71854 PLANO DE AÇÃO DE GÊNERO CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Agricultura e Desenvolvimento Rural CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Coordenação: Fatima Amazonas BANCO MUNDIAL BANCO MUNDIAL Tulio Barbosa Alberto Costa Claudia Romano CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Vice-Presidente: Pamela Cox Diretor do Banco para o Brasil: Makhtar Diop Gerente Setorial / Diretor: Ethel Sennhauser / Ede Jorge Ijjasz-Vasquez Gerente do Projeto: Fatima Amazonas CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Dezembro 2011 BANCO MUNDIAL Coordenação: Fatima Amazonas Escritório do Banco Mundial no Brasil Tulio Barbosa Unidade de Desenvolvimento Sustentável Alberto Costa Região da América Latina e do Caribe Claudia Romano Copyright (to be done) sumário 1. PREFÁCIO 1 2. INTRODUÇÃO 5 3. O PROJETO PILOTO 9 3.1 Antecedentes 9 3.2 A Estratégia do Projeto Piloto 11 3.3 O Fundamento Lógico do Projeto Piloto 12 4. O ESTUDO DE CASO 15 4.1 O Fundamento Lógico e as Limitações do Estudo de Caso 15 4.2 Os Objetivos do Estudo de Caso 16 5. ESTUDO DE CASO: METODOLOGIA E PLANEJAMENTO DA AMOSTRA 19 6. DESCRIÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS DO DOMICÍLIO 23 7. EFEITOS DO PCPR: PRINCIPAIS CONSTATAÇÕES 29 7.1 Alocação e Uso do Tempo de Acordo com Várias Atividades 29 7.2. Relações Temporais 33 7.3 Análise da Renda 36 7.4. Gênero e Geração 38 7.5. Dimensões Culturais 43 7.5.1 Normas Culturais Tradicionais Definidas em Função do Gênero 43 7.5.2 Poder de Barganha Intradomiciliar 46 7.5.3 Índice de Poder de Barganha (IPB) 47 7.5.4 Índice de Distribuição Assimétrica do Poder Decisório Intradomiciliar (IDAPI) 48 7.6 Dimensões Sociais 51 7.6.1 Capital Social 51 7.6.2 Redes Sociais 53 7.6.3 Participação em Organizações Coletivas 55 7.6.4 Força dos Laços Comunitários 60 7.6.5 Engajamento Cívico e Representação 61 8. COMENTÁRIOS FINAIS 65 V TabeLAs Tabela 1 Planejamento da Amostra 20 Tabela 2 Principais Características Demográficas, Emprego e Educação (média por domicílio) 24 Tabela 3 Bens e Renda Familiar Anual (em R$) 24 Tabela 4 Renda de Produção Agrícola na Propriedade (em R$) 26 Tabela 5 Indicadores de Saúde – Incidência de Doenças Comuns (ocorrência média na amostra de doenças nos 12 meses anteriores) 26 Tabela 6 Parcela da Carga de Trabalho Diária por Atividades Principais 30 Tabela 7 Proporção de Habitantes do Domicílio Engajados por Atividade 31 Tabela 8 Principais Indicadores do Impacto sobre a Alocação do Tempo por Tipo de Intervenção 31 Tabelas 9A - N Análise de Regressão de Mudanças na Alocação do Tempo por Atividade 33 Tabela 10 Efeito da Renda Anual Total de Adultos Acima de 16 Anos (em R$) 37 Tabela 11 Efeito da Renda Agrícola Anual de Adultos 38 Tabela 12A Parcela da Carga de Trabalho com Atividades Domésticas, por Gênero, Geração e Projeto 41 Tabela 12B Parcela de Pessoas com Atividades Domésticas por Gênero, Geração e Projeto 41 Tabela 13A Parcela da Carga de Trabalho Diária com Atividades Produtivas por Gênero, Geração e Projeto 42 Tabela 13B Parcela de Pessoas com Atividades Produtivas por Gênero, Geração e Projeto 42 Tabela 14 Índice de Orientação Tradicional de Gênero por Sexo 45 Tabela 15 Índice de Orientação Tradicional de Gênero por Sexo e Grupo da Amostra 45 Tabela 16 Efeito sobre o Índice de Orientação Tradicional de Gênero 46 Tabela 17 Distribuição Assimétrica do Poder Decisório Intradomiciliar 49 Tabela 18 Efeito sobre a Percepção de Assimetria na Distribuição do Poder Decisório 49 Tabela 19 Características das Redes Sociais 54 VII Tabela 20 Efeitos sobre o Índice de Uso de Redes Sociais 55 Tabela 21 Índices de Organização e Participação Social 59 Tabela 22 Efeitos sobre a Organização e Participação Social 60 Tabela 23 Índice de Laços Sociais 60 Tabela 24 Índice de Engajamento Cívico 61 Tabela 25 Efeitos sobre o Engajamento Cívico 62 Gráficos Gráfico 1 Proporção de Moças e Rapazes Solteiros, Mulheres e Homens mais Velhos 39 Gráfico 2 Mudanças na Busca de Água para os Domicílios por Geração e e Tipo de Comunidade 40 Gráfico 3 Orientação Tradicional de Gênero por Sexo 44 Gráfico 4 Índice de Poder de Barganha por Sexo e por Grupo de Tratamento/Controle 47 Gráfico 5A Variação de Renda por Gênero e Amostra de Comunidades 50 Gráfico 5B Variação na OTG e no IDAPI por Gênero e Amostra de Comunidades 51 Gráfico 6 Afiliação a Organizações da Sociedade Civil por Sexo e Grupo da Amostra 56 Gráfico 7 Participação em Reuniões de Organizações da Sociedade Civil 56 Gráfico 8 Participação em Atividades promovidas por Organizações da Sociedade Civil 57 Gráfico 9 Evolução dos Índices de Engajamento 58 VIII Sumário Executivo O presente estudo centra-se nas questões de gênero para analisar os efeitos do Projeto de Redução da Pobreza Rural (PCPR) sobre o uso do tempo e a geração de renda, bem como sobre o capital cultural e social. O estudo baseou-se em um projeto piloto realizado no Rio Grande do Norte (RN) concebido para reforçar as ações focadas em gênero no âmbito do PCPR. O estudo deve ser visto apenas como uma avaliação exploratória que pode ser indica- tiva dos efeitos do programa, pois a amostra utilizada foi pequena e o intervalo de tempo entre a execução do projeto e a coleta de dados sobre os impactos também foi reduzido (apenas um ano). No entanto, outras medidas incluídas na metodologia, tais como a comparação com um grupo de controle retirado de uma listagem completa de potenciais beneficiários (candi- datos a recursos do projeto) e uma análise baseada na abordagem antes-e-depois, garan- tem um nível mínimo satisfatório de rigor na avaliação. As limitações no tamanho da amostra deveram-se, em parte, ao fato de o estudo ter sido realizado durante os estágios iniciais de implementação do projeto piloto no RN, quando apenas um pequeno número de subprojetos havia sido aprovado, bem como ao reduzido orçamento do estudo. As observações sobre o impacto foram coletadas logo após a implementação do projeto, já que um dos propósitos do presente estudo era fornecer subsídios para aprimorar a elaboração das fases futuras. A incorporação das questões de gênero aos programas de redução da pobreza do Banco Mundial tem sido feita por meio da promoção do desenvolvimento inclusivo, assegurando que mulheres e homens tenham voz no desenvolvimento de suas comunidades e se be- neficiem de novas oportunidades de desenvolvimento. Parte dessa estratégia é promover a autonomia econômica das mulheres, fortalecendo sua habilidade de participar dos mer- cados de terra, trabalho, serviços financeiros e produtos. Em 2009, em associação com o PCPR no Estado do Rio Grande do Norte, foi imple- mentado um projeto piloto para a integração das questões de gênero nos PCPRs e para favorecer a autonomia econômica das mulheres. O presente estudo foi conduzido simul- taneamente com o projeto piloto a fim de documentar seus resultados e, quando possível, extrair lições que pudessem ser úteis em novas operações. Ao combinar investimentos comunitários na infraestrutura de abastecimento de água e na produção orientada para o mercado, o projeto piloto criou um cenário experimental no qual se pode determinar quais as estratégias mais adequadas para incorporar as ques- tões de gênero e facilitar a autonomia econômica das mulheres. O estudo estima, prelimi- narmente, como aqueles investimentos da comunidade que liberam parte do tempo gasto pelas mulheres em atividades domésticas – tanto isoladamente quanto combinados com investimentos na produção – criam um contexto favorável para a autonomia econômica das mulheres e, com o tempo, ajudam a reduzir a pobreza. IX O projeto piloto teve início em 2009 e, até o momento, implementou 15 subprojetos em 12 comunidades, beneficiando 35 famílias. Os tipos de subprojetos implementados in- cluem sistemas de abastecimento de água potável e hortas produtivas. Três comunidades receberam sistemas de abastecimento de água, beneficiando oito famílias; seis desen- volveram hortas, beneficiando 18 famílias; e três comunidades abrigaram os dois tipos de subprojetos, o que beneficiou nove famílias. O estudo coletou informações em 20 comunidades; 12 delas se beneficiaram em 2009, e outras oito, embora tenham sido aprovadas para um PCPR, não receberam projetos devido a razões externas, como a escassez de financiamento. Portanto, existe uma maior probabilidade de que os dois grupos (beneficiários e não beneficiários) fossem semelhantes antes da implementação do PCPR. Os subprojetos que compõem a amostra foram extraídos do conjunto total de projetos apresentados pelas associações comunitárias para financiamento, reduzindo-se assim possíveis distorções no processo de amostragem. O grupo beneficiário foi dividi- do em três subgrupos: (i) aqueles que somente receberam projetos de abastecimento de água, (ii) aqueles que somente receberam projetos de produção e (iii) aqueles que receberam tanto projetos de água quanto de produção. Além dos dados sobre a comu- nidade e os domicílios (58 famílias entrevistadas), também foram coletadas informações sobre 161 adultos acima de 16 anos de idade. Foram aplicados questionários em 2009 (imediatamente antes da implementação) e em 2010 (aproximadamente um ano após a implementação do PCPR), o que permitiu comparar a evolução dos indicadores entre os grupos beneficiários e os não beneficiários. As principais hipóteses consideradas no início do estudo foram as seguintes: (i) o investi- mento no fornecimento de água para a comunidade (com conexões domiciliares) aumen- ta o tempo livre das pessoas envolvidas em buscar água, especialmente mulheres e crianças, permitindo-lhes realizar outras atividades que poderão aumentar o bem-estar e a renda da família; (ii) a participação das mulheres em atividades de geração de ren- da – assim como sua renda individual em comparação com a dos homens – aumenta mais em comunidades que receberam os dois tipos de projetos; e (iii) uma maior contri- buição econômica das mulheres para o sustento da família pode resultar em (a) menor taxa de aprovação de normas culturais tradicionalmente definidas em função do gênero, (b) maior consciência dos desequilíbrios de gênero na distribuição do poder decisório intradomiciliar, (c) aumento no tamanho e no escopo das redes sociais de mulheres, (d) maior participação das mulheres na vida pública e (e) aumento do capital social tanto de homens quanto de mulheres. A análise sugere que o PCPR teve vários efeitos no curto prazo. Primeiro, o estudo contém fortes evidências de que os investimentos no fornecimento de água para a comunidade aumentam o tempo livre das pessoas envolvidas em obter água, permitindo-lhes realizar atividades produtivas em casa e/ou em outros locais e ter a possibilidade de aumentar o bem-estar e a renda da família. Em resumo, sua pobreza de tempo é reduzida. Houve uma redução simultânea da parcela de tempo alocada na busca de água e daquela des- tinada a atividades domésticas, bem como um aumento no tempo dedicado ao cultivo, tanto no caso dos homens quanto no das mulheres; em ambos os casos, as mudanças afetaram as mulheres. Não foi observada nenhuma outra mudança significativa na aloca- X ção do tempo. Examinando mais detidamente o grupo de pessoas que buscavam água, o estudo mostra que cabia aos homens jovens e solteiros uma grande responsabilidade na obtenção de água; os investimentos feitos pelo projeto liberaram a maior parte de seu tempo e lhes permitiram devotar o tempo liberado a atividades mais produtivas. Em geral, a nova alocação de tempo representou um significativo aumento de renda para os responsáveis por buscar água. Esses resultados sobre a alocação do tempo estão refletidos na análise de renda. Ob- servou-se um aumento significativo da renda familiar decorrente da produção agrícola própria, especialmente em comunidades beneficiadas com projetos produtivos. Embora o presente estudo não permita conclusões finais, dado o tamanho reduzido da amostra, o aumento nesse tipo de renda, ao longo de um ano, foi, na média, de 360% nas comuni- dades beneficiárias, enquanto as comunidades de controle tiveram um aumento de 130%. Assim, o aumento do tempo dedicado à agricultura, que foi particularmente significativo para as mulheres, parece estar relacionado a esse aumento na renda agrícola. Vale a pena notar que o aumento na renda agrícola só foi observado nas comunidades em que foram implementados projetos produtivos, e não naquelas que apenas receberam projetos de abastecimento de água. No entanto, a amostra incluiu muito poucas comunidades que receberam somente água, o que não permite concluir que essa relação sempre ocorra. As mulheres beneficiaram-se significativamente com o fato de poderem devotar menos tempo à busca de água e aos trabalhos domésticos. Isso lhes deu mais tempo para ati- vidades ligadas à produção agrícola familiar, o que, por sua vez, teve um reflexo sobre o aumento da renda agrícola familiar. Embora a análise não mostre que as mulheres tenham passado mais tempo em trabalhos não agrícolas, foi constatado um crescimento na renda das mulheres decorrente do trabalho remunerado. Considerando-se que não é de esperar que a disponibilidade de empregos não agrícolas seja afetada por projetos PCPR, uma provável explicação para o aumento da renda não agrícola das mulheres é a disponibilida- de de mais tempo para trabalhar fora da propriedade, mas essa questão ainda precisa ser respondida. O tempo dos homens aplicado na agricultura também cresceu, como visto antes, mas no trabalho não agrícola não houve crescimento nem no tempo nem na renda. Na média, a renda familiar total das famílias que se beneficiaram do PCPR aumentou cer- ca de 100%, e os resultados sugerem que 30% são provenientes do acréscimo da renda das mulheres por trabalho fora da propriedade. O aumento observado na contribuição das mulheres à renda familiar, bem como o aumento de seu tempo livre, pode ter ajudado a deflagrar as mudanças registradas nas percepções culturais de gênero. No que se refere às dimensões sociais e culturais do projeto, os resultados da pesquisa mostram que a participação pode ter (i) o efeito de aumentar a consciência das mulheres sobre desequilíbrios de poder no processo decisório intradomiciliar; (ii) um impacto positi- vo e significativo sobre as taxas de engajamento das mulheres em instituições representa- tivas relevantes, locais e de classe; (iii) um impacto positivo sobre as redes sociais de mu- lheres, que cresceram em tamanho, tornaram-se mais fortes e menos caracterizadas por gênero, expandiram-se para outras localidades e têm sido mais intensamente usadas do que antes e, finalmente, (iv) contribuído para mitigar e reduzir os efeitos de uma tendência geral e exógena de declínio do engajamento cívico nas comunidades de tratamento. XI Um resultado inesperado indica que as mulheres estão menos receptivas do que os ho- mens a mudanças na educação infantil, particularmente no que se refere às meninas, e, curiosamente, elas também rejeitam a ideia de que os homens participem do trabalho doméstico. Isso reforça a importância de se focalizar as mulheres como alvos dos esfor- ços para ampliar seu engajamento em atividades de mercado e melhorar seu acesso à educação, vistos como as principais forças na redução da desigualdade de gênero. As limitações do presente estudo não permitem conclusões finais sobre os efeitos do PCPR piloto no RN, mas os resultados sugerem uma cadeia de efeitos que envolvem mudanças relacionadas ao gênero na alocação do tempo, na geração de renda e na percepção de normas culturais, tudo isso na direção da autonomia econômica e social das mulheres. No entanto, várias questões ainda carecem de resposta. Em primeiro lu- gar, poderia o efeito da renda agrícola ser confirmado num rigoroso estudo de impacto? Em segundo, por que razão ocorreu um aumento da renda das mulheres decorrente de trabalhos não ligados ao cultivo, já que não existe nenhuma indicação de que elas tenham dedicado mais tempo a esse tipo de trabalho? Além disso, estariam os efeitos sobre a renda relacionados à combinação de projetos de água e projetos de produção, ou poderiam existir mesmo que esses projetos fossem implementados separadamente? Adicionalmente, deveria ser desenvolvido outro estudo para se ter uma melhor com- preensão do papel que os homens jovens desempenham nas atividades domésticas e na coleta de água, bem como das formas como aplicam o tempo liberado. Finalmente, por que razão, quando o tempo devotado às atividades domésticas diminui, as jovens e os rapazes não investem mais tempo nos estudos? Talvez isso se explique pelo pouco tempo decorrido desde a implementação dos projetos. Seria necessário realizar estu- dos adicionais sobre períodos de impacto mais longos a fim de identificar outros efeitos de média e longa maturação. XII Agradecimentos Este relatório é um produto do Banco Mundial realizado com o apoio e com recursos do fundo fiduciário do Plano de Ação de Gênero (Gender Action Plan Trust Fund TF 094445). A equipe do projeto teve como principais autores Fatima Amazonas, Túlio Barbosa, Alberto Costa e Cláudia Romano. Outras contribuições significativas foram recebidas de Guadalupe Romero, que apoiou a equipe e contribuiu na finalização do relatório. Durante o processo de revisão, foram recebidos comentários inestimáveis de Luz Caballero (Especialista em Infraestrutura e Gênero), Judith Lisansky (Antropóloga Senior, Banco Mundial/LCSSO) e Ra- chel Hannah Nadelman (Especialista em Desenvolvimento Social, Banco Mundial /LCSAR). A equipe também é grata ao ex-coordenador do PCPR do RN, Luiz Augusto Santiago, e à sua equipe pelo apoio recebido no gerenciamento das ações, pelo financiamento da pesquisa de campo e dos investimentos (subprojetos) nas comunidades. Várias pessoas da equipe do PCPR-RN contribuíram de formas distintas; reconhecemos e agradecemos todos os esforços na implementação dos investimentos e no apoio à equipe de pesquisa de campo. Agrade- cimentos muito especiais também são devidos a Ana Cristina Guedes e Carlos Nascimento, que cuidaram de todas as atividades da equipe para a realização bem-sucedida da pesquisa. Profunda gratidão também é devida às 20 comunidades rurais pobres, tanto do grupo de controle quanto do grupo de tratamento, no Estado do Rio Grande do Norte, ou seja, às associações comunitárias de Baixa Verde IV, Serra das Almas, Sítio São Luiz, Sítio Vaca Morta, Sítio Cacimba de Cima, Negra do Jatobá, Mulungu, Sítio Morcego, Casa e Cidadania do Conjunto Padre Preto, Assentamento Nova Vida, Abderramant, Sítio Comis- sário e Varginha, Assentamento Ronaldo Valência – Comunidade Juazeiro e Comunidade Tanques, Assentamento Vila Nova, Assentamento 8 de Março, Assentamento Primeiro de Maio, Várzea do Exu, Trincheira da Serra e Glênio Sá. Gostaríamos de registrar nossos agradecimentos especiais à equipe do Projeto D. Helder/ Núcleo Sertão do Apodi pela mobilização das comunidades e pela contínua provisão de assistência técnica para manter sua sustentabilidade. A equipe agradece o generoso apoio e a orientação recebida do Poverty Reduction and Economic Management – Gender and Development (PREM-GE/Banco Mundial), sob a liderança de Mayra Buvinic. Finalmente, a equipe agradece o efetivo e entusiástico apoio e a orientação de Ethel Sen- nhauser, Gerente Setorial da Unidade de Agricultura e Desenvolvimento Rural (LCSAR/ Banco Mundial), e de Mark Lundell, Coordenador Setorial do Departamento de Desen- volvimento Sustentável (SD/Banco Mundial), bem como dos pontos focais de gênero da LCSAR, Erwin De Nys e Eli Weiss. XIII ABREVIAÇÕES E SIGLAS IDAP Índice de Distribuição Assimétrica do Poder Decisório Intradomiciliar IPB Índice de Poder de Barganha OBC Organização de Base Comunitária DCC Desenvolvimento Conduzido pela Comunidade COPES Coordenadoria de Projetos Especiais PAG Plano de Ação de Gênero PRONAF Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar PCPR1 Programa2 e /ou Projeto de Redução da Pobreza Rural OTG Orientação Tradicional de Gênero 1 Foi mantida a mesma sigla “PCPR” do “Projeto de Combate à Pobreza Rural”, como inicialmente denominado e reconhecido no Brasil, mesmo após a mudança da denominação para “Projeto de Redução da Pobreza Rural”. 2 Denomina-se “Programa” quando se refere ao conjunto de projetos financiados nos estados da região Nordeste e no norte de Minas Gerais, e “Projeto” quando se refere a qualquer um dos estados, isoladamente. XV 1. PreFÁCIO O tópico redução da pobreza inevitavelmente levanta questões sobre exclusão, desigual- dade de oportunidades e de condições para acesso a capital, trabalho e alternativas de produção para homens e mulheres. Esses elementos estão entre os principais fatores por trás da persistência da pobreza, especialmente na área rural, e constituem sérios obstá- culos à melhoria das condições de vida, ao crescimento econômico e a um desenvolvi- mento socioeconômico e cultural mais equitativo. Em 2001, depois que extensas consultas em todas as regiões do mundo revelaram que a redução da disparidade entre os gêneros é um elemento crucial na luta contra a pobreza, o Banco Mundial adotou uma ampla estratégia para otimizar as ações já existentes, rela- tivas a gênero, através das suas atividades e dos projetos que buscam reduzir a pobreza e apoiar o desenvolvimento. O Programa de Redução da Pobreza Rural (PCPR) financiado pelo Banco Mundial tem ampla experiência no Nordeste do Brasil, e têm sido feitos diversos estudos so- bre seus resultados e impactos desde sua implementação em 1993. No entanto, até agora não havia nenhum estudo lidando exclusivamente com questões de gênero nesse projeto. Este estudo de caso, financiado com uma doação do Plano de Ação de Gênero, apresenta a pesquisa e a análise feitas no Estado do Rio Grande do Norte no período 2009-2010. 1 Este estudo quantitativo e qualitativo é exploratório e busca compreender os efeitos dos investimentos apoiados pelo Banco no PCPR no Estado do Rio Grande do Norte a fim de extrapolar os resultados para os outros estados do Nordeste do Brasil nos quais esses projetos estavam ou ainda estão sendo implementados. Nas mais recentes versões da implementação do PCPR (a partir de 2005, especialmente), foi dada uma atenção espe- cífica a ações destinadas a promover a inclusão das mulheres, a melhorar sua qualidade de vida e a criar um clima favorável para sua autonomia econômica. À semelhança da abordagem relativa às questões de gênero, considerou-se também como população vul- nerável os grupos étnicos e de jovens. O estudo foi realizado em 20 comunidades rurais no contexto oferecido pelo Projeto Piloto para a Integração das Questões de Gênero nas Operações dos Projetos de Redução da Po- breza Rural no Estado do Rio Grande do Norte. Dadas as limitações financeiras e de tempo, a análise dos resultados foi principalmente qualitativa, embora, em menor medida, tenha sido feita também uma análise quantitativa. Apesar do tempo reduzido de observação e de sua natureza exploratória, o estudo oferece resultados valiosos e esclarecedores. 2 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório 2. Introdução A estratégia adotada em 2002 para incorporação das questões de gênero nos trabalhos do Banco Mundial recomenda que “o Banco Mundial trabalhe com os governos e a so- ciedade civil nos países clientes, e com outros doadores, para diagnosticar os aspectos relativos às questões de gênero que constituem barreiras à redução da pobreza e ao desenvolvimento sustentável; bem como para identificar e apoiar as ações adequadas para reduzir essas barreiras e maximizar as oportunidades. O objetivo mais abrangente da estratégia é reduzir a pobreza por meio da promoção do desenvolvimento inclusivo. Da perspectiva de gênero, isso significa garantir que tanto mulheres quanto homens parti- cipem no desenvolvimento de sua comunidade e de seu país, que ambos sejam capazes de se beneficiar com as novas oportunidades trazidas pelo desenvolvimento, que ambos tenham acesso aos recursos necessários para ser membros produtivos da sociedade e que ambos partilhem um nível mais elevado de bem-estar” (World Bank 2002). Adicionalmente, o objetivo geral do plano de ação adotado em 2007 para melhorar a im- plementação da estratégia é “promover a autonomia econômica das mulheres, elevando sua capacidade de participar dos mercados de terra, trabalho, serviços financeiros e de produtos” (World Bank 2006). O objetivo das ações específicas número 3 do plano é “me- lhorar o conhecimento e as estatísticas sobre a participação econômica das mulheres e as relações entre igualdade de gênero, crescimento, e redução da pobreza”. 5 Para introduzir as diretrizes do Plano de Ação de Gênero do Banco Mundial, foi imple- mentado em 2009 um projeto piloto para a integração das questões de gênero nas ope- rações dos PCPRs, com o objetivo de promover a melhoria das condições econômicas das mulheres. O projeto foi implementado no âmbito do PCPR do Estado do Rio Grande do Norte, no Nordeste do Brasil. O projeto piloto foi planejado para examinar três princi- pais aspectos relativos à autonomia das mulheres e à realização das suas atividades: (i) a criação de um contexto favorável no qual a autonomia econômica das mulheres possa realmente ocorrer; (ii) o acesso das mulheres às atividades econômicas de mercado (tra- balho e produção) e, adicionalmente, (iii) o estímulo à participação mais efetiva e igualitá- ria das mulheres no processo comunitário de tomada de decisões e nas questões públi- cas. As operações seriam documentadas, e as lições aprendidas serviriam para orientar esforços futuros. O projeto selecionou dois tipos de investimentos comunitários a serem financiados por meio do PCPR que pudessem contribuir para a autonomia econômica das mulheres: (a) investimentos que ajudassem a reduzir o tempo gasto pelas mulheres em atividades domésticas, i.e., investimentos em “redução da pobreza de tempo” (time poverty), tais como projetos de abastecimento de água que reduzissem o tempo gasto em conseguir água e (b) investimentos em “acesso à economia de mercado”. Assim, o projeto piloto planejou, financiou e implementou um estudo de caso cujos ante- cedentes e metodologia estão descritos na seção 5 e cujas constatações estão apresen- tadas neste documento. O estudo de caso foi realizado simultaneamente com a implementação dos investimentos (subprojetos) a fim de documentar seus resultados e, quando possível, extrair lições que pudessem ser úteis em novas operações para a integração das questões de gênero. O projeto piloto e o estudo de caso constituem tentativas de preencher os hiatos existentes, tanto cognitivos quanto concretos. Ao combinar investimentos comunitários na infraestrutura para abastecimento de água e na produção orientada para o mercado, o projeto piloto cria um cenário experimental que busca determinar quais as estratégias mais adequadas para a incorporação das questões de gênero nas intervenções públicas que possam favorecer a autonomia econômica das mulheres. Além disso, a decisão de centrar o projeto em comunidades que inicialmente careciam de sistemas de abastecimento de água, de selecionar um conjunto de comuni- dades de controle, nas quais não se fez nenhuma intervenção, e de adotar o método da dupla diferença permitiu que o estudo de caso conseguisse estimar, em termos prelimi- nares, o grau em que aqueles investimentos na comunidade que visavam apenas ajudar as mulheres a economizar tempo na economia doméstica contribuíram efetivamente para criar o contexto propício necessário para sua autonomia econômica. Adicionalmente, o estudo de caso indicará se esses efeitos também propiciaram a redução da pobreza rural. O estudo de caso está apresentado aqui em nove sessões, como se segue: 1. Prefácio 2. Introdução 3. O Projeto Piloto 4. O Estudo de Caso 6 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório 5. Estudo de Caso: Metodologia e Planejamento da Amostra 6. Descrição das Características dos Domicílios 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 8. Dimensões Culturais 9. Comentários Finais 2. Introdução 7 3. o Projeto piloto 3.1 Antecedentes Há mais de 15 anos o Banco Mundial vem financiando Projetos de Redução da Pobreza Ru- ral (PCPRs) nos estados do Nordeste do Brasil, adotando uma abordagem de desenvolvi- mento conduzido pela comunidade de base participativa e inclusiva de gênero. Os projetos têm como principais objetivos (i) melhorar o bem-estar e a renda dos pobres rurais por meio da ampliação do acesso a infraestrutura e serviços básicos de natureza social e econômica, bem como a mecanismos de apoio a atividades produtivas; (ii) aumentar o capital social de comunidades rurais e sua capacidade de organização; (iii) aprimorar a governança lo- cal, fortalecendo associações comunitárias e conselhos municipais e (iv) promover maior integração de programas de desenvolvimento no âmbito local. Esses projetos financiam subprojetos de investimentos comunitários (matching-grant) (selecionados pelos conselhos municipais), cujos recursos são depositados diretamente nas contas bancárias das asso- ciações comunitárias legalmente constituídas. Durante o ciclo de vida dos PCPRs, a par- ticipação e liderança das mulheres em associações comunitárias e conselhos municipais vem crescendo sistematicamente.3 Isso indicaria que a estrutura operacional dos PCPRs, 3 Por exemplo, dados do Estado de Sergipe desagregados por sexo mostram que 28% das associações comu- nitárias beneficiárias do PCPR eram presididas por mulheres e 40% das famílias beneficiárias do PCPRs eram chefiadas por mulheres. (Nas áreas rurais do estado, o número de famílias chefiadas por mulheres passou de 18% em 2000 para 32% em 2007.) 9 baseada na demanda da comunidade, aprimora a participação das mulheres na tomada de decisões comunitárias e atende a uma das condições frequentemente ressaltadas como essenciais para a incorporação das questões de gênero: a inclusão e a participação efetiva das mulheres como parceiras interessadas privilegiadas. Atualmente, o perfil dos PCPRs está passando por uma mudança em direção a in- vestimentos produtivos orientados para o mercado. Ainda assim, as demandas de investimento apresentadas pela comunidade têm se centrado tradicionalmente na in- fraestrutura básica (sistemas de abastecimento de água e eletrificação rural). Esses investimentos em infraestrutura básica – especialmente no caso dos projetos de água – afetam diretamente as mulheres em sua carga de trabalho, porque as normas sociais tradicionais e o modelo de organização familiar patriarcal no Nordeste rural do Brasil fazem do trabalho doméstico uma obrigação feminina. Essas regras tradicionais mol- dam uma distribuição assimétrica do poder decisório intradomiciliar entre os gêneros e privam as mulheres de oportunidades de participar das arenas decisórias comunitárias e cívicas. Buscar água para o consumo doméstico é a mais pesada e a mais demorada atividade da economia doméstica. Tradicionalmente atribuída às mulheres, constitui a causa principal de sua pobreza de tempo. A literatura sobre desenvolvimento orientado para questões de gênero tem apontado frequentemente que (i) a redução da pobreza de tempo das mulheres é necessária para reduzir a pobreza e que (ii) a redução da carga de trabalho doméstico das mu- lheres é um requisito para favorecer sua autonomia a fim de que possam competir nos mercados, removendo as faltas de liberdade que limitam suas escolhas individuais e, inversamente, aumentando suas habilidades para definir metas e guiar-se por elas (i.e., ampliando o nível de ação concreta que demarca o campo da autonomia econômica das mulheres). Em consequência, pode-se formular a hipótese de que, ao reduzir o tem- po que as mulheres gastam buscando água e contribuindo para a economia doméstica “invisível”, as iniciativas do PCPR, de propiciar infraestruturas comunitárias, têm contri- buído para criar um contexto favorável à entrada e inclusão das mulheres na economia “visível” orientada para o mercado. A criação de tal contexto também tem sido muitas vezes descrita como um requisito para a integração das questões de gênero e para a autonomia das mulheres. Foram obtidas evidências esparsas sobre a proporção do tempo das mulheres que foi liberado. No entanto, não se obteve absolutamente nenhuma evidência de como esse tempo é usado e da intensidade das mudanças que possam ocorrer na divisão de po- der entre os gêneros no contexto doméstico. Em outras palavras, não há nenhuma evi- dência de que o contexto favorável criado pelas iniciativas de desenvolvimento vindas da comunidade, no âmbito dos PCPRs, esteja sendo usado pelas mulheres de forma eficaz para aumentar suas habilidades e alcançar a autonomia. 10 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório 3.2 A Estratégia do Projeto Piloto A estratégia do projeto piloto inclui o seguinte: (a) A adoção da extensamente documentada, bem testada e amplamente aprovada abordagem de desenvolvimento gerenciado pela comunidade dos PCPRs para encorajar a participação das mulheres: no Nordeste do Brasil, a inclusão, participação e liderança das mulheres em organizações de base comunitária têm crescido continuamente durante o tempo de vida dos PCPRs. Para mencionar apenas a experiência do PCPR no Estado do Rio Grande do Norte, em sua primeira geração,4 119 associações comunitárias (7,3% do total de 1.624 associações beneficiárias do projeto) eram chefiadas por mulheres; em sua segunda geração,5 esses números cresceram para 206 associações comunitárias beneficiárias (25,7%) lideradas por mulheres, num total de 802 associações. (b) O financiamento de investimentos em infraestrutura comunitária que tenham o potencial de criar um contexto propício para a autonomia econômica das mulheres: o projeto piloto focou a infraestrutura de abastecimento de água porque isso parece atacar a principal razão da pobreza de tempo das mulheres.6 A literatura sobre a incorporação das questões de gênero indica que a pobreza de tempo é um dos maiores obstáculos à participação das mulheres na economia de mercado e uma das principais fontes de pobreza em suas múltiplas dimensões (renda, desenvolvimento humano, insegurança, vulnerabilidade, carência de poder, exclusão etc.). A redução da pobreza de tempo é um componente crucial de quaisquer medidas que se tome para criar um contexto favorável no qual a autonomia econômica das mulheres possa realmente ser alcançada. (c) O financiamento de infraestruturas e atividades comunitárias produtivas e orientadas para o mercado que abram o acesso das mulheres à economia de mercado: de acordo com a literatura sobre a integração das questões de gênero em iniciativas 4 Empréstimo 4667-BR. 5 Empréstimo 7489-BR – Financiamento Adicional. 6 A pobreza de tempo é compreendida como o fato de que, “para as pessoas que trabalham durante muitas horas, a limitação de tempo torna necessário que façam escolhas dificeis em termos de como alocar seu tempo, e essas escolhas difíceis têm implicações para o bem-estar dos indivíduos e das familias às quais pertencem.” Portanto, refere-se à “carga de demandas conflitivas que recai sobre o tempo dos indivíduos e que reduz sua habilidade de fazer escolhas livres quanto à alocação de seu tempo”. Além disso, em muitos casos a pobreza de tempo leva a uma carga de trabalho cada vez mais pesada e resulta em opções que sacrificam algumas tarefas à custa de outras. As famílias pobres, que dependem fortemente do tempo e do trabalho dos membros para a provisão de bens e serviços essenciais para seu bem-estar e sua sobrevivência, enfrentam severas limitações de tempo e carecem de recursos econômicos para obté-los no mercado. Com frequência, elas têm de fazer escolhas mutuamente exclusivas entre atividades que podem afetar diretamente o bem-estar de seus membros, e essa pobreza de tempo pode exacerbar a pobreza de renda de diversas formas. Com relação à incorporação das questões de gênero e à autonomia econômica das mulheres, a pobreza de tempo exerce uma influência significativa na exacerbação da pobreza de renda porque, devido à divisão de trabalho entre os gêneros, que reduz a possibilidade de substituições na alocação do trabalho no não-mercado, “as mulheres não têm condição de se beneficiar integralmente das oportunidades econômicas e participar das atividades geradoras de renda” (Blackden e Wodon 2006). 3. O Projeto Piloto 11 voltadas para o desenvolvimento, trabalha-se com a hipótese de que o acesso das mulheres à economia de mercado – especialmente ao mercado de trabalho – é o fator chave de sua autonomia econômica e da redução geral da pobreza. 3.3 O Fundamento Lógico do Projeto Piloto A estratégia de apoiar dois tipos de investimentos na comunidade (um deles orientado para a criação de um contexto propício para a autonomia econômica das mulheres, e outro destinado a abrir o acesso das mulheres à economia de mercado) e de centrá- -los em comunidades que haviam recentemente solicitado sistemas de abastecimento de água ao PCPR apoiava-se em razões teóricas, contextuais, práticas e metodológicas para promover a integração das questões de gênero e a autonomia econômica das mulheres. De uma perspectiva teórica, a literatura sobre desenvolvimento com foco em gênero tem apontado frequentemente que a redução da pobreza de tempo das mulheres é um passo necessário para reduzir a pobreza e viabilizar o acesso e a participação das mulheres na economia de mercado, bem como para promover sua autonomia econômica. Em última instância, a redução da pobreza de tempo das mulheres indica que foi criado um ambien- te socioeconômico no qual as mulheres têm mais oportunidades para entrar no mercado de trabalho e na economia de mercado. Na ausência desse contexto propício, e sendo o tempo um bem inelástico, qualquer coisa que se possa propor, positiva e efetivamente, para abrir oportunidades de mercado para as mulheres tende a se tornar inútil e perder-se. Portanto, a construção de um contexto propício , ou seja, de um cenário socioeconômico no qual a pobreza de tempo das mulheres pobres das áreas rurais seja drasticamente reduzida, é um pré-requisito para os investimentos que se destinam a fornecer às mulhe- res um acesso real à economia de mercado. A literatura também tem destacado que a redução da pobreza de tempo das mulheres nas áreas rurais é necessária para reduzir a carga de trabalho doméstico, tradicionalmente atribuído a elas, mudar os padrões tra- dicionais de divisão social do trabalho e as tendenciosidades relativas ao gênero no uso e na alocação do tempo, e para remover normas culturais que restringem a participação das mulheres em contextos públicos. Tais “freios”, que constringem as escolhas indivi- duais das mulheres, precisam ser removidos, e, inversamente, sua capacidade de definir objetivos e agir em função deles (i.e., o nível de ação concreta que demarca o campo da autonomia econômica das mulheres) precisa ser aumentada. Finalmente, tem sido bem documentado que a busca de água para o uso doméstico é a tarefa diária que consome a maior parcela do tempo das mulheres em comunidades rurais pobres do Nordeste do Brasil. A tarefa é tradicionalmente atribuída às mulheres de acordo com regras prevale- centes, orientadas por gênero, relativas à divisão social do trabalho. Assim, a obrigação de buscar água responde pela maior parcela da carga de trabalho doméstico das mulhe- res e é a principal fonte de sua pobreza de tempo. Em consequência, os investimentos que reduzem o tempo gasto com buscar água podem conter um enorme potencial para reduzir a pobreza de tempo dessas mulheres e ter um forte impacto sobre a criação do contexto propício de que elas necessitam para entrar na economia orientada para o mer- cado e contribuir para resgatar suas famílias da pobreza. 12 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Considerou-se o desempenho do PCPR de um ponto de vista contextual específico. His- toricamente, o PCPR tem carecido de atividades especialmente programadas para pro- mover a integração das questões de gênero e tornar a economia de mercado acessível às mulheres. No entanto, ao longo de seus 15 anos de vida, o PCPR tem apoiado uma abordagem orientada pela comunidade, participativa e inclusiva de gênero. Essa abor- dagem conduziu a enormes investimentos em infraestrutura (principalmente eletrificação rural e sistemas de abastecimento de água) e à crescente participação das mulheres em organizações de base comunitária. Assim, o PCPR tem se centrado em investimentos que ajudem a criar um contexto que favoreça a entrada das mulheres na economia de merca- do. Estudos anteriores haviam coletado forte evidência de que as organizações de base comunitária tendem a ser inclusivas de gênero, de que a participação das mulheres em questões públicas tem aumentado e de que esse crescimento está significativamente re- lacionado a uma abordagem de desenvolvimento orientada pela demanda da comunida- de. Esses estudos também obtiveram algumas evidências dispersas de que os sistemas de abastecimento de água construídos pelo PCPR economizaram enormes parcelas do tempo das mulheres. Entretanto, não dispunha-se de (i) qualquer informação sobre como a participação das mulheres na tomada de decisões comunitárias e públicas afetou os desequilíbrios de poder no âmbito domiciliar ou (ii) qualquer evidência de que a simples liberação de mais tempo para as mulheres seja (ou não) suficiente para incentivá-las a realizar atividades mais lucrativas para aumentar sua autonomia. 3. O Projeto Piloto 13 4. o estudo de caso 4.1 O Fundamento Lógico e as Limitações do Estudo de Caso O projeto piloto e o estudo de caso realizado simultaneamente tentam superar os hiatos cognitivos e concretos existentes. Ao combinar investimentos comunitários na infraes- trutura de abastecimento de água e investimentos comunitários na produção orientada para o mercado, o projeto piloto cria um cenário experimental que é útil para determinar as estratégias mais adequadas para integrar as questões de gênero e facilitar a au- tonomia econômica das mulheres. Além disso, algumas decisões cruciais – centrar o projeto em comunidades que inicialmente careciam de sistemas de abastecimento de água, incluir um conjunto de comunidades de controle nas quais não se fez nenhuma intervenção e adotar o método da dupla diferença – permitiram que o estudo de caso conseguisse estimar, em termos preliminares, o grau em que os investimentos que ape- nas ajudam as mulheres a economizar tempo na economia doméstica e criam o contex- to favorável necessário para sua autonomia econômica efetivamente contribuem para que isso seja alcançado. Adicionalmente, o estudo de caso indicará se esses efeitos também reduzem a pobreza rural. (Para detalhes, veja a seção 5 sobre procedimentos metodológicos do estudo de caso.) 15 Em termos práticos, o trabalho foi realizado com fundos limitados, insuficientes para im- plementar um sistema de supervisão, monitoramento e pesquisa capaz de lidar com um projeto piloto de escopo mais amplo. Considerando que a documentação e a análise eram elementos centrais da experiência e um propósito essencial de qualquer iniciativa destina- da à integração das questões de gênero em projetos de desenvolvimento, foi necessário restringir o exercício a um pequeno conjunto de comunidades. Em consequência disso, a metodologia de análise ficou limitada a um estudo de caso preliminar por meio do qual se pudesse testar um conjunto de ferramentas e procedimentos que, no futuro, orientariam uma análise de avaliação de impacto mais profunda e mais ampla. Ainda assim, foram tomadas algumas providências para garantir um nível satisfatório mínimo de rigor no estudo de caso, como o planejamento da amostra (que inclui um grupo de contro- le) e a metodologia de análise de dados (que aplica o método da dupla diferença). A seleção do grupo de controle dentre as comunidades que haviam pleiteado recursos do PCPR reduz as diferenças nas características observáveis e não observáveis dos grupos de tratamento e dos grupos de controle, bem como os riscos de resultados distorcidos pela seleção. Inicial- mente, pode-se levantar a hipótese de que o fato de todas essas comunidades terem tomado a iniciativa de submeter demandas ao PCPR indica que sejam semelhantes em termos de nível de mobilização e de organização comunitária. Segundo, como nenhuma delas dispõe de fontes perenes confiáveis de água potável, pode-se supor que todas tenham em comum níveis igualmente altos de pobreza e necessidades materiais. Dado que tendem a prevalecer nessas comunidades os padrões tradicionais de divisão sexual do trabalho, as mulheres pos- sivelmente sofrem níveis extremos de pobreza de tempo. Assim, ao selecionar comunidades que solicitaram a infraestrutura para suprimento de água, pode-se levantar a hipótese de que isso permite, inicialmente, medir mudanças no padrão de alocação do tempo (do padrão tradicional para um novo) de homens e mulheres tanto na economia doméstica quanto na economia de mercado e, desse modo, estimar os resultados do processo de criação de um contexto favorável para promover a autonomia econômica das mulheres. 4.2 Os Objetivos do Estudo de Caso O estudo de caso foi planejado para documentar e analisar esta experiência com o ob- jetivo de medir os resultados em três principais aspectos da redução da pobreza e da integração das questões de gênero: a. A redução da pobreza de tempo das mulheres, como consequência de investimentos em infraestrutura básica, e a redução da carga de trabalho doméstico que lhes cabe em decorrência dos padrões tradicionais de divisão do trabalho orientados pelo gênero. b. O aumento na renda monetária das mulheres, como consequência de seu maior acesso à economia de mercado, e as mudanças intradomiciliares na alocação do tempo, na distribuição do poder, na influência sobre a tomada de decisões e nos padrões de consumo deflagradas por sua maior contribuição à renda familiar e por seu novo papel como co-provedoras de renda monetária na família. c. As mudanças em seus níveis de participação na arena pública e em organizações de base comunitária. 16 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório 5. eStudo de caso: metodologia e planejamento da amostra Conforme mencionado, este estudo avalia comunidades beneficiárias do PCPR no Rio Grande do Norte e analisa os efeitos do programa sobre o uso do tempo e a geração de renda para mulheres acima de 16 anos de idade, bem como aspectos culturais re- lacionados a gênero. O número de comunidades estudadas foi pequeno (20 ao todo), devido ao ritmo de implementação do programa, que começou lentamente e beneficiou relativamente poucas comunidades no início do estudo, e em função das limitações do orçamento para coleta de dados no campo. Portanto, os dados sobre domicílios e co- munidades não foram usados para uma análise quantitativa do impacto do programa. O estudo concentrou-se na análise dos dados individuais obtidos de 161 homens e mulheres com mais de 16 anos, em 58 domicílios, entrevistados em 2009 e 2010, ime- diatamente antes e depois da implementação dos subprojetos do PCPR. As entrevistas foram feitas em 12 comunidades beneficiárias do PCPR (tratamento) e em oito comuni- dades não beneficiárias (controle), sendo que as comunidades tratamento foram divi- didas entre as que receberam apenas subprojetos de abastecimento de água, as que receberam apenas subprojetos produtivos e aquelas que receberam os dois tipos de subprojetos (Tabela 1) 19 Tabela 1: Planejamento da Amostra Indivíduos Comunidades Domicílios entrevistados Grupo da amostra Total % Total % Total % Tratamento 12 60% 35 60% 101 63% Abast. de água 3 15% 8 14% 24 15% Produção 6 30% 18 31% 46 29% Água e produção 3 15% 9 16% 31 19% Controle 8 40% 23 40% 60 37% Foram coletados dados individuais sobre emprego e renda, uso do tempo, educação, percepções culturais de gênero, e capital social, além de dados domiciliares sobre mo- radia, saúde e renda familiar. Os dados sobre os domicílios são usados para descrever e comparar as características básicas das famílias estudadas, enquanto os dados in- dividuais são analisados para estimar possíveis efeitos do projeto. Embora a amostra de indivíduos tenha sido pequena, é possível avaliar se há ou não indicações de que o projeto tenha tido impacto sobre os indicadores estudados. A metodologia utilizou simultaneamente o método pipeline e o método da dupla diferen- ça para selecionar o grupo de controle e reduzir possíveis distorções características de projetos do tipo PCPR (ver Binswanger et al. 2009). De acordo com o método pipeline, as comunidades foram escolhidas aleatoriamente dentre o total de comunidades que apresentaram projetos para inclusão no PCPR, receberam aprovação, mas não foram incluídas devido às limitações orçamentárias. Essas comunidades devem assemelhar-se às comunidades beneficiárias, já que satisfizeram a todas as exigências para aprovação do projeto e só não ficaram entre as beneficiárias devido a outras razões que não suas características. O método da dupla diferença compara o valor dos indicadores do estu- do para o grupo de tratamento e o grupo de controle antes e depois da participação no programa. Neste estudo, comparou-se o valor dos indicadores em 2009, quando foram feitas as entrevistas de campo iniciais, e em 2010, quando foram realizadas as entrevistas finais. A hipótese dessa abordagem é que as diferenças não observáveis entre o grupo de tratamento e o grupo de controle são acrescentadas e fixas no tempo, de modo que poderiam ser eliminadas ao se comparar as mesmas comunidades em dois tempos dife- rentes. Essa hipótese de identificação pode falhar se a evolução dos indicadores depen- der das condições iniciais das comunidades, já que tais condições podem diferir entre as comunidades de tratamento e de controle (Ravallion 2005). Por essa razão, é importante complementar o método da dupla diferença com o método pipeline. Todas as comunidades na amostra estão nas regiões ocidental e centro-ocidental do Estado do Rio Grande do Norte. Os dados sobre indivíduos, domicílios e comuni- dades foram coletados por meio de questionários especificamente concebidos para cada um desses níveis. 20 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório FRONTEIRAS ESTADUAIS FRONTEIRAS DA BRASIL VENEZUELA REGIÃO NORDESTE GUIANA SURINAME FRONTEIRAS INTERNACIONAIS PROJETO DE REDUÇÃO DA POBREZA RURAL Guiana Francesa (Fr) RIO GRANDE DO NORTE O CEA NO AT L Â NT I CO COLÔMBIA Área do Mapa B R A S I L PERU BRASÍLIA BOLÍVIA PA CHILE RAG UA I ARGENTINA URUGUAI MUNICÍPIOS INCLUÍDOS NO PROJETO PRINCIPAIS ZONAS CLIMÁTICAS ESCRITÓRIOS REGIONAIS ÚMIDA ESCRITÓRIO CENTRAL (NATAL) SECA SUB-ÚMIDA QUILÔMETROS ESTRADAS PRINCIPAIS SEMI-ÁRIDA Este mapa foi produzido pela Unidade de Desenho de Mapas do CIDADES E POVOAÇÕES SELECIONADAS ÁRIDA Banco Mundial. As fronteiras, cores, denominações e outras CAPITAL DO ESTADO PRECIPITAÇÃO PLUVIOMÉTRICA ANUAL (mm) informações mostradas neste mapa não implicam, por parte do Grupo Banco Mundial, qualquer julgamento sobre o status legal de qualquer FRONTEIRAS ESTADUAIS território, ou qualquer endosso ou aceitação de tais fronteiras. 6. Descrição das características do domicílio Esta seção descreve as características dos domicílios da amostra, incluindo dados de- mográficos, educação, saúde, consumo, bens, e renda proveniente da produção agro- pecuária. Os dados estão apresentados separadamente para cada grupo da amostra. A amostra tratamento consistiu no seguinte: • Três comunidades beneficiárias de subprojetos de abastecimento de água (comu- nidades água) • Seis comunidades beneficiárias de subprojetos de produção (comunidades produção) • Três comunidades beneficiárias de subprojetos de água e produção (comunidades água produção). Adicionalmente, outras oito comunidades aprovadas que não receberam nenhum projeto PCPR constituíram o grupo de controle. A Tabela 2 apresenta os dados demográficos, de educação e o perfil de emprego de cada tipo de comunidade de tratamento e das comu- nidades de controle. O tamanho das famílias e a média de idade são semelhantes nas comunidades beneficiá- rias e nas comunidades de controle, bem como a proporção de indivíduos que recebem transferências governamentais. Existe uma ligeira diferença entre os grupos de tratamento e de controle com relação à proporção de homens e mulheres que vivem no domicílio, nível educacional e emprego remunerado. 23 Tabela 2: Principais Características Demográficas, Emprego e Educação (média por domicílio) Número % de % de residentes Taxa médio de residentes recebendo idade de Grupo da amostra Residentes homens mulheres anos de com algum algum média alfabetização escola emprego pagamento do complet. remunerado governo Tratamento 4.46 2.40 2.14 34.38 68% 5.15 20% 16% Abast. de água 4.75 3.00 1.75 32.27 64% 5.35 18% 18% Produção 4.39 2.17 2.22 34.81 67% 5.07 20% 17% Água e produção 4.78 2.33 2.44 35.41 73% 5.14 19% 12% Controle 4.78 1.91 2.87 32.90 59% 4.18 15% 15% A Tabela 3 mostra o patrimônio e a renda familiar para todos os grupos da amostra. O patrimônio inclui bens duráveis de produção – tratores, pulverizadores, arados etc. – e bens duráveis domésticos, como refrigerador, fogão, carros e motocicletas. No indicador de patrimônio também são contabilizados o valor das dívidas e as reservas monetárias; não foi incluída nenhuma estimativa de valor da casa ou das terras do entrevistado dada a dificuldade de se obter valores confiáveis para esses bens. Tabela 3: Bens e Renda Familiar Anual* (em R$) Valor de bens Valor de bens Renda familiar Renda familiar Grupo da amostra totais 2009 totais 2010 total anual 2009 total anual 2010 Água 2,632 3,412 7,078 5,400 Água+produção 8,086 19,786 7,736 19,340 Produção 7,987 9,924 9,122 17,156 Tratamento (todos) 6,788 10,971 8,299 15,031 Controle 1,083 1,782 7,725 10,181 * Renda anual inclui trabalho remunerado, renda proveniente da agricultura, apicultura, criação de aves, coleta (não inclui cria- ções), bem como transferências governamentais, aposentadorias, garantias de colheita e seguro desemprego (dados de renda de aluguel não foram incluídos por apresentarem problemas). 24 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Na comparação, estão apresentadas separadamente as características de cada grupo de tratamento. A renda média das comunidades beneficiárias (tratamento) no período anterior ao subprojeto é semelhante (embora ligeiramente mais alta) à das comunida- des não beneficiárias (controle), indicando que, nesse aspecto, a seleção do controle parece ter sido adequada.7 No entanto, o valor do patrimônio domiciliar é significativa- mente mais alto do que no controle em dois grupos de tratamento: as comunidades que receberam apenas subprojetos produtivos e aquelas que receberam subprojetos produtivos e de água. As comunidades beneficiárias que receberam somente subproje- tos de abastecimento de água têm um patrimônio maior, mas bem mais próximo ao do grupo de não beneficiárias. Na comparação com os indicadores de 2010, após a implementação do subprojeto, o aumento na renda média das comunidades beneficiárias quase dobrou, alcançando uma média de R$ 15.000,00 por ano, enquanto a renda das comunidades não benefi- ciárias teve um aumento de aproximadamente 40%. No próximo capítulo, que analisa mudanças na renda individual de adultos, será possível determinar se o aumento total na renda familiar pode ser explicado em parte pelo efeito do PCPR sobre a renda re- cebida. Mas na Tabela 4 vê-se que grande parte do efeito sobre a renda é devida ao aumento da renda agrícola familiar. Outro ponto a se observar é que o aumento da renda entre 2009 e 2010 apresentou grande variação entre os grupos de tratamento, mas essa conclusão deve ser vista com cautela, pois o número de observações em cada grupo é pequeno. Embora as comu- nidades com ambos os tipos de subprojetos (água e produtivos) tivessem uma renda familiar média semelhante à de outros grupos de tratamento em 2009 (entre R$ 7.000,00 e R$ 9.000,00), elas tiveram um aumento muito maior que as outras comunidades: cerca de 150%, chegando a uma renda familiar anual de mais de R$ 19.000,00 em 2010. As comunidades com subprojetos produtivos tiveram um crescimento de 88% na renda mé- dia, que foi de R$ 17.000,00 em 2010, enquanto as comunidades que receberam apenas subprojetos de abastecimento de água na realidade tiveram uma queda na renda. Isso parece ser o resultado de problemas com dados específicos desse grupo, que teve um grande declínio no número de aposentados e na produção agrícola pessoal. Como esse grupo da amostra incluía apenas três comunidades e, portanto, poucas observações, é provável que tal resultado seja específico para alguns domicílios e não reflita o efeito real sobre comunidades que foram beneficiadas por subprojetos de abastecimento de água. Com respeito ao patrimônio, as comunidades que receberam os dois tipos de subproje- tos experimentaram um aumento significativo no período entre 2009, antes do subprojeto, e 2010, após a implementação do subprojeto, mais que dobrando seu patrimônio inicial. Esse aumento é consistente com o aumento da renda nesse grupo de comunidades, conforme observado acima. 7 O perfil inicial da amostra de tratamento diferia daquele do grupo de comunidades que acabaram sendo beneficiárias e que são analisadas como comunidades de tratamento neste relatório. Portanto, as características médias do perfil inicial do grupo chamado “tratamento” diferem daquelas mostradas aqui para o grupo de tratamento, já que envolviam domicílios diferentes. Algumas comunidades que se esperava estariam no grupo de tratamento não se tornaram beneficiárias de fato e foram postas no grupo de controle. 6. Descrição das Características do Domicílio 25 A análise da renda proveniente da produção agrícola mostrou o efeito positivo da imple- mentação de subprojetos produtivos. Conforme se vê na Tabela 4, enquanto o aumento na renda da produção agrícola nas comunidades de controle foi, em média, de 130%, o aumento para as comunidades beneficiárias do PCPR, como um todo, foi de 360%. Esse efeito se deve exclusivamente ao aumento da produção nas comunidades que tinham subprojetos produtivos. Como muitos desses subprojetos estão relacionados, de algum modo, com a produção agrícola, era de esperar um efeito positivo, mas sua magnitude em apenas um ano é surpreendente: proporcionalmente, foi quase três vezes maior do que nas comunidades não beneficiárias. Como destacado acima, o aumento da renda agrícola familiar é uma das principais razões, se não a principal, para o aumento da renda familiar total observada no período. Tabela 4: Renda da Produção Agrícola na Propriedade (em R$) renda agrícola renda agrícola Grupo da amostra anual bruta 2009 anual bruta 2010 Água 821 0 Água+produção 1.656 8.309 Produção 1.434 7.925 Tratamento (todos) 1.350 6.213 Controle 980 2.325 Conforme mostrado na tabela 5, os dados sobre a incidência de doenças não indicam nenhuma diferença significativa entre comunidades de controle e comunidades bene- ficiárias com respeito à frequência média de diarreia, parasitas, dengue e envenena- mento por alimentos, seja antes ou depois da implementação dos subprojetos PCPR. Portanto, não parece haver diferenças significativas entre os grupos de tratamento e de controle em termos de fatores relacionados à saúde antes da implementação dos subprojetos, e nenhum impacto significativo do PCPR sobre essas doenças comuns no primeiro ano da implementação. Tabela 5: Indicadores de Saúde – Incidência de Doenças Comuns (ocorrência média de doença na amostra nos 12 meses anteriores) Envenen. Envenen. Diarreia Diarreia parasitas parasitas Dengue Dengue Grupo da amostra alimentar alimentar 2009 2010 2009 2010 2009 2010 2009 2010 Água 0.13 0.14 0 0 0.13 0.14 0 0 Água+produtivo 0 0 0 0.13 0 0 0 0 Produtivo 0.06 0 0 0 0.06 0.06 0.06 0 Controle 0.26 0.05 0 0.10 0 0 0.09 0 26 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações Dado o pequeno número de observações individuais (161), a análise dos efeitos do programa baseia-se apenas em estimativas para a amostra completa, incluindo os três tipos de amos- tras de tratamento (três que receberam apenas subprojetos de abastecimento de água, seis que receberam somente subprojetos produtivos, e três que receberam os dois tipos). Os resultados da análise da dupla diferença, que comparou mudanças nos indicadores nas comunidades beneficiárias com aquelas nas comunidades não beneficiárias para o período entre 2009 e 2010, revelam alguns efeitos significativos do programa que impac- tam homens e mulheres de formas diferentes. 7.1 Alocação e Uso do Tempo de Acordo com Várias Atividades Uma hipótese central a ser testada pelo estudo é que o investimento em abastecimento de água para a comunidade (com conexões domiciliares) aumenta o tempo livre das pessoas envolvidas em buscar água – especialmente mulheres e crianças –, permi- tindo-lhes realizar atividades produtivas, fora da propriedade ou em casa, que têm a probabilidade de aumentar o bem-estar e a renda da família. 29 Esta seção está organizada como se segue: Primeiro, o uso da força de trabalho da fa- mília, medida como Parcela da Carga de Trabalho Diária por Atividades Principais e, alter- nativamente, como Proporção de Residentes no Domicílio Engajados em Cada Atividade (buscar água, produção, atividades domésticas, agricultura, criação de animais, partici- pação no mercado de trabalho como assalariados, e escola) é analisada no ponto inicial (T1)8 do uso da força de trabalho da família.9 Em seguida, os dados obtidos na segunda rodada (T2) da pesquisa de campo são comparados com valores registrados na primeira rodada, bem como entre beneficiários do tratamento e grupos de controle. Finalmen- te, essas observações são submetidas à análise usando o método da dupla diferença. Assume-se um limite aceitável mais baixo de significância estatística de 5% (valor de T > 1.23).10 Os principais resultados são apresentados nas Tabelas 6, 7 e 8. Tabela 6: Parcela da Carga de Trabalho Diária por Atividades Principais Alocação T1 T2 Δ (T2 – T1) do tempo por Controle Tratamento teste - t Controle Tratamento teste - t Controle Tratamento teste - t atividades Busca de 4.65% 8.31% -1.3499 0.61% 0.25% 0.8675 -3.47% -8.61% 1.6719 água Lavoura 5.50% 0.6% 2.4045 8.33% 13.04% -1.1108 1.87% 12.72% -2.3277 Criação de 7.55% 12.42% -1.2976 8.50% 10.11% -0.5664 -0.20% -3.43% 0.6709 animais Trabalho 3.91% 2.95% 0.3710 4.77% 5.15% -0.1243 0.53% 1.67% -0.2541 assalariado Estudos 1.31% 1.57% -0.1705 2.89% 4.81% -0.8037 1.35% 3.27% -0.6172 Atividades 26.56% 32.26% -1.0755 24.45% 22.85% 0.3390 -0.73% -10.78% 1.6320 domésticas Atividades 21.08% 18.23% 0.57477 27.47% 29.78% -0.4153 2.25% 10.99% -1.1776 produtivas 8 Antes de participar como beneficiário do PCPR. 9 Alternativamente medido como parcela da carga de trabalho diária por atividades principais e como proporção de residentes no domicílio engajados em atividades como a busca de água. 10 Para apresentação da metodologia, ver seção 3. 30 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Tabela 7: Proporção de Residentes no Domicílio Engajados por Atividades Alocação T1 T2 Δ (T2 – T1) do tempo por Controle Tratamento teste - t Controle Tratamento teste - t Controle Tratamento teste - t atividades Busca de 18.33% 27.73% -1.2239 3.92% 5.95% -0.5126 -13.73% -25.00% 1.1331 água Lavoura 10.00% 8.91% 0.2133 15.68% 25.00% -1.2757 3.92% 15.48% -1.2356 Criação de 30.00% 37.62% -0.7724 41.18% 45.24% -0.4582 7.84% 9.52% -0.1261 animais Trabalho 10.00% 9.90% 0.0189 7.84% 9.52% -0.3303 -1.96% -2.38% 0.0526 assalariado Estudos 3.33% 8.91% -1.2388 9.80% 11.90% -0.3740 5.88% 5.95% -0.0098 Atividades 27.00% 21.58% 1.3665 16.47% 15.71% 0.2754 -11.76% -6.19% -1.2255 domésticas Atividades 15.00% 18.56% -0.9611 20.10% 21.13% -0.3231 15.69% 23.81% -0.6703 produtivas Tabela 8: Principais Indicadores do Impacto sobre Alocação do Tempo por Tipo de Intervenção SUBPROJ. SUBPROJ. AMBOS ControlE TratAmentO ÁGUA PRODUÇÃO SUBPROJ. Tempo buscando água 2010 10.4 3.3 1.6 5.7 1.4 (minutos) Percentagem da carga de trabalho 0.6% 0.3% 0.1% 0.5% 0.1% diária buscando água 2010 Parcela de pessoas buscando água 3.9% 6.0% 5.3% 5.7% 6.7% em 2010 Diferença de tempo buscando água 6.2 -3.0 -6.5 -1.7 -3.4 (minutos) Diferença na percentagem da carga -3.5% -8.6% -10.7% -11.0% -4.6% de trabalho buscando água Diferença na parcela de pessoas -13.7% -25.0% -36.8% -34.3% -6.7% buscando água Diferença na percentagem da carga 3.2% 9.1% 20.7% 11.7% -1.2% de trabalho em atividades produtivas Diferença na parcela de pessoas em 3.4% 2.4% 6.6% 2.1% 0 atividades produtivas Diferença na percentagem da carga 1.4% 3.3% 5.8% 5.3% 2.7% de trabalho estudando Diferença na parcela de pessoas 5.9% 6.0% 0 8.6% 6.7% estudando 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 31 Os dados apresentados na Tabela 6 indicam que em T1 (a linha de base) as famílias que compõem os grupos de tratamento têm uma parcela mais alta e estatisticamente signi- ficante da carga de trabalho diária alocada na busca de água e na criação de animais do que as famílias do grupo de controle, enquanto se observa o inverso no caso das atividades agrícolas. Para as outras atividades consideradas (trabalho assalariado, es- tudo, trabalho doméstico e trabalho produtivo), as amostras dos grupos de tratamento e de controle são comparáveis, já que as médias das parcelas de tempo alocadas nessas atividades são estatisticamente semelhantes. Tal similaridade é ainda mais preponderante quando o indicador “alocação do tempo por atividades” é medido como proporção dos habitantes do domicílio engajados nas várias atividades consideradas (ver Tabela 7). Após um ano de implementação do projeto, o resultado que se destaca, mostrado na Tabe- la 6, é a diferença simultânea e estatisticamente significante na redução da parcela da carga de trabalho diário dedicada a buscar água e o aumento na atividade agrícola. Em 2009, os buscadores de água gastavam 29% de sua carga de trabalho diária na obtenção de água para seus domicílios – 28% nas comunidades de controle e 32% nas comunidades de tra- tamento. Conforme mostrado na Tabela 8, em 2010 o tempo que gastavam buscando água foi reduzido nas comunidades de tratamento, mas cresceu nas comunidades de controle. Conforme esperado, a maior redução foi nas comunidades que receberam intervenções no setor de água. No entanto, em todas as comunidades de tratamento a proporção de pessoas envolvidas com a busca de água e a proporção da carga de trabalho diária que de- dicavam a essa atividade foram reduzidas. Embora neste estudo a amostra de tratamento tenha sido separada em três grupos para permitir comparações entre tipos de subprojetos, o tamanho das subamostras efetivamente pesquisadas é muito pequeno e não permite comparações significativas. Portanto, várias questões importantes são deixadas para es- tudos futuros, tais como: de que forma as comunidades que se beneficiaram apenas de subprojetos de produção diminuíram o tempo gasto na busca de água, e como a força de trabalho familiar foi realocada para responder simultaneamente ao contínuo esforço de bus- car água e à nova demanda de trabalho imposta pelos subprojetos de produção?11 Da mesma forma, observou-se uma redução da parcela alocada em atividades domésticas, e, embora não estatisticamente significante no nível de 5%, mas significante a 10%, também se registrou um aumento nas atividades produtivas. Esses resultados parecem confirmar cla- ramente a hipótese inicial: investimentos fornecidos pelo projeto sob a forma de subprojetos de abastecimento de água e subprojetos produtivos conduzem à liberação do tempo origi- nalmente alocado na busca de água e em atividades domésticas, e esse tempo pode, então, ser empregado em atividades produtivas. Os resultados também parecem sugerir que não houve nenhum impacto estatisticamente significante na parcela de tempo dedicada à criação 11 Os dados disponíveis sugerem que tipos diferentes de subprojetos tiveram impactos diferentes sobre o tempo gasto buscando água para a família, sobre a renda e sobre índices relacionados a gênero. O tempo alocado à busca de água também foi reduzido em comunidades que receberam apenas subprojetos produtivos, e os jovens solteiros foram os que mais se beneficiaram dessas reduções. Considerando a parcela da carga de trabalho dedicada à busca de água, as reduções corresponderam ao seguinte: 40% entre jovens solteiros; 9% entre jovens solteiras; 8% entre outras mulheres; e 9% entre outros homens. Considerando-se a parcela da carga de trabalho alocada para atividades produtivas, ela cresceu para jovens solteiros (39%), jovens solteiras (34%) e outras mulheres (12%), mas decresceu entre outros homens (- 3%). Esses fatos sugerem que uma parcela significativa dos buscadores de água – principalmente os jovens solteiros – redirecionou o tempo que gastava carregando água para atividades produtivas, e provavelmente o fez em detrimento das mulheres sobre as quais também recaía a carga de buscar água. 32 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório de animais, ao trabalho assalariado e aos estudos. Ainda assim, vale a pena notar que, no que se refere à alocação do tempo em trabalho assalariado, observou-se uma mudança positiva nas famílias do grupo de tratamento, em comparação com as famílias de controle. As implicações desses resultados para a renda e o bem-estar são mostradas na seção 7.3. A análise da dupla diferença considerou, até aqui, o número total de membros das famí- lias nos grupos de tratamento e controle, independentemente da composição de gênero. A questão a ser examinada agora é: o que esses resultados sugerem em termos de mu- danças na alocação do tempo de mulheres e homens? Para esse propósito, usa-se uma abordagem de relações temporais. 7.2 Relações Temporais As funções lineares Y = f(Xn) têm variáveis definidas como se segue: Y = variáveis dependentes, cujas definições alternativas são: diferença na proporção da car- ga de trabalho diária e na parcela da carga de trabalho gastas buscando água para a família; agricultura; criação de animais; trabalho assalariado; estudos; atividades domés- ticas e atividades produtivas. X = variáveis independentes, cujas definições são tratamento e controle e tratamento*mulher e tratamento*homem, a primeira para o primeiro modelo e a última para o segundo mo- delo (ver tabelas 9A a 9N).12 Tables 9A-N: Análise de Regressão de Mudanças na Alocação do Tempo por Atividade 9A: Diferenças na % da 9B: Diferenças na % da carga de trabalho diária carga de trabalho diária buscando água para a família em ativ. agríc. 1o 2o 1o 2o Modelo Modelo Modelo Modelo Tratamento -1.83 * 2.27 ** Tratamento*Mulher -1.86 * 2.15 ** Tratamento*Homem -0.98 1.79 * Constante -1.92 -1.91 0.48 0.48 Número de observ. 132 132 132 132 F (k, n-1) 3.33 1.86 5.16 2.66 Prob > F 0.0702 0.1596 0.0247 0.0735 R-quadrado 0.0210 0.0358 0.0400 0.0428 12 Em todas essas tabelas, * significa estatisticamente significante no nível de 10%, e ** no nível de 5%. 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 33 9C: Diferenças na percentagem 9D: Diferenças na percentagem da carga de trabalho diária da carga de trabalho diária em criando animais trabalho assalariado 1o 2o 1o 2o Modelo Modelo Modelo Modelo Tratamento -0.68 0.25 Tratamento*Mulher -0.11 1.04 Tratamento*Homem -0.95 -0.43 Constante -0.06 -0.05 0.15 0.15 Número de observ. 132 132 132 132 F (k, n-1) 3.33 1.86 0.07 1.04 Prob > F 0.0702 0.1596 0.7991 0.3579 R-quadrado 0.0210 0.0358 0.0005 0.0153 9E: Diferenças na percentagem 9F: Diferenças na percentagem da carga de trabalho diária da carga de trabalho diária em estudando atividades domésticas 1o 2o 1o 2o Modelo Modelo Modelo Modelo Tratamento 0.64 -1.65 Tratamento*Mulher -0.11 -1.90 * Tratamento*Homem 0.90 -0.91 Constante 0.61 0.61 -0.16 -0.16 Número de observ. 132 132 132 132 F (k, n-1) 0.41 0.57 2.73 1.82 Prob > F 0.5245 0.5690 0.1010 0.1658 R-quadrado 0.0029 0.0107 0.0201 0.0310 9G: Diferenças na percentagem 9H: Diferenças na parcela da carga de trabalho diária de pessoas buscando água em atividades produtivas para a família 1o 2o 1o 2o Modelo Modelo Modelo Modelo Tratamento 1.15 -1.19 Tratamento*Mulher 1.63 -1.86 * Tratamento*Homem 0.53 -0.27 Constante 0.37 0.37 -2.00 -199 Número de observ. 132 132 135 135 F (k, n-1) 1.33 1.39 1.42 1.83 Prob > F 0.2506 0.2526 0.2362 0.1651 R-quadrado 0.0106 0.0151 0.0096 0.0280 34 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório 9I: Diferenças na parcela de 9J: Diferenças na parcela de pessoas em ativ. agríc. pessoas criando animais 1o 2o 1o 2o Modelo Modelo Modelo Modelo Tratamento 1.27 0.13 Tratamento*Mulher 2.11 ** 0.88 Tratamento*Homem 0.39 -0.52 Constante 0.57 0.57 0.75 0.75 Número de observ. 135 135 135 135 F (k, n-1) 1.62 2.36 0.02 0.90 Prob > F 0.2055 0.0982 0.8994 0.4074 R-quadrado 0.0113 0.0267 0.0001 0.0137 9K: Diferenças na parcela de 9L: Diferenças na parcela de pessoas em trabalho assalariado pessoas estudando 1o 2o 1o 2o Modelo Modelo Modelo Modelo Tratamento -0.05 0.01 Tratamento*Mulher 1.01 -0.38 Tratamento*Homem -0.99 0.29 Constante -0.33 -0.33 1.14 1.14 Número de observ. 135 135 135 135 F (k, n-1) 0.00 1.68 0.00 0.19 Prob > F 0.9571 0.1911 0.9919 0.8272 R-quadrado 0.0000 0.0269 0.0000 0.0030 9M: Diferenças na parcela de 9N: Diferenças na parcela de pessoas em atividades domésticas pessoas em atividades produtivas 1o 2o 1o 2o Modelo Modelo Modelo Modelo Tratamento 1.15 0.65 Tratamento*Mulher 1.80 * 1.05 Tratamento*Homem 2.20 ** 0.17 Constante -2.81 -2.83 1.54 1.53 Número de observ. 135 135 135 135 F (k, n-1) 1.31 2.55 0.43 0.65 Prob > F 0.2536 0.0818 0.5153 0.5221 R-quadrado 0.0112 0.0438 0.0034 0.0081 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 35 Os principais resultados podem ser resumidos como se segue. De acordo com a alterna- tiva de medir Y como uma proporção da carga de trabalho diária: • Ficou confirmado que o tratamento conduz a uma redução significante (nível de 10%) da proporção da carga de trabalho diária alocada na busca de água, sendo essa re- dução maior entre as mulheres (significante no nível de 10%) do que entre os homens (ver tabela 9A) • Houve uma maior alocação percentual de trabalho diário em atividades agrícolas no grupo de tratamento como um todo (no nível de 5%) e, em particular, entre as mulheres (no nível de 5%), mas também entre os homens (no nível de 10%) (ver Tabela 9B) • Houve uma menor alocação percentual de trabalho diário em atividades domésticas entre as mulheres (no nível de 10%) (ver Tabela 9F) • Nenhuma diferença significativa foi confirmada na criação de animais, trabalho assala- riado, estudos e atividades produtivas. De acordo com a alternativa de medir Y como parcela de pessoas engajadas em deter- minada atividade: • A redução da parcela de mulheres que buscam água (no nível de 10%) e o aumento da parcela devotada a atividades agrícolas (no nível de 5%) foram novamente confir- mados (ver Tabelas 9H e 9I) • Surpreendentemente, como mostrado na Tabela 9M, houve um aumento nas parcelas de homens (no nível de 5%) e de mulheres (no nível de 10%) dedicadas a atividades domésticas. Esse resultado ressalta a necessidade de se investigar como funciona a combinação de aumento do tempo dedicado à agricultura e a atividades domésticas para mulheres e homens. Essa questão é apresentada e discutida na seção 7.3. 7.3 Análise da Renda Conforme observado acima na seção 7.1, que trata dos efeitos sobre o uso do tempo, o PCPR reduziu significativamente o tempo que mulheres e homens devotam à busca de água e o tempo gasto pelas mulheres em atividades domésticas. Homens e mulheres gastaram mais tempo em atividades agrícolas em suas propriedades, e homens e mulhe- res nas comunidades beneficiárias do PCPR gastaram muito mais tempo em atividades de produção agrícola do que homens e mulheres em comunidades não beneficiárias. Isso aparentemente resultou numa renda agrícola familiar mais alta, como visto na seção 2 quando foram descritas as características de renda e bens das amostras. No entanto, não ficou estatisticamente demonstrado que houve um aumentou no tempo gasto com trabalho remunerado, seja por mulheres ou homens. Ainda assim, no caso das mulheres beneficiárias do projeto, houve ganhos significativos de renda com traba- lho remunerado e realizado fora da propriedade. Os resultados mostram que a renda individual anual cresceu R$ 989,00, em média, para homens e mulheres nas comuni- dades beneficiárias, em comparação com o aumento registrado nas comunidades não beneficiárias, mas esse efeito não é estatisticamente significante (tabela 10). No entanto, 36 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório quando se analisa o efeito sobre homens e mulheres separadamente, nota-se um efei- to positivo estatisticamente significante para mulheres, com um aumento médio de R$ 2.230,00, enquanto o aumento médio para homens foi estatisticamente não diferente de zero (Tabela 10). Considerando que o aumento médio na renda familiar total do grupo de tratamento foi de cerca de R$ 7.000,00, o crescimento médio de R$ 2.000,00 na renda das mulheres proveniente de trabalho remunerado mostra que sua contribuição individual para o aumento da renda familiar, sem contar seu trabalho na propriedade, foi de 30%. Os restantes 70%, cerca de R$ 5.000,00, parecem vir principalmente da renda agrícola de sua produção própria, como descrito na Tabela 4. Tabela 10: Efeito da Renda Anual Total de Adultos acima de 16 Anos de Idade (em R$) Δ Renda anual total de Modelo Modelo trabalho assalariado 1 2 Tratamento 988.78 Tratamento *Mulheres 2,231 ** Tratamento *Homens -181.72 Controle -124.78 -124.78 Número de observ. 161 161 F (k, n-1) 2.33 2.47 Prob > F 0.1286 0,0876 R-quadrado 0.1286 0,0517 ** Estatisticamente significante a 5%. A análise do efeito sobre a renda individual, por fonte, indica que a diferença entre homens e mulheres, no que se refere ao aumento da renda total, é devida, principalmente, ao au- mento significativo do trabalho agrícola remunerado fora da propriedade. Como mostrado na Tabela 11, que analisa o efeito sobre a renda de trabalho assalariado no setor agrícola, mais uma vez o efeito sobre as mulheres é significativamente positivo, enquanto não se registra nenhum impacto significativo para os homens. Nenhum efeito sobre outras fontes de renda foi significante para mulheres ou homens.13 Ainda assim, dado que o efeito total sobre a renda proveniente do trabalho assalariado é muito mais alto, em termos absolu- tos, do que o observado na renda do trabalho agrícola, conclui-se que o trabalho no setor não agrícola, bem como outras fontes de renda, devem estar contribuindo para o aumen- to da renda, mesmo que isso não seja medido estatisticamente 13 Os resultados não são mostrados aqui porque nenhum era significante, mas podem ser obtidos mediante solicitação aos autores. 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 37 Tabela 11: Efeito da Renda Anual no Setor Agrícola para Adultos Δ Renda anual no setor Modelo Modelo agrícola 1 2 Tratamento 258 Tratamento *Mulheres 447 * Tratamento *Homens 79 Controle -83 -83 Número de observ. 161 161 F (k, n-1) 2.66 1.88 Prob > F 0.1050 0.0339 R-quadrado 0.0143 0.1557 * Estatisticamente significante a 10%. 1. Cálculo aproximado de heterocedasticidade. Esses resultados parecem mostrar que, em termos de renda no curto prazo, as mulheres se beneficiaram com a implementação do subprojeto. Para as mulheres, que em 2009 tinham uma renda total anual proveniente de trabalho assalariado de R$ 1.692,00, o efeito estimado representa um aumento no valor absoluto de aproximadamente 124%; enquanto as mulheres do grupo de controle, cuja renda total anual em 2009 foi de R$ 2.194,00, tive- ram uma perda de 7%. 7.4 Gênero e Geração Quando os dados foram desagregados por idade e gênero, o estudo também produziu uma série relevante de hipóteses – que merecem estudos específicos adicionais – com um número relativamente pequeno de observações. Foram identificados quatro grupos: (i) jovens solteiros (abaixo de 25 anos), (ii) homens adultos/casados, (iii) jovens solteiras (abaixo de 25 anos) e (iv) mulheres adultas/casadas. Os impactos diferiram de acordo com o gênero e a geração. Os buscadores de água representavam apenas 23,5% das pessoas entrevistadas em 2009, e cerca de 72% delas viviam em comunidades de tratamento. As mulheres repre- sentavam 52% da amostra, mas apenas 41% dos buscadores de água eram mulheres. Inversamente, os rapazes solteiros representavam apenas 14% da amostra, mas consti- tuíam 21% dos buscadores de água. As jovens solteiras estavam menos envolvidas que outras pessoas na busca de água para suas famílias. Nas comunidades de controle, nenhuma das jovens solteiras buscava água. Nas comunidades de tratamento, 13% delas realizavam essa tarefa, o que representava somente 2% de sua carga de trabalho diária. Os jovens solteiros, ao contrário, estavam super-representados entre os buscadores de água (38% e 40% nas comunidades de controle e de tratamento, respectivamente) e gas- tavam grandes parcelas de suas cargas de trabalho nessa atividade (13% e 14%, respec- 38 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório tivamente). Buscar água era sua principal, ou exclusiva, obrigação doméstica. As longas distâncias entre a casa e a fonte de água, questões de segurança e de força física foram apontadas como as principais razões para se preferir que jovens solteiros desempenhas- sem o papel de buscadores de água. Gráfico 1: Proporção de Moças e Rapazes Solteiros, Mulheres e Homens mais Velhos 40% 39% 38% 36% 36% 35% 30% 25% 21% 20% 15% 14% 12% 10% 5% 5% 0% Na amostra Buscadores de água Jovens solteiras Jovens solteiros Outras mulheres Outros homens As intervenções do projeto relativas à água reduziram a parcela de pessoas envolvidas em sua busca e também a proporção da carga de trabalho diária que gastavam com essa atividade. Essa redução foi mais intensa entre jovens solteiros, que se tornaram os principais beneficiários diretos daquelas intervenções. Em comunidades de tratamento, 45% dos jovens solteiros pararam de buscar água, e a parcela de sua carga de trabalho com essa atividade passou a quase zero. Nas comunidades de controle, 33% dos jovens solteiros deixaram de buscar água, mas a atividade ainda representava 7% de sua carga de trabalho. Uma parcela significativa (20%) das jovens solteiras também parou de buscar água, e a proporção de sua carga de trabalho diária gasta nessa atividade também decli- nou 4%. O Gráfico 2 reflete as mudanças no tempo e nas pessoas alocadas para a busca de água, por tipo de comunidade e geração. 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 39 Gráfico 2: Mudanças na Busca de Água para as Famílias por Geração e Tipo de Comunidade -23% -45% Tratamento Dif. parcelas de -20% pessoas -13% -33% Controle 0% 28% Tratamento 40% Parcelas de 13% pessoas em 2009 15% Controle 38% 0% -8% -14% Tratamento Diferença – % da -4% carga de trabalho -4% -6% Controle 0% 8% Tratamento 14% 2009 – % da 2% carga de trabalho 4% Controle 13% 0% -50% -40% -30% -20% -10% 0% 10% 20% 30% 40% Outras pessoas Jovens solteiros Jovens solteiras Os dados apresentados sugerem que um número relativamente maior de jovens solteiros buscava água para suas famílias e gastava uma maior parcela de sua carga de trabalho diária fazendo isso. Depois dos investimentos em abastecimento de água e em produção, este foi o grupo em que ocorreu a maior redução na pobreza de tempo resultante dessa obrigação e que teve as maiores parcelas de tempo liberadas. A maior parte do tempo liberado foi realocada para trabalhos produtivos. Em outros grupos, o tempo liberado, anteriormente gasto com a busca de água, também foi claramente realocado. Em 2009, a carga das atividades domésticas recaía basicamente sobre mulheres – e prin- cipalmente sobre mulheres adultas/casadas. Os investimentos feitos nas comunidades de tratamento parecem ter reduzido esse peso sobre as mulheres, e tal redução parece haver ocorrido porque houve uma melhor distribuição das atividades domésticas entre as mulheres adultas/casadas e rapazes e moças solteiros. Assim, conforme mostrado nas Tabelas 12A e 12B, a taxa de declínio da participação do trabalho doméstico na carga de trabalho diária foi mais intensa nas comunidades de tratamento do que nas de controle, enquanto as taxas de declínio da parcela de pessoas engajadas em atividades domés- ticas ficam invertidas quando se comparam essas comunidades. As comunidades que se beneficiaram exclusivamente de subprojetos produtivos mostram as maiores taxas de declínio dos dois indicadores: a participação das atividades domésticas na carga de tra- balho diária e a parcela de pessoas envolvidas nessas atividades. 40 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Tabela 12A: Parcela da Carga de Trabalho com Atividades Domésticas por Gênero, Geração e Projetos subprojetos Subprojetos Ambos Total Controle Tratamento de água de produção subprojetos 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif Jovens solteiras 30% -7% 22% -6% 38% -9% 21% 20% 51% -19% 15% -15% Jovens solteiros 17% -7% 13% -5% 18% -8% 19% -25% 38% -40% 5% 11% Mulheres 50% -15% 45% -7% 53% -19% 51% -6% 52% -23% 55% -21% casadas/adultas Homens 13% 3% 14% 11% 13% -3% 18% -14% 8% 4% 14% 1% casados/adultos Total 30% -7% 27% -7% 32% -10% 31% -3% 37% -16% 27% -6% Tabela 12B: Pessoas com Atividades Domésticas por Gênero, Geração e Projetos subprojetos Subprojetos Ambos Total Controle Tratamento de água de produção subprojetos 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif Jovens solteiras 27% -14% 25% -15% 25% -12% 20% 20% 28% -20% 20% -20% Jovens solteiros 11% -5% 10% -3% 12% -5% 10% -20% 20% -10% 7% 0% Mulheres 40% -19% 51% -36% 34% -10% 49% -14% 29% -8% 33% -12% casadas/adultas Homens 11% 2% 11% 8% 11% -1% 16% -4% 12% -9% 5% 8% casados/adultos Total 24% -8% 27% -12% 22% -6% 28% -7% 22% -9% 16% -2% Inversamente, o engajamento em atividades produtivas aumentou. Conforme apresenta- do nas Tabelas 13A e 13B, a proporção de pessoas engajadas em atividades produtivas aumentou ligeiramente mais em comunidades de controle, mas a proporção da carga de trabalho diária alocada para atividades produtivas cresceu significativamente mais nas comunidades de tratamento. Entre as comunidades de tratamento, aquelas que se bene- ficiaram apenas de intervenções relativas à água mostram aumentos significativamente mais altos da participação das atividades produtivas na carga de trabalho diária. Esse resultado confirma a hipótese de que investimentos para a redução da pobreza de tempo – como sistemas de abastecimento de água que reduzem o tempo gasto buscando água para os domicílios – são pré-requisitos fundamentais, mas não suficientes, para combater a pobreza, pois a renda familiar declinou justamente nas comunidades em que a parcela da carga diária de trabalho em atividades produtivas apresentou o maior incremento. Hipoteticamente, a maior parte do tempo anteriormente gasto com a busca de água e 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 41 transferido para atividades produtivas nas comunidades que se beneficiaram apenas de subprojetos de abastecimento de água foi realocada em atividades mais tradicionais ou de subsistência, o que não resulta em aumento da renda. Adicionalmente, deve-se acrescentar que a geração mais jovem foi a que mais aproveitou a redução da pobreza de tempo, convertendo o tempo liberado em tempo produtivo. Uma maior proporção de pessoas jovens solteiras (homens e mulheres) entrou em atividades produtivas e, consequentemente, sua carga de trabalho produtivo também foi a que mais cresceu. Mulheres adultas/casadas também se beneficiaram com os investimentos feitos para reduzir a pobreza de tempo e promover atividades produtivas. Tabela 13A: Parcela da Carga de Trabalho Diária com Atividades Produtivas por Gênero, Geração e Projetos Subprojetos Subprojetos Ambos Total Controle Tratamento de água de produção subprojetos 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif Jovens 14% 15% 25% 3% 0% 40% 0% 22% 1% 34% 0% 56% solteiras Jovens solteiros 14% 15% 13% 12% 16% 17% 22% 44% 8% 39% 17% 1% Mulheres 11% 6% 19% -3% 7% 10% 11% 14% 4% 13% 9% 3% casadas/adultas Homens 32% 10% 27% 3% 36% 0% 37% 23% 33% -3% 40% -17% casados/adultos Total 19% 7% 21% 3% 18% 9% 23% 21% 13% 12% 22% -1% Tabela 13B: Parcela de Pessoas com Atividades Produtivas por Gênero, Geração e Projetos Subprojetos Subprojetos Ambos Total Controle Tratamento de água de produção subprojetos 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif 2009 Dif Jovens 8% 14% 11% 7% 3% 30% 0% 25% 5% 25% 0% 38% solteiras Jovens solteiros 10% 10% 9% 4% 10% 14% 25% 25% 5% 13% 4% 13% Mulheres 12% 5% 11% 6% 12% 5% 19% 11% 6% 6% 16% 0% casadas/adultas Homens 29% -4% 24% -1% 33% -8% 35% 0% 35% -11% 29% -13% casados/adultos Total 17% 3% 15% 3% 19% 2% 26% 7% 15% 2% 18% 0% 42 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório 7.5 Dimensões Culturais As duas principais hipóteses a serem testadas durante o estudo consideram que uma maior contribuição econômica das mulheres para o sustento da família – que poderia estar associada a uma menor carga de trabalho doméstico e à participação no projeto – poderia resultar em (i) uma menor taxa de aprovação a normas culturais tradicionalmente definidas em função do gênero e em (ii) uma maior consciência dos desequilíbrios de gênero na distribuição do poder decisório intradomiciliar. 7.5.1 Normas Culturais Tradicionais Definidas em Função do Gênero Fez-se uma tentativa de captar os valores e as crenças culturais a respeito de questões de gênero partilhados pelos informantes e de determinar se haviam mudado ao longo do tempo como resultado da participação no projeto. Assim, foram pedidas suas opiniões sobre (i) a importância das contribuições distintas dos homens e das mulheres para o sustento familiar; (ii) a participação dos homens em atividades domésticas; (iii) se a cria- ção dos filhos fica compromissada quando as mulheres trabalham fora da propriedade; (iv) se as mulheres devem pedir permissão aos maridos para viajar e visitar seus parentes; (v) se as mulheres devem pedir permissão aos maridos quando decidem o que fazer com o dinheiro que elas ganharam; (vi) se é importante que moças e rapazes estudem até completar o segundo grau; (vii) se permitiriam que filhas e filhos vivessem sozinhos na ci- dade para completar o segundo grau e (viii) se é mais importante que suas filhas ou seus filhos completem o segundo grau. Com essas informações, foi construído um Índice de Orientação Tradicional Associada ao Gênero (OTG) para refletir escolhas que distinguem perspectivas mais desequilibradas em termos de gênero (valores mais próximos de 1) e perspectivas mais equilibradas (valores mais próximos de zero). 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 43 Gráfico 3: Orientação Tradicional Associada ao Gênero por Sexo Os meninos, não as meninas, devem completar o segundo grau Permite que os filhos vivam sós na cidade para fazer o segundo grau Permite que as filhas vivam sós na cidade para fazer o segundo grau Os jovens da área rural devem completar o segundo grau As jovens da área rural devem completar o segundo grau Mulheres devem pedir permissão ao marido para gastar seu próprio dinheiro Mulheres devem pedir permissão ao marido para viajar Os homens devem ajudar nas atividades domésticas Mulheres que trabalham fora compro- metem a educação dos filhos As atividades do homem são mais importantes para a família do que as das mulheres -0,200 0,000 0,200 0,400 0,600 0,800 1,000 Δ Homem Δ Mulher T1 Homem T1 Mulher Conforme resumido no Gráfico 3, os dados mostram que, na maior parte dos casos, as atividades masculinas foram consideradas mais importantes do que as atividades femi- ninas para o sustento da família, tanto por homens quanto por mulheres. Essa percepção decresceu ligeiramente, e caiu mais entre homens do que entre mulheres. A maior parte dos entrevistados considerou que a educação dos filhos pode ficar comprometida quando as mulheres trabalham fora da propriedade. Essa opinião também decresceu mais entre homens do que entre mulheres. A maior parte dos informantes também considerou ne- cessária a ajuda dos homens nas atividades domésticas, e essa opinião cresceu entre os homens. Eles concordaram que as mulheres precisam pedir a permissão do marido antes de viajar para visitar seus parentes, mas, enquanto essa opinião cresceu entre os homens, decresceu entre as mulheres. A maioria também considerou que as mulheres não precisam pedir permissão ao marido para decidir como gastar seu próprio dinheiro, mas essa opinião ganhou apoio entre os homens e perdeu entre as mulheres. Todos os informantes, exceto um, afirmaram, inicialmente, que completar o segundo grau é importante tanto para rapazes quanto para moças. Um maior número de informantes disse que permitiria que seus filhos, mas não suas filhas, vivessem sós na cidade para completar o segundo grau. As mulheres estavam menos inclinadas que os homens a deixar seus filhos ou filhas viverem sós na ci- dade. Suas opiniões não mudaram com relação às filhas, mas ficaram mais abertas quanto 44 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório a permitir que os filhos vivam na cidade para estudar. Finalmente, tanto homens quanto mulheres afirmaram que é mais importante que os rapazes completem o segundo grau, e essa opinião cresceu mais entre as mulheres do que entre os homens. Tabela 14: Índice de Orientação Tradicional Associada ao Gênero por Sexo T1 T2 Feminino 0.473 0.533 Masculino 0.448 0.510 ΔΔ Δ 0.091 0.050 0.409 t Teste t 1.002 0.628 1.545 Ao longo do tempo, as mudanças totais nessas perspectivas não foram estatisticamente significantes. O Índice de Orientação Tradicional Associada ao Gênero (Tabela 14) indica resultados semelhantes para homens e mulheres nos dois pontos no tempo.14 Alcançou um valor ligeiramente maior, e insignificante, entre mulheres do que entre homens e au- mentou ao longo do tempo, mostrando que as perspectivas com relação às questões de gênero tornaram-se mais desiguais. Tabela 15: Índice de Orientação Tradicional Associada ao Gênero por Sexo e Grupo da Amostra Índice de Orientação T1 T2 Δ Tradicional Associada ao Gênero Feminino Masculino Total Feminino Masculino Total Feminino Masculino Total Tratamento 0.433 0.485 0.461 0.450 0.569 0.509 11% 21% 17% Subprojetos de água 0.418 0.486 0.459 0.402 0.582 0.501 2% 21% 14% Subprojetos de 0.420 0.472 0.446 0.423 0.543 0.479 12% 22% 17% produção Controle 0.499 0.415 0.466 0.560 0.519 0.546 10% 24% 14% Δ (Tratamento – Controle) -0.066 0.070 -0.005 -0.111 0.050 -0.037 -0.002 0.003 0.009 t Teste t -1.923 1.819 -0.191 -2.264 0.851 -0.959 -0.056 0.083 0.320 Conforme observado na Tabela 15, houve diferenças fundamentais entre os grupos de trata- mento e de controle com respeito ao Índice OTG. No todo, eles apresentaram valores seme- lhantes em T1. No entanto, as mulheres nos grupos de tratamento mostraram perspectivas menos tradicionais em questões relativas ao gênero do que as mulheres nos grupos de con- trole, e o oposto ocorreu entre os homens. As diferenças nas perspectivas das mulheres são estatisticamente significantes entre os grupos de tratamento e de controle. Essa tendência não mudou ao longo do tempo; mulheres em comunidades de controle e homens em comu- nidades de tratamento continuam a ter perspectivas mais tradicionais em questões de gênero. O índice de orientação tradicional associada ao gênero (OTG) sugere que pessoas com menores rendas e menos 14 escolaridade, independentemente de gênero e idade, tinham perspectivas mais tradicionais em questões de gênero. 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 45 Ao contrário do esperado, os dados mostram que essas perspectivas se tornaram mais tradi- cionais ao longo do tempo. Essa tendência foi mais intensa entre os homens, e mais marcante no grupo de tratamento do que no grupo de controle. O método da dupla diferença mostra que mudanças no Índice OTG não são estatisticamente significantes e não podem ser con- sideradas uma consequência do impacto do tratamento. (Tabela 16) A análise de regressão também mostra que a variação temporal no Índice de Orientação Tradicional Associada ao Gênero não tem relação significante com a participação no projeto ou com o sexo15. Tabela 16: Efeito sobre o Índice de Orientação Tradicional Associada ao Gênero 1o Modelo 2o Modelo Tratamento 0.33 Tratamento*Mulher -0.59 * Tratamento*Homem 1.12 Constante 2.11 3.25 Número de observ. 97 97 F (k, n-1) 0.11 1.32 Prob > F 0.7456 0,2727 R-quadrado 0.0011 0.0279 7.5.2 Poder de Barganha Intradomiciliar Conforme tem sido destacado pela literatura sobre relações de gênero em sociedades rurais, os laços de uma mulher solteira com o mercado de trabalho e as regras de resi- dência pós-nupciais afetam fortemente a distribuição do poder decisório intradomiciliar. De um lado, espera-se que as mulheres que trabalhavam e, especialmente, que tinham uma renda antes do casamento experimentem relações de poder mais equilibradas no domicílio do que as outras. Por outro lado, o fato de as mulheres casadas continuarem vi- vendo perto de sua família, especialmente quando vivem na propriedade familiar, também aumenta seu poder de barganha nos processos de tomada de decisão intradomiciliar. Mediu-se o poder de barganha pós-nupcial de mulheres perguntando-se, inicialmente, sobre regras pós-nupciais de residência e sobre sua participação pré-nupcial na eco- nomia do mercado de trabalho. Então mediu-se o poder de barganha real de homens e mulheres nos processos de tomada de decisões pós-nupciais perguntando-se quem de- cide numa série de questões familiares e domésticas (educação das crianças, despesas diárias e extraordinárias da família, e decisões sobre a produção). 15 Adicionalmente, não houve nenhuma correlação estatisticamente significante entre os índices temporais de orientação tradicional associada ao gênero (e sua variação temporal) e variáveis como sexo, grupo etário, engajamento na economia produtiva, renda pessoal, carga de trabalho doméstico, poder de barganha que as pessoas levam para sua vida conjugal ou a distribuição real do poder na tomada de decisões intradomiciliares. 46 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Com essas informações, foram construídos dois índices: • O primeiro (Índice de Poder de Barganha, IPB) mediu o poder de barganha potencial de cada informante no processo decisório intradomiciliar. É uma média ponderada na qual se consideram três variáveis: residência pós-nupcial na comunidade em que vive a família do esposo ou da esposa, residência pós-nupcial na propriedade da família do esposo ou da esposa, e atuação pré-nupcial no mercado de trabalho. • O segundo índice mediu a perspectiva do informante sobre desequilíbrios de gênero no processo decisório pós-nupcial (Índice de Distribuição Assimétrica do Poder Decisório Intradomiciliar, IDAPI). Considerando quem decide em sete questões diferentes (desde chamar um médico para tratar de uma criança até a decisão de quando comprar animais de criação), esse índice é uma média na qual valores mais próximos de 1 significam um padrão de distribuição de poder assimétrico e favorável ao homem, e valores mais pró- ximos de zero significam um padrão de distribuição de poder menos assimétrico. 7.5.3 Índice de Poder de Barganha (IPB) Os dados da linha de base mostraram que a regra prevalecente de residência pós-nupcial é a neo-localidade: mais da metade das pessoas casadas mudou-se para a comunidade na qual vive atualmente quando se casou, ou depois. Quase dois terços delas não vivem nas terras de suas famílias. Mais de três quartos trabalhavam antes do casamento, mas apenas a metade havia tido trabalho assalariado. A proporção de homens que trabalha- vam e recebiam salários antes de se casar é maior do que a de mulheres. Gráfico 4: Índice de Poder de Barganha por Sexo e Grupos de Tratamento/Controle 0,700 0,679 0,622 0,600 0,597 0,564 0,557 0,500 0,446 0,400 0,306 0,300 0,257 0,200 0,100 0,000 Mulheres Homens Tratamento A Tratamento B Tratamento C Controle 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 47 Refletindo as diferenças entre esses fatores, e conforme esperado em contextos sociais definidos por padrões tradicionais de relações entre gêneros, os dados mostram que os homens detêm maior poder de barganha do que as mulheres (0.556 versus 0.358, t de Teste t comparação das diferenças entre as médias = 3.774). O IPB teve forte correlação com a masculinidade (índice de correlação de Pearson = 0.3562, significante no nível de 5%). No entanto, houve grandes disparidades entre os grupos da amostra com relação ao poder de barganha de homens e mulheres. Assim, mulheres em comunidades de controle levaram para seus casamentos um poder de barganha maior do que o dos homens, e detinham muito mais poder de barganha do que as mulheres em comunidades de trata- mento. Nas comunidades que implementaram um subprojeto de abastecimento de água, o poder de barganha detido por mulheres é significativamente menor do que nas outras. 7.5.4 Distribuição Assimétrica do Poder Decisório Intradomiciliar (IDAPI) As diferenças no poder de barganha que homens e mulheres levam para o casamento deveriam estar refletidas em desequilíbrios de poder nos processos decisórios reais intra- domiciliares. No entanto, não foi encontrada nenhuma correlação significativa entre esses índices (Tabela 17). Ao contrário, os dados mostram que os desequilíbrios de gênero nos processos decisó- rios intradomiciliares variaram amplamente em função das decisões a que se referiam. Inicialmente, a distribuição real de poder era mais equitativa em questões relacionadas a ter e criar filhos, mas tornou-se mais assimétrica e tendente para o lado masculino nas questões relacionadas à (i) aquisição de bens para a família e à (ii) produção econômica da família. Adicionalmente, os homens e as pessoas jovens – conforme representadas pelos filhos dos cabeças de família – detinham uma percepção mais aguda das distribui- ções assimétricas de poder do que as mulheres, os adultos e os idosos. Esses padrões não mudaram ao longo do período.16 Houve também diferenças significativas entre os grupos de tratamento e controle. Esses últimos tiveram uma percepção mais aguda das diferenças de gênero, particularmente na distribuição do poder decisório intradomiciliar. Esse padrão mudou substancialmente. Embora as pessoas no grupo de tratamento tenham ficado mais conscientes desses de- sequilíbrios de poder e agora vejam que os homens detêm mais controle sobre as deci- sões relativas a questões produtivas e bens da família, as pessoas no grupo de controle perderam essa percepção e agora tendem a ver essas decisões intradomiciliares como sendo mais igualmente partilhadas por homens e mulheres. 16 Adicionalmente, a análise do índice de distribuição do poder decisório intradomiciliar mostrou que as pessoas mais velhas e aquelas com rendas mais baixas tinham ideias e atitudes mais assimétricas sobre a distribuição de poder entre os gêneros. 48 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Tabela 17: Distribuição Assimétrica do Poder Decisório Intradomiciliar Distribuição T1 T2 Δ Assimétrica do poder decisório Feminina Masculina Total Feminina Masculina Total Feminina Masculina Total Intradomiciliar Tratamento 0.512 0.468 0.491 0.570 0.465 0.517 9% -4% 3% Subprojetos de água 0.573 0.471 0.519 0.583 0.458 0.512 6% -16% -5% Subprojetos de 0.465 0.479 0.471 0.554 0.489 0.521 12% -2% 6% produção Controle 0.587 0.526 0.559 0.532 0.487 0.512 -15% -24% -19% Δ -0.075 -0.059 -0.068 0.038 -0.022 0.004 0.135 0.106 0.121 t Teste t -1.241 -0.954 -1.569 0.692 -0.429 0.011 2.170 1.164 2.265 O Índice de Distribuição Assimétrica do Poder Decisório Intradomiciliar reproduz e resu- me essas tendências. O aumento na percepção dos desequilíbrios de poder foi signifi- cativo entre mulheres nos grupos de tratamento e, particularmente, entre mulheres em comunidades que implementaram um projeto produtivo. Mulheres no grupo de controle moveram-se na direção oposta. Em ambos os grupos, os homens tenderam a perce- ber com menos intensidade os desequilíbrios de poder decisório intradomiciliar, mas o índice declinou mais no grupo de controle do que no de tratamento. Em consequên- cia, as diferenças duplas (diferente evolução temporal entre os grupos de tratamento e controle) no Índice de Distribuição Assimétrica do Poder Decisório Intradomiciliar são estatisticamente significantes. O resultado sugere que a participação no projeto poderia ter o impacto de aumentar a percepção das mulheres a respeito dos desequilíbrios de poder no processo decisório intradomiciliar. A análise de regressão deu suporte a essa conclusão. (Tabela 18) Tabela 18: Efeito sobre a Percepção de Assimetrias na Distribuição do Poder Decisório 1O ModelO 2O ModelO Tratamento 2.32 ** Tratamento*Mulher 2.79 ** Tratamento*Homem 1.18 Constante 1.74 -2.64 Número de observ. 82 82 F (k, n-1) 5.37 3.90 Prob > F 0.0231 0,0243 R-quadrado 0.0608 0.0728 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 49 Vale a pena considerar duas hipóteses paralelas quando se analisam essas mudanças nas concepções e atitudes relacionadas ao gênero nos grupos de tratamento. A primeira hipótese seria que, na medida em que os ganhos das mulheres aumentaram, teria havido um tipo de reação adversa diante da redução da pobreza de tempo e do acesso a ativi- dades produtivas. A segunda hipótese, contrária a essa, consideraria que a maior igual- dade das contribuições econômicas para a família leva, em geral, a um maior equilíbrio na distribuição do poder decisório intradomiciliar e a uma orientação menos tradicional em questões de gênero. A análise preliminar que correlacionou variação de renda e di- mensões culturais dá suporte à segunda hipótese. Assim, constatou-se que a renda das mulheres cresceu mais (em comparação com a dos homens) em comunidades nas quais as perspectivas de gênero tornaram-se menos tradicionalmente orientadas (Índice OTG) e a tomada de decisão intradomiciliar tornou-se menos assimétrica em termos de gênero (IDAPI). Inversamente, a renda das mulheres cresceu menos (em comparação com a dos homens) naquelas comunidades em que as perspectivas e atitudes relacionadas ao gê- nero, bem como o processo decisório intradomiciliar, tornaram-se mais tradicionalmente orientados e assimétricos em termos de gênero. Portanto, e conforme sustentado pela se- gunda hipótese, parece que um aumento na proporção da contribuição dos homens aos ganhos domiciliares/familiares (em detrimento das contribuições das mulheres) conduziu as pessoas a perspectivas e atitudes mais tradicionais e mais assimétricas em termos de gênero (ver Gráficos 5A e 5B). Gráfico 5A: Variação de Renda por Gênero e Amostra de Comunidade 100% 80% 60% 40% 20% 0% Controle Tratamento Água Produção Ambos -20% -40% Variação de Renda – Mulheres Variação de Renda – Homens 50 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Gráfico 5B: Variação nos Índices OTG e DAPI por Gênero 15% e Amostra de Comunidade 10% 5% 0% Controle Tratamento Água Produção Ambos -5% -10% -15% -20% Variação da OTG – Mulheres Variação da OTG – Homens Variação da DAPI – Mulheres Variação da DAPI – Homens 7.6 Dimensões Sociais 7.6.1 Capital Social Um conjunto final de hipóteses a serem testadas no âmbito deste estudo refere-se ao capital social. Elas propõem que (i) as redes sociais de mulheres em sociedades com orientação tradicional em questões de gênero poderiam ser menores em tamanho e em escopo geográfico, bem como mais orientadas para parceiras do mesmo sexo do que as redes sociais de homens; (ii) a participação das mulheres na vida pública (da qual a par- ticipação comunitária e cívica poderia ser um bom indicador) poderia ser mais restrita do que a dos homens; e (iii) a participação no projeto poderia ter um impacto positivo sobre o capital social tanto de homens quanto de mulheres. Foram usados dois paradigmas teóricos diferentes para tratar as questões de capital so- cial. Um deles se relaciona às redes sociais; o outro se refere a emoções, crenças e com- portamentos relacionados ao sentimento de pertencer a um grupo (tais como confiança, solidariedade, cooperação etc.). Por um lado, considerou-se o capital social como a quantidade de recursos de natureza social, econômica e política que os indivíduos (“Ego”) podem acessar por meio de suas redes sociais (i.e., os “Alters”) a fim de melhorar suas condições de vida. De acordo com esse primeiro paradigma, o capital social foi medido em termos do tamanho das redes sociais das quais Ego pode receber ajuda quando tiver necessidade, e da intensidade 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 51 dos laços sociais entre Ego e Alters.17 Analisando essas redes, também se levou em conta o grau em que elas são orientadas pelo gênero: redes compostas principalmente por Alters do mesmo sexo que Ego, equilibradas, ou compostas principalmente por Alters do sexo oposto ao de Ego.18 Adicionalmente, considerou-se o escopo geográfico, con- trastando redes basicamente compostas de Alters da mesma localidade na qual vive Ego e redes basicamente compostas de Alters que vivem em municipalidades diferen- tes da de Ego.19 Finalmente, examinou-se o grau em que os recursos disponíveis para os entrevistados em suas redes sociais têm sido realmente usados por eles. Por outro lado, considerou-se o capital social como relacionado a processos de ação coletiva, comunidade e identificação grupal. Assim, o capital social detido por indivíduos significa seu sentido de pertencimento e seu senso de responsabilidade pela vida e pelas realizações de um grupo social. Baseia-se nos sentimentos de confiança, solidariedade e cooperação de um indivíduo com relação a outros membros do grupo, e expressa-se como participação em ações coletivas requeridas e promovidas pelo grupo. Usualmente, as ações coletivas podem expressar-se por meio do engajamento em grupos com maior ou menor grau de institucionalização, da participação em atividades comunitárias e da participação cívica. De acordo com esse segundo paradigma, o capital social é medido por níveis de participação em grupos de interesse institucionalizados (associações co- munitárias, sindicatos rurais e outras organizações de base comunitária); em atividades comunitárias destinadas a resolver um problema (participação comunitária) e em petições coletivas a autoridades municipais (participação cívica). A força dos laços comunitários também foi levada em consideração. 17 Foram consideradas dez situações nas quais Ego pode precisar de ajuda: (i) necessidade de orientação quando precisa vender a produção agrícola ou bens da família; (ii) necessidade de auxílio para entender as regras de um programa ou de uma política governamental; (iii) necessidade de ajuda para consertar e manter sua moradia; (iv) necessidade de ajuda para encontrar um emprego para alguém da família; (v) necessidade de ajuda para conseguir um pequeno empréstimo; (vi) necessidade de ajuda para conseguir um empréstimo de grande porte; (vii) necessidade de ajuda para cuidar das crianças por algum tempo; (viii) necessidade de ajuda quando precisa se hospedar na cidade; (ix) necessidade de conselho para resolver questões familiares ou pessoais e (x) necessidade de apoio para obter serviços de instituições públicas. O índice que mede o tamanho de sua rede social corresponde à média das situações nas quais a pessoa conhece alguém que pode ajudá- la. Considerando as mesmas 10 situações, os Alters com os quais Ego pode contar foram classificados como conhecidos, amigos ou parentes, e o índice que mede a força da rede social corresponde à média ponderada (conhecidos = 1, amigos = 2, parentes = 3) das situações nas quais a pessoa conhece alguém que pode ajudá-la. Esse segundo índice pressupõe que as relações de parentesco sejam mais próximas ou mais fortes do que amizades e conhecimentos. 18 O índice que mede a orientação de gênero da rede social de Ego corresponde à média das dez situações nas quais a pessoa pode precisar de ajuda, sendo 0 o valor atribuído a Alters do mesmo sexo de Ego e 1 o valor atribuído a Alters do sexo oposto. Quanto mais próximo de 0, mais forte a homo-orientação da rede social de Ego; quanto mais próximo de 1, mais forte sua hetero-orientação, e quanto mais próximo de 0.5, maior seu equilíbrio em termos de gênero. Considerando as mesmas dez situações nas quais Ego pode precisar de ajuda, seus Alters foram classificados 19 em três grupos: os que vivem na mesma comunidade de Ego, os que vivem no mesmo município de Ego, e os que vivem fora do município de Ego. O índice varia de 0 a 1: 0 significa que todos os Alters dos quais Ego pode esperar ajuda são de sua localidade, e 1 indica que todos os Alters são de outros municípios. 52 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório 7.6.2 Redes Sociais Os dados coletados para a linha de base mostram que, quando se mediu o capital social de acordo com o primeiro paradigma, os homens entrevistados tendiam a participar de redes sociais maiores e mais densas do que aquelas das quais participavam as mulheres; as redes masculinas tinham maior amplitude ou eram territorialmente mais dispersas e menos especializadas em gênero do que as redes femininas; e os homens usavam suas redes sociais com maior frequência do que o faziam as mulheres. As mesmas tendências distinguiam os grupos de controle e tratamento. As pessoas vivendo em comunidades de controle tinham redes sociais maiores, mais densas, mais amplas e menos orientadas para gênero e as usavam com mais frequência do que as pessoas que vivem em comu- nidades de tratamento. Houve diferenças significativas no tamanho e no escopo territorial das redes sociais de mulheres nos grupos de tratamento e de controle. As redes sociais dos homens eram mais parecidas em ambos os grupos. (Gráficos 9 e 10). As mudanças temporais indicam que as redes sociais femininas aumentaram em tama- nho, densidade e escopo territorial. Também se tornaram menos especializadas em ter- mos de gênero, incluindo maior número de Alters do sexo oposto, e passaram a ser usadas mais intensivamente. As redes sociais masculinas cresceram menos em tamanho e densidade. Expandiram-se em escopo territorial e frequência de uso. O tamanho das redes sociais cresceu entre o grupo de tratamento (especialmente entre aqueles beneficiários de subprojetos relacionados à produção) e diminuiu entre o grupo de controle. As redes ficaram mais fortes, mais amplas em escopo territorial e menos caracterizadas por gênero em ambos os grupos. Seu uso como um gerador de recursos também foi intensificado em ambos. A evolução comparativa do uso de redes sociais em grupos de tratamento e controle mostra diferenças estatísticas expressivas, sugerindo que a participação no projeto teve o impacto positivo de tornar os recursos sociais mais disponíveis e acessíveis para seus beneficiários. As redes sociais masculinas e femininas seguiram trajetórias mais diferenciadas ao longo do tempo. As redes sociais de homens encolheram – ou, no melhor dos casos, permane- ceram inalteradas – e não mostraram diferenças significativas quando se compararam os grupos de tratamento e de controle. Enquanto isso, as redes sociais de mulheres flores- ceram. Cresceram em tamanho, tornaram-se mais fortes e menos caracterizadas por gê- nero, expandiram-se para outras localidades e passaram a ser mais usadas do que antes. O tamanho das redes sociais de mulheres cresceu substancialmente mais no grupo de tratamento do que no de controle. A diferença é significante no nível de 5% e sugere que o projeto pode ter tido um impacto positivo sobre as redes sociais de mulheres. 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 53 Tabela 19: Características das Redes Sociais T1 T2 Δ Tamanho da Rede Social Feminina Masculina Total Feminina Masculina Total Feminina Masculina Total Tratamento 0.337 0.469 0.405 0.469 0.415 0.442 39% -11% 9% Subprojetos de água 0.429 0.529 0.485 0.513 0.442 0.473 19% -16% -3% Subprojetos de produção 0.323 0.463 0.392 0.492 0.489 0.491 52% 6% 25% Controle 0.479 0.419 0.452 0.461 0.419 0.442 -4% 0% -2% Δ (tratamento - controle) -0.142 0.051 -0.047 0.009 -0.003 0.000 0.151 -0.054 0.047 t Teste t -2.444 0.079 -1.065 0.146 -0.042 -0.002 2.034 -0.727 0.873 Densidade da T1 T2 Δ Rede Social Feminina Masculina Total Feminina Masculina Total Feminina Masculina Total Tratamento 0.263 0.346 0.306 0.408 0.319 0.362 55% -8% 18% Subprojetos de água 0.339 0.383 0.364 0.439 0.337 0.381 30% -12% 5% Subprojetos de produção 0.249 0.343 0.295 0.435 0.385 0.410 75% 12% 39% Controle 0.333 0.298 0.317 0.374 0.328 0.353 12% 10% 11% Δ (tratamento - controle) -0.070 0.049 -0.011 0.034 -0.009 0.009 0.104 -0.058 0.020 t Teste t -1.431 0.918 -0.312 0.642 -0.150 0.222 1.632 -0.956 0.450 Orientação de Gênero T1 T2 Δ da Rede Social Feminina Masculina Total Feminina Masculina Total Feminina Masculina Total Tratamento 0.250 0.286 0.268 0.345 0.245 0.294 38% -14% 9% Subprojetos de água 0.308 0.323 0.316 0.363 0.260 0.305 18% -19% -4% Subprojetos de produção 0.244 0.289 0.266 0.368 0.286 0.327 51% -1% 23% Controle 0.302 0.265 0.285 0.309 0.269 0.291 3% 1% 2% Δ (tratamento - controle) -0.052 0.021 -0.017 0.358 -0.023 0.003 0.087 -0.044 0.019 t Teste t -1.120 0.045 -0.512 0.756 -0.484 0.080 1.396 -0.872 0.472 Escopo Territorial T1 T2 Δ da Rede Social Feminina Masculina Total Feminina Masculina Total Feminina Masculina Total Tratamento 0.139 0.195 0.168 0.237 0.228 0.232 71% 17% 39% Subprojetos de água 0.172 0.217 0.198 0.278 0.254 0.264 61% 17% 34% Subprojetos de produção 0.137 0.191 0.164 0.257 0.283 0.270 88% 48% 65% Controle 0.205 0.181 0.194 0.234 0.254 0.243 3% 40% 25% Δ (tratamento - controle) -0.066 0.013 -0.027 0.002 -0.026 -0.011 0.069 -0.040 0.016 t Teste t -2.256 0.466 -1.290 0.057 -0.524 -0.341 1.490 -0.790 0.465 T1 T2 Δ Uso de Rede Social Feminina Masculina Total Feminina Masculina Total Feminina Masculina Total Tratamento 0.184 0.279 0.225 0.435 0.347 0.387 155% 75% 112% Subprojetos de água 0.283 0.335 0.309 0.521 0.322 0.407 136% 30% 86% Subprojetos de produção 0.185 0.261 0.216 0.438 0.432 0.435 166% 111% 139% Controle 0.220 0.344 0.275 0.263 0.330 0.300 11% 2% 5% Δ (tratamento - controle) -0.036 -0.065 -0.050 0.173 0.017 0.087 0.259 0.201 0.238 t Teste t -0.432 -0.531 -0.693 1.533 0.146 1.084 1.289 1.598 2.157 54 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório A análise de regressão sugere que a participação no projeto não tem tido nenhum impac- to sobre os índices de tamanho, força, escopo e orientação de gênero das redes sociais. No entanto, constatou-se um efeito positivo sobre o uso de redes sociais como uma fonte de recursos à qual recorrem mulheres e homens para manter e melhorar seus meios de vida. (Tabela 20) Tabela 20: Efeito sobre o Índice de Uso de Redes Sociais 1O ModelO 2O ModelO Tratamento 2.88 ** Tratamento*Mulher 2.12 ** Tratamento*Homem 2.37 ** Constante 3.46 0.27 Número de observ. 39 39 F (k, n-1) 8.32 4.11 Prob > F 0.0065 0.0248 R-quadrado 0.1117 0.1181 7.6.3 Participação em Organizações Coletivas As informações da linha de base sobre o capital social tenderam a mostrar diferenças significativas, de acordo com gênero e grupos da amostra. Homens e mulheres relataram níveis semelhantes de participação em associações co- munitárias. No entanto, as mulheres não estavam formalmente registradas em sindi- catos rurais ou outras organizações da sociedade civil. No grupo de tratamento, as mulheres se distinguiam dos homens por sua participação mais intensa em atividades promovidas por associações comunitárias. Os grupos de tratamento e controle também diferiram em termos do nível de engajamento em organizações da sociedade civil (i.e., afiliação, comparecimento a reuniões e participação em atividades promovidas pelas organizações). Como regra, o nível de engajamento no grupo de tratamento foi menor do que no grupo de controle. Além disso, os dados da linha de base mostram que, entre todas as organizações da sociedade civil, as associações comunitárias apresentaram, de longe, as taxas mais altas de afiliação, comparecimento a reuniões e participação em suas atividades, tanto de homens quanto de mulheres, e tanto nas comunidades de tratamento quanto nas de controle. 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 55 Gráfico 6: Afiliação a Organizações da Sociedade Civil por Sexo e Grupo da Amostra 8% Total 3% 72% Grupo de 7% Homens 7% Controle 67% 9% Mulheres 0% 76% 1% Total 3% 39% Grupo de 2% Homens 6% Tratamento 40% 0% Mulheres 0% 37% 0% 20% 40% 60% 80% Outras organizações sociais Sindicatos rurais Associações comunitárias Gráfico 7: Participação em Reuniões de Organizações da Sociedade Civil 13% Total 8% 73% Grupo de 7% Homens 0% Controle 81% 18% Mulheres 15% 67% 7% Total 3% 50% Grupo de 8% Homens 6% Tratamento 52% 6% Mulheres 0% 49% 0% 20% 40% 60% 80% 100% Outras organizações sociais Sindicatos rurais Associações comunitárias 56 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Gráfico 8: Participação em Atividades Promovidas por Organizações da Sociedade Civil 2% Total 2% 88% Grupo de 0% Homens 0% Controle 89% 3% Mulheres 3% 88% 0% Total 8% 3% Grupo de 0% Homens 7% Tratamento 7% 0% Mulheres 0% 76% 0% 20% 40% 60% 80% 100% Outras organizações sociais Sindicatos rurais Associações comunitárias A fim de analisar mudanças temporais, foram construídos três índices para medir o enga- jamento em (i) associações comunitárias, (ii) sindicatos rurais e (iii) outras organizações da sociedade civil. (Ver Gráficos 6, 7 e 8). Os índices correspondem à média das taxas de afiliação, comparecimento a reuniões e participação em atividades promovidas por cada uma dessas instituições. 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 57 Gráfico 9: Evolução dos Índices de Engajamento 50% 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Mulheres Homens Total Mulheres Homens Total T1 T2 Tratamento – Engajamento em associações comunitárias Controle – Engajamento em associações comunitárias Tratamento – Engajamento em sindicatos rurais Controle – Engajamento em sindicatos rurais Tratamento – Engajamento em outras organizações da sociedade civil Controle – Engajamento em outras organizações da sociedade civil Como se pode ver no Gráfico 9, enquanto (i) o engajamento em associações comunitárias disparou, (ii) o engajamento nos sindicatos rurais aumentou e (iii) o engajamento em ou- tras organizações da sociedade civil decresceu. Adicionalmente, os dados mostram que o aumento no nível de engajamento em associações comunitárias tem sido muito maior em comunidades de tratamento do que em comunidades de controle, e também mais alto entre mulheres do que entre homens. As mulheres em comunidades de tratamento também foram o único grupo cujo nível de engajamento em sindicatos rurais aumentou. Essas mudanças reverteram os níveis iniciais de engajamento, que foram mais altos nas comunidades de controle do que nas de tratamento. Adicionalmente, nas comunidades de tratamento o engajamento feminino, tanto em associações comunitárias quanto em sindicatos rurais, também superou o engajamento masculino (ver Tabelas 21 a 25). 58 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Tabela 21: Índices de Organização e Participação Social Engajamento T1 T2 Δ em associações comunitárias feminino masculino Total feminino masculino Total feminino masculino Total Tratamento 0.122 0.160 0.142 0.483 0.462 0.472 294% 188% 233% Subprojetos de água 0.111 0.161 0.139 0.583 0.527 0.552 425% 227% 303% Subprojetos de produção 0.137 0.149 0.143 0.427 0.474 0.450 213% 218% 215% Controle 0.283 0.272 0.278 0.242 0.358 0.294 -14% 32% 6% Δ (tratamento - controle) -0.160 -0.111 -0.136 0.241 0.104 0.178 0.401 0.215 0.313 t Teste t -0.483 -2.376 -4.807 2.290 0.914 2.315 3.212 1.560 3.399 Engajamento em T1 T2 Δ sindicatos rurais feminino masculino Total feminino masculino Total feminino masculino Total Tratamento 0.184 0.218 0.201 0.333 0.205 0.267 81% -6% 33% Subprojetos de água 0.181 0.215 0.200 0.375 0.301 0.333 108% 40% 67% Production subprojects 0.205 0.211 0.208 0.333 0.149 0.242 62% -29% 17% Controle 0.333 0.296 0.317 0.162 0.123 0.144 -52% -58% -54% Δ (tratamento - controle) -0.146 -0.078 -0.115 0.172 0.082 0.123 0.321 0.160 0.238 t Teste t -3.975 -1.923 -4.180 1.931 0.974 2.003 3.209 1.542 3.298 Engajamento em T1 T2 Δ outras organizações da sociedade civil feminino masculino Total feminino masculino Total feminino masculino Total Tratamento 0.252 0.199 0.224 0.122 0.147 0.135 -51% -26% -40% Subprojetos de água 0.264 0.215 0.236 0.083 0.194 0.145 -68% -10% -38% Production subprojects 0.248 0.184 0.216 0.154 0.149 0.152 -38% -19% -30% Controle 0.313 0.296 0.306 0.091 0.062 0.078 -71% -79% -75% Δ (tratamento - controle) -0.061 -0.098 -0.081 0.032 0.086 0.058 0.093 0.183 0.139 t Teste t -2.035 -2.779 -3.509 0.456 1.146 1.141 1.175 1.936 2.271 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 59 Tabela 22: Efeitos sobre a Organização e a Participação Social sobre associações comunitárias Sobre Sindicatos Sobre Organizações Sociais 1 Modelo o 2 Modelo o 1 Modelo o 2 Modelo o 1o Modelo 2o Modelo Tratamento 3.57 ** 3.71 ** 2.51 ** Tratamento*Mulher 3.19 ** 3.78 ** 1.52 Tratamento*Homem 2.70 ** 2.07 ** 2.42 ** Constante 4.73 0.26 2.81 -4.30 0.54 -6.34 Número de observ. 161 161 161 161 161 191 F (k, n-1) 12.76 6.46 13.74 7.83 6.32 3.32 Prob > F 0.0005 0.0020 0.0003 .0006 0.0129 .0387 R-quadrado 0.0677 0.0694 0.0640 .0840 0.0314 .0381 Finalmente, quando se comparam comunidades de tratamento e de controle em situações antes e depois, as taxas de engajamento das mulheres em associações comunitárias e sindicatos rurais indicam diferenças estatisticamente significantes no nível de 1%. Assim, os resultados sugerem que a participação no projeto – e particularmente em comunidades que desenvolveram um subprojeto de abastecimento de água – pode ter tido um impacto positivo e significativo nas taxas femininas de engajamento em instituições representativas relevantes, locais e de classe. A análise de regressão dá forte apoio a essas conclusões. 7.6.4 A Força de Laços Comunitários Adicionalmente, os dados da linha de base mostram que as mulheres, especialmente aquelas em comunidades de controle, mantinham laços mais fortes com outros membros da comunidade do que no caso dos homens. No entanto, os laços comunitários foram mais fortes em comunidades de tratamento e, particularmente, entre aquelas que desen- volveram subprojetos produtivos. Tabela 23: Índice de Laços Sociais Força de Laços T1 T2 Δ Comunitários Feminino masculino Total Feminino masculino Total Feminino masculino Total Tratamento 82% 78% 80% 80% 81% 80% 0% 5% 2% Subprojetos de água 79% 77% 78% 77% 81% 79% 0% 5% 3% Subprojetos de produção 86% 81% 84% 78% 83% 80% -8% 1% -4% Controle 77% 61% 70% 68% 77% 71% -10% 42% 6% Δ (tratamento - controle) 6% 17% 10% 12% 4% 9% 8% -22% -2% t Teste t 0.772 1.833 1.750 2.143 0.637 2.221 0.936 -2.163 -0.345 60 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório As principais mudanças observadas na força dos laços comunitários – um ligeiro declínio na ligação entre as mulheres e suas comunidades, mais intenso nos grupos de controle do que nos grupos de tratamento, e o aumento na ligação dos homens dos grupos de controle a seus companheiros – não podem ser relacionadas à participação no projeto. 7.6.5 Engajamento Cívico e Representação Finalmente, os dados da linha de base mostram que os entrevistados, tanto homens quanto mulheres, relataram altos e quase idênticos níveis de engajamento cívico, tendo se encontrado com autoridades municipais para apresentar abaixo-assinados com deman- das sobre investimentos locais. As diferenças no índice de engajamento cívico entre os sexos não foram significativas, mas diferenças entre os grupos de tratamento e controle foram significantes no nível de 10%. Esse alto nível de engajamento cívico sofreu um declí- nio generalizado que afetou tanto homens quanto mulheres. No entanto, foi mais intenso no grupo de controle do que nas comunidades de tratamento. Tabela 24: Índice de Engajamento Cívico T1 T2 Δ Engajamento Cívico Feminino masculino Total Feminino masculino Total Feminino masculino Total Tratamento 72% 75% 74% 54% 48% 51% -28% -35% -31% Subprojetos de água 71% 75% 73% 52% 48% 50% -27% -32% -30% Subprojetos de produção 74% 76% 75% 52% 48% 47% -26% -31% -38% Controle 82% 87% 84% 31% 34% 32% -63% -60% -62% Δ (tratamento - controle) -9% -12% -10% 23% 14% 19% 31% 26% 29% t Teste t -1.152 -1.422 -1.790 2.514 1.639 3.012 2.421 2.230 3.263 O método da dupla diferença encontrou distinções estatisticamente significantes no nível de 1% entre os grupos de tratamento e de controle (mesmo quando controlados por gê- nero). Esses resultados sugerem que a participação no projeto pode ter contribuído para mitigar e reduzir, nas comunidades de tratamento, os efeitos de uma tendência geral e exógena de declínio no engajamento cívico. A análise de regressão fornece forte apoio a essa conclusão. 7. Efeitos do PCPR: Principais Constatações 61 Tabela 25: Efeitos Sobre o Engajamento Cívico 1o Modelo 2o Modelo Tratamento 3.16 ** Tratamento*Mulher 285 ** Tratamento*Homem 264 ** Constante 0.44 -688 Número de observ. 134 134 F (k, n-1) 9.99 4.97 Prob > F 0.020 0,0083 R-quadrado 0.0746 0.0768 62 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório 8. Comentários finais Esta análise sugere que o PCPR teve diversos efeitos de curto prazo sobre as comunidades beneficiárias. Em primeiro lugar, houve um aumento significativo e relativamente grande na renda agrícola de famílias que participaram dos projetos de produção. Embora este estudo não permita uma conclusão definitiva, é importante observar que o aumento na renda agrícola derivada da propriedade da família, um ano depois da implementação do projeto, foi de 360% em comunidades de tratamento, enquanto as famílias que não se beneficiaram do projeto tiveram um aumento de apenas 130% na renda agrícola. A evidência coletada e analisada durante o estudo sugere fortemente que o investimento no abastecimento de água aumenta o tempo livre das pessoas envolvidas na busca de água, particularmente entre as mulheres e os rapazes. Isso lhes permite realizar outras atividades, como atividades produtivas (inclusive aquelas financiadas pelo projeto) em casa ou fora da propriedade, gerando a probabilidade de aumento do bem-estar e da renda familiar, como mostrado na seção 7.3 Quando se mede o indicador como um percentual da carga de trabalho diária, confirma-se que o tratamento conduz a (i) uma redução significante (no nível de 10%) do percentual da carga de trabalho diária alocada na busca de água, sendo essa redução maior entre as mu- lheres (significante no nível de 10%) do que entre os homens; (ii) uma maior alocação do tra- balho diário em atividades agrícolas no grupo de tratamento como um todo (no nível de 5%) e 65 particularmente entre as mulheres (no nível de 5%), mas também entre os homens (no nível de 10%) e (iii) a uma alocação percentual reduzida do trabalho diário em atividades domésticas no grupo de mulheres (no nível de 10%). Embora o estudo tenha usado um número relativamente pequeno de observações, permi- tiu gerar uma série relevante de hipóteses – que merecem estudos específicos adicionais – quando os dados foram segmentados por grupo etário e gênero. Os resultados sugerem as seguintes principais hipóteses, entre outras: (i) os jovens solteiros gastam uma maior parcela de tempo buscando água para a família e, quando eles se beneficiam do abastecimento de água e de investimentos produtivos, o tempo que gastam nessa tarefa decresce mais signifi- cativamente do que no caso das mulheres, e (ii) uma parcela maior de jovens solteiros mais envolvidos com a busca de água passa a gastar menos tempo nessa atividade devido aos investimentos em abastecimento de água e produção. Em termos do efeito sobre a renda, os resultados indicam que as mulheres se beneficiaram significativamente quando puderam dedicar menos tempo à busca de água e ao trabalho doméstico, pois isso lhes deu mais tempo para atividades agrícolas familiares e se refletiu no aumento da renda agrícola da família. Também foi observado um aumento na renda assalaria- da das mulheres, provavelmente resultante de maior acesso ao trabalho fora da propriedade, embora a análise não tenha mostrado que as mulheres gastassem mais tempo nesse tipo de trabalho. Portanto, uma questão a ser ainda respondida é se a associação entre mais tempo livre para as mulheres e maior renda proveniente do trabalho fora da propriedade é realmente significante. Como não seria de esperar que a disponibilidade de trabalho fora da propriedade fosse afetada por PCPRs, uma possível explicação para o aumento da renda das mulheres proveniente desse tipo de trabalho seria sua maior disponibilidade de tempo. Adicionalmente, um aspecto importante a ser analisado em estudos futuros é como o nível educacional afeta os benefícios decorrentes da liberação de tempo, bem como os efeitos so- bre o próprio tempo liberado. Pode-se presumir que as pessoas com níveis de educação mais altos teriam mais benefícios quando passassem a dispor de mais tempo livre, pois poderiam trabalhar fora da propriedade em funções que demandem mais educação. É improvável que a educação possa afetar os benefícios decorrentes do trabalho na propriedade da família ou do trabalho agrícola em outras propriedades, dado que, na maior parte dos casos, essas atividades envolvem pouca tecnologia; é muito mais provável que afete o trabalho no setor não agrícola. A renda do trabalho agrícola é exatamente o que aumentou devido aos PCPRs, como observado neste estudo. O aumento na renda das mulheres proveniente de trabalho fora da propriedade parece indi- car que houve mudanças no tempo alocado pelas mulheres em trabalho remunerado, o que mostra seu engajamento mais ativo no mercado de trabalho. Os homens também se benefi- ciaram e aumentaram o tempo gasto em sua própria produção agrícola, mas, aparentemente, não dedicaram mais tempo ao trabalho remunerado nem aumentaram sua renda proveniente dele. Na média, as famílias que se beneficiaram do PCPR quase dobraram sua renda fami- liar total, e os resultados indicam que, desse incremento, 30% deviam-se a um aumento do trabalho remunerado das mulheres. O aumento da participação individual das mulheres na renda familiar pode ajudar a explicar os efeitos positivos sobre a perspectiva de gênero nas comunidades beneficiárias. 66 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Estudos futuros podem explorar mais detalhadamente a contribuição das mulheres ao au- mento da renda decorrente do trabalho agrícola na propriedade da família. O presente estudo permitiu medir o aumento do tempo alocado pelas mulheres nesse tipo de trabalho, mas também seria importante tentar medir o quanto esse maior esforço contribuiu para o aumento real da renda. Os resultados do estudo são significativos tanto na dimensão econômica quanto na socio- cultural. No aspecto econômico, confirmam a hipótese de que uma redução do tempo que as mulheres gastam com o trabalho doméstico pode abrir possibilidades concretas para sua entrada no mercado de trabalho e, portanto, para aumentar a renda familiar. É possível que esse efeito seja mais forte, ou que só seja significativo, quando os investimentos em projetos de abastecimento de água são combinados com investimentos em projetos produtivos. Em- bora a amostra tenha sido muito pequena – especialmente no caso de comunidades que só receberam subprojetos de abastecimento de água –, haveria indícios de que, em comparação com casos em que só se investiu no fornecimento de água, a combinação de investimentos em água e produção seria um instrumento mais poderoso para aumentar tanto o engajamen- to das mulheres no mercado quanto sua renda. Essa pode ser uma lição para operações futuras, dependendo de estudos adicionais. Com relação às dimensões sociais e culturais, os resultados da pesquisa mostram que a participação no projeto poderia ter (i) aumentado a consciência das mulheres sobre assime- trias no poder decisório intradomiciliar; (ii) um impacto positivo e expressivo sobre as taxas femininas de engajamento em importantes instituições representativas, locais e de classe; (iii) um impacto positivo sobre as redes sociais de mulheres, que cresceram em tamanho, ficaram mais fortes e menos exclusivas em termos de gênero, expandiram-se para outras localidades e passaram a ser usadas mais intensamente do que antes e, finalmente, (iv) contribuído para mitigar e reduzir, nas comunidades de tratamento, os efeitos de uma tendência geral e exóge- na de declínio no engajamento cívico. No aspecto sociocultural, também se deve notar duas implicações intrínsecas dos resultados, considerando sua importância potencial para a implementação de novas ações para a inte- gração das questões de gênero na região. Em primeiro lugar, a participação expressiva de homens jovens na busca de água e sua maior participação nos trabalhos domésticos revelam uma característica de uma sociedade patriarcal na qual regras assimétricas de divisão do poder são repassadas de uma geração a outra, subordinando tanto as mulheres quanto os filhos à autoridade do patriarca e atribuindo a jovens solteiros tarefas tradicionalmente vistas como “trabalho de mulher”. As consequências lógicas desse sistema tradicional são que (i) tanto mulheres quanto jovens solteiros têm maior pobreza de tempo do que os patriarcas e (ii) as ações destinadas a reduzir a pobreza de tempo – tais como investimentos em sistemas de abastecimento de água que reduzem o tempo requerido para tarefas domésticas – interferem com as assimetrias tradicionais entre gêneros e gerações. Em segundo lugar, e contrariando as expectativas, os dados do estudo parecem mostrar que, quanto a certas normas culturais, as mulheres são os bastiões do status quo, pois são menos abertas do que os homens a mudanças relativas à educação das crianças, especialmente das filhas, e à aceitação da participação masculina nos trabalhos domésticos. 8. Comentários Finais 67 Esse aspecto é especialmente importante quando a mulher é vista como uma fonte de capital humano, disposta a mudar para combater a desigualdade e a pobreza. Por essas e outras razões, existe a expectativa de que seu maior acesso a recursos, sua entrada no mercado de trabalho e sua participação ativa no universo familiar tornarão possível alcançar um dos prin- cipais Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: aumentar as taxas de educação e expandir as oportunidades de educação, especialmente para meninas, porque “o maior investimento na educação das meninas é vital para aumentar a participação e a produtividade feminina no mercado de trabalho, especialmente em empregos assalariados não agrícolas. Maior pro- dutividade significa maior crescimento econômico e uma redução mais efetiva da pobreza” (Tembon e Fort 2008). Assim, as constatações do estudo sugerem ser necessário, e desejável, realizar pesquisas adicionais mais amplas que ajudem a alcançar uma compreensão mais abrangente da si- tuação, inclusive das implicações que as ações destinadas a melhorar a equidade de gênero possam ter sobre a obtenção dos resultados desejados para a redução da pobreza. Os resultados também sugerem que deve ser realizado um estudo adicional para se com- preender melhor o papel que os homens jovens desempenham nas atividades domésticas e na obtenção de água, e como usam seu tempo livre. Além disso, é importante compreender porque, quando decresce o tempo dedicado a atividades domésticas, as mulheres e os ho- mens jovens não passam mais tempo estudando. Isso pode ser um resultado do curto tempo decorrido desde que os projetos foram implementados. Seria necessário realizar estudos de períodos de impacto mais longos para identificar outros efeitos de médio e longo prazos. Um aspecto importante deste estudo, que poderia ser mais explorado em estudos futuros, é a diferença de impactos derivados dos subprojetos de abastecimento de água e dos subpro- jetos produtivos, ou da combinação de ambos. Não foi possível explorar em detalhes esse aspecto no estudo atual, pois o tamanho das subamostras era muito pequeno para permitir comparações significativas. No entanto, foram levantadas questões importantes, incluindo a questão sobre quanto do efeito observado na renda das mulheres e na renda familiar pode ser atribuído à liberação do tempo antes gasto com a busca de água ou à disponibilidade de atividades produtivas. Observou-se que a renda cresceu somente naquelas comunidades que receberam projetos produtivos, e não naquelas que somente tiveram projetos de abaste- cimento de água. Mas a questão não respondida é se a renda das mulheres cresceria em co- munidades com subprojetos produtivos, sob condições semelhantes, se elas ainda tivessem que gastar seu tempo buscando água. A mesma questão aplica-se à renda familiar como um todo, já que os homens jovens provavelmente também poderiam redirecionar sua atenção para atividades produtivas quando fossem liberados da busca de água. Existem alguns indícios sobre essas questões na análise da renda familiar total para os três subgrupos de tratamento da amostra. Observou-se que a renda em comunidades com os dois tipos de subprojetos foi o dobro da renda registrada em comunidades que apenas re- ceberam subprojetos produtivos. Considerando-se que, na linha de base, esses dois grupos eram muito semelhantes em termos de renda e bens, é mais provável que a diferença na evolução da renda, ao longo do tempo, seja devida à combinação de subprojetos implemen- tados nas comunidades de tratamento. 68 CDD Iniciativas para a Integração das Questões de Gênero no Nordeste do Brasil: Um Estudo de Caso Exploratório Bibliografia Binswanger, H., F. Amazonas, T. Barbosa, A. Costa, N. Menezes, E. Pazello e C. Romano. 2009. Rural Poverty Reduction in Northeast Brazil: An Evaluation of Community Driven Development. Vol. 2, Washington DC: World Bank. Blackden, M. e Wodon, Q. (org.), Gender, Time Use, and Poverty in Sub-Saharan Africa. Washington, DC: World Bank Working Paper No. 73, 2006. Coirolo, L. e J. Lammert. 2009. Rural poverty reduction in Northeast Brazil: Achieving results through community driven development. Washington, DC: World Bank. Ravallion, M. 2005. Evaluating anti-poverty programs, in R.E. Evenson e T. Paul Schultz, orgs., Handbook of Agricultural Economics, vol. 4. Amsterdam: North-Holland. Tembon, M. e L. Fort, orgs. 2008. Girls’ education in the 21st century: Gender equality, empowerment and economic growth. Washington, DC: World Bank. World Bank. 2002. Integrating gender into the World Bank’s Work: A strategy for action. Washington, DC. World Bank. 2006. Gener equality as smart economics: A World Bank Group Gender Action Plan. Anos fiscais 2007–10. Washington, DC. 69 BANCO MUNDIAL