World Bank Staff Note 1 Para entender os Efeitos da Reforma da TLP sobre o Mercado de Crédito do Brasil Julho 2017 Sumário A criação da Taxa de Longo Prazo (TLP) em substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), por meio da Medida Provisória nº 777 atualmente em discussão no Congresso pode ter impacto significativo sobre o desempenho econômico do Brasil. Esta breve nota oferece uma contribuição ao debate com base na combinação de evidências analíticas novas e já existentes. A mensagem principal desta nota é que se espera que o efeito da reforma sobre a economia brasileira seja muito positivo. Primeiro, a reforma seria uma etapa significativa para o aperfeiçoamento da alocação de capital no Brasil, que deve aumentar a produtividade e o crescimento econômico. Diversos estudos rigorosos sobre os impactos dos programas de crédito subsidiado, inclusive um recentemente realizado pelo Banco Mundial, constataram que o crédito subsidiado do BNDES teve pouco ou nenhum impacto sobre o investimento e nenhum sobre a produtividade. Outros estudos também verificaram que o crédito disponibilizado pelo BNDES beneficiou sobretudo empresas grandes e lucrativas, reduzindo suas despesas financeiras, mas sem efeito algum sobre seus investimentos e desempenhos. Assim sendo, dispõe-se de vastas evidências empíricas que sugerem que a reforma não terá impacto negativo sobre o desempenho econômico. Em segundo lugar, a reforma facilitará os esforços com vistas ao ajuste fiscal – que é essencial para impulsionar de maneira sustentável o investimento, a geração de empregos e o crescimento econômico no Brasil – e evitará o aumento automático dos custos fiscais caso a taxa de juros SELIC volte a subir. É importante ressaltar que a reforma não descarta a possibilidade de o governo fornecer crédito subsidiado. 1 Esta nota foi produzida por Steen Byskov, Mateo Clavijo, Banco Mundial. Os autores agradecem os dados fornecidos pelo Banco Central do Brasil e a orientação e o feedback de Tito Cordella, Claudio Frischtak, Zafer Mustafaoglu e Antonio Nucifora. 1 A reforma apenas desvincula o fornecimento de subsídios associados ao crédito do BNDES da decisão de fornecer um empréstimo. Os atuais subsídios implícitos no crédito do BNDES são opacos. Não aparecem no orçamento, mas mesmo assim aumentam o gasto público e a dívida pública. A mudança na TLP que está sendo proposta traria diversos benefícios neste sentido: (i) manteria plenamente a flexibilidade necessária para que o governo ofereça crédito subsidiado; (ii) tornaria esses subsídios transparentes e os incluiria no orçamento, o que é sempre desejável, especialmente em um ambiente de restrição fiscal; (iii) e, portanto, facilitaria a alocação de um subsídio para onde seu impacto é maior. Terceiro, a reforma também melhorará a transmissão da política monetária, o que ajudará a reduzir a volatilidade das taxas de juros e a volatilidade econômica, assim beneficiando toda a economia. Isto porque a reforma da TLP aumenta substancialmente a parcela do mercado de crédito que responde aos movimentos da política monetária, permitindo, portanto, que o Banco Central limite os movimentos da SELIC. Em quarto lugar, embora seja verdade que a reforma pode elevar as taxas de juros e aumentar sua volatilidade para as empresas financiadas pelo BNDES, na prática espera-se que este impacto seja pequeno, com base nas pesquisas sobre investimento e produtividade mencionadas acima; além disto, o impacto será mitigado pelos efeitos positivos da reforma sobre a redução das taxas de juros e da volatilidade, observada pelo resto do mercado de crédito. Quinto, a reforma também seria benéfica para as operações do BNDES. Notadamente, ao proporcionar uma taxa de referência baseada no mercado e transparente, a TLP facilitará o levantamento de recursos pelo BNDES por meio da securitização de certos ativos, assim alavancando o financiamento privado. Sexto, a TLP também melhoraria a remuneração do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), reduzindo os custos impostos a todos os trabalhadores, uma vez que suas poupança são atualmente remuneradas a uma taxa muito menor do que as oferecidas pelo mercado. Além disso, isso pode reduzir a alta taxa de rotatividade do trabalho e, desse modo, também contribuir para uma maior produtividade, além de oferecer aos trabalhadores um melhor auxílio ao desemprego. Por fim, o momento da reforma é ideal, pois a TJLP e a TLP estimada agora estão próximas, de tal forma que os custos do ajuste serão mínimos para as empresas. De fato, a nosso ver, o período de transição de 5 anos da TJLP para a TLP contemplado na Medida Provisória 777 poderia ser significativamente encurtado considerando a atual pequena diferença entre a TJLP e o nível proposto da TLP. 2 Antecedentes A Taxa de Longo Prazo, ou TLP, é a nova taxa de juros a ser aplicada aos financiamentos de longo prazo no Brasil. Foi introduzida pela Medida Provisória 777 (MP-777), que deve ser votada pelo Congresso brasileiro em setembro. Com o tempo, a TLP substituirá a TJLP. O estoque de crédito atrelado à TJLP é de R$ 579 bilhões2, ou cerca de 19 por cento do total. O BNDES atualmente toma empréstimos com juros equivalentes à TJLP e, em boa parte de seus repasses de empréstimo, indexa a taxa de juros dessas operações à TJLP mais margens para custos operacionais e risco. Após um período de convergência, o plano é que a TLP seja calculada pelo rendimento da NTN-B, título público indexado à inflação, mais a variação do IPCA. Assim, os tomadores de crédito pagariam a taxa de juros real da NTN-B de 5 anos mais a inflação, bem como as margens para custo e risco. Para propiciar uma transição suave, a TLP deverá convergir linearmente da TJLP para a nova fórmula em um período de cinco anos que se inicia em 1º de janeiro de 2018. Ao contrário dos empréstimos atrelados à TJLP, que são reajustados trimestralmente,3 os créditos atreladosà TLPserão parcialmente fixos. O componente da taxa de juros real (o rendimento da NTN-B) será fixo pela duração do empréstimo, enquanto que o componente da inflação se acumulará no transcurso do tempo, com base no IPCA. Assim, as empresas poderão contar com uma taxa de juros real previsível para tomar decisões relativas a investimento. Vários fatores motivaram a reforma: • Proteger o País contra o risco fiscal futuro: A diferença entre a TJLP e o custo do financiamento do governo tem gerado um alto custo fiscal indireto e opaco que se estima ter chegado a quase R$48 bilhões em 2016. Este custo diminuiu com o declínio das taxas de juros de mercado em direção à TJLP, mas, se as taxas de juros de mercado aumentarem e a TJLP não acompanhar, o custo poderá voltar a subir. • Melhorar a transmissão da política monetária: A TJLP, sendo fixada por regulamentação que não está diretamente ligada à política monetária, acabou desvinculando grande parte do mercado de crédito das decisões de política monetária. • Preocupações com a eficiência da má alocação do crédito direcionado: evidências relativas a seus efeitos sobre o investimento e a produtividade levantam preocupações – ver abaixo a seção sobre eficiência econômica. Esta nota procura apresentar evidências analíticas sobre os efeitos da substituição da TJLP pela TLP, como taxa de referência para empréstimos de longo prazo. A nota visa a responder a quatro perguntas básicas: - O que sabemos sobre o impacto esperado da reforma da TLP sobre a eficiência econômica, o investimento, a geração de empregos e o crescimento? - O que sabemos sobre o impacto esperado da reforma da TLP sobre o custo fiscal do crédito oferecido pelo BNDES? 2 Em maio de 2017. 3 Pelo menos em tese, são definidos trimestralmente. Na prática, devido à rigidez na repricificação da TJLP, o saldo é recalculado com menos frequência (ver figura 5 abaixo). 3 - O que sabemos sobre o impacto esperado da reforma da TLP sobre a transmissão da política monetária e a taxa de juros? - O que sabemos sobre o impacto esperado da reforma da TLP sobre as empresas devedoras, e notadamente sobre seus investimentos, criação de empregos e produtividade? A Reforma da TLP e a Eficiência Econômica A Reforma da TLP pode melhorar a alocação eficiente de financiamento ao assegurar que as firmas só tomem empréstimos quando necessitarem e gerem retorno suficiente para reembolsá-los sem subsídios. As evidências sobre crédito direcionado no Brasil como apoio ao investimento e à produtividade são de fato bastante desalentadoras. A transparência louvável do BNDES sobre seus empréstimos facilitou as avaliações baseadas em dados no nível de empresas. A maioria dos estudos não encontra efeitos sobre o emprego nem sobre a produtividade total dos fatores.4 No caso das empresas listadas na bolsa, geralmente as maiores da economia, não há efeito sobre os investimentos reais. 5 Em vez de gerar este efeito, o financiamento subsidiado foi usado no lugar de outros financiamentos ou investido em ativos financeiros, de forma que o crédito subsidiado parece ter tido apenas um efeito de transferência de riqueza. Esses resultados não levam em conta o retorno social dos projetos financiados pelo BNDES, mas a incidência dos subsídios incorporados nos empréstimos do BNDES sobre a renda é provavelmente regressiva, pois dá apoio sobretudo a empresas maiores e mais antigas. Dito isto, no caso de firmas menores, encontraram-se efeitos de curto prazo sobre os investimentos, em particular nos anos subsequentes à crise financeira mundial.6 Estas constatações podem ajudar, no futuro, a orientar a alocação de empréstimo/subsídios com responsabilidade fiscal. Pesquisa em curso confirma os achados anteriores relativos a uso de crédito, investimento e produtividade no caso de empresas devedoras e trazem novas informações desalentadoras sobre os fornecedores de equipamento que deveriam beneficiar-se com os programas. A pesquisa examina o programa PSI/FINAME do BNDES.7 A exemplos de estudos anteriores, a pesquisa não encontra efeito algum sobre o uso de crédito e a produtividade, mas sim algum efeito positivo sobre o investimento. O PSI/FINAME foi um programa de investimento subsidiado destinado à aquisição de maquinário, caminhões e ônibus com alto grau de conteúdo local c por fornecedores autorizados. Assim, foi uma forma de financiamento comercial subsidiado que se destinava a beneficiar os fornecedores nacionais que os formuladores de políticas buscam favorecer. A pesquisa aponta que os fornecedores que usaram o programa tendiam a ser maiores e mais produtivos do que os que não o usaram. Os fornecedores que usaram o programa não aumentaram a produtividade do trabalho, e evidências sugerem que a produtividade (medida pela revenue total factor productivity)na verdade declinou.8 Assim, os subsídios 4 Ver, por exemplo, Ottaviano e Sousa (2008) e (2016) em FINEM; Ribeiro e De Negri (2009) em FINAME e empresas inovadoras; e Lazzarini et al. 2015 sobre patrimônio líquido e empréstimos em empresas listadas. De Bolle (2015) encontra alguma evidência de que os empréstimos do BNDES estão associados a uma PTF agregada inferior. 5 Bonomo et al. (2015). 6 Albuquerque et al. (2014) e Machado e Roitman, (2015). 7 Ribeiro, et al (2017, em curso). O trabalho está sendo realizado no contexto da Revisão de Despesas Públicas do Brasil (Brazil Public Expenditure Review, Banco Mundial 2017). 8 Este resultado depende da especificação do modelo. 4 foram transferidos para esses fornecedores selecionados, mas estes não melhoraram o desempenho econômico do país. O efeito da reforma da TLP sobre a alocação de capital depende das atividades futuras do BNDES. A separação dos subsídios dos empréstimos reduz o incentivo das empresas tomarem empréstimos simplesmente para extrair a renda do subsídio, e permite que o BNDES aloque crédito e subsídios de forma independente com base na eficiência. É claro que os programas e políticas operacionais do BNDES terão um papel essencial na materialização desses ganhos de eficiência. A Reforma da TLP e o Custo Fiscal do Crédito do BNDES A reforma ajudará a enfrentar a questão do alto custo dos subsídios implícitos nos empréstimos do BNDES. A reforma leva ao acúmulo de economias fiscais decorrentes da diferença entre a TLP e a TJLP, da redução do custo de financiamento soberano e dos efeitos de equilíbrio geral decorrentes da maior sustentabilidade fiscal – mas aqui examinamos apenas o primeiro efeito. Como ilustração, os custos fiscais passados dos subsídios implícitos no crédito direcionado atrelado à TJLP são apresentados na Figura 1. Os subsídios fiscais implícitos nos empréstimos do BNDES resultam da diferença sistemática entre a TJLP e o custo do financiamento do governo. O estoque de crédito atual tem aumentado rapidamente, e houve variação substancial entre a TJLP e o custo de financiamento soberano, gerando volatilidade nos custos fiscais. Figura 1: Custo Fiscal Estimado da TJLP 60 800 700 Bilhões de R$, preços de 2016 Bilhões de R$, preços de 2016 50 600 40 500 30 400 300 20 200 10 100 0 0 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Subsídio implícito - eixo esquerdo Estoque de crédito com recursos do BNDES – eixo direito Fonte: BCB e Fazenda (2017). Nota: Os montantes estão deflacionados pelo IPCA médio de 2016. Os custos fiscais futuros dependerão em parte da evolução do crédito financiado pelo BNDES e, em parte, da evolução da taxa de juros. O crédito futuro do BNDES é controlado por seu proprietário - o governo - e por sua administração. A Figura 2 apresenta cenários informais (linha de base, alto e baixo) 5 para fins de ilustração. Os montantes do crédito são estimativas informais que usam um modelo do Banco Central do Brasil (BCB). Figura 2: Cenários para crédito com recursos do BNDES 800 700 600 Bilhões de R$ 500 400 Histórico 300 Alto 200 Linha de Base 100 Baixo 0 Mar-07 Mar-08 Mar-09 Mar-10 Mar-11 Mar-12 Mar-13 Mar-14 Mar-15 Mar-16 Mar-17 Mar-18 Mar-19 Mar-20 Fonte: BCB e estimativas informais. Historic – Histórico High – Alto Baseline – Linha de Base Low – Baixo A diferença entre a TJLP e o custo fiscal dos recursos é o motor mais importante da incerteza do custo fiscal. Se o custo fiscal dos recursos convergir para a TJLP, não haverá impacto fiscal, independentemente do volume de empréstimos do BNDES. Se a diferença se elevar ao nível médio de 2016, a projeção de linha de base do BNDES gerará um custo fiscal implícito estimado de R$32 bilhões por ano em média em 2018-2020. A diferença entre os cenários alto e baixo para o volume de crédito do BNDES seria então em torno de R$5.1 bilhões. Assim, o principal motor da incerteza dos custos fiscais é a variação da taxa de juros. Por fim, mas não menos importante, a reforma da TLP efetivamente separará os subsídios das decisões do BNDES relativas a operações de crédito. Ao ser um verdadeiro instrumento de captação de recursos, a TLP é um proxy razoável do custo médio do financiamento no médio prazo para o governo. No passado, o governo concedeu subsídios de taxa de juros (conhecidos como equalização de juros) contabilizados no orçamento, e esse modelo será uma forma mais transparente de oferecer subsídios quando necessário (ver em Frischtak et al. (2017) uma análise de critérios para a incorporação de subsídios ao crédito). 6 A Reforma da TLP e a Transmissão da Política Monetária A volatilidade da taxa de juros do Brasil é superior à de países comparáveis. No Brasil, a volatilidade econômica é elevada, e a volatilidade da taxa básica de juros é atípica em relação às taxas de juros dos países latino-americanos pares (ver Figuras 3 e 4). Tanto o desvio padrão (medida habitual da volatilidade) quanto a distância entre os picos e os vales da taxa básica são maiores que nos países de comparação. Isto gera incerteza para os tomadores de empréstimos no mercado livre, e a redução da volatilidade econômica é um importante objetivo de política. O crédito direcionado com taxas regulamentadas, como os empréstimos atrelados à TJLP, reprime a eficácia da política monetária. No crédito direcionado, a taxa de juros é regulamentada, e a oferta de crédito direcionado depende de fatores tais como o volume de recursos disponíveis para o BNDES ou os montantes de empréstimos compulsórios conforme os requisitos dos empréstimos financiados por depósitos. Portanto, a oferta de crédito direcionado não responde diretamente à política monetária. Como consequência, as mudanças na SELIC precisam ser maiores para terem o mesmo impacto que teriam se todo o crédito fosse sensível à taxa de juros. Figura 3: Volatilidade da Taxa Básica de Juros Figura 4: Amplitude da Política Monetária Desvio padrão, 2000-2017 Distância média entre Pico e Vale 5.0 4.3 6 5.4 4.5 Pontos percentuais Pontos percentuais 4.0 5 4.1 3.5 3.5 3.8 4 3.2 3.3 3.0 2.5 2.6 3.0 3.1 2.5 2.1 3 2.0 1.5 1.7 1.5 1.1 1.1 2 1.0 1 0.5 0.0 0 Costa Rica Chile Brazil Mexico United States Colombia Peru Uruguay Costa Rica Brazil Mexico Chile United States Colombia Peru Uruguay Fonte: IFS e Cálculos da Equipe do Banco Mundial Nota: Baseado nos dados mensais de janeiro de 2000 a maio de 2017 do IFS. A Figura 4 é a média da distância de pico a vale e de vale a pico da taxa de juros. Pesquisas documentaram a maneira como o crédito direcionado e os empréstimos concedidos por bancos estatais reduzem a eficácia da política monetária.9 Seu efeito sobre o volume de crédito é ilustrado pela comparação entre a forma como a expansão da política monetária afeta as empresas que só usam crédito do mercado livre privado e o modo como afeta as que também usam crédito direcionado ou outros créditos de bancos estatais. A diminuição de um ponto percentual na SELIC gera um aumento 9 Estimada para o período 2006-2012. Ver Pazarbasioglu et al. (2017), “Brazil Financial Intermediation Costs and Credit Allocation” e Marco Bonomo e Bruno Martins (2016) “The Impact of Government-Driven Loans in the Monetary Transmission Mechanism: what can we learn from firm-level data?”, março de 2016, Working Paper do Banco Central do Brasil. 7 de 3,5 por cento nos empréstimos tomados por empresas que recorrem apenas ao crédito do mercado livre privado, ao passo que, no caso das empresas que usam crédito direcionado e de bancos estatais, este aumento é de apenas 1,09 por cento. O efeito sobre o emprego é afetado de maneira similar. A diminuição de um ponto percentual na SELIC leva a um aumento de 1,18 por cento no emprego em empresas que só usam o mercado livre privado. No caso das empresas que só usam crédito direcionado e outros créditos de bancos estatais, o aumento do emprego é só de 0,46 por cento. A reforma da TLP aumenta substancialmente a parcela do mercado de crédito que responde aos movimentos da política monetária e que, portanto, pode ajudar o banco central a reduzir a volatilidade econômica, assim beneficiando toda a economia. O crédito atrelado à TJLP corresponde a cerca de 19 por cento do estoque de crédito.10 A análise histórica sugere que a TLP teria um comportamento muito mais consistente com os objetivos de política monetária do que a TJLP. A melhor transmissão monetária reduzirá a volatilidade das taxas de juros, assim beneficiando toda a economia. Figura 5: Taxas de juros no Brasil: a TJLP e a SELIC 20 18 16 14 12 Por cento 10 8 6 4 TJLP Selic 2 0 May-06 Nov-05 Nov-06 May-07 Nov-07 May-08 Nov-08 May-09 Nov-09 May-10 Nov-10 May-11 Nov-11 May-12 Nov-12 May-13 Nov-13 May-14 Nov-14 May-15 Nov-15 May-16 Nov-16 May-17 Fonte: BNDES, BCB, IBGE, Bloomberg e Cálculos da Equipe do Banco Mundial. Dado que a TJLP tem convergido rapidamente para a SELIC, e que a diferença estimada é agora de apenas 1,7 pontos percentuais, o momento é oportuno para a substituição, e a totalidade do período de transição de cinco anos pode não ser necessária. No momento, a TLP plenamente implementada elevaria a taxa de juros em 1,7 pontos percentuais. Caso persista a tendência da queda das taxas de juros de mercado, esta diferença será ainda menor no início de 2018, quando a TLP começará a valer. Portanto, o período de cinco anos é superior ao necessário para permitir uma transição suave. 10 Os empréstimos atrelados à TJLP têm prazo de vencimento mais longo do que os do resto do mercado de crédito e, portanto, respondem mais lentamente à mudanças na política monetária. 8 O Impacto sobre Empresas Tomadoras de Empréstimo A reforma pode elevar as taxas de juros e aumentar a suas volatilidades para empresas que tomam empréstimos do BNDES, efeito que depende decisivamente da evolução futura das taxas de juros de mercado. Se as taxas de mercado permanecerem estáveis e próximas dos níveis de hoje, o impacto financeiro sobre os as empresas devedoras será pequeno, pois a diferença atualmente estimada é de apenas 1,7 pontos percentuais. O efeito no curto prazo parece reduzido por diversas razões: • A diferença entre a TJLP e a TLP plenamente implementada (ou seja, após o período de transição planejado de cinco anos) hoje seria pequena, de só 1,7 pontos percentuais. • Sobre os empréstimos atrelados à TLP incidirá uma taxa de juros real fixa durante a vida do empréstimo, ao contrário do que ocorre no caso dos empréstimos atrelados à TJLP, que flutuam trimestralmente com a taxa – embora estas mudanças tenham sido muito modestas em termos nominais. • A reforma reduz a dependência das operações do BNDES em relação a subsídios fiscais em tempos normais e, assim, pode aumentar sua capacidade de responder de forma contracíclica quando realmente for preciso. Segundo pesquisa sobre investimento e produtividade, o impacto econômico das taxas de juros e volatilidade mais altas provavelmente será pequeno, e será mitigado pelos efeitos positivos para o resto do mercado de crédito. Como examinado acima, as empresas listadas não aumentam seus investimentos em resposta ao crédito direcionado subsidiado. Pode haver um efeito no caso das firmas menores, como algumas evidências apontam ter ocorrido logo após a crise financeira mundial. Contudo, a diminuição do investimento pode acentuar o bem-estar da sociedade, se os investimentos não estiverem gerando um retorno compatível com o custo dos recursos. Caso haja benefícios sociais particulares ou outras externalidades associadas aos investimentos, continuará sendo possível conceder subsídios através de canais orçamentários existentes. Além disto, a maior volatilidade das taxas de juros para este segmento será complementada pela menor volatilidade das taxas de juros de mercado, como analisado na seção sobre eficiência econômica. Ao transferir o risco da taxa de juros para os financiados, o apoio político à estabilidade macroeconômica pode ser fortalecido. Os devedores do BNDES são grupos importantes politicamente. Com a taxa que incide sobre os empréstimos mais estreitamente vinculada ao desempenho econômico do país, os clientes do BNDES têm um novo incentivo para dar apoio político às políticas fiscais e monetárias que visam a aumentar a estabilidade econômica. Alavancagem do capital privado nas operações do BNDES Ao proporcionar uma taxa de referência baseada no mercado e transparente, a TLP facilitará a captação de recursos de investidores privados pelo BNDES. O atual modelo de financiamento do BNDES se baseia, de maneira não sustentável, nos recursos do FAT e nos empréstimos concedidos pelo governo. A TJLP foi vantajosa para os tomadores de empréstimos, mas não é atraente como benchmark para investidores interessados em cofinanciar esses projetos. Alternativamente, estruturando, por exemplo, os empréstimos para projetos de infraestrutura usando a TLP, o BNDES poderia securitizar alguns ativos e 9 assim atrair recursos privados para estes investimentos.11 Além disso, os empréstimos sindicalizados poderiam ser precificados à TLP. Isto poderia ajudar a atrair a participação do capital privado nestes financiamentos (crowding-in) e promover o desenvolvimento do mercado de capitais. Além disso, a TLP proporcionaria ao FAT um retorno mais alinhado com o que o mercado oferece. Conclusões A criação da Taxa de Longo Prazo (TLP) em substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente em discussão no Congresso, pode ter impacto muito positivo sobre o desempenho econômico do Brasil. A reforma seria uma etapa significativa para o aperfeiçoamento da alocação de capital no Brasil, que deve aumentar a produtividade e o crescimento econômico. A criação da Taxa de Longo Prazo (TLP) em substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente em discussão no Congresso, pode ter impacto muito positivo sobre o desempenho econômico do Brasil. A reforma seria uma etapa significativa para o aperfeiçoamento da alocação de capital no Brasil, que deve aumentar a produtividade e o crescimento econômico. Dispõe-se de vastas evidências empíricas que sugerem que a reforma deve ter pouco ou nenhum impacto negativo sobre o investimento e a criação de emprego, e nenhum sobre a produtividade. Em segundo lugar, a reforma facilitará os esforços com vistas ao ajuste fiscal – que é essencial para impulsionar de maneira sustentável o investimento, a geração de empregos e o crescimento econômico no Brasil – e evitará o aumento automático dos custos fiscais caso a taxa de juros SELIC volte a subir. É importante ressaltar que a reforma não descarta a possibilidade de o governo fornecer crédito subsidiado. A reforma apenas desvincula o fornecimento de subsídios associados ao crédito do BNDES da decisão de fornecer um empréstimo, e tornaria esses subsídios transparentes e os incluiria no orçamento (o que não é atualmente o caso). Terceiro, a reforma também melhorará a transmissão da política monetária, o que ajudará a reduzir a volatilidade das taxas de juros e a volatilidade econômica, assim beneficiando toda a economia. Em quarto lugar, embora seja verdade que a reforma pode elevar as taxas de juros e aumentar sua volatilidade para as empresas financiadas pelo BNDES, na prática espera-se que este impacto seja pequeno, com base nas pesquisas sobre investimento e produtividade mencionadas acima; além disto, o impacto será mitigado pelos efeitos positivos da reforma sobre a redução das taxas de juros e da volatilidade, observada pelo resto do mercado de crédito. Quinto, a reforma também seria benéfica para as operações do BNDES. Por fim, o momento da reforma é ideal, pois a TJLP e a TLP estimada agora estão próximas, de tal forma que os custos do ajuste serão mínimos para as empresas. De fato, a nosso ver, o período de transição de 5 anos da TJLP para a TLP contemplado na Medida Provisória 777 poderia ser significativamente encurtado considerando a atual pequena diferença entre a TJLP e o nível proposto da TLP. Bibliografia Albuquerque, B. E., et al. (2014) “Additionality of Countercyclical Credit: Evaluating the Impact of BNDES’ PSI on the Investment of Industrial Firms”, mimeo 11 Ver Frischtak et al. (2017), “Towards a More Efficient BNDES”, Banco Mundial. 10 Bonomo, M., Ricardo D. Brito, Bruno Martins, (2015), “The after crisis government-driven credit expansion in Brazil: A firm level analysis”, Journal of International Money and Finance, Volume 55, July 2015, Pages 111-134. De Bolle (2015), “Do Public Development Banks Hurt Growth? 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