os prestadores de serviços de saúde. Por fim, é fundamental introduzir incentivos para impulsionar a produtividade dos profissionais de saúde e alinhar os mecanismos de pagamento dos provedores aos custos efetivos. Níveis de despesas do setor de saúde 153. A expansão do setor público de saúde ao longo da última década levou a aumentos nos gastos. O Brasil realizou investimentos significativos na expansão da cobertura de seu Sistema Único de Saúde (SUS) com o objetivo de expandir a rede de prestação de serviços. Nos dez anos até 2014, as despesas públicas com saúde cresceram a uma taxa real média de 7%, o que aumentou os gastos públicos com saúde proporcionais ao PIB em 0,5 ponto percentual. No entanto, a maior parte desse aumento nos gastos públicos ocorreu na esfera subnacional. As despesas com saúde do Governo Federal aumentaram levemente, de 1,6% para 1,7% do PIB entre 2004 e 2014. 109 154. Relativo ao seu PIB, o Brasil gasta em saúde tanto quanto a média entre os países da OCDE e mais do que os seus parceiros, mas a maior parte de tais gastos ocorre fora do setor público. O gasto total com saúde no Brasil (9,2% do PIB) é comparável com a média dos países membros da OCDE (8,9%) e maior do que a média dos seus parceiros estruturais e regionais (5,8% e 7,4%, respectivamente) (Figura 71) 71. Nas duas últimas décadas, o gasto com saúde como parte do PIB aumentou em 1,8 pontos percentuais no Brasil, enquanto que, entre os países da OCDE, o aumento da média foi de 2,3%. Diferentemente da maioria dos seus parceiros econômicos, mais da metade dos gastos totais com saúde no Brasil são financiados privadamente (individualmente e planos de saúde privados). A despesa pública com saúde como parte da despesa total com saúde (48,2%) é significativamente mais baixa do que a média entre os países da OCDE (73,4%) e do que os seus parceiros de renda média, está acima apenas da média entre os países do BRICS (46,5%). 72 O Brasil gasta com saúde (relativo ao seu PIB) valores similares aos seus parceiros da OCDE, porém, a maior parte desse gasto é realizada pelo setor privado. Figura 71: Despesa pública e privada com saúde (como porcentagem do PIB), Brasil e seus parceiros, 2013 18% 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% Chile Suécia Colômbia Suíça Áustria Coréia Indonésia Bélgica Islândia Rep. da Eslováquia Estônia Portugal Irlanda Rep. Checa China Holanda Israel Noruega Austrália Itália Eslovênia Finlândia Reino Unido Hungria Letônia Costa Rica Alemanha Polônia Africa do Sul Lituânia Brasil Turquia México Estados Unidos Japão Grécia OECD Luxemburgo Canadá Índia França Dinamarca Nova Zelândia Espanha Fed. Russa Parceiros structurais Parceiros OECD regionais Público Privado Fonte: OCDE, 2013. Obs.: Não considera “gastos tributários”. 155. Além do mais, o Brasil gasta 0.5% do PIB (em 2013) com gastos tributários para o setor de saúde, o que vem aumentando ao longo do tempo. O setor público também gasta recursos significativos por meio de gastos tributários, principalmente para subsidiar seguros privados de saúde (0,5% do PIB). Indivíduos podem deduzir despesas com saúde das despesas tributáveis, o mesmo se aplica para pessoas jurídicas que fornecem tratamentos de saúde para os 71 Isso e segundo dados da OCDE. Os dados das contas satélite do Ministério de Saúde indicam que os gastos totais com saúde no Brasil atingiram 8,3% do PIB nos últimos anos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2013 os gastos totais com saúde no Brasil foram 8,5 do PIB e baixaram para 8.3% do PIB em 2014. 72 Em termos per capita, o Brasil gasta muito menos do que a média entre os países da OCDE, mas mais do que os seus parceiros regionais e estruturais. A despesa total per capita com saúde no Brasil (US$1,334) é 35% da média entre os países da OCDE (US$3,817), 153% dos seus parceiros estruturais (US$873), 127% dos regionais (US$1,054), e 141% maior do que a média entre os países do BRICS (US$949). 110 seus empregados. O governo também desonera impostos e contribuições da indústria farmacêutica e de hospitais filantrópicos. Os gastos tributários representam 31% do gasto federal no setor de saúde. Eles são concentrados em créditos fiscais na renda pessoal (38%) e isenções fiscais para hospitais filantrópicos (29%) (IPEA, 2006). Como resultado, apesar do crescimento do setor público de saúde, os gastos com seguros privados de saúde (geralmente oferecidos pelos empregadores) aumentaram e representam 40% de todas as despesas com saúde privada. Eficiência e incidência das despesas com saúde 156. Foram identificadas ineficiências significativas nas despesas com saúde no Brasil em comparação ao desempenho de outros países. Com base em uma Análise Envoltória de Dados (DEA, na sigla em inglês) de vários países sobre despesas totais com saúde (públicas e privadas), comparamos os sistemas brasileiros de saúde com a fronteira de eficiência, e calculamos as ineficiências estimadas como a distância dessa fronteira 73. Realizamos DEAs orientadas a produtos e a insumos utilizando quatro indicadores selecionados dos sistemas de saúde, a saber: anos de vida padronizados por idade e ajustados por incapacidade; a probabilidade de morte entre 30 e 70 anos de idade por doenças cardiovasculares, câncer, diabete ou problemas respiratórios crônicos; a percentagem de gastos de recursos próprios sobre as despesas totais com saúde (como indicador de proteção financeira); e um indicador de equidade na saúde, que inclui a imunização infantil contra sarampo, o índice de mortalidade infantil e o risco vitalício de morte materna (Perelman et al., 2016). Com base na abordagem DEA orientada a produtos, a pontuação do Brasil foi 0,91 em 2012, o que significa que, com o mesmo volume de recursos, o país deveria ser capaz de melhorar em 9 pontos percentuais seus resultados de saúde (ver o Volume II para mais detalhes) 74. Da mesma maneira, o Brasil poderia ter prestado o mesmo nível de serviços usando 34% menos recursos 75. 157. Grandes ineficiências também podem ser identificadas internamente no Brasil se compararmos os gastos e o desempenho de vários municípios. Para fazer isso, este estudo 73 A Análise Envoltória de Dados (Data Envelope Analysis, DEA) é um método não paramétrico para estimar as fronteiras de produção. Segundo a metodologia DEA, desenvolvida formalmente por Charnes, Cooper e Rhodes (1978), a eficiência é definida como a razão entre produtos (output) e insumos (input), e a fronteira representa o nível máximo de produtos que pode ser produzido com base nos insumos e tecnologias disponíveis. Os pontos de dados mais eficientes definem a fronteira, sem a necessidade de especificar uma forma funcional. A metodologia permite estimar as lacunas de eficiência (ineficiências) com base na distância da fronteira. A eliminação dessas lacunas permitiria que as unidades obtivessem produtos melhores com os mesmos insumos, ou os mesmos resultados com menos insumos. A metodologia foi aplicada à eficiência do setor público por Afonso, António; Schuknecht, Ludger; Tanzi, Vito (2003). Public sector efficiency: an international comparison, ECB Working Paper, No. 242. Ver também Charnes A, WW Cooper e EL Rhodes (1978). Measuring the Efficiency of Decision Making Units. EJOR 2: 429-444. 74 Os resultados são representados pelos quatro indicadores mencionados acima. 75 Na DEA orientada a insumos, o Brasil obteve uma pontuação baixa (0,41 em 2012). Isso significa que o Brasil gasta quase duas vezes e meia mais do que outros países da amostra com resultados de saúde comparáveis. Esses resultados indicam que, se o Brasil fosse tão eficiente quanto os países mais eficientes da amostra, ele poderia gastar menos da metade dos recursos atuais para atingir os mesmos resultados. Os resultados da análise orientada a insumos, no entanto, são influenciados pelos prestadores de saúde privados (que gastam grandes quantias com uma pequena parcela da população). 111 também realizou uma análise DEA comparando vários municípios brasileiros 76. Os insumos utilizados na DEA intermunicipal foram o total de despesas públicas com saúde em cada nível de atendimento e duas variáveis não discricionárias e não especificas de saúde. Tais variáveis consideram a heterogeneidade sóciodemográfica do país e influenciam o desempenho do setor de saúde (e também são influenciadas por ele). Os produtos incluem produtos intermediários (indicadores de prestação de serviços de saúde, tais como a quantidade de procedimentos ambulatoriais e a cobertura do Plano de Saúde da Família) e os resultados de saúde (tais como as taxas de mortalidade disponíveis para diferentes grupos etários) (ver detalhes no Volume II). Se o Brasil equiparasse a eficiência de todos os municípios aos mais eficientes, o país poderia economizar aproximadamente R$ 22 bilhões, ou 0,3% do PIB, no seu Sistema Único de Saúde (SUS) sem nenhum prejuízo ao nível dos serviços prestados, nem aos resultados de saúde. A eficiência média dos serviços primários de saúde é estimada em 63% (ou seja, uma ineficiência de 37%), ao passo que, para os serviços de saúde secundária e terciária ("atendimento hospitalar"), a eficiência média é muito baixa: 29% (ou seja, uma ineficiência de 71%). Isso significa que há escopo para melhorar consideravelmente a prestação de serviços utilizando o mesmo nível de recursos. Por outra perspectiva, esses resultados indicam que seria possível reduzir os gastos em 23% na saúde primária mantendo os mesmos níveis de resultados (o que implicaria um potencial de economia de R$ 9,3 bilhões), e em 34% nos serviços hospitalares (o que geraria uma economia potencial de R$ 12,7 bilhões) 77. 158. No atendimento primário, a maior parte dos municípios é caracterizada por alta produtividade e baixo desempenho, ao passo que, nos atendimentos secundário e terciário, a maioria apresenta baixa produtividade e baixo desempenho. O desempenho aqui é uma medida comparativa de produtos e resultados entre vários municípios sem considerar restrições de recursos, ao passo que a produtividade é calculada pela relação entre o desempenho e os gastos. No atendimento primário, a maior parte dos municípios é relativamente eficiente no uso de recursos (alta produtividade) e poderia se beneficiar de mais recursos para melhor seu desempenho (Figura 72). Isso se verifica principalmente nos municípios das regiões relativamente pobres (Norte e Nordeste), que sofrem mais restrições de recursos. No que diz respeito a atendimentos mais complexos, o desempenho da maioria dos municípios é igualmente baixo. No entanto, o aumento da alocação de recursos teria pouca probabilidade de melhorar o desempenho, pois a maior parte dos municípios também apresenta baixa produtividade, o que indica problemas de gestão, como, por exemplo, a escala ineficiente de hospitais. Em termos regionais, os municípios das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que têm um gasto per capita mais alto com saúde primária, são os menos eficientes, ao passo que os municípios do Norte e Nordeste, que gastam menos, são mais eficientes. 76 Além de analisar o sistema de saúde brasileiro e comparar sua eficiência à de outros países, também estudamos a grande variação no desempenho de vários municípios brasileiros (dependendo da localização e da população) para identificar onde os recursos estão sendo usados de maneira mais eficiente e onde é possível melhorar. 77 A aparente discrepância entre o alto nível de ineficiência e a economia relativamente baixa deve-se aos pesos distintos dos municípios em termos de gastos e eficiência. As pontuações médias de eficiência são médias simples de todos os municípios, mas, conforme demonstrado abaixo, a ineficiência está concentrada nos municípios menores. Portanto, a ineficiência aplica-se a uma pequena parcela das despesas de saúde. Na verdade, as despesas estão concentradas nos grandes municípios (onde vivem mais pessoas), que são mais eficientes. Logo, o potencial de economia por meio da redução de ineficiências não é proporcional. 112 Ineficiências em atendimento primário e avançado oferecem oportunidades para grandes economias. A eficiência está relacionada à escala (inclusive o tamanho do município, o número de leitos e o tamanho dos hospitais). Figura 72: Eficiência por região Figura 73: Eficiência por tamanho do município 1 1 0.9 0.9 0.8 0.8 0.7 0.7 0.6 0.6 0.5 0.5 0.4 0.4 0.3 0.3 0.2 0.2 0.1 0.1 0 0 <5,000 5,000 - 10,000 - 20,000 - >=50,000 10,000 20,000 50,000 N NE SE S CO APS SEC-TER SEC-TER APS Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial. Obs.: 1. Os gráficos ilustram a distribuição da ineficiência – as cores incluem o primeiro e o quarto quartil divididos pela mediana. 2. APS refere-se a Atenção Primaria à Saúde; SEC-TER refere-se a Atenção Secundaria e Terciaria à Saúde. 159. Em termos gerais, os municípios são consideravelmente mais eficientes na prestação de serviços primários que de serviços secundários e terciários, e tal padrão é observado em todas as regiões e todos os tamanhos de municípios (Figuras 72 e 73). Ademais, as variações internas de cada grupo são muito maiores nos serviços secundários e terciários que nos serviços primários. Em termos regionais, as regiões Norte e Nordeste parecem apresentar níveis mais altos de eficiência tanto em atendimento primário quanto em atendimento hospitalar, pois sua eficiência média é mais alta que nas outras regiões (e acima da média nacional) (Figura 72). As despesas per capita dessas regiões também são mais baixas. No entanto, essas regiões apresentam uma maior variação de desempenho entre municípios (principalmente no atendimento secundário e terciário), o que indica a presença de alguns municípios ineficientes, provavelmente em regiões remotas (e provavelmente relacionada a presença de hospitais de pequeno porte nessas áreas). 160. O tamanho do município influencia a eficiência em todos os níveis. Contudo, o efeito é um pouco mais forte nos serviços secundários e terciários. A eficiência média é muito mais baixa entre os municípios com menos de 5.000 habitantes que nos outros grupos (Figura 73). Isso pode indicar que a escala seja um forte determinante da eficiência. No atendimento secundário e terciário, a tendência de maior eficiência nos municípios maiores é mais clara que no atendimento primário. Em relação ao atendimento hospitalar, as pontuações médias de eficiência dos municípios maiores (acima de 100.000 habitantes) são quase quatro vezes superiores à média encontrada em municípios com menos de 5.000 habitantes (Figura 73). 161. Em nível nacional, há um grande potencial para aumentar a prestação de serviços primários de saúde sem aumentar os gastos. A técnica DEA permite a computação da necessidade de aumento (ou diminuição) de produtos (ou insumos) para a unidade de produção 113 (por exemplo, o hospital) de forma a atingir um nível máximo de eficiência (fronteira de produção). A Figura 74 apresenta projeções médias para atingir essa fronteira em nível nacional e regional para vários produtos-padrão do sistema de saúde. Por exemplo, em nível de atendimento primário, o número de consultas realizadas por não médicos poderia aumentar aproximadamente 98%, em média, se todos os municípios estivessem na fronteira de eficiência. Em termos regionais, o aumento seria ainda maior: 110% na região Sudeste, 130% na região Centro-Oeste, e 133% na região Sul. Os procedimentos realizados por médicos de atendimento primário poderiam aumentar em 64%. As regiões Centro-Oeste e Sul apresentam os maiores potenciais de aumento, com 73% e 76%, respectivamente. Esses resultados mostram a necessidade de se melhorar a performance da força de trabalho do setor de saúde no nível de atenção primária. Sendo mais eficiente, o Brasil poderia oferecer mais serviços de saúde com os mesmos recursos. Figura 74: Estimativa de aumento potencial da prestação de serviços primários de saúde em níveis de gastos constantes, por região, 2013 133% 130% 110% 98% 72% 75% 76% 45% 73% 64% 68% 64% 60% 42% 56% 44% 44% 30% 40% 47% 38% 31% 24% 24% Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste -16% -15% -23% -23% -30% -31% Despesa com Saúde Privada Óbitos Evitáveis 0-4 Óbitos Evitáveis 5-74 Cobertura de PSF (número de pessoas) Cobertura de Vacinação (número de doses) Consultas Realizadas por Não Médicos Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial. Figura 75: Estimativa de aumento potencial da prestação de serviços secundários e terciários de saúde em níveis de gastos constantes, por região, 2013 165% 168% 169% 140% 120% 121% 79% 79% 79% 83% 85% 65% -12% -31% -15% -3% -2% -18% Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste -17% -34% -33% -35% -35% -29% Despesa com ATS Óbitos Evitáveis 0-4 (Hospital) Óbitos Evitáveis 5-74 (Hospital) Procedimentos Ambulatoriais Ajustados Internações Ajustadas Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial. 114 162. Da mesma forma, há um amplo escopo para aumentar a prestação de serviços hospitalares mantendo as despesas constantes. Em nível nacional, os serviços ambulatoriais e hospitalares poderiam crescer em 140% e 79%, respectivamente, por meio da maximização da eficiência (Figura 75). Em todas as regiões, o potencial para aumentar os procedimentos ambulatoriais é superior a 100%, com o maior potencial nas regiões Centro-Oeste (169%) e Sul (168%). As mesmas regiões apresentam o mais alto potencial para o aumento dos procedimentos hospitalares: 85% na região Centro-Oeste, e 83% na região Sul (Figura 75). 163. A maior parte da ineficiência é motivada pelo grande número de pequenos hospitais e o pequeno tamanho dos municípios (que são pequenos demais para fornecer serviços de saúde em uma escala eficiente). A eficiência varia conforme a localização e a população, pois muito da ineficiência deriva do pequeno tamanho dos hospitais (menos de 100 leitos), o que prejudica sua eficiência. De fato, o sistema brasileiro de saúde é caracterizado por um grande número de pequenos hospitais, que foram construídos para prestar serviços em regiões menos urbanizadas. A maioria dos hospitais brasileiros opera em pequena escala, e 61% possui menos de 50 leitos (o tamanho ideal estimado é de 150 a 200 leitos para obter economias de escala). As taxas de ocupação dos leitos também são muito baixas: em média, 45% nos hospitais do SUS, e somente 37% nas unidades de terapia intensiva. Esses números estão muito abaixo das médias da OCDE (71%) e da taxa de ocupação desejável (entre 75% e 85%). 164. Além do tamanho, muitos outros fatores afetam as pontuações de eficiência dos municípios 78. Em primeiro lugar, a falta de integração do sistema também gera ineficiências. Por exemplo, quanto mais eficiente for o atendimento primário de um município, mais eficiente será seu atendimento hospitalar (secundário e terciário). Na verdade, um atendimento primário robusto, que sirva como ponto de entrada, contribui para racionalizar a demanda e melhorar os resultados em todo o sistema. É necessário aumentar a coordenação dos atendimentos de saúde por meio da integração dos serviços diagnósticos, especializados e hospitalares, bem como os sistemas de encaminhamento e contra encaminhamento. Em países pares, os procedimentos mais básicos são realizados por profissionais de enfermagem, que são menos caros, o que libera o tempo dos médicos para tratamentos mais complexos. No Brasil, os sistemas não foram projetados para manter os procedimentos menos complexos em instalações menos sofisticadas. Também é necessário melhorar a integração entre os sistemas público e privado de forma a evitar a duplicidade de esforços, a competição pelos limitados recursos humanos, a escalada dos custos e o aumento das injustiças. 165. Em segundo lugar, há uma carência de profissionais de saúde qualificados, principalmente médicos, que são relativamente bem pagos, e uma falta de incentivos para elevar o desempenho dos médicos. Muito pode ser feito para melhorar a disponibilidade, distribuição e desempenho dos profissionais de saúde. A força de trabalho atual, especialmente os médicos, é menor que em países com o mesmo nível de desenvolvimento e muito inferior à média 78 Mais especificamente, realizamos regressões da pontuação da DEA com base em um conjunto de variáveis independentes que representam fatores exógenos que podem influenciar a eficiência técnica em todas as unidades de atendimento de saúde. Esses fatores exógenos são classificados em cinco grupos: (i) variáveis proxy de demanda por atendimento de saúde, para refletir o fato que uma demanda mais alta (por exemplo, devido a uma população mais idosa) pode influenciar a eficiência; (ii) variáveis proxy para o fornecimento de serviços de saúde; (iii) variáveis proxy para a qualidade do atendimento, pois as pontuações da DEA não incluem a dimensão de qualidade; (iv) variáveis proxy para a capacidade do município de prestar serviços públicos; e (v) variáveis de políticas de saúde. 115 dos países da OCDE. Os salários dos profissionais de saúde no Brasil são relativamente altos, especialmente no atendimento primário, equivalendo a vários múltiplos da renda per capita do decil mais rico da população (Figura 76). No entanto, a produtividade dos médicos (calculada com base no número de consultas por médico) está muito abaixo da média dos países da OCDE, mesmo embora a densidade de médicos seja relativamente baixa e concentrada nos centros urbanos (Figura 77). Se o número de consultas e internações aumentasse, e os procedimentos mais rotineiros fossem realizados por profissionais de saúde de nível mais baixo (por exemplo, enfermeiros), seria possível melhorar significativamente a eficiência e a qualidade dos atendimentos. As normas nacionais poderiam ser ajustadas para permitir que profissionais de Os salários dos profissionais de saúde são relativamente altos, especialmente no atendimento primário, mas a produtividade (número de consultas por médico) é bastante baixa. Figura 76: Salário dos profissionais de saúde como múltiplos da renda média per capita do decil mais rico da população, vários países 5 4 3 2 1 0 Enfermeiros Gerais Clínicos Gerais Assalariados Clínicos Gerais Enfermeiros de Hospitais Enfermeiros de Hospitais Clínicos Gerais Clínicos Gerais Autônomos Clínicos Gerais Enfermeiros de Hospitais Instituições de Atenção Auxiliares de Enfermagem Médicos de Hospitais Públicos Especialistas de Hospitais Clínicos Gerais Primários (não Enfermeiros e Enfermeiros- Todos os Especialistas Hospitais Gerais Clínicos Gerais de Hospitais Hospitais de MTC Médicos de Hospitais Privados Hospitais Públicos Médicos de Hospitais Hospitais Especializados Obstetras de Hospitais Primária à Saúde Privados Públicos de PSF) BRASIL. 2012 TURQUIA, 2010 REINO UNIDO, 2010 CANADÁ, 2010 CHINA, 2010 Fonte: OCDE. Figura 77: Número de consultas por médico no Brasil e em países da OCDE, 2013 6732 5633 4668 3646 3407 3244 3168 3076 3010 2727 2540 2472 2442 2294 2168 2145 2092 1949 1943 1930 1923 1894 1894 1888 1885 1794 1656 1644 1622 1470 1450 1370 1363 1298 1294 979 975 862 724 Fonte: OCDE. 116 enfermagem realizassem consultas e prescrevessem certos medicamentos e exames em unidades de atendimento primário. Na verdade, tais práticas representam o padrão nos países mais desenvolvidos (para maximizar o uso do reduzido número de médicos). 166. Também é necessário conter os gastos com a prescrição de medicamentos. Os preços de medicamentos no Brasil são altos em comparação a outros países, e os aumentos desses preços vêm impulsionando para cima as despesas públicas com a aquisição de medicamentos. Os preços dos medicamentos refletem os aumentos praticados e a alta carga tributária sobre produtos farmacêuticos, que equivale, em média, a 36% do preço final de venda. A descentralização da gestão de medicamentos impõe desafios relacionados aos processos de aquisições públicas, armazenamento e distribuição, pois as capacidades técnicas, jurídicas, administrativas e financeiras de muitos governos locais são insuficientes (World Bank, 2012). Além disso, um número cada vez maior de pacientes tem movido ações judiciais para obter acesso a medicamentos ou tratamentos custosos, o que tem resultado em ordens judiciais que impõem um ônus crescente às finanças públicas do setor de saúde. A judicialização do acesso a medicamentos e tratamentos também tende a reforçar a desigualdade, pois os pacientes ricos têm mais probabilidade de conhecer os novos procedimentos e tratamentos disponíveis internacionalmente, e de mover ações judiciais para obtê-los. A maior parte desses custos cabe aos governos subnacionais, mas uma parcela relativamente pequena (embora crescente) das despesas está sob a responsabilidade do Governo Federal (que financia os hospitais federais) 79. As despesas com saúde são progressivas – embora os gastos tributários sejam altamente regressivos. Figura 78: Parcela de despesas com saúde por Figura 79: Coeficientes de concentração de quintil despesas públicas com saúde Despesas Tratamentos Tratamentos Gastos totais com 0.5 hospitalares ambulatoriais tributárias saúde 0.4 pública 0.3 Quintil 1 28% 22% 3% 23% 0.2 0.1 Quintil 2 227 26% 8% 23% 0 Quintil 3 22% 25% 16% 21% -0.1 -0.2 Quintil 4 16% 18% 27% 18% -0.3 Quintil 5 7% 9% 46% 15% -0.4 Despesa Total com Saúde -0.5 Tratamentos Tratamentos Gastos hospitalares ambulatoriais tributários Fonte: Cálculos do Banco Mundial com base na PNAD. Obs.: O coeficiente de concentração pode ser calculado a partir da Curva de Concentração (também conhecida como Curva de Lorenz), como C/(C+D), onde C é a área entre a Curva de Concentração e a Linha de Perfeita Igualdade, e D é a área sob a Curva de Concentração. 167. As despesas orçamentárias com saúde são progressivas, mas as isenções concedidas a hospitais privados e as deduções do imposto de renda para planos de saúde privados são grandes e regressivas. O Sistema Único de Saúde (SUS) garante o acesso dos mais pobres à 79 A parcela de despesas federais com medicamentos aumentou de 8,1% para aproximadamente 11% entre 2007 e 2014. Ordens judiciais representaram mais de R$ 250 milhões em compras de medicamentos em 2011, somente em nível federal (OCDE, 2015. Economic Surveys: Brazil. http://dx.doi.org/10.1787/eco_surveys-bra-2015-en ) 117 saúde. No quintil mais pobre, 60% dependem do SUS para atendimento primário, e mais de 90%, para atendimentos mais complexos. Mais da metade de todas as despesas públicas com saúde beneficiam os 40% mais pobres da distribuição de renda, e somente 23% cabem aos dois quintis mais ricos (Figuras 78 e 79). Todavia, os brasileiros mais ricos beneficiam-se de maneira desproporcional da dedução das despesas com seguros privados de saúde de suas declarações de renda (IRPF), o que constitui um subsídio para as despesas de saúde privada (Figuras 78 e 79). Somente 11% das isenções do IRPF beneficiam os 40% mais pobres da população, e somente 27% beneficiam os 60% mais pobres. Como resultado, ao considerar as isenções tributárias, os gastos públicos com saúde são menos progressivos, pois 33% dos benefícios cabem aos dois quintis mais ricos da população, e 46%, aos 40% mais pobres. Reformas do setor de saúde para aumentar a eficiência, a equidade e a economia fiscal 168. O SUS poderia oferecer mais serviços e melhores resultados de saúde com o mesmo nível de recursos se fosse mais eficiente. O SUS enfrenta desafios que exigem profundas reformas no sistema. As reformas precisarão solucionar os desafios atuais (qualidade, eficácia e ineficiências) e preparar o sistema para desafios futuros (envelhecimento da população e o crescente ônus de doenças crônicas). Cinco áreas exigirão atenção: (i) Racionalização da rede de prestação de serviços, especialmente a rede hospitalar, para atingir um melhor equilíbrio entre acesso e escala (eficiência). Mais especificamente, isso exigiria a redução do número de hospitais de pequeno porte (a maioria dos hospitais brasileiros tem menos de 50 leitos, e por volta de 80% têm menos de 100 leitos – quando o tamanho ótimo estimado varia 150 e 250 leitos para alcançar economias de escala). O estudo estima em R$1,3 bilhões por ano as ineficiências na MAC apenas nos municípios com 100% de hospitais de pequeno porte. Alem disso, seria preciso adotar modelos de gestão mais eficientes. Estudos apontam para ganhos de eficiência alcançados por modelo de gestão hospitalar baseados em Organizações Sociais. Esses estudos apontam para uma redução do gasto medio por leito, aumento das taxas de ocupação hospitalar, e expansão do acesso aos serviços de saúde. 80 (ii) Incentivar o aumento da produtividade dos profissionais de saúde. Isso exigiria implementar politicas de remuneração vinculadas a qualidade e ao desempenho, como pagamento por desempenho. O estudo estima ganhos de eficiência de R$2,9 bilhões caso a produtividade media dos profissionais de saúde no Brasil alcançasse a media dos países da OCDE. A nível primário de atenção aumentar a produtividade também vai exigir um aumento da força de trabalho, não apenas médicos. Evidencia anterior demonstra que o Brasil poderia aumentar seu nível de cobertura pré-natal, com o mesmo nível de gastos, caso adota-se um processo de produção mais intensivo em profissionais de enfermagem do que em médicos. Alem disso, será importante promover a padronização da pratica medica através da adoção de protocolos clínicos como forma de reduzir variação nos diagnósticos e tratamento (para facilitar o controle de custos e o aumento da eficácia dos tratamentos). 80 Taxa media de ocupação dos hospitais administrados por OS era 81% comparado a 72% nos hospitais de administração direta, o custo medio de um leito de UTI era em media R$220 maior nos hospitais da administração direta (Banco Mundial, 2008 & 2010). Na atenção primaria, evidencia mostra que OSs aumentam em pelo menos uma consulta de cuidados de saúde primários per capita por ano (Greve e Schattan, 2017). 118 (iii) Reforma dos sistemas de pagamento dos prestadores de serviços de saúde para melhor refletir os custos dos serviços e focar nos resultados de saúde. O sistema de pagamento por Grupo de Diagnósticos Relacionados (ou Diagnostic-Related Group, DRG) tem resultado em ganhos de eficiência e controle de custos em outros países. No Brasil, o sistema AIH/SIA poderia ser gradualmente convertido em um sistema DRG. (iv) Melhora da coordenação do sistema por meio da integração de serviços diagnósticos, especializados e hospitalares, bem como os sistemas de referência e contra-referência. Reforçar e expandir a cobertura da atenção primaria, com o estabelecimento da atenção primaria como porta de entrada ao sistema (gate keeping). Isso reduziria o numero de hospitalizações (em aproximadamente 30%) e reduziria gastos – nos estimamos em R$1,2 bilhões os gastos com internações por causas sensíveis a atenção primaria apenas para doenças cardiovasculares. Alem disso, é preciso melhorar a integração entre os sistemas público e privado de forma a evitar a duplicidade de esforços, a competição pelos limitados recursos humanos, a escalada dos custos e o aumento das desigualdades. (v) Redução dos gastos tributários com saúde: Gastos tributários representam 30.5% dos gastos federais em saúde concentrados em descontos no IRPF (R$9.6 bilhões ano) e hospitais filantrópicos (R$7.4 bilhões ano). Esses gastos são altamente regressivos, e não há nenhuma justificativa aparente para a obrigatoriedade de o governo pagar pelo atendimento privado de saúde aos grupos mais ricos da população. 119 120 Gastar Mais ou Melhor? Eficiência e Equidade da Educação Pública As crescentes despesas públicas e a queda nos números de matrículas públicas resultam em um maior gasto por estudante e em razões aluno-professor ineficientes. Para municípios mais ricos a eficiência é ainda mais baixa dada a transição demográfica mais acelerada, o que resulta em uma redução mais rápida do número de alunos na rede pública. A obrigatoriedade constitucional de se gastar 25 por cento das receitas tributárias em educação contribui para que tais municípios aumentem os gastos por aluno de forma mais acelerada. Esse gasto adicional nem sempre se traduz em maior aprendizado, o gera ineficiências. Além de uma razão aluno-professor relativamente baixa, o sistema público de educação no Brasil é caracterizado por baixa qualidade dos professores e pelos altos índices de reprovação. Todos esses fatores levam a ineficiências significativas. Se todos os municípios e estados fossem capazes de emular as redes escolares mais eficientes, seria possível melhorar o desempenho (em termos de níveis de aprovação e rendimento estudantil) em 40% no ensino fundamental e 18% no ensino médio, mantendo o mesmo nível de despesas públicas. Em vez disso, o Brasil está gastando 62% mais do que precisaria para atingir o desempenho atualmente observado em escolas públicas, o que corresponde a quase 1% do PIB. Os gastos públicos com o ensino superior também são altamente ineficientes, e quase 50% dos recursos poderiam ser economizados. Os gastos públicos com ensino fundamental e médio são progressivos, mas os gastos com o ensino superior são altamente regressivos. Isso indica a necessidade de introduzir o pagamento de mensalidades em universidades públicas para as famílias mais ricas e de direcionar melhor o acesso ao financiamento estudantil para o ensino superior (programa FIES). Níveis de despesas no setor de educação 169. Os gastos públicos com educação são divididos entre os três níveis de governo. Os gastos do Governo Federal na sua maioria vão para o ensino superior. No Brasil, os municípios são responsáveis pela maior parte das escolas de ensino fundamental (1° ao 9° ano), 121 ao passo que a responsabilidade pelo ensino médio cabe aos estados (Figura 80). Todavia, o Governo Federal transfere recursos aos sistemas educacionais subnacionais por meio de repasses orçamentários. O Governo Federal também financia as universidades públicas e os programas de educação e formação técnica e profissional (Figura 81). Uma crescente parcela das despesas federais com educação está ligada à assistência financeira oferecida a estudantes que frequentam instituições privadas de ensino superior. 170. As despesas públicas com educação vêm crescendo rapidamente nos últimos anos, acima dos níveis observados em países pares. Em 2014, após uma década de rápido crescimento, Como percentual do PIB, o Brasil gasta atualmente mais do que a média da OCDE e de seus pares. Além disso, o Brasil superou a OCDE em termos de despesas públicas totais na educação infantil e no ensino médio. Figura 80: Gastos por nível de governo, 2015 Figura 81: Gastos federais por categoria, 2015 31% 14% Ensino Superior 28.8% 37.4% 16% Transferências para o Ensino Fundamental I e o Ensino Médio 12% Serviços Financeiros 8% EFTP 10% Ensino Fundamental I e Ensino Médio 33.9% 8% Saúde e Nutrição 1% Administração Outros Federal Estadual Municipal 0% 10% 20% 30% 40% Fonte: Ministério da Fazenda. Fonte: Base de dados BOOST em nível federal. Figura 82: Gastos do governo com educação, Figura 83: Gastos do governo com educação, Brasil e outros grupos de países (percentual do Brasil e outros grupos de países (percentual PIB), 2000-2013 das despesas totais), 2000-2013 6.5 18 17.3 16.9 % das despesas do governo 6.0 16 16.4 5.5 16.0 5.5 5.3 % do PIB 14 5.0 12.7 4.5 4.7 12 10 3.5 8 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Brasil Pares Estruturais BRICS Pares Regionais Brasil Pares Estruturais BRICS Pares Regionais OCDE OCDE Fonte: Instituto de Estatística da Unesco, Indicadores Mundiais de Educação. Obs.: Os serviços financeiros referem-se ao programa FIES de financiamento estudantil para o ensino superior. 122 as despesas com educação chegaram a 6% do PIB. Já em 2010, os gastos com educação no Brasil eram superiores à média dos países da OCDE (5,5%), do BRICS (5,1%) e da América Latina (4,6%) (Figuras 82 e 83). As despesas públicas com todos os níveis educacionais aumentaram a uma taxa real de 5,3% ao ano entre 2000 e 2014. O crescimento dos gastos ocorreu em todas as áreas, mas a educação infantil e o ensino médio observaram os índices de crescimento mais altos. O gasto por aluno cresceu ainda mais rapidamente (10,1% ao ano em termos reais), pois o número de estudantes nas escolas públicas de ensino fundamental e médio diminuiu na década de 2000 devido a mudanças demográficas e à migração para instituições privadas. Em relação ao PIB per capita, o gasto por aluno no ensino fundamental quase dobrou, passando de 11,9% do PIB per capita em 2002 para 21,8% em 2014. 81 171. As despesas com ensino superior aumentaram rapidamente ao longo da última década. As matrículas no ensino superior triplicaram no Brasil nos últimos 15 anos, e as instituições privadas tiverem um papel fundamental nesse processo. As universidades públicas representam 25% das matrículas, sendo que O gasto por estudante no ensino superior atingiu as universidades federais equivalem a 15% níveis comparativamente elevados nos últimos anos do total. Em 2015, o Governo Federal Figura 84: Gastos por estudante no ensino superior gastou aproximadamente 0,7% do PIB com como percentual do nível da OCDE o ensino superior, principalmente por meio 60% de transferências a universidades federais e Brasil empréstimos estudantis (por meio do 50% Pares Estruturais programa FIES, em particular) (Figura 81). Pares Regionais Os recursos públicos alocados às 63 40% BRICS universidades federais brasileiras 38% correspondiam a cerca de 0,5% do PIB em 32% 30% 31% 2015. Desde 2010, o orçamento federal 28% alocado às universidades federais tem 20% observado um crescimento anual médio de 12% em termos nominais, ou 7% em termos 10% reais. Considerando o crescimento anual de 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2% nas matrículas, isso representa um Fonte: Instituto de Estatística da Unesco e OCDE. aumento anual real de 5% no gasto por aluno das universidades federais. 172. O gasto médio por aluno no ensino superior não é alto, mas é consideravelmente elevado nas universidades e institutos federais. Em 2012, o gasto por aluno no ensino superior equivalia, aproximadamente, a 38% da média dos países da OCDE, o que está um pouco acima de países comparáveis em termos regionais e estruturais (Figura 84). O nível de gasto por aluno é comparável a outros países por meio do controle do PIB per capita (Figura 85). Se considerarmos somente as instituições públicas, no entanto, o nível de gasto por aluno é próximo ao verificado em países que possuem o dobro do PIB per capita do Brasil, e muito superior ao de vários países da OCDE, tais como Itália e Espanha (Figura 86). Além do mais, alunos nas universidades públicas brasileiras em média custam de duas a três vezes mais do que alunos matriculados em universidades privadas (Figura 97). Apesar desse custo por aluno bem mais elevado, em média o 81 Como a receita cresceu muito entre 2002 e 2014, o gasto mínimo obrigatório por aluno também cresceu bastante, come resultado da vinculação obrigatória das receitas com o gasto em educação. 123 valor agregado das universidades públicas é semelhante ao valor agregado das universidades privadas (ver análise de eficiência abaixo). Figura 85: Gastos por estudante no ensino Figura 86: Gastos por estudante no ensino superior por PIB per capita (US$ PPC, 2012) superior em universidades públicas por PIB per capita (US$ PPC, 2012) Fonte: Instituto de Estatística da Unesco. Fonte: Instituto de Estatística da Unesco. Eficiência dos gastos com educação Ensino fundamental e médio 173. Os resultados de educação melhoraram no Brasil, mas permanecem baixo ao se considerar o drástico aumento dos gastos. Apesar dos avanços significativos em acesso, conclusão e aprendizagem no sistema educacional brasileiro nas duas últimas décadas, a qualidade do ensino ainda é bem baixa. O Brasil obteve melhoras significativas na prova de matemática do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). A nota média brasileira passou de 68% para 79% da média da OCDE entre 2002 e 2012. Contudo, desde então, os resultados caíram para 77% em 2015 (o mesmo nível de 2009). Quando se controla pelo nível de gasto por aluno, os resultados do PISA ainda são decepcionantes. O desempenho brasileiro medido pela prova de matemática do PISA em 2012 foi somente 83% do esperado para países com o mesmo nível de gasto por aluno (Figura 87). Países como a Colômbia e a Indonésia, por exemplo, atingiram pontuações semelhantes no PISA gastando bem menos por aluno. Já países como Chile, México e Turquia gastam valores similares ao Brazil e obtêm melhores resultados. 174. A ineficiência do gasto em educação básica no Brasil é elevada e vêm aumentando. Uma Análise Envoltória de Dados (DEA) 82 com dados do PISA da OCDE sobre educação no Brasil e em outros países latino-americanos demonstra que as escolas brasileiras são relativamente ineficientes no uso de recursos (DEA orientada a insumos). Ademais, a ineficiência média aumentou de cerca de 45% em 2006 para 55% em 2012 83. Embora os gastos por aluno tenham aumentado, a maioria das escolas não conseguiu melhorar o desempenho, o que resultou em menor produtividade geral. A eficiência e o desempenho estão correlacionados: as escolas com os 82 Ver Nota de Rodapé 74 para uma breve explicação sobre a metodologia DEA. 83 Resultados detalhados estão incluídos no Volume II. 124 melhores resultados são, também, as mais eficientes. Os 25% de escolas com o melhor desempenho são, na média, 20% mais eficientes que as escolas no segundo quartil. Embora os fatores que causam um melhor desempenho escolar sejam, em grande parte, idiossincráticos e estejam relacionados à gestão escolar, escolas maiores, escolas urbanas e escolas privadas tendem a apresentar resultados melhores de desempenho e, também, de eficiência (Perelman et al., 2016). Os resultados educacionais do Brasil ficam abaixo do esperado, dado o nível de gastos. Figura 87: Regressão quadrática dos investimentos públicos/privados acumulados com base nas pontuações em matemática do PISA em 2012 600 New Zealand private Poland private PISA Matemática - redes públicas e privadas Austria private Korea Finland privateJapan Japan private 550 Denmark private Australia France private Switzerland Estonia private Poland Finland Netherlands Switzerland private Spain private Germany Czech Republic Republicprivate Austria Czech England private France DenmarkLuxembourg Australia Iceland private 500 Italy private Italy US private PortugalEngland United States Slovak Republic Sweden Belgium Turkey Mexico private Chile private 450 Mexico Chile 400 Indonesia Colombia Brazil Argentina 350 8 9 10 11 12 13 14 Log das despesas acumuladas por estudante de 2004 a 2012 (2012 USD PPC) Fontes: Estimativas do Banco Mundial com base em indicadores da UNESCO, PISA e Education at a Glance (OCDE). Obs.: Pontuação em matemática do PISA para escolas públicas em análises com dados sobre despesas públicas. Os dados sobre os gastos são deflacionados pelo IPC-U (Índice de Preços ao Consumidor para Todos os Consumidores Urbanos, 2013=100). 175. O baixo desempenho do sistema educacional brasileiro reflete-se nas altas taxas de reprovação e evasão escolar, apesar das baixas e decrescentes razões aluno-professor. Mais de 35% dos alunos repetiram pelo menos um ano no ensino fundamental e médio, comparados a menos de 15% na OCDE e em países estruturalmente comparáveis, como a Turquia e a Rússia (Figura 88). As taxas de evasão escolar também são altíssimas (26%) em comparação com a OCDE (4%) e países comparáveis da região (14%) (Figura 89). Isso ocorre apesar de o Brasil ter uma razão aluno-professor relativamente baixa. Na verdade, a razão média aluno-professor vem diminuindo porque a população de alunos no ensino público está em queda. Em 2014, a razão aluno-professor era 23 no ensino fundamental I, e 19 no ensino fundamental II. Esses valores estão acima da média da OCDE (15 e 13, respectivamente), mas um pouco abaixo da média de países estruturalmente comparáveis (25 e 22 para o ensino fundamental I e ensino fundamental II, respectivamente) (OCDE, 2014). 176. O baixo índice de conclusão do ensino médio é outro indicador do baixo desempenho do sistema educacional. Os estudantes concluem o ensino médio aos 19 anos, em média, o que está um pouco acima da média de países comparáveis regionais e estruturais (Figura 90). No 125 entanto, os altos índices de reprovação e evasão escolar observados no Brasil resultam em um percentual surpreendentemente alto de alunos que não concluem o ensino médio antes dos 25 anos de idade (Figura 91). Isso parece ser a principal causa dos altos custos por formando do ensino médio no Brasil, que são bem mais elevados que em qualquer outro país da américa latina. 177. A alta defasagem escolar tem início no ensino fundamental e prossegue até o ensino superior, o que resulta em um alto custo médio para formar um aluno. O Brasil possui uma taxa bruta de matrículas no ensino superior de 42%, muito acima da taxa líquida correspondente, que é 16%. Isso indica que mais da metade dos estudantes brasileiros de ensino superior já deveriam ter concluído o curso. As reprovações não somente são custosas, mas também refletem a falta de apoio dirigido aos alunos com desempenho mais fraco – geralmente de famílias desfavorecidas. Altas taxas de repetência impedem a eficiência da educação pública. Figura 88: Percentual de estudantes que repetiram Figura 89: Taxas de evasão escolar no ensino algum ano no ensino fundamental e médio, 2015 fundamental, vários países, 2010 Rússia BRICS Reino Unido Turquia Estados Unidos OCDE OCDE Pares México Estruturais Indonésia Chile Pares Regionais Peru Uruguai Brasil Colômbia Brasil 0 5 10 15 20 25 30 0 20 % 40 Fonte: UNESCO. Fonte: UNESCO. Figura 90: Idade média dos estudantes ao concluir Figura 91: Taxas de conclusão do ensino o ensino médio em países selecionados, 2015 médio entre pessoas abaixo de 25 anos, países selecionados (2015) Brasil 18.9 Coreia 92.5 Turquia 18.6 Chile 86.1 Chile 18.5 Estados Unidos 82.9 Costa Rica 18.4 OCDE 79.1 México 18.2 ALC 66.7 Coréia 18.1 Pares Estruturais 66 Indonésia 17.8 México 55.2 Estados Unidos 17.3 Brasil 58.9 16 17 18 19 0 50 100 Fonte: UNESCO. Fonte: UNESCO. Obs.: As taxas de conclusão são a estimativa do percentual de pessoas que concluem determinado nível de educação pelo menos uma vez na vida. 126 178. A baixa qualidade dos professores é o principal fator restringindo a qualidade da educação. O magistério permanece uma profissão desprestigiada. Os requisitos para ingresso em cursos de licenciatura são fracos e a formação é de baixa qualidade. É além da pouca seletividade na contratação de professores para os sistemas educacionais estaduais e municipais, os salários não são vinculados do desempenho. A mudança desse paradigma exigirá reformas coordenadas de políticas públicas nas esferas federal, estadual e municipal. As tendências demográficas, no entanto, oferecerão uma grande oportunidade para elevar o nível dos professores e da qualidade da educação ao longo da próxima década, pois estima-se que a população em idade escolar diminua em 25% entre 2010 e 2025. Isso, aliado a um grande número de professores que irão se aposentar nos próximos anos, permitirá uma maior seleção na contratação de um número menor de professores que serão necessários para substituir os que estarão se aposentando. Os salários iniciais dos professores do ensino básico encontram-se em linha com níveis internacionais (como percentual do PIB per capita), mas superam rapidamente os níveis internacionais devido a promoções automáticas. Os professores universitários ganham muito acima dos padrões internacionais. Figura 92: Média do salário real anual de Figura 93: Média do salário real anual de professores do ensino fundamental II em 2014 professores do ensino superior em 2014 140,000 Salário inicial/qualificações mínimas 150,000 Corpo docente ETI: Todo o corpo docente do ensino superior 120,000 Salário após 15 anos de experiência/qualificações típicas 125,000 Corpo docente em tempo integral: Salário no topo da escala/qualificações máximas Professores plenos (ou equivalente no país) 100,000 100,000 80,000 75,000 60,000 50,000 40,000 20,000 25,000 0 0 Fonte: Education at a Glance 2016, OCDE. Fonte: Education at a Glance 2016, OCDE. Obs.: Equivalência em USD com base em PPC. Obs.: Equivalência em USD com base em PPC. 179. O piso salarial dos professores brasileiros está em linha com o que é pago em outros países com renda per capita similar (Figura 92) 84. No entanto, os salários dos professores no Brasil aumentam rapidamente após o início da carreira. Devido às promoções automáticas baseadas nos anos de serviço e da participação em programas de formação, em 15 anos de carreira os salários se tornam duas a três vezes superiores ao salário inicial, em termos reais. Essa evolução supera significativamente a maioria dos países no mundo. Além disso, vale destacar que os professores brasileiros têm direito a planos previdenciários relativamente generosos quando comparado a outros países da OCDE (ver o capítulo sobre a previdência). Essa generosidade dos 84 Vale destacar que o piso salarial dos professores é determinado anualmente pelo Governo Federal. Apesar disso, as matrizes salariais para promoções (e, portanto, para os salários dos professores) variam enormemente conforme a região e as funções específicas exercidas por esses profissionais. 127 benefícios previdenciários é muito superior aos padrões internacionais. Enquanto professores do ensino básico recebem salários equivalente em linha com países de renda similar, os salários dos professores universitários parecem estar acima de vários países com renda per capita maior (Figura 93). A variação dos gastos de municípios e estados somente explica 11% do desempenho no IDEB, o que indica um grande potencial para melhorar a eficiência – e, especificamente, melhorar o desempenho nas regiões Norte e Nordeste, e realizar economias nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Figura 94: Gastos acumulados por aluno de 2009 a 2013 no IDEB do ensino fundamental (redes municipais e estaduais) 8 IDEB do ensino fundamenal (2013) 6 S, SE 4 2 N, NE 0 10,000 15,000 20,000 25,000 30,000 35,000 40,000 45,000 50,000 Gastos acumulados por aluno de 2009 a 2013 (em BRL de 2013) IDEB do ensino fundamental Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base em dados do SIOPE e da Prova Brasil. Figura 95: Gastos acumulados por aluno de 2009 a 2013 no IDEB do ensino fundamental (redes municipais e estaduais): Municípios do Ceará 8 IDEB do ensino fundamenal (2013) 6 4 2 0 10,000 15,000 20,000 25,000 30,000 35,000 40,000 45,000 50,000 Gastos acumulados por aluno de 2009 a 2013 (em BRL de 2013) Outros municípios Ceará Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base em dados do SIOPE e da Prova Brasil. 128 180. Uma comparação do desempenho de vários municípios brasileiros indica a possibilidade de uma economia equivalente a 1% do PIB se todos os municípios emulassem os municípios que estão na fronteira de desempenho. 85 A alta variação de desempenho entre os municípios reflete, em parte, a diversidade do Brasil, mas também sinaliza a existência de ineficiências significativas. Foi realizada uma análise DEA comparando o desempenho com base nas pontuações do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e nos gastos com educação em nível municipal e estadual. Em média, a variação das despesas dos municípios e estados somente explica 11% do desempenho no IDEB, o que indica que boas práticas gerenciais têm um impacto importante no resultado. Se todas as escolas conseguissem se equiparar às mais eficientes, o desempenho melhoraria em 40% no ensino fundamental e 18% no ensino médio. Em vez disso, o Brasil gasta 62% a mais do que o necessário para o desempenho observado. Isso corresponde a R$ 56 bilhões (ou quase 1% do PIB). Desse total, R$ 27 bilhões e R$ 15 bilhões poderiam ser economizados, respectivamente, nas esferas municipal e estadual do ensino fundamental, e R$ 15 bilhões, no ensino médio estadual. 181. Há escopo para melhorar o desempenho por meio do aumento das despesas no Norte e Nordeste, ao passo que o espaço para economia é maior nas regiões Sul, Sudeste e Centro- Oeste. Os municípios e estados do Norte e Nordeste tendem a ser mais eficientes, e recursos adicionais teriam um impacto maior nessas regiões (Figura 94). Na verdade, a redução dos gastos nessas regiões poderia afetar negativamente o desempenho. Para as escolas nos estados e municípios das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste que gastam mais por aluno, a redução dos gastos não parece pôr em risco os resultados. Essas tendem a ser menos eficientes e poderiam se beneficiar mais com melhoras na gestão. 182. A ineficiência dos ensinos fundamental e médio está principalmente relacionada ao número excessivo de professores. Aproximadamente 39% da ineficiência dos gastos brasileiros com educação estão associados às baixas razões aluno-professor (RAP). Se todas as escolas atingissem a fronteira de desempenho, o Brasil poderia aumentar o número de estudantes por professor em 33% no ensino fundamental e em 41% no ensino médio. Alternativamente, a redução do número de professores com base no número atual de alunos representaria uma economia de aproximadamente R$ 22 bilhões (ou 0,33% do PIB), dos quais R$ 17 bilhões no ensino fundamental, e R$ 5 bilhões no ensino médio. As baixas razões aluno-professor são um problema significativo no ensino fundamental nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, onde mudanças demográficas estão causando a uma queda rápida no número de alunos das redes públicas. Em grande parte, esse problema poderia ser solucionado por meio da não reposição de parte dos professores que estarão se aposentando em breve. A redução do número de professores por meio da aposentadoria poderia ajustar as razões a níveis eficientes no ensino fundamental até 2027 e, no ensino médio, até 2026 86. 85 Estar na fronteira de desempenho não significa ter um desempenho elevado. Significa ter o maior desempenho observado dado o nível de gasto por aluno. Ou seja, o município A pode ter um desempenho maior que o B, mas B está na fronteira e A não, porque para seu nível de gasto por aluno, nenhum município apresenta um desempenho maior que, o que não acontece com A. 86 Vale destacar que, devido às generosas regras previdenciárias dos professores, os aposentados do setor ainda impõem custos orçamentários aos estados e municípios por meio do sistema previdenciário. Ganhos fiscais imediatos somente serão realizados se o declínio natural no número de professores for acompanhado por uma reforma dos RPPSs subnacionais. 129 183. Também é possível aumentar a eficiência fazendo com que os professores dediquem mais tempo a atividades em sala de aula e reduzindo o absenteísmo. Professores no Brasil dedicam uma parte do tempo em atividades pouco produtivas. Em média, professores usam somente 65% de seu tempo para ensinar, ao passo que, segundo melhores práticas internacionais, o ideal seria 85%. Também é necessário reduzir o absenteísmo entre os professores. Em São Paulo, por exemplo, o índice chega a 16% e, em Pernambuco, a 10% (em comparação a 5% nos EUA). As ausências estão relacionadas a fatores ambientais (trânsito, violência, calor, estresse), mas também são causadas por leis permissivas que concedem licenças por muitos motivos não verificáveis. Além disso, desvinculação entre desempenho, estabilidade e remuneração, e mecanismos frágeis de monitoramento e controle fazem com que professores tenham pouco incentivos a manter frequência adequada. A literatura internacional oferece algumas possíveis soluções: introdução de um bônus por frequência para os professores; melhora dos mecanismos para registrar ausências e presenças; introdução e aplicação de ameaças de demissão por absenteísmo excessivo; introdução de benefícios vinculados à aposentadoria; e publicação de índices médios de absenteísmo nos relatórios de desempenho das escolas. As vinculações de receita que resultam em altas despesas obrigatórias em educação estão associadas a menor eficiência. Figura 96: Eficiência versus receita corrente líquida municipal por aluno 1 Manaus Palmas 0.9 Eficiência (Input-Oriented efficiency score) 0.8 Campo Grande Boa Vista 0.7 Vilhena Teresina Maceió 0.6 Macapá Vitória São Luís Rio Branco Salvador Curitiba Rio Fortaleza de Goiânia JaneiroCuiabá 0.5 Florianópolis Belo Horizonte JoãoNatal Belém Pessoa 0.4 Aracaju Recife São Paulo 0.3 0.2 8.9 9.4 9.9 10.4 10.9 11.4 Log da receita corrente líquida por estudante, em R$ de 2013 Norte e Nordeste Sul, Sudeste e Centro-Oeste Capitais Eficiência sobre a Receita Corrente Líquida Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base em dados do SIOPE e da Prova Brasil. 184. A vinculação constitucional dos gastos em educação a 25 por cento das receitas dos municípios também contribui para a ineficiência dos gastos. Municípios mais ricos, com alta taxas de receita corrente liquida por aluno, tendem a ser bem menos eficientes que municípios mais pobres (Figura 96). Logo, é provável que para cumprir as regras constitucionais, muitos municípios ricos sejam obrigados a gastar em itens que não necessariamente ampliem o aprendizado. Isso é ainda mais preocupante dada a drástica transição demográfica pela qual o país 130 está passando. Com a rápida queda da taxa de fertilidade para menos de 1.8, o número de alunos vem caindo rapidamente em muitos municípios, principalmente no Ensino Fundamental. Dado que essa queda do número de alunos não está necessariamente associada a uma queda das receitas correntes liquidas, isso implica que para cumprir a lei, muitos municípios são obrigados a gastar mais e mais por aluno, mesmo quando a receita se mantem constante. Além disso, esse gasto adicional muitas vezes não é necessário, e logo não resulta em maior aprendizado. A consequência é um aumento ainda maior da ineficiência. 185. No Brasil não faltam experiência positivas e inovadoras de como melhorar a qualidade da educação com recursos limitados. Inovações na gestão escolar no estado do Ceará demonstraram como melhorar significativamente os resultados de aprendizagem por meio de incentivos ao desempenho (Figura 95). No Ceará, a distribuição da receita tributária estadual (o ICMS) é baseada no índice de qualidade da educação de cada município. O Ceará também realizou intervenções na aprendizagem dos alunos, tais como o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC) e introduziu o fornecimento aos professores de materiais de ensino e alfabetização pré- elaborados. No Amazonas, os professores são avaliados pouco tempo após a sua contratação, e somente os melhores são mantidos. Um curso online obrigatório de duas horas e uma avaliação final são requisitos para todos os professores durante seu estágio probatório. Os estados do Rio de Janeiro e Pernambuco introduziram um bônus para os professores e funcionários com base no desempenho das escolas. O Rio de Janeiro também eliminou a nomeação política de coordenadores regionais e diretores de escolas, além de introduzir uma avaliação de desempenho anual para diretores escolares e regionais, e reuniões regulares para disseminar os resultados e dar destaque às escolas com desempenho melhor. Todas essas experiências se mostraram custo- efetivas, não somente melhorando o desempenho dos alunos, mas também aumentando a eficiência do gasto público em educação Ensino superior 186. A grande maioria de brasileiros matriculados no ensino superior estudam em universidades privadas. Em 2015, dos aproximadamente 8 milhões de estudantes universitários, apenas cerca de dois milhões estavam em universidades públicas. A pequena minoria de estudantes que frequentam universidades públicas no Brasil tende a ser de famílias mais ricas que frequentaram escolas primárias e secundárias privadas. Ainda assim, o gasto por estudante nas universidades públicas no Brasil é consideravelmente mais alto do que em outros países com PIB per capita similar (Figura 86). 187. Em média, um estudante em universidades públicas no Brasil custa de duas a três vezes mais que estudantes em universidades privadas. Entre 2013 e 2015, o custo médio anual por estudante em universidades privadas sem e com fins lucrativos foi de aproximadamente R$ 12.600 e R$ 14.850, respectivamente (Figura 97). Em universidades federais, a média foi de R$ 40.900. Universidades públicas estaduais custam menos do que as federais, mas ainda são muito mais caras do que as privadas, custando aproximadamente de R$ 32.200. O custo por aluno dos institutos federais, a maior parte fundada desde 2008 87, é de aproximadamente R$ 27.850. 87 Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs) foram criados em dezembro de 2008 por meio da Lei 11.892. Esse novo modelo de instituição aglutinou as Escolas Agrotécnicas Federais (EAF), as Escolas 131 O custo por aluno em universidades federais é de duas a três vezes superior ao custo em instituições privadas Figura 97: Custo médio por aluno da educação superior entre 2013 e 2015 (em 2016 BRL) 45,000 40,000 40,893 35,000 30,000 32,199 25,000 27,844 20,000 15,000 10,000 14,837 12,625 5,000 0 Privadas - SFL Privadas Institutos Federais Estaduais Federais Fonte: Estimação Banco Mundial, baseada no ENADE, no Censo da Educação Superior e no Relatório de gasto por aluno das Universidades Federais elaborado pela Secretaria Executiva do MEC. Obs.: SFL: Sem fins lucrativos. A figura apresenta o custo médio por aluno entre 2013 e 2015. Os valores foram corrigidos para R$ de 2016 com base no IPCA. Os valores também foram deflacionados com base no custo de vida das regiões metropolitanas e das áreas urbanas das cinco regiões do Brasil. Os deflatores foram calculados a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares (2008-2009) do IBGE. 188. Enquanto estudantes de universidades públicas tendem a apresentar melhor desempenho em exames padronizados, o valor adicionado das universidades privadas parece ser semelhante ao das universidades privadas. A pontuação média do ENADE para universidades públicas é maior do que para as privadas (Figura 98). 88 No entanto, estudantes que entram nas universidades públicas tendem a já terem atingido um maior nível de aprendizado antes mesmo de iniciar os estudos. Por isso, a métrica mais relevante para se mensurar o valor adicionado é comparar a pontuação obtida com a pontuação esperada pré-universidade. 89 Para os cursos de ciências exatas, universidades privadas tendem a adicionar tanto valor quanto as universidades públicas (Figura 98). Para as matérias de humanas, universidades privadas parecem adicionar mais valor, exceto pelos Institutos Federais. Para as ciências biológicas, Institutos Técnicas vinculadas às Universidades Federais, as Escolas Técnicas Federais (ETF) e os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETS). Após a promulgação da Lei, essas intuições passaram a ofertar, além do ensino técnico de nível médio, cursos de educação superior. 88 O ENADE avalia o rendimento dos concluintes dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos e às habilidades e competências adquiridas em sua formação: componente específico e componente geral, respectivamente. O primeiro tem peso de 75% e o segundo de 25%. As questões de formação específica avaliam o domínio dos conhecimentos necessários para o exercício da profissão; já a formação geral apresenta questões sobre globalização, cidadania, problemas contemporâneos, biodiversidade e sociodiversidade. O exame é obrigatório para a obtenção do diploma em universidades federais e privadas, e é aplicado desde 2004. Cada área de conhecimento (ciências biológicas, exatas e humanas) deve ser avaliada no máximo de 3 em 3 anos. 89 O valor adicionado, ou seja, o indicador da diferença entre o desempenho observado e o esperado, busca aferir aquilo que diz respeito especificamente ao valor agregado pelo curso no desenvolvimento dos estudantes concluintes. O indicador é calculado com base no desempenho no ENADE e nas características de desenvolvimento do estudante ao ingressar no curso de graduação. Tais características são mensuradas por meio das notas obtidas por esses alunos no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). 132 Federais e universidades estaduais adicionam o maior valor; e universidades federais adicionam por volta do mesmo valor por estudante do que universidades privadas sem fins lucrativos, no entanto, elas custam cerca de três vezes mais. O alto custo por estudante das universidades públicas federais não se reflete em um maior valor agregado para os graduados em comparação com os graduados de outras universidades. Figura 98: Desempenho observado no ENADE versus valor adicionado por tipo de instituição de educação superior – (2013-2015) Ciências sociais e Saúde, ciências Ciências exatas humanas agrárias e áreas afins Value Value Value ENADE ENADE ENADE Added Added Added Privadas 2.08 2.46 1.84 2.34 1.93 2.06 Privadas - SFL 2.3 2.45 2.13 2.39 2.21 2.35 Estaduais 2.8 2.4 2.28 2.22 3.11 2.66 Universidades Federais 3.42 2.25 2.79 2.37 3.18 2.4 Institutos Federais 3.23 2.59 2.49 2.38 2.99 2.61 Fonte: ENADE (2013-2015). Obs.: SFL: Sem fins lucrativos. A análise de eficiência realizada por meio da metodologia DEA confirma a existência de um alto nível de ineficiência, de tal forma que os mesmos resultados poderiam ser atingidos com cerca de 17% menos de recursos; a ineficiência é maior em universidades federais: o valor adicionado é baixo em comparação com os seus custos. Figura 99a: Score de eficiência orientado para Figura 99b: Custo das universidades insumos da análise de eficiência do Ensino Brasileiras públicas e privadas, 2013-2015 (em Superior bilhões de R$ 2016) 0.90 0.88 400 339 0.88 0.86 350 0.86 0.84 0.83 300 0.84 250 0.82 0.80 0.79 200 139 0.80 150 0.78 64 74 100 40 0.76 50 21 0.74 0 Fonte: Estimação Banco Mundial baseada no ENADE e no Censo da Educação Superior (2013-2015). Obs.: SFL: Sem fins lucrativos. Os valores apresentados na figura 99b representam o gasto total acumulado entre 2013 e 2015 das universidades que constituem a amostra da análise de eficiência. A amostra é formada por universidades que apresentam notas do ENADE para 2013, 2014 e 2015 e que apresentam custo médio por aluno no período analisado. A amostra é constituída por 163 universidades privadas, 225 privadas sem fins lucrativos, 28 estaduais, 2 municipais, 52 federais e 23 institutos federais. 133 189. As universidades privadas Brasileiras tendem a ser mais custo eficientes do que as públicas. Uma análise com metodologia DEA comparando o custo por estudante com o índice de valor adicionado do ENADE estima que universidades públicas são na média apenas 79% custo- eficientes (Figura 99 e Figura 100) 90. Isto é, seria possível obter o mesmo desempenho com cerca de 20% a menos de recursos. Universidades privadas sem e com fins lucrativos apresentam eficiência média de 88% e 86%, respectivamente. Nossas estimações indicam que ao se tornarem mais eficientes, universidades e institutos federais poderiam economizar aproximadamente R$ 10.5 bilhões por ano e ainda assim adicionar o mesmo valor que adicionam atualmente. Universidades estaduais poderiam economizar cerca de R$ 2.7 bilhões por ano. Incidência dos gastos públicos com educação 190. Os gastos públicos com o ensino fundamental e o ensino médio beneficiam os pobres mais que os ricos. Como os pobres dependem mais da rede de escolas públicas, os gastos públicos com o ensino fundamental I, em particular, são progressivos. Mais de 60% dos gastos com o ensino fundamental I beneficiam os 40% inferiores da distribuição de renda (Tabela 5 e Figura 101). Os gastos públicos com o ensino fundamental II, o ensino médio e a educação pré-escolar também são progressivos, embora um pouco menos, pois os mais pobres têm menos acesso a esses serviços. Nesse caso, os 40% mais pobres beneficiam-se de cerca de 50% dos gastos totais. Apesar do custo elevado, as universidades federais são menos eficientes. Figura 100: Gráfico da dispersão do ENADE e do log do custo por aluno (2013-2015) 4 Diferença entre o desempenho observado e o 3.5 3 2.5 esperado 2 1.5 1 8 8.5 9 9.5 10 10.5 11 11.5 12 Log do custo por aluno (2013-2015) - em R$ de 2016 Privadas Privadas - SFL Federais Institutos Federais Estaduais Fonte: Estimação Banco Mundial baseada no ENADE e no Censo da Educação Superior (2013-2015). Obs.: NPO: Nor Profit Organization 90 Para uma explicação da metodologia do DEA, veja nota de rodapé 74. 134 Despesas com educação são progressivas – embora os gastos com universidades públicas sejam regressivos. Tabela 5: Parcela de despesas com Figura 101: Coeficientes de concentração de despesas educação por quintil com educação 0.5 Gastos Ensino 0.4 EF+EM+EI totais com aumenta desigualdade --> Superior 0.3 educação <-- reduz desigualdade 0.2 Quintil 1 33% 6% 28% 0.1 Quintil 2 29% 8% 26% 0 Quintil 3 17% 13% 16% -0.1 Quintil 4 14% 24% 17% -0.2 -0.3 Educação Total Quintil 5 7% 49% 13% -0.4 -0.5 Educação Ensino Ensino Médio Ensino Infantil Fundamental Superior Fonte: Cálculos do Banco Mundial com base na PNAD. Obs.: O coeficiente de concentração pode ser calculado a partir da Curva de Concentração (também conhecida como Curva de Lorenz), como C/(C+D), onde C é a área entre a Curva de Concentração e a Linha de Perfeita Igualdade, e D é a área sob a Curva de Concentração. Os gastos públicos com universidades federais beneficiam principalmente os mais ricos de duas maneiras: custeando o seu ensino superior e aumentando sua renda potencial futura. Figura 102: Incidência do Ensino Superior, Figura 103: Incidência de matrículas no Ensino 2000-2012 Superior em 2014 por tipo de instituição 60 Universidades privadas matriculados no ensino superior % de indivíduos de 18 a 24 anos Universidades estaduais ou municipais Universidades federais 40 29.9 20 17.6 10.6 3.6 6.3 2.0 3.2 0.9 1.1 1.6 7.8 0 2.1 2.5 3.6 1.3 1 2 3 4 5 Quintil de renda per capita (2015) Fonte: World Bank (2017b). Fonte: Cálculos do Banco Mundial com base na PNAD. Obs.: Percentual de estudantes de Ensino Superior com idade de 18 a 24 anos por quintil de renda per capita e tipo de instituição. Os percentuais não totalizam 100 porque nosso foco foi somente o grupo de estudantes entre 18 e 24 anos de idade. 135 191. No entanto, os gastos com o ensino superior são muito regressivos. O ensino superior público recebe a maior parte do financiamento por aluno (aproximadamente US$ 5 mil em PPC). Embora as matrículas no ensino superior venham subindo rapidamente no Brasil, o acesso a esse nível de ensino permanece altamente injusto (Figura 102). Em 2002, nenhum estudante universitário fazia parte dos 20% mais pobres da população e somente 4% integravam o grupo dos 40% mais pobres. Em 2015, aproximadamente 15% dos estudantes do ensino superior estavam no grupo dos 40% mais pobres (Figura 103). Os gastos públicos com o ensino superior beneficiam majoritariamente os estudantes das famílias mais ricas. Em particular, as universidades federais são totalmente custeadas pelo Governo Federal e não cobram pelo ensino. No entanto, somente 20% dos estudantes fazem parte dos 40% Figura 104: Retornos para um diploma de ensino mais pobres da população, ao passo que superior no Brasil 1981-2011 65% integram o grupo dos 40% mais ricos 35 (Figura 103). Tal injustiça é agravada pelo 33.3 32.8 30 30.1 fato de o acesso às universidades públicas 26.5 ser regido por um exame de admissão 25 24.1 25.1 22.7 muito concorrido. Os estudantes de 20 famílias mais ricas têm condições 18.3 % 15 financeiras para pagar professores 10 particulares, ou frequentar os ensinos 5 fundamental e médio em escolas privadas, que oferecem uma melhor preparação para 0 1981 1985 1990 1996 2001 2004 2009 2011 tais exames de admissão. Estudantes de famílias mais pobres, por outro lado, têm Fonte: Barbosa Filho e Pessoa (2013). muito menos chances de ingressarem em Obs.: Taxas de retorno salarial de um diploma de educação universidades públicas. superior no Brasil. 192. Os retornos do ensino superior são altos no Brasil, o que justificaria deixar que os estudantes paguem pela própria educação. Embora os retornos do ensino superior tenham se reduzido um pouco nos últimos anos, eles permanecem altos no Brasil (Figura 104). Estudantes de famílias mais ricas têm acesso a ensino superior gratuito, o que aumentará sua renda futura. Portanto, o ensino superior gratuito pode estar perpetuando a desigualdade no país. Reformas do setor de educação para aumentar a eficiência e a equidade, e reduzir o custo fiscal Ensino fundamental e médio 193. É possível economizar quase 1% do PIB por meio da melhoria da eficiência nos ensinos fundamental e médio, sem comprometer o nível atual dos serviços prestados. Algumas opções de reforma para aumentar a eficiência nesses níveis de ensino encontram-se resumidas abaixo: (i) Permitir o aumento da razão aluno-professor nas escolas mais ineficientes para, gradualmente, chegar a níveis de eficiência por meio da não reposição dos professores que se aposentarem. Em média, a fronteira de eficiência seria atingida no ensino fundamental até 2027 se os professores aposentados não forem repostos; no ensino médio, a fronteira seria atingida até 2026. Somente esta medida economizaria até 0,33% do PIB. Outra recomendação para os municípios que precisarem repor os professores que se aposentarem seria limitar a contratação de novos professores concursados, cuja 136 demissão é extremamente difícil e cujos custos são significativos, uma vez que eles se aposentam cedo com vencimentos integrais. (ii) Expandir e compartilhar experiências positivas de gestão escolar que demonstraram bons resultados em vários estados e municípios do país. Alguns bons exemplos de intervenções que poderiam ser replicadas são: a nomeação dos diretores escolares com base em seu desempenho e experiência (e não por indicações políticas); o pagamento de bônus aos professores e funcionários com base no desempenho das escolas; a adaptação das políticas estaduais a necessidades locais específicas; o compartilhamento de experiências e melhores práticas; e o destaque às escolas com desempenho melhor. A contratação de empresas privadas para o fornecimento de serviços de educação também poderia melhorar o desempenho e a eficiência dos gastos públicos com educação. As escolas charter provavelmente teriam mais flexibilidade para gerir seus recursos humanos. Por poderem ser penalizadas por mau desempenho, elas baseariam as decisões sobre contratação, demissão, promoções e salários no desempenho individual dos professores, e não em sua estabilidade ou antiguidade. No entanto, talvez sejam necessárias novas leis federais, estaduais e municipais para permitir PPPs no Ensino Básico. Ensino superior Os resultados da análise indicam duas linhas de reforma: (i) Limitar os gastos por aluno aos níveis das universidades mais eficientes geraria uma economia imediata de 0,26% do PIB. As universidades que receberem menos recursos como resultado desta medida teriam de reconsiderar sua estrutura de custos e/ou buscar recursos em outras fontes, como já é a norma nos sistemas acadêmicos com os melhores níveis de desempenho. 137 (ii) Uma opção para aumentar os recursos das universidades federais sem sobrecarregar o orçamento seria a introdução de tarifas escolares. Isso é justificável, pois o ensino superior oferece altos retornos individuais aos estudantes e, com base em dados atuais, o acesso privilegia fortemente estudantes de famílias mais ricas. Paralelamente, é necessário facilitar o acesso a mecanismos de financiamento para estudantes que não possam pagar as mensalidades. Felizmente, o Brasil já possui o programa FIES, que oferece empréstimos estudantis para viabilizar o acesso a universidades privadas. O mesmo sistema deveria ser expandido para financiar o acesso a universidades federais. A ampliação do FIES para incluir universidades federais poderia ser combinada ao fornecimento de bolsas de estudos gratuitas para os estudantes dos 40% mais pobres da população, por meio do programa PROUNI. Juntas, essas medidas melhorariam a equidade do sistema e gerariam uma economia para o orçamento federal de aproximadamente 0,5% do PIB. 138 Políticas de Apoio ao Setor Privado dão Retorno para a Sociedade? As despesas do Governo Federal com políticas e programas de apoio às empresas são altas (4,5% do PIB), mas a maioria dos programas é ineficaz e beneficia empresas estabelecidas e ineficientes em detrimento da produtividade e da geração de empregos. O apoio às empresas no Brasil drena uma parcela significativa de recursos públicos, mas a maioria dos estudos disponíveis indicam que a maior parte dos programas é ineficaz e distorciva. Logo, seria possível removê-los sem impactos negativos para a produtividade ou os níveis de emprego da economia como um todo. Pelo menos, tais despesas deveriam ser realocadas para programas reformulados que efetivamente apoiem empresas produtivas e impulsionem a competitividade no setor privado, os investimentos e a geração de empregos, em linha com melhores práticas internacionais. Também é necessária uma avaliação mais sistemática, o que, por sua vez, exigiria que pesquisadores tivessem acesso a mais informações sobre todos os programas existentes, inclusive a vasta gama de isenções tributárias. Níveis de gastos com políticas de apoio às empresas 194. O Brasil tem gasto um volume significativo e crescente de seus recursos públicos com políticas de apoio às empresas. Entre 2006 e 2015, os gastos totais com políticas e programas de apoio ao setor privado aumentaram de 3,0% para 4,5% do PIB (Figura 105). No entanto, a maior parte desse valor refere-se a despesas não orçamentárias. As despesas diretas representaram somente 0,5% do PIB em 2015, e a maior parte do apoio às empresas ocorreu por meio de gastos tributários e crédito subsidiado fornecido por bancos públicos 91. Os gastos tributários, que são particularmente altos no Brasil em relação a países comparáveis, representaram 61% do total (Figura 105). O programa SIMPLES, por si só, representou a metade dos gastos tributários que 91 Um programa orçamentário significativo é a Desoneração da Folha de Pagamento, um sistema de isenção na folha de pagamento que é contabilizado como uma despesa orçamentária. 139 beneficiam empresas (ou 1,2% do PIB), seguido pelas isenções nas folhas de pagamento (0,44% do PIB) e pela zona econômica exclusiva da Zona Franca de Manaus (0,38%). O crédito subsidiado representou 1,2% do PIB em 2015. 195. A documentação sobre a eficiência dos programas e políticas atuais é insuficiente, em grande parte devido a limitações no acesso a informações, principalmente no que se refere aos dados tributários sob a responsabilidade da Receita Federal do Brasil. Há poucas avaliações rigorosas, e muitos programas nunca foram avaliados. Devido ao grande volume de recursos gastos com esses programas, há uma necessidade urgente de realizar uma avaliação sistemática de seus resultados. Os gastos com políticas de apoio às empresas são altos e vêm crescendo, apesar das preocupações sobre sua eficácia e eficiência. Figura 105: Despesas públicas com políticas de apoio às empresas 300 5.0% 250 4.5% 4.0% 200 bilhões de R$ 3.5% % do PIB 150 3.0% 100 2.5% 50 2.0% 0 1.5% 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Despesas Tributárias Crédito Subsidiado Despesas Diretas Total % PIB Fonte: Receita Federal do Brasil; BNDES; FAT; Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI); Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Obs.: 1. Valores em bilhões de R$, ano-base 2015. 2: Crédito estimado antes de 2008. Eficiência e incidência de políticas de apoio às empresas 196. Os dados disponíveis indicam uma baixa eficiência das políticas e programas de apoio às empresas. Em nível macro, até 2015, a ampliação dos programas de apoio ao crescimento do setor privado foi acompanhada por crescimento fraco, produtividade estagnada e um forte declínio dos investimentos. Em nível micro, várias avaliações realizadas confirmam a conclusão geral de que os gastos brasileiros com políticas de apoio às empresas são muito ineficazes. A seguir, será apresentado um breve resumo das microavaliações mais importantes: - O SIMPLES é caro e potencialmente distorcivo. O SIMPLES é um regime tributário simplificado para pequenas empresas, cujo objetivo é estimular a formalização de PMEs por meio da redução de suas cargas tributárias administrativas e fiscais. Com base em dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA), Corseuil e Moura (2017) identificaram não identificaram efeitos positivos do SIMPLES nos indicadores de mercado de trabalho e 140 desempenho das empresas. Outros estudos disponíveis, no entanto, indicam que o SIMPLES falhou em seu objetivo de aumentar a formalização de empresas (Piza, 2016) e, ao mesmo tempo, introduziu distorções relativas à escolha dos insumos intermediários, o que resultou na queda da produtividade (Caprettini, 2015) 92. Tais achados são compatíveis com dados internacionais que indicam que a maior parte dos programas de formalização possui um impacto limitado e que esforços para aplicação da lei atingem resultados melhores. O programa também parece ser ineficiente, pois ele tem uma consequência não intencional sobre a produtividade: mantém as empresas pequenas. Outra preocupação é que o tratamento preferencial dado a pequenas empresas e as baixas alíquotas tributárias efetivamente impostas às grandes empresas podem resultar em um padrão de carga tributária no formato de um U invertido, colocando, potencialmente, as empresas médias em uma situação de desvantagem competitiva. - O Programa de Sustentação do Investimento (PSI) não induziu investimentos ou emprego, nem teve um impacto positivo na produtividade. O objetivo do programa PSI era estimular o investimento em bens de capital por meio do acesso ao crédito subsidiado. O programa foi suspenso em 2015, mas o setor privado continua a demandar o seu retorno. Seu alto custo fiscal atingiu 0,5% do PIB em 2015. No entanto, os custos fiscais são ainda mais altos, pois se estendem por muitos anos em linha com o cronograma de pagamentos dos empréstimos subsidiados (Figura 106) 93. Vários estudos analisaram o impacto dos programas PSI de crédito subsidiado, e quase todos concluíram que o PSI exerceu pouco impacto no investimento. 94 Em vez disso, o programa introduziu distorções que reduziram o crescimento da produtividade (Pazarbasioglu et al., 2016) 95. Bonomo et al. (2015) não identificaram impactos do programa nos investimentos reais de empresas listadas, geralmente as maiores empresas do país. Seus achados também indicam que o crédito subsidiado substituiu outros tipos de financiamento ou foi investido em ativos financeiros, de forma que tal crédito parece ter simplesmente aumentado o lucro das empresas, sem nenhum benefício social. Além disso, concluíram que o programa resultou em distorções, pois beneficiou, em grande parte, empresas mais antigas e improdutivas (Bonomo et al., op. cit.). Ribeiro e Nucifora (2017) tampouco identificaram indícios de impactos positivos 92 Isso se deve ao fato que tributos sobre o faturamento, como o SIMPLES, distorcem as decisões sobre produção toda vez que ocorre uma troca de insumos na cadeia de produção, porque insumos sempre podem ser substituídos por mão de obra. Assim, a perda de peso morto agregado gerada pelo tributo cresce em proporção ao número de vezes que os setores trocam insumos – o número de estágios de produção. Outro fator ainda mais interessante é o fato de tributos sobre o faturamento também afetarem os preços, pois aumentam o custo de um dos insumos de produção (Caprettini, 2015). 93 Até 2017, a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) era estabelecida trimestralmente pelo Conselho Monetário Nacional e adotada como referência para empréstimos do BNDES a empresas. A partir de 2018, o governo passou a adotar uma nova Taxa de Longo Prazo (TLP) baseada no mercado como taxa-referência para os empréstimos do BNDES. A maior parte dos custos do programa PSI estava “implícita” no financiamento do BNDES por meio da TJLP e era registrada como despesa de juros do governo ("abaixo da linha"). No caso do programa PSI, um subsídio adicional “explícito” foi previsto no orçamento para reduzir as taxas de empréstimo do programa a um nível inferior à TJLP (“acima da linha”) (ver Pazarbasioglu et al., 2017). 94 Porém, alguns estudos encontram um impacto positivo de programas de crédito subsidiados no investimento e, em particular, no emprego. Ver, também, Ribeiro e De Negri (2009) e Coelho e De Negri (2010). 95 Ver, também, Ottaviano e Lage de Sousa (2008) e (2014) sobre o FINEM; e Lazzarini et al. (2015) sobre capital e empréstimos em empresas listadas. De Bolle (2015) identificou provas de que os empréstimos do BNDES estão associados a uma PTF agregada menor. 141 sustentados sobre os níveis de investimento ou produtividade. 96 Embora não haja estudos que avaliem o retorno social dos projetos financiados pelo PSI, a incidência desses créditos subsidiados tende a ser regressiva, pois eles favorecem, principalmente, empresas maiores e mais antigas. Os custos fiscais do programa de crédito subsidiado PSI, que foi eliminado em 2015, serão sentidos até depois de 2040. Figura 106: Custo do crédito subsidiado do PSI: dados históricos até 2015 e projeções até 2060 (milhões de R$) 30,000 Projeção 25,000 20,000 Subsídios Implícitos Subsídios Explícitos 15,000 10,000 5,000 18 35 - 2008 2010 2012 2014 2016 2018 2020 2022 2024 2026 2028 2030 2032 2034 2036 2038 2040 2042 2044 2046 2048 2050 2052 2054 2056 2058 2060 Fontes: BNDES. Obs.: A maior parte dos custos do programa PSI era “implícita”, porque os empréstimos do BNDES no PSI eram financiados por meio de capital obtido pela oferta de títulos públicos. A diferença (negativa) entre as taxas dos títulos públicos e a taxa subsidiada aplicada pelo Tesouro Nacional em seus empréstimos ao BNDES (a Taxa de Juros de Longo Prazo, ou TJLP) foi registrada como despesa de juros do governo ("abaixo da linha"). Além disso, no caso do programa PSI, um subsídio adicional foi previsto para reduzir as taxas de juros cobradas nos empréstimos PSI a valores abaixo da TJLP. Esse subsídio adicional estava “explícito” e foi contabilizado como parte do orçamento público (acima da linha) (ver Pazarbasioglu et al., 2017). - A Desoneração da Folha de Pagamento mantém empregos, mas a um custo altíssimo. O objetivo desse programa é reduzir as contribuições de seguridade social em setores específicos para gerar, ou, pelo menos, proteger empregos. Seu custo fiscal equivaleu a 0,4% do PIB em 2015. Vários estudos analisaram esses programas (Afonso e Diniz, 2014; 96 IDB/OVE (2017) analisam o impacto de programas de apoio às empresas e seus resultados sugerem que alguns programas de acesso ao crédito para pequenas e médias empresas (PME) no Brasil tiveram impactos positivos. Bazzi et al (2017) exploram os efeitos de uma expansão em grande escala de crédito para pequenas e médias empresas com o programa Cartão BNDES. Suas descobertas sugerem que as expansões do fornecimento de crédito para as PMEs resultaram em mudanças importantes na composição das empresas que levaram à entrada de empresas marginais, de outra maneira incapazes de sobreviver em ambientes mais competitivos. Os resultados sugerem que é importante atribuir crédito às empresas potencialmente produtivas mais sujeitas ao racionamento de crédito. O redirecionamento previsto dos empréstimos do BNDES nessa direção pode trazer impactos positivos. 142 Afonso e Leal de Barros, 2013ª; Afonso e Leal de Barros 2013b; Silva et al., 2014; Scherer, 2015; Garcia et al., 2017). Os resultados indicam que esses programas tiveram pouco ou nenhum impacto na geração de empregos e que o custo das poucas vagas de emprego geradas (ou protegidas) foi muito alto – superior ao triplo do salário pago ao trabalhador. De fato, experiências internacionais sobre o efeito das isenções tributárias na folha de pagamento indicam que a geração de empregos não é automática. Tais programas podem levar a um aumento dos salários ou à formalização dos contratos de trabalho com impacto limitado sobre a geração de empregos (para exemplos sobre a Argentina, o Chile, a Finlândia e a Suécia, ver Gruber, 1997; Cruces et al., 2010; Bennmarker et al., 2009; Korkeamäki e Uusitalo, 2009). Na Colômbia, as isenções tributárias na folha de pagamento resultaram em menos informalidade no mercado de trabalho (Fernandez e Villar, 2016). O governo está considerando eliminar o programa para a maioria dos setores, o que significaria uma contribuição substancial e imediata ao ajuste fiscal. - O Inovar-Auto protege a indústria local de importações, mas seus resultados sobre a produção, a produtividade e a geração de empregos são questionáveis. O objetivo desse programa é proteger a indústria automotiva local contra importações e apoiar a modernização tecnológica. Embora o programa tenha sido eficaz no sentido de limitar as importações, como resultado das altas tarifas aplicadas à importação de veículos, ele parece ter falhado na tentativa de tornar a indústria automotiva brasileira mais competitiva, pois parece não ter tido impacto algum sobre os níveis de produção e emprego. Na verdade, uma simples comparação com a indústria de maquinários agrícolas, que não goza do mesmo tipo de proteção, demonstra que a expansão dos dois setores foi muito semelhante. O programa Inovar-Auto não alterou suficientemente a competitividade da indústria para permitir o crescimento da produção e dos empregos (Figuras 107 e 108). Além disso, ele resultou em produção em pequena escala e altos preços ao consumidor. O custo fiscal do programa é relativamente limitado (0,03% do PIB, ou 3% do PIB industrial). A maior parte da proteção, no entanto, ocorre na forma de barreiras comerciais. Assim, a maior parte dos custos cabe aos consumidores, que pagam preços mais altos pelos produtos no mercado interno. Como exemplo, o preço do Toyota Corolla no Brasil equivalia a US$ 22 mil em 2007, o que é quase o dobro do preço pago pelo mesmo veículo no Canada: US$ 12.500 (Figura 109). A escala ineficiente da indústria automotiva brasileira e sua incapacidade de se integrar a cadeias de valor globais constituem a razão principal dos altos custos, da baixa produtividade e dos preços mais altos aos consumidores. A necessidade de formular uma nova política após a decisão da OMC contrária ao Inovar-Auto em 2017 oferece uma ótima oportunidade para repensar a abordagem brasileira ao setor automotivo. As políticas automotivas deveriam ser menos protecionistas e apoiar a modernização tecnológica. 97 As tarifas sobre insumos intensivos em conhecimento deveriam ser reduzidas para permitir que produtores brasileiros atinjam padrões internacionais. Qualquer política futura deveria estar vinculada a ambiciosas metas de exportação, em vez de permitir que os fabricantes nacionais dependam de um mercado interno protegido. Deve ser dada mais atenção aos fornecedores, inclusive empresas menores, em vez de manter o foco na montagem final, realizada por grandes 97 Isso não precisa necessariamente ser uma política específica para o setor, dado que já existe uma política horizontal de estímulo à inovação (Lei do Bem). 143 indústrias do setor. Os incentivos tributários também poderiam estar vinculados ao desempenho em relação ao consumo de combustíveis e à segurança, o que estimularia a produção de carros de melhor qualidade no Brasil (Sturgeon et al., 2017). Uma comparação com o desempenho do setor de maquinários agrícolas (que não goza de apoio) indica que o Inovar-Auto teve pouco impacto na produção e na geração de empregos do setor automotivo. Figura 107: Comparação da produção dos setores de maquinários agrícolas e automóveis, 2007- 2016 Produção (unidades) 400000 12000 350000 10000 300000 8000 250000 200000 6000 150000 MP 540 4000 100000 "Regiminho" Decreto 7819 Produção de veículos 2000 50000 (Inovar-Auto) Maquinários agrícolas (à direita) 0 0 May-07 May-08 May-09 May-10 May-11 May-12 May-13 May-14 May-15 May-16 Jan-07 Sep-07 Jan-08 Sep-08 Jan-09 Sep-09 Jan-10 Sep-10 Jan-11 Sep-11 Jan-12 Sep-12 Jan-13 Sep-13 Jan-14 Sep-14 Jan-15 Sep-15 Jan-16 Sep-16 Fonte: Anfavea. Figura 108: Comparação dos níveis de emprego dos setores de maquinários agrícolas e automóveis, 2007-2016 Emprego* 160000 30000 140000 25000 120000 20000 100000 80000 15000 60000 10000 40000 Veículos 5000 20000 Inovar-Auto Maquinários Agrícolas (à direita) 0 0 1957 1959 1961 1963 1965 1967 1969 1971 1973 1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 Fonte: Anfavea. Obs.:*Número de trabalhadores (produção de veículos e maquinários agrícolas). 144 O Inovar-Auto resultou em produção em pequena escala e altos preços ao consumidor. Figura 109: Comparação dos preços de venda anunciados para o Toyota Corolla 2017 (modelo básico) em vários países $40,000 Apenas vendas, carros importados USD 22,022 Planta de montagem de grande volume (480,000 - 602,000 unidades por ano*) $35,000 Planta de montagem de volume médio (126,000 - 182,000 unidades por ano*) Planta de montagem de baixo volume (1,000 - 61,000 unidades por ano*) Brazil $30,000 $25,000 USD 12,510 C Canada é A $20,000 um grande N A exportador D $15,000 A $10,000 $5,000 $0 Fonte: Sturgeon et al., 2017. Desempenho insuficiente dos incentivos para inovação, pesquisa e desenvolvimento (Lei do Bem). Figura 110: Níveis de P&D até 2005, e comparação entre o nível previsto após 2005 (introdução da Lei do Bem) e o nível real de intensidade de P&D 0.65% 0.60% 0.55% 0.50% 0.45% 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Intensidade dos Gastos das Empresas com P&D (BERD - dados do MCTI) Novo nível previsto de intensidade de P&D (realizado até 2005) Fonte: Devereux e Guceri, 2015. - Os incentivos para inovação, pesquisa e desenvolvimento oferecidos pela Lei do Bem resultaram em baixo desempenho. O programa visa apoiar as funções de pesquisa e desenvolvimento (P&D) das empresas. Embora tenha tido um impacto positivo no sentido de impulsionar atividades de P&D, a magnitude ficou significativamente abaixo das 145 expectativas para tal programa (Devereux e Guceri, 2015) (Figura 110). Isso se deve, em grande parte, ao seu formato, que favorece empresas estabelecidas, maiores e mais antigas, dificultando o acesso da maioria das empresas pequenas ou novas; e ao ambiente de negócios brasileiro, que não recompensa adequadamente o investimento privado em inovação. - O Pronatec-MDIC foi efetivo em ajudar os trabalhadores a melhorar as suas habilidades e a encontrar novos empregos, porém, a um custo alto. O objetivo do programa é treinar os trabalhadores de acordo com a identificação de necessidades dos empregadores. O’Connell et al. (2017) mostra que os trabalhadores que completam os cursos têm uma probabilidade significantemente maior de encontrar um emprego de 8 pontos percentuais, correspondendo a um aumento de R$ 75 de ganhos mensais (valores reais de 2012). O efeito é significante para ambos os perfis de beneficiário focalizados pelo Pronatec-MDIC; os participantes que entram no programa como um requisito para acessar os benefícios de seguro desemprego (SD) e para aqueles que entram voluntariamente (Figuras 111 e 112). O setor privado apresenta um melhor alinhamento entre habilidades treinadas e crescimento ocupacional futuro, e o trabalho administrativo do MDIC parece ter desempenhado um papel fundamental em aumentar a efetividade do programa, por direcionar os recursos em direção aos mercados de trabalho competitivos com forte crescimento subsequente. O programa apresenta custo-benefício apenas moderado, pois como os resultados apontam, são necessários pelo menos 3 anos após o fim do treinamento para que o ganho com o emprego iguale o custo fiscal do curso (assumindo persistência do emprego e sem contabilizar o deslocamento do emprego informal). Os resultados do estudo explicam que o PRONATEC-MDIC tem um impacto positivo pois a participação dos empregadores dirigiu a seleção dos cursos para as ocupações que apresentaram maior crescimento da demanda subsequente. O Pronatec-MDIC ajuda os trabalhadores a melhorar suas qualificações e encontrar novos empregos, mas a um custo relativamente alto. Figura 111: Alteração relativa no emprego ao Figura 112: Alteração relativa no emprego início do curso para destinatários e não ao início do curso para destinatários e não destinatários de cursos ofertados (matriculados destinatários de cursos ofertados (todos os recebendo seguro desemprego) outros matriculados) 100% 65% Probabilidade de emprego (%) Probabilidade de emprego (%) 80% 60% 60% 55% 40% 50% 20% 45% 0% 40% -17 -14 -11 -8 -5 -2 1 4 7 10 13 16 -17 -14 -11 -8 -5 -2 1 4 7 10 13 16 Meses relativo ao começo do curso Meses relativo ao começo do curso Não ofertados Ofertados Não ofertados Ofertados Fonte: O’Connell et al, 2017. Fonte: O’Connell et al, 2017. 146 197. Em geral, as políticas de apoio às empresas no Brasil tendem a ter impactos adversos na produtividade agregada e na geração de empregos. Os programas atuais parecem conter a produtividade e a geração de empregos de várias formas. Ao favorecer as empresas estabelecidas e proteger o mercado contra importações, as políticas industriais reduzem a intensidade da concorrência em mercados de produtos e insumos. Ao permitir que empresas estabelecidas e improdutivas mantenham sua fatia de mercado, eles também impedem a realocação de recursos e o aumento da produtividade interna das empresas, que resultariam de uma concorrência mais acirrada e da entrada de novos atores no mercado, e que permitiriam que empresas mais eficientes (novas e antigas) expandissem sua produção e gerassem mais empregos. 198. Ademais, gastar com políticas de apoio às empresas é considerado algo essencialmente regressivo. Os maiores programas de políticas públicas, com exceção do SIMPLES, beneficiam, em sua grande maioria, empresas grandes e estabelecidas. Uma vez que seus impactos na geração de empregos e nos salários são, na melhor das hipóteses, limitados, eles parecem ser uma alocação regressiva de recursos públicos. Até mesmo o programa SIMPLES é regressivo, na medida em que permite a sobrevivência de empresas menores e ineficientes, que não crescem e pagam salários relativamente mais altos a trabalhadores mais abastados (RFB 2015). 98 Isso ocorre às custas de empresas que, caso contrário, poderiam crescer e gerar mais empregos para os que se encontram atualmente desempregados, ou para trabalhadores subempregados e menos privilegiados. Reformas das políticas de apoio às empresas para aumentar a eficiência e reduzir o custo fiscal 199. A eliminação de programas ineficazes poderia economizar até 2% do PIB ao longo da próxima década. Análises disponíveis na literatura e em estudos do Banco Mundial indicam que até 2% do PIB poderiam ser economizados ou realocados por meio da eliminação de programas ineficazes. Este é um limite superior estimado baseado na avaliação de programas que têm efetividade duvidosa e, por isso, podem não ter nenhum impacto negativo caso sejam todos eliminados. No entanto, a eliminação de programas de apoio às empresas pode ser não realista e não desejada: não realista, pois os grupos de interesse que atualmente se beneficiam do apoio desses programas são poderosos; não desejada, pois através de um projeto melhorado, parte dos recursos públicos alocados para apoiar empresas pode ser reprogramada para ajudar o setor privado do Brasil a se ajustar e a se tornar mais competitivo. As políticas de apoio atuais falham muito com respeito a esse objetivo – mas isso não significa que políticas de apoio mais efetivas são impossíveis de serem projetadas. 99 200. Os programas que parecem ter baixa efetividade incluem o SIMPLES, a desoneração da folha, o Inovar-Auto e a Zona Franca de Manaus. O maior programa de apoio às empresas, o SIMPLES, que representa cerca de 1,2% do PIB em renúncia de receitas tributárias, poderia se beneficiar de uma reforma que o tornasse menos custoso e mais eficaz no sentido de encorajar a formalização, o rápido crescimento das empresas mais produtivas e uma maior geração de 98 Uma boa parte do SIMPLES é composto por empresas que, na verdade, são profissionais liberais de alta renda. 99 IDB/OVE (2017) analisam o impacto de programas de apoio as empresas. As conclusões do estudo sugerem que apenas alguns tipos de programas foram associados com aumentos estatisticamente significativos na produtividade da empresa e ainda menos programas com aumentos de grande magnitude. A escassez de impactos positivos sugere a necessidade de revisar o escopo, o design e o monitoramento dos programas de apoio às empresas no Brasil. 147 empregos. O programa de desoneração da folha tem pouco impacto na geração de empregos e tem um custo elevado. O governo propôs a eliminação da Desoneração da Folha de Pagamento para a maioria dos setores a partir de 2018. Isso geraria uma economia de até 0,4% do PIB em relação aos níveis de 2015. A experiência internacional sugere que seria mais eficaz focar os programas de apoio ao emprego em políticas ativas para o mercado do trabalho (ver o capítulo sobre programas de mercado do trabalho). O programa Inovar-Auto não parece ser eficaz, custa muito aos consumidores domésticos e viola princípios da OMC. O programa deveria ser reformado, vinculando o apoio a metas de exportação e dando mais atenção aos fornecedores (em vez de manter o foco na montagem final realizada por grandes empresas do setor automotivo). Isso geraria grandes benefícios aos consumidores e uma possível economia fiscal adicional de 0,03% do PIB. A Zona Franca de Manaus, que custou 0,38% do PIB em isenções fiscais em 2015, também parece ser pouco eficaz e deveria ser, pelo menos, reformulada para que contribua de maneira eficaz para a economia local (Miranda, 2013). 201. Algumas economias já vêm sendo realizadas, pois certas políticas industriais vêm sendo reduzidas desde 2015. O programa de crédito subsidiado PSI foi interrompido em 2015, o que é consistente com o fato de o programa ter tido pouco efeito no apoio aos investimentos e ao crescimento da produtividade. Uma vez que os custos (associados aos empréstimos existentes a taxas subsidiadas) continuarão a pesar sobre as finanças públicas por muitos anos, estima-se que ele gere gastos de aproximadamente 0,4% do PIB em 2018 e que atinja 0,1% do PIB até 2026 (e continue caindo até chegar a zero). A adoção da nova taxa de juros do BNDES, TLP, indexada ao mercado, em 2017 (em substituição à TJLP – ver seção sobre os desafios fiscais, acima), reduz ainda mais as distorções nos mercados financeiros, eliminando os subsídios ocultos que estavam implícitos nos financiamentos do BNDES e gerando economias adicionais “abaixo da linha”, além da eliminação do PSI. 202. Outros programas parecem ser efetivos, mas seu design pode ser melhorado. O design da Lei do Bem favorece principalmente as empresas maiores e melhor estabelecidas do país, e não atinge a maioria das empresas pequenas ou novas. Uma fraqueza da Lei do Bem é a exclusão de empresas que fazem declarações de imposto de renda com base em seu lucro presumido. Isso, pelo menos, explica por que a maioria das empresas beneficiárias foram grandes empresas bem estabelecidas. As empresas jovens não se beneficiarão de tais incentivos, a menos que os programas de gastos tributários contenham provisões para reembolsos imediatos em dinheiro para despesas de P & D ou permitam que eles transportem prejuízos associados a dedução de impostos futuros. Do mesmo modo, os resultados do programa PRONATEC-MDIC confirmam a evidência internacional a favor de uma colaboração estreita entre o setor privado no desenho de programas de treinamento para emprego. Este princípio poderia ser utilizado mais amplamente em programas de ensino superior técnico. 203. É necessária uma análise adicional para embasar o debate público e a reformulação das políticas. Embora os programas atuais não sejam eficazes no sentido de atingir objetivos econômicos relacionados à produtividade, eles possuem defensores políticos e econômicos, e sua eliminação geraria perdas nos setores da economia que, atualmente, se beneficiam deles. A eliminação gradual ou a substituição desses programas exigirá, provavelmente, uma estratégia de 148 mitigação para tratar dos impactos localizados sobre os trabalhadores das indústrias que perderem sua proteção 100. 204. A necessidade de uma avaliação mais profunda dos programas existentes evidência a urgência de se permitir que pesquisadores tenham mais acesso às informações, principalmente os dados tributários sob a guarda da Receita Federal do Brasil (RFB). A RFB limita o acesso a esses dados devido aos rígidos requisitos jurídicos de proteção da confidencialidade. Embora a lei já pareça permitir o acesso aos dados individuais sem identificador (anonimizados), como ocorre em muitos países, é importante rever a legislação para esclarecer esses aspectos à luz das melhores práticas internacionais 101. 100 Um estudo recente sobre a liberalização comercial do Brasil nos anos 1990 demonstra que os efeitos localizados da redução da proteção nos mercados de trabalho podem persistir por muito tempo. Isso aponta para a limitada mobilidade dos trabalhadores e a necessidade de complementar as mudanças no apoio governamental oferecido às empresas com políticas que facilitem a formação profissional e evitem períodos longos de desemprego estrutural (Dix Carneiro e Kovax, 2017). 101 A situação brasileira é atípica neste respeito, pois a maioria dos países desenvolvidos permite que pesquisadores tenham acesso aos microdados tributários (ver Volume II). 149 150 Referências Afonso, António; Schuknecht, Ludger; Tanzi, Vito (2003): Public sector efficiency: an international comparison. ECB Working Paper, No. 242. Afonso, José Roberto and Érica Diniz (2014): Benefícios Fiscais Concedidos (e Mensurados) pelo Governo Federal. Economia do Setor Público. Texto para discussão. FGV. José Roberto R. Afonso (20176). IRPF de 2015: Ocupações Profissionais: Alguns Rankings Do Declarado Pelos Contribuinte. Escola de Direito de Brasilia, IDP, Centro de Pesquisa CEPES. 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