Secas no Brasil Política e gestão proativas Organizadores: Erwin De Nys Nathan L. Engle Antonio Rocha Magalhães O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) edita publicações sobre diversas temáticas que impactam a agenda do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI). As edições são alinhadas à missão institucional do Centro de subsidiar os processos de tomada de decisão em temas relacionados à ciência, tecnologia e inovação, por meio de estudos em prospecção e avaliação estratégica baseados em ampla articulação com especialistas e instituições do SNCTI. As publicações trazem resultados de alguns dos principais trabalhos desenvolvidos pelo Centro, dentro de abordagens como produção de alimentos, formação de recursos humanos, sustentabilidade e energia. Todas estão disponíveis gratuitamente para download. A instituição também produz, semestralmente, a revista Parcerias Estratégicas, que apresenta contribuições de atores do SNCTI para o fortalecimento da área no País. Você está recebendo uma dessas publicações, mas pode ter acesso a todo o acervo do Centro pelo nosso site: http://www.cgee.org.br. Boa leitura! Foto da capa: Açude Castanhão, de nome oficial Açude Público Padre Cícero, foi construído sobre o leito do rio Jaguaribe, deixando submersa a antiga cidade de Jaguaribara, na Microrregião Médio Jaguaribe, no Ceará. A escassez hídrica dos últimos anos tem deixado à mostra as ruínas do velho município. Crédito: Juliana Lima Oliveira/Funceme. Secas no Brasil Política e gestão proativas Brasília – DF 2016 ©©Centro de Gestão e ©©Banco Mundial Estudos Estratégicos (CGEE) Organização Social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) Presidente Vice-presidente, Região da América Latina e Mariano Francisco Laplane Caribe Jorge Familiar Calderón Diretor-executivo Marcio de Miranda Santos Diretor para o Brasil Martin Raiser Diretores Antonio Carlos Filgueira Galvão Diretor sênior do Departamento de Água Gerson Gomes Guang Zhe Chen Gerente do Departamento de Água para a Região da América Latina e Caribe Rita Cestti Coordenador setorial de Infraestrutura no Brasil Paul Procee Edição/Aline Adolphs Equipe técnica / Erwin De Nys / Nathan L. Engle / Bar- Diagramação/Eduardo Oliveira bara Farinelli / Carmen Molejón / Carolina Abreu / Diego Infográficos e capa/Eduardo Oliveira e Laryssa Ferreira Arias / Paula Freitas /Thadeu Abicalil / Paul Procee Projeto Gráfico/Núcleo de Design Gráfico do CGEE Tradução / Leonardo Padovani Apoio técnico ao projeto/Thiago Rodrigues Costa Silva Catalogação na fonte C389s Secas no Brasil: política e gestão proativas – Brasília: - Centro de Gestão e Estudos Estratégicos; Banco Mundial, 2016. 292 p.; il, 24 cm ISBN 978-85-5569-115-7 (impresso) ISBN 978-85-5569-116-4 (eletrônico) 1. Política Nacional sobre Secas. 2. Crise Hídrica - Brasil. 3. Variações climáticas - Brasil. I. CGEE. II. Título. CDU 551.577.38(81) Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), SCS Qd 9, Lote C, Torre C, 4º andar, Salas 401 A 405, Ed. Parque Cidade Corporate, CEP 70308-200, Brasília-DF, Tel.: (61) 3424 9600, http://www.cgee.org.br, @cgee_oficial. Todos os direitos reservados pelo Banco Mundial e pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Os textos contidos nesta publicação poderão ser reproduzidos, armazenados ou transmitidos, desde que citada a fonte. Referência bibliográfica: DE NYS, E.; ENGLE, N.L.; MAGALHÃES, A.R. Secas no Brasil: política e gestão proativas. Brasília, DF: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos- CGEE; Banco Mundial, 2016. 292 p. Esta publicação é parte integrante das atividades desenvolvidas no âmbito do Contrato Administrativo com o Banco Mundial nº 7176271-2015/CGEE – 733.54.01.01. Tiragem impressa: 1.000. Impresso em 2016. Coronário Editora e Gráfica Ltda. Secas no Brasil Política e gestão proativas Supervisão Antonio Carlos Filgueira Galvão Equipe técnica do CGEE Antonio Rocha Magalhães (coordenação) Betina Ferraz Barbosa José Roberto de Lima Organizadores Erwin De Nys – coordenador de operações para desenvolvimento sustentável, Colômbia (Banco Mundial) Nathan L. Engle – especialista em mudanças climáticas (Banco Mundial) Antonio Rocha Magalhães – coordenador de estudos sobre secas e combate à desertificação no Semiárido (CGEE) Os textos apresentados nesta publicação são de responsabilidade dos autores. Sumário Apresentação 11 Prefácio 13 Reconhecimentos 15 Capítulo 1 Vida e seca no Brasil Antonio Rocha Magalhães 1.1. O Nordeste e o Semiárido no Brasil 20 1.2. O problema das secas no Nordeste 22 1.3. O caso de São Paulo 23 1.4. O caso da Amazônia 24 1.5. Impactos das secas no Nordeste: sociais, econômicos, ambientais, políticos, culturais 25 1.6. As respostas governamentais: uma história de políticas reativas 27 1.7. Respostas emergenciais às secas 32 1.8. A seca de 2010-2015 33 1.9. As secas e as mudanças climáticas: um novo patamar 34 1.10. A necessidade de respostas proativas 35 Capítulo 2 A crise, a oportunidade e a liderança Eduardo Sávio P.R. Martins, Francisco José Coelho Teixeira, João Gilberto Lotufo Conejo, José Machado e Antonio Divino Moura 2.1. A crise 39 2.2. A oportunidade 42 2.3. A liderança 43 Capítulo 3 Marco e poder de mobilização Erwin De Nys, Nathan Engle e Carmen Molejón Quintana 3.1. A mudança de paradigma 52 3.2. O poder da mobilização 53 3.3. Os três pilares da preparação para a seca 55 3.4. Os primeiros passos da mudança 57 3.5. Conclusão 58 Capítulo 4 O caso técnico e institucional – Monitor de Secas do Nordeste como âncora e facilitador da colaboração Eduardo Sávio P.R. Martins, Carmen Molejón Quintana, Maria Assunção F. Silva Dias, Robson Franklin Vieira Silva, Bruno Biazeto, Gisela Damm Forattini e Julia Cadaval Martins 4.1. As limitações do sistema tradicional de monitoramento de secas 61 4.2. A possível solução baseada no Monitor de Secas: uma mudança de paradigma 64 4.3. Os planos de preparação para a seca e o Monitor 69 4.4. Os desafios e uso do Monitor 71 Capítulo 5 Gestão e abastecimento hídrico: planos de preparação para a seca Francisco de Assis de Souza Filho, Marcos Thadeu Abicalil, Paula Pedreira de Freitas de Oliveira e Cybelle Frazão Costa Braga 5.1. Marco conceitual 77 5.2. Planejamento de secas em múltiplas escalas: espaciais, temporais e setoriais 80 5.3. Plano de preparação para a seca em bacia hidrográfica 81 5.4. Plano de preparação para secas em hidrossistema 85 5.5. Plano de preparação para a seca para concessionárias urbanas de água 87 5.6. Observações finais 91 Capítulo 6 Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca Barbara Farinelli, Pablo Valdivia e Diego Arias 6.1. Histórico 95 6.2. Caracterização do Município 97 6.3. Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca de Piquet Carneiro 98 6.4. Lições aprendidas 104 Capítulo 7 Perspectivas do Exterior: contribuições para a mudança do paradigma da seca no Brasil, na Espanha, no México e nos Estados Unidos Michael Hayes, Mario López Pérez, Joaquín Andreu, Mark Svoboda, Brian Fuchs, Felipe Arreguín Cortés e Nathan Engle 7.1. Introdução 111 7.2. Visão geral dos processos na Espanha, no México e nos Estados Unidos 112 7.3. Apoio à mudança de paradigma no Brasil 116 7.4. Lições e recomendações dessas experiências 120 7.5. Conclusões 121 Capítulo 8 Planejamento para a próxima seca e preparação do caminho para a resiliência às mudanças climáticas Nathan Engle, Erwin De Nys, Antonio Rocha Magalhães e John Redwood III 8.1. A oportunidade 125 8.2. Acrescentando a mudança do clima à mistura 126 8.3. Qual a melhor forma de abordar o desafio? 128 Capítulo 9 Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil Dorte Verner 9.1. Escassez hídrica 135 9.2. Impactos na Economia e nos meio de subsistência 137 9.3. Impactos na saúde 140 9.4. Proteção social 142 9.5. Migração 143 Capítulo 10 Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil Paulo Bastos 10.1. Introdução 167 10.2. Literatura pertinente 168 10.3. Fontes de dados 171 10.4. Metodologia empírica 172 10.5. Resultados empíricos 174 10.6. Resposta de políticas à seca atual: principais ações e custos associados 185 10.7. Resumo e conclusões 188 Capítulo 11 Monitor de Secas do Nordeste – O processo Eduardo Sávio P. R. Martins, Robson Franklin Vieira Silva, Bruno Biazeto e Carmen Molejón Quintana 11.1. Tecnologias da informação e dados utilizados pelo Monitor 193 11.2. O Monitor de Secas 194 11.3. Indicadores de seca e produtos de apoio 195 11.4. Conceitos importantes considerados na concepção do Monitor 203 11.5. Arranjos operacionais do Monitor 205 Capítulo 12 Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Francisco de Assis de Souza Filho, Paula Pedreira de Freitas de Oliveira, Marcos Thadeu Abicalil, Cybelle Frazão Costa Braga, Samíria Maria Oliveira da Silva, Sandra Helena Silva de Aquino, Daniel Antonio Camelo Cid, Luiz Martins de Araújo Júnior e Ana Cláudia Fernandes Medeiros Braga 12.1. Introdução 217 12.2. Indicadores e gatilhos das secas 218 12.3. Plano de preparação para a seca em bacia 225 12.4. Plano de Seca em Hidrossistema 244 12.5. Plano Urbano de Preparação para a Seca 255 12.6. Observações finais 262 Referências 263 Organizadores e Autores 275 Listas Lista de figuras 283 Lista de gráficos 287 Lista de tabelas 289 Apresentação Este livro trata do Fenômeno das secas no Brasil, de como o Governo e a sociedade brasileira têm reagido ao fenômeno e, especialmente, do esforço realizado nos três últimos anos para consolidar uma política nacional sobre secas. Publicado originalmente nos Estados Unidos, sob o título “Drought in Brazil: Proactive Management and Policy”, vem agora a lume em português, graças a um esforço conjunto do Banco Mundial e do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Esta edição destina-se aos leitores brasileiros, especialmente aos tomadores de decisão e estudiosos que se interessam pelo problema das variações climáticas e secas no País. Em março de 2013, em Genebra, na Suíça, uma delegação de alto nível do Governo brasileiro, chefiada pelo Secretário de Infraestrutura Hídrica (depois ministro) do Ministério da Integração Nacional, participou da Reunião de Alto Nível sobre Políticas Nacionais de Secas, que ficou conhecida como HMNDP, sua sigla em inglês. O evento, realizado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), pela Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), reuniu delegações de mais de 80 países e foi um marco importante para a definição de uma nova política para o setor. A Declaração aprovada pelos delegados nesse evento fez um chamamento para que os países adotassem políticas nacionais sobre secas. O presente livro descreve os desenvolvimentos no Brasil, a partir de então. Contando com a assistência técnica do Banco Mundial e com base na experiência e na transferência de conhecimento de outros países, os brasileiros avançaram com um processo de articulação, capacitação e implementação de uma política nacional de secas cujo primeiro grande resultado foi a implantação de um Monitor de Secas do Nordeste, junto à Agência Nacional de Águas. O Monitor de Secas já está em pleno funcionamento e pode cumprir sua função de informar aos tomadores de decisão sobre o estado de seca em uma dada região, baseado em informação técnica e na validação de especialistas locais. O texto do presente livro, que representa a contribuição de um grande grupo de especialistas brasileiros e estrangeiros, foi concluído no final de 2015. Embora o livro só esteja sendo colocado à disposição dos interessados no segundo semestre de 2016, os autores optaram por não fazer atualizações, uma vez que o quadro retratado continua válido para todo o período. Secas no Brasil: política e gestão proativas 11 O que aconteceu em 2016? No caso do Nordeste, como o próprio texto já previa, aconteceu mais um ano de seca. As discussões no livro já refletiam essa possibilidade, que acabou se concretizando. No caso de São Paulo, contudo, a situação de seca se reverteu. Tendo passado por uma das maiores crises de abastecimento de água, devido à seca de 2014 e 2015, o Sistema Cantareira, que abastece boa parte da água consumida pela Região Metropolitana de São Paulo, retomou condições de regularidade no decorrer de 2016. No Nordeste, espera-se que condições de precipitação em torno ou acima da média histórica retornem a partir de 2017. Caso isso ocorra, é possível que muitos, rapidamente, se esqueçam do fenômeno da seca, mas é certo que ele voltará. Por isso é tão importante dispor de uma política sobre secas que seja proativa e voltada para reduzir o risco de futuros impactos sociais, econômicos e ambientais, e não, como tem predominado até hoje, uma política que costuma ser mobilizada apenas nos anos críticos. Esperamos que as informações e análises contidas neste livro sejam úteis para todos aqueles que se interessam pela questão das secas no Brasil, quer sejam tomadores de decisão quer sejam pesquisadores ou estudiosos do assunto. Mariano Francisco Laplane Martin Raiser Presidente do CGEE Diretor do Banco Mundial para o Brasil 12 Prefácio Este livro faz parte de uma série publicada pela CRC Press sob o título "Seca e Crise Hídrica: Ciência, Tecnologia e Questões de Gestão1.” Em 2005, editei um livro com o mesmo título sobre a correlação entre secas e questões hídricas. Desde a publicação desse livro, a preocupação com as conexões entre secas e questões hídricas - como mudança climática, escassez hídrica, segurança alimentar e uso sustentável e manejo de recursos naturais - não para de crescer, tornando-se objeto regular de reflexão e debate na literatura científica, na formulação de políticas públicas e na mídia. Ampliar a discussão sobre esse e outros temas por meio de uma série de livros sobre secas e gestão de recursos hídricos é oportuno, e contribuirá para uma melhor compreensão dessas questões importantes por parte de cientistas, formuladores de políticas e gestores de recursos naturais. A seca é um desastre natural de início lento, frequentemente descrita como um fenômeno sorrateiro. Há décadas, cientistas, gestores de recursos naturais e decisores se deparam com o desafio de monitorar o começo e a evolução das secas, bem como determinar o seu término ou fim. No entanto, a gestão de secas deve objetivar a redução de riscos de futuros eventos de seca nas economias, no meio ambiente e no tecido social das regiões afetadas. Erwin De Nys, Nathan Engle e Antonio Rocha Magalhães editaram este livro notável, que será o próximo integrante desta série. Secas no Brasil: política e gestão proativas traz uma história importante sobre os recentes esforços realizados no Brasil para afastar o país da gestão de crises e movê-lo em direção a uma gestão proativa das secas, que deverá servir de exemplo para que técnicos da área de desenvolvimento e autoridades governamentais de outros países possam efetivar mudanças semelhantes de paradigma. Ao longo da minha trajetória profissional, tive a oportunidade de trabalhar com diversas autoridades brasileiras em busca desse objetivo. Apesar dos avanços das últimas décadas, os resultados mais dramáticos foram obtidos em esforços recentes, que tomaram emprestadas experiências e tecnologias dos Estados Unidos, México e Espanha, entre outros países. Tal progresso foi, em boa medida, estimulado pelos vários anos de extrema estiagem que assolaram o Brasil - particularmente a região nordeste. Os editores estruturaram este livro para ser acessível a públicos diversos. Os avanços recentes na gestão e nas políticas de seca no Brasil, embora sejam de natureza bastante técnica e científica, são relatados, primeiro, em um formato narrativo (Capítulos 1-9) voltado aos decisores políticos e 1 Originalmente "Drought and Water Crises: Science, Technology, and Management Issues". Secas no Brasil: política e gestão proativas 13 profissionais na área de desenvolvimento. Os detalhes mais técnicos são apresentados na segunda parte do livro (Capítulos 10-12). No final, este livro apresenta lições valiosas para todas as regiões propensas a secas que lutam para vencer desafios reais, tanto hoje quanto em um futuro afetado pelas mudanças do clima. Donald A. Wilhite Universidade de Nebraska-Lincoln Lincoln, Nebraska 14 Reconhecimentos Gostaríamos de expressar os nossos mais sinceros agradecimentos a todas as pessoas envolvidas nas atividades que inspiraram a publicação deste livro; sobretudo aos inúmeros indivíduos e instituições que participam do planejamento e da gestão de secas no nordeste brasileiro. Somos profundamente gratos a um número reduzido de pessoas de destaque no Brasil que aproveitaram a oportunidade apresentada durante a seca crítica que vem afetando a região nordeste desde 2010 e tomaram medidas audaciosas para avançar em direção a uma maior proatividade, baseada em riscos, no planejamento e na gestão de secas no país. Francisco José Coelho Teixeira, primeiro como o Secretário Nacional de Infraestrutura durante 2012–2013 e depois como Ministro da Integração Nacional em 2013–2015, formulou uma visão para a Política Nacional de Secas que serviu de estímulo a todos aqueles envolvidos nas atividades descritas neste livro. Na posição de assessor de Teixeira durante o seu mandato no Ministério da Integração Nacional, José Machado influiu na tradução da visão em elementos constitutivos, técnicos e institucionais, bem como na canalização do suporte estratégico vindo de instituições brasileiras e parceiros de agências de fomento. Eduardo Sávio P.R. Martins, presidente da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, foi responsável pela liderança metodológica que inspirou todas as equipes técnicas, além de ter sido instrumental na articulação da coordenação institucional necessária entre os nove estados do Nordeste, e entre as esferas federal e estadual, para a elaboração do Monitor de Secas do Nordeste. Somos gratos a Deborah L. Wetzel, diretora do Banco Mundial no Brasil durante a execução do programa de colaboração técnica descrito neste livro, por seu incentivo e apoio ao Brasil através das melhores práticas internacionais de gestão das secas e planejamento. A produção deste livro e as atividades nele descritas só foram possíveis graças ao apoio generoso do Programa de Parceria pela Água do Banco Mundial (WPP na sigla em inglês) e do Fundo Espanhol para a América Latina e o Caribe (SFLAC na sigla em inglês). John Redwood III entrelaçou os Capítulos 1 a 9 com uma única voz e apoiou os editores com serviços de tradução e diversas revisões do manuscrito. Não podemos deixar de salientar a função de coordenação desempenhada por Julia Cadaval Martins, que foi fundamental para manter o ritmo de produção dos editores do livro e assegurar que os textos enviados pelos vários autores tivessem a qualidade e integralidade desejadas. Finalmente, Carolina Abreu dos Santos prestou apoio logístico e Vinícius Cruvinel Rêgo preparou vários dos mapas e figuras usados neste livro. Secas no Brasil: política e gestão proativas 15 Foto: Dorte Verner Capítulo 1 Vida e seca no Brasil Antonio Rocha Magalhães O Brasil é um país muito grande e diversificado e isso se reflete no seu clima. No mesmo momento em que pode gear no Sul e no Sudeste do País, as temperaturas podem ultrapassar os 30 graus centígrados em largas regiões do Nordeste e do Norte. As secas estão presentes em todas as regiões, de norte a sul e de leste a oeste, afetando a produção agrícola e o abastecimento de água. Contudo, é na região Nordeste que elas se manifestam com maior frequência e intensidade e tem impactos mais acentuados. Por isso, neste livro teremos um foco maior na região Nordeste. Este livro usa a definição de seca como uma ocorrência sustentada e de extensão regional em que a disponibilidade de água natural fica abaixo da média. A seca pode ser vista como um desvio em relação às condições de longo prazo de variáveis como precipitação, umidade do solo, água subterrânea e vazão fluvial. A seca costuma decorrer de um índice de disponibilidade de água natural abaixo da média devido à variabilidade climática, resultando em taxas de precipitação baixas e/ou taxas de evaporação altas. No entanto, é importante distinguir a seca de aridez e a seca de escassez de água. Aridez é uma característica permanente de um clima seco, enquanto que a seca é um desvio do clima de longo prazo. Seca é um fenômeno natural; já escassez de água ocorre quando a humanidade usa mais água do que há disponível naturalmente. A desertificação é uma degradação mais ou menos permanente da terra em áreas semiáridas e subúmidas secas. A seca e a escassez de água podem contribuir para a desertificação, mas as razões principais são o sobrepastoreio, o aumento da frequência de incêndios, o desmatamento e/ou extração exagerada das águas subterrâneas. Todos estes elementos estão presentes no Nordeste do Brasil, uma região cada vez mais sujeita aos impactos exacerbadores das mudanças climáticas, como será discutido a seguir. Secas no Brasil: política e gestão proativas 19 1.1. O Nordeste e o Semiárido no Brasil O Nordeste do Brasil é uma região muito grande, de 1.561.177 quilômetros quadrados, que compreende nove estados da Federação Brasileira. Esses estados são (seguindo uma ordem geográfica de norte a sul): Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Quando se fala de seca, inclui-se também o Norte do estado de Minas Gerais (como mostra a Figura 1). Nordeste do Brasil e o Semiárido Legenda Nordeste Fronteira estadual Semiárido Figura 1  –  Mapa do Brasil e estados da Região Nordeste Fonte: Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos – FUNCEME, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2015. Com base em IBGE, 2007; MMA, 2007. No entanto, o Nordeste não é uma região homogênea. Tem uma grande área costeira, onde estão as maiores concentrações humanas e diversas capitais (por exemplo, Fortaleza, Recife e Salvador). Chove muito e, por isso mesmo, cresceu ali uma mata frondosa, chamada de Zona da Mata. Nessa zona costeira úmida se planta a cana de açúcar que, durante séculos, foi a principal atividade do Brasil-Colônia e continua a ser plantada nos dias de hoje. O cacau também vem dessa região. Nos casos de secas extremas, essa região pode ser atingida, mas em geral ela está imune, pelo menos até o presente, aos efeitos das secas. A parte leste da região Nordeste é chamada de Agreste, uma grande área de transição entre a zona da Mata e o Semiárido. Essa região produz gêneros alimentícios, pratica a pecuária de pequena escala e sofre com as secas. 20 Capítulo 1 – Vida e seca no Brasil Em seguida vem o Semiárido, ou Sertão, uma área muito extensa, que normalmente sofre com os déficits hídricos e que é a região mais afetada pelas frequentes secas no Nordeste. No Semiárido há significativa produção de alimentos, especialmente feijão, milho e mandioca, e uma pecuária tradicional, incluindo bovinos, ovinos e caprinos. Quando se fala de seca no Nordeste, normalmente se está referindo ao Sertão ou Semiárido. Trata-se de uma subregião de 982.563 quilômetros quadrados, onde vivem 22,6 milhões de pessoas, que atravessa oito estados do Nordeste (do Ceará à Bahia) e ainda penetra pelo norte de Minas Gerais (CGEE, 2015). O Semiárido foi delimitado no chamado Polígono das Secas, que também envolve áreas do Agreste, como mostra a Figura 2. São Luis " Fortaleza TC " MA " Teresina CE RN " Natal João Pessoa " Legenda PB PI Fronteira estadual " PE Recife Região Nordeste do Brasil Semiárido do Brasil AL Maceió Drenagem de superfície " TO Lago / reservatório " Aracaju Costa Norte BA Floresta Atlântica Agreste Salvador " Vegetação da caatinga Vegetação do cerrado Platô Sul-Baiano Pré-Amazônia brasileira DF Vale do Jequitinhonha MG ES Figura 2  –  Principais ecorregiões do Nordeste brasileiro Fonte: Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos - FUNCEME, 2015. Com base em: USGS, 2005; CPRM, 2006; IBGE, 2006; IBGE, 1985; IBGE, 2007; BNB/FUNCEME, 2005. A oeste e noroeste do Semiárido há uma ampla região, nos estados da Bahia, Pernambuco e Maranhão, que corresponde a uma extensão dos Cerrados do Centro Oeste do Brasil. Essa é uma região de ocupação recente e que vem dando grande contribuição para a produção de grãos, especialmente soja e milho, no País. É pouco sujeita a secas. Secas no Brasil: política e gestão proativas 21 Ao Norte do Semiárido, no Estado do Maranhão, há uma zona de transição chamada de Pré- Amazônia onde, assim como na Zona da Mata, predomina a vegetação tropical. Semelhantemente à costa, aqui chove muito e, embora haja uma redução da precipitação nos anos de seca no Nordeste, os efeitos sobre a produção e a sociedade são menores. Finalmente, cabe fazer referência ao bioma da Caatinga. Trata-se da vegetação tipo savana, típica da região Semiárida, embora não esteja presente em todas as partes do Semiárido. Com efeito, há certos microclimas no Semiárido, como as serras úmidas, onde o tipo de vegetação é diferente da Caatinga. Por isso, o mapa da Caatinga, que tem 826.411,28 km2, não coincide completamente com o do Semiárido nem com o do Nordeste como um todo, como mostra a Figura 2. 1.2. O problema das secas no Nordeste As secas têm tido, historicamente, grande influência em todos os aspectos da vida do Nordeste. Embora elas aconteçam com maior intensidade no Semiárido e, em seguida, no Agreste, todas as regiões acabam sendo afetadas. Na verdade, as águas que correm nos rios para a região litorânea se originam quase sempre no sertão. Por isso, neste livro utilizamos a expressão “seca no Nordeste” e “seca no Semiárido” com o mesmo sentido, sabendo que há uma diferença entre as duas regiões, conforme explicitado acima. As secas sempre existiram no Nordeste. Antes do adensamento da ocupação humana no interior da região, que começou em meados do século XVI, não havia grandes problemas, porque o ecossistema predominante, a Caatinga, era adaptado ao clima e suas variações periódicas. Somente nos casos de secas extremas, as antigas e esparsas populações indígenas eram atingidas e migravam em direção ao litoral, conforme informam cronistas dos primeiros anos da colonização portuguesa. Contudo, depois que os colonizadores penetraram o sertão e começaram a modificar a paisagem, com o estabelecimento de fazendas e com desmatamentos para a criação de gado e para a produção de alimentos, aumentou muito a vulnerabilidade às secas. Ao longo da história, foram registradas várias grandes secas. A maior de todas, em 1877-79, dizimou metade da população e quase todo o rebanho bovino. Antes disso, outras grandes secas registradas causaram grandes impactos, coincidindo com o aumento da densidade de ocupação dos colonizadores no interior nordestino. Depois de 1877, outras grandes secas se seguiram: 1900, 1915, 1919, 1932, 1958, 1979-83, 1987, 1990, 1992-93, 1997-98, 2002-03, 2010-1015, para citar as principais (CGEE, 2016). 22 Capítulo 1 – Vida e seca no Brasil As causas das secas são climáticas. O clima do Nordeste é muito influenciado pelo fenômeno El Niño e pelas temperaturas da superfície do Oceano Atlântico. Além disso, também sofre influência de frentes frias que vêm do sul e de ventos que trazem umidade do Atlântico. Em geral, secas estão associadas ao fenômeno El Niño, o que resulta, em geral, em precipitações menores do que a média histórica na região semiárida, que é de cerca de 800 mm por ano. Apesar de uma precipitação anual média relativamente alta, ela é concentrada em poucos meses do ano. Além disso, os níveis de evapotranspiração ultrapassam os 2 mil milímetros por ano. Isto, associado aos solos rasos sobre uma base cristalina em grande parte do Semiárido, resulta em rios intermitentes. Nos casos de seca extrema, a queda na precipitação é superior a 50%. Como a região semiárida é uma região de fronteira climática, qualquer redução em relação à média pode provocar grandes impactos. Antes o ecossistema, intocado pela ação humana, era resiliente e adaptado a essas variações. A nova situação, que se criou com a ocupação, com a interferência humana no uso da terra, tornou a região mais vulnerável. Uma seca significa falta de água para a agricultura, para o consumo humano, para os animais domésticos e selvagens. Os impactos também são econômicos (com a perda da safra agrícola e com a mortandade de animais), sociais (com o aumento do desemprego e a fome e, em casos extremos, com a morte de pessoas, que muitas vezes buscam emigrar na esperança de encontrar lugares melhores) e ambientais (com a mortandade de animais silvestres, a exaustão de fontes de água, a degradação ambiental e a desertificação, especialmente onde antes houve interferência humana com o desmatamento para diversos fins). O problema é que, na história do Nordeste e do Semiárido, particularmente, o problema da seca é esquecido quando o fenômeno passa. As pessoas voltam a povoar o Sertão, a aumentar o uso do solo para a pecuária, a agricultura e a extração de lenha. A produção agrícola aumenta e o problema da seca é esquecido, até que nova seca se estabeleça e comece tudo de novo. Acontece aqui o que se convencionou chamar de “ciclo hidro-ilógico”, uma expressão criada pelo Professor Donald Wilhite, da Universidade de Nebraska (WILHITE et al, 2005). Na verdade, a seca e a semiaridez são componentes permanentes do cenário do interior do Nordeste. São as atividades humanas que precisam se adaptar às condições do Semiárido, e não o contrário. 1.3. O caso de São Paulo Embora as secas sejam mais associadas ao Nordeste, elas também ocorrem em outras regiões do Brasil. No entanto, suas características são muito diferentes, por causa da maior vulnerabilidade social e econômica do Nordeste. Contudo, com o aumento da população nas grandes cidades do Sudeste, Secas no Brasil: política e gestão proativas 23 como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, as secas atuais podem trazer grandes impactos para suas populações. Na verdade, a disponibilidade de fontes seguras para o abastecimento de água na região metropolitana de São Paulo, com cerca de 20 milhões de habitantes, tem desafiado os tomadores de decisão do Estado já há muito tempo. Atualmente, o abastecimento de água dessa região depende de chuvas que abastecem as bacias hidrográficas locais e também da importação de água de outras bacias vizinhas. Há algum tempo, foi construído o Sistema Cantareira (o nome vem de uma planície localizada na área metropolitana), que importa água de uma bacia hidrográfica que abastece outras regiões do Estado de São Paulo. As águas do Sistema Cantareira são armazenadas em reservatórios que compõem o sistema metropolitano de abastecimento. Antes da seca de 2014 em São Paulo, cerca de 70% da demanda de água da Região Metropolitana era atendida por esse sistema. Ocorre que, devido à seca que afeta essa região, os reservatórios alcançaram um nível muito baixo, causando uma das maiores crises de abastecimento de água já enfrentadas pelo Estado de São Paulo. Uma parte da população normalmente abastecida pelo Sistema Cantareira foi transferida para outros sistemas, que também não tinham muito espaço para expansão. A população da cidade de São Paulo precisou aprender a viver com menos água, atividades econômicas se relocalizaram, a crise hídrica e de abastecimento se transformou em problema político de primeira grandeza, tanto em nível estadual quanto federal. Pode levar alguns anos para que o nível de água dos reservatórios seja reposto, dependendo da intensidade das próximas estações chuvosas. Outros aspectos do caso de São Paulo serão tratados no Capítulo 2. 1.4. O caso da Amazônia O ano de 2005 entrou para a história como um ano de seca extrema na Amazônia. Embora toda a região tenha sido afetada, foi na parte sul da Amazônia, ao sul do equador, que ocorreram os maiores impactos. Uma região muito extensa foi atingida pela seca, incluindo não só o Brasil, mas também partes da Bolívia e do Peru. Além do avião, o outro único meio de transporte em muitos lugares é a navegação fluvial. Quando há uma seca, a navegação fica inviabilizada em muitas localidades, as casas se distanciam das margens do rio, as cidades ficam desabastecidas, os poços secam. Só no estado do Amazonas, 137 mil famílias foram afetadas pela seca de 2005 e se perderam mais de 100 mil toneladas de produção de peixe. Os impactos foram também muito graves no estado do Acre. Isso chamou a atenção não só do Governo, mas também de organizações internacionais, como o Banco Mundial, que promoveu um seminário para discutir o assunto (THE WORLD BANK, 2005). 24 Capítulo 1 – Vida e seca no Brasil Este tipo de evento de seca não foi uma novidade na Amazônia. No passado, outras grandes secas foram registradas, como em 1926 e 1963, em muitos aspectos mais severas (THE WORLD BANK, 2005). Em 2010 houve outra grande seca, que atingiu fortemente os vales dos rios Solimões, Negro e Amazonas. O nível de água caiu a tal ponto que em vários lugares o local onde os barcos ancoravam virou terra firme. Mais de 60 mil famílias foram atingidas, aumentou o preço dos alimentos, a navegação foi profundamente afetada (BALZAM, 2010). As secas recentes e aparentemente mais frequentes na região foram associadas aos crescentes impactos das mudanças climáticas em nível mundial e ao risco do que os cientistas chamam de Amazon dieback [degradação da Amazônia] (VERGARA e SCHOLTZ, 2011). O aumento da variabilidade climática também pode aumentar a frequência e a severidade das secas em outras partes do Brasil - especialmente na região do Nordeste semiárido, onde os impactos socioeconômicos e ambientais da seca costumam ser os mais expressivos, como será discutido mais adiante. Na verdade, durante o ano de 2005, cerca de um terço do país sofreu com condições de seca, incluindo a Amazônia, o Nordeste e o Sul (TADDEI e GAMBOGGI, 2010). 1.5. Impactos das secas no Nordeste: sociais, econômicos, ambientais, políticos, culturais Ao longo da história, as secas têm causado pesados impactos sociais, econômicos e ambientais no Nordeste. Também devem ser realçadas suas consequências políticas e culturais. Quando fica claro que o ano será seco, isto é, que as chuvas não serão suficientes para segurar a colheita nem para armazenar água, os agricultores decidem parar de plantar. Milhões de trabalhadores rurais e agricultores de pequeno porte podem ficar subitamente desempregados, sem oportunidade de trabalho. Instala-se uma calamidade social. Antes de emigrar, eles tentam de tudo. Em secas leves, eles conseguem muitas vezes encontrar alternativas de subsistência no próprio lugar onde vivem. No mais das vezes, quando as secas são mais severas e prolongadas, eles precisam migrar para as cidades ou para outras regiões do Brasil, como Amazônia, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília. Isso ocorreu inúmeras vezes na história, em 1877, 1915, 1932, 1958 e 1983, por exemplo. Antes e durante o Século XIX, não havia estradas nem nenhum sistema de apoio. Os refugiados das secas - conhecidos como flagelados ou retirantes - migravam a pé, andavam meses e meses e muito frequentemente morriam às margens dos caminhos. O naturalista americano Herbert Smith, que visitou o Ceará, o estado do Nordeste com a maior parte de seu território no Semiárido, escreveu que, só no Ceará, 500.000 pessoas morreram por causa da seca de 1877 - 1879, além de outras Secas no Brasil: política e gestão proativas 25 300.000 pessoas nas outras partes do Nordeste (SMITH, 2012). Poucos anos antes, em 1872, o Brasil tinha feito o seu primeiro Censo Demográfico. No Ceará, viviam 700 mil pessoas, principalmente no interior. Isso significa que a grande seca teria causado a morte de mais de 50% da população do Ceará. Um verdadeiro desastre, que foi relatado não somente na literatura nacional, mas também internacional (COOPER-JOHNSTON, 2000; DAVIS, 2000; SMITH, 2012). Fortes impactos sociais continuaram acontecendo nas grandes secas seguintes, como 1900, 1915, 1919, 1932 e 1958, entre outras: desemprego, fome, sede, desnutrição, morte. Em 1915, e depois em 1932, as autoridades governamentais resolveram criar campos de refugiados para ali manter as pessoas que migravam por causa das secas (NEVES, 1995). Milhares de pessoas eram confinadas nesses abrigos, evitando-se assim (ou pelo menos reduzindo) a pressão sobre as cidades, que não estavam preparadas para recebê-los. Na prática, isso foi mais uma calamidade. Mesmo em 1958 ainda se praticou uma variante dessa estratégia. O autor deste capítulo visitou, nesse ano, a Hospedaria Getúlio Vargas, em Fortaleza: era um lugar onde os retirantes ficavam confinados, esperando a oportunidade de migrar para a Amazônia e torcendo pelo fim da seca. Era um quadro de dor e desespero. Sob o aspecto econômico, praticamente todo o rebanho bovino foi dizimado em 1877-79, enquanto a produção de grãos alimentares, como feijão e milho, foi quase eliminada. A economia do Semiárido foi praticamente destruída naquela seca. Não foi feito um levantamento dos impactos ambientais, mas sabe-se que muitas árvores também não resistiram à falta de umidade e, como acontece ainda hoje, o vento se encarregou de levar a cobertura de solos desprotegidos, em forma de poeira. As fontes de água secaram, o que deixou as populações e os animais sem acesso a esse recurso tão vital. Os impactos ambientais aumentaram nas secas seguintes, quando encontraram dimensões mais amplas de terras desmatadas, com solos desnudos e matas ciliares destruídas pela ocupação humana nesse ínterim. Nessas situações, as secas contribuíam para aumentar a intensidade da degradação de terras e da desertificação. Atualmente, o problema da degradação de terras e da desertificação representa grande ameaça para as condições de vida no Semiárido (CGEE, 2016). As secas no Semiárido estão profundamente encravadas na cultura regional. De modo geral, qualquer pessoa com 10 anos de idade ou mais já presenciou uma ou mais secas. As secas fazem parte da história, da cultura, da música, da literatura, das crenças, da religiosidade. Vários dos grandes nomes dos artistas e dos escritores do Nordeste dedicaram ao tema da seca e de seus impactos o melhor da sua criatividade. Escritores como Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Rodolpho Theóphilo, Domingos Olímpio e Graciliano Ramos se dedicaram ao tema das secas. Desse último, talvez a obra mais conhecida seja o romance Vidas Secas. Artistas como Luiz Gonzaga, o símbolo da música nordestina, fizeram da seca o seu tema predominante. Inúmeros poetas populares imortalizaram 26 Capítulo 1 – Vida e seca no Brasil as secas do Nordeste em seus poemas, bastando citar um deles, mais famoso de todos: Patativa do Assaré. O Nordeste produziu uma ampla literatura chamada de cordel, porque os livros eram vendidos nas feiras das cidades do Sertão, dependurados em cordões, onde o tema da seca estava presente. A seca fazia parte da vida de cada um. O que dizer do aspecto político? Sem dúvida, o impacto político dependia do tipo de relação social predominante no Semiárido. Todos eram afetados, mas numa seca leve os donos de terra eram menos afetados do que os trabalhadores rurais sem terra. As atividades predominantes dos donos de terra, a criação de gado, eram menos afetadas do que a produção de alimentos, em geral por pequenos produtores. Os grandes eram menos afetados do que os pequenos. Antigamente, os trabalhadores rurais residiam nas próprias fazendas e trabalhavam para os donos da terra. No início da seca, eles tinham alguma proteção dos donos da terra. Se a seca era mais grave, eles eram liberados à própria sorte. Esse sistema social, em que os trabalhadores dependiam do dono da terra, refletia uma situação política: o dono da terra também era, na prática, o chefe político e mandava nos votos dos trabalhadores, fazendo parte do sistema de poder local e estadual. Uma seca grande, portanto, provocava um distúrbio nessa situação política. Após a seca, nem sempre o sistema inicial podia ser remontado. Isso explica, por exemplo, por que foi possível, no ano de 1987, haver uma mudança no sistema de poder no estado do Ceará, com o enfraquecimento dos donos de terra e o entronamento da classe industrial urbana. Os impactos das secas afetavam o Sistema Político e, ao mesmo tempo, eram influenciados por esse sistema. A questão mais premente do problema da seca era a questão da água, que está na origem dos demais impactos. A seca é, na verdade, falta de água, para consumo humano, animal, para a agricultura e outras atividades econômicas e sociais no Semiárido. Os impactos sociais, econômicos e ambientais podem ser gradativos, na medida em que as chuvas diminuem e as fontes ficam mais escassas - primeiramente para consumo humano, depois para todos os demais usos. As pessoas não podem ficar muito tempo sem água. Por isso os impactos podem ser tão severos, em todos os campos. 1.6. As respostas governamentais: uma história de políticas reativas Desde o momento em que começava uma seca no Nordeste até o momento em que o assunto se transformava em tópico para decisão pelos governantes havia certa defasagem de tempo. Algumas vezes, em secas menos graves, os seus impactos não eram mesmo suficientes para provocar reação Secas no Brasil: política e gestão proativas 27 dos governantes. Contudo, em secas severas, o clamor da população afetada se transformava em problema político e acabava chegando aos níveis mais altos de decisão. Até 1899, o Brasil era um Império centralizado, com as decisões tomadas no Rio de Janeiro, a 2 mil quilômetros do Nordeste. Quando o governo pode reagir a secas como a de 1845, acabou fazendo-o de forma puramente assistencialista e insuficiente. Em 1859, o Governo Imperial nomeou uma Comissão Científica para estudar o Nordeste e o problema da região seca (BRAGA, 2004). Essa Comissão recomendou a importação de camelos da África para facilitar o transporte no Semiárido. Os camelos não se adaptaram e a experiência falhou. Mas isso consumiu muito tempo. Na seca plurianual de 1877-1879, os clamores e a sua duração foram tais que motivaram grande preocupação no centro do Poder. As ações, entretanto, foram apenas assistencialistas e, mais uma vez, insuficientes. Desde essa época, foi detectado que a interferência política nos programas de assistência aos flagelados acabava criando outro tipo de problema: enquanto as ações governamentais eram tomadas para auxiliar as pessoas mais afetadas, sua administração acabava sendo feita pelas elites políticas locais, que muitas vezes procuravam tirar proveito em benefício próprio. Esse problema de apropriação pelas elites continuou em secas seguintes: é sempre um problema quando os sistemas de decisão não são transparentes. Passada a seca de 1877-1879, a economia e parte da população haviam sido praticamente dizimadas. O Governo Imperial nomeou uma comissão de engenheiros para dar uma resposta permanente à seca. Essa comissão recomendou a construção de açudes, para armazenar água e garantir o líquido durante os anos de seca. Recomendou também a transposição de águas do Rio São Francisco, que tem fluxo permanente, para as bacias do Ceará, que são temporárias (ou seja, ficam secos por meses, mesmo durante anos de chuvas normais). O rio São Francisco tem suas origens nas terras altas do estado de Minas Gerais e flui para o norte através da Bahia antes de tomar rumo ao leste e formar a fronteira norte-sul entre os estados da Bahia e de Pernambuco e, mais ao leste, Sergipe e Alagoas, antes de fluir para o Oceano Atlântico. Ele atravessa o coração do Semiárido e é a via navegável interna mais importante da região Nordeste desde os tempos coloniais. O primeiro grande açude começou a ser construído em 1886, quando o Brasil ainda era um Império Constitucional, e foi concluído em 1906, já sob o Regime Republicano. A estratégia de construir açudes continuou nos anos seguintes, até os dias atuais, sendo reforçada sempre que havia uma nova seca. Ou seja, mesmo as soluções permanentes eram deflagradas por novos desastres, nunca de forma proativa. A transposição de águas do Rio São Francisco se encontra, no momento em que este livro é escrito, em fase de construção, após mais de um século de sua recomendação pelos engenheiros do Imperador. Segundo o Ministério da Integração Nacional (MI), o Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco para o norte do Nordeste envolve a 28 Capítulo 1 – Vida e seca no Brasil construção de 700 km de canais e deve beneficiar 12 milhões de pessoas em 390 municípios (MI, 2015). No entanto, ainda não está claro quando a construção será concluída; a previsão é de que a primeira parte do sistema entre em operação ainda em 2016. Um passo importante nas respostas governamentais foi dado em 1909, quando o Governo Federal criou uma instituição permanente, a Inspetoria de Obras (Públicas) Contra as Secas. A IOCS, conforme era conhecida à época, foi criada nos mesmos moldes do Bureau of Reclamation dos Estados Unidos. Mais tarde, em 1919, a IOCS se transformou em IFOCS - Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas - e, em 1945, a IFOCS se transformou no atual DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. O DNOCS executou a política de açudagem e também avançou nos estudos para o conhecimento da realidade do Semiárido e da Caatinga. A “fase hidráulica” da resposta governamental perdurou praticamente sozinha no cenário de políticas até 1945. No entanto, a partir daquele ano, foram criadas novas instituições, refletindo um entendimento mais amplo de que, além de construir estruturas físicas, era necessário apoiar as atividades econômicas para criar empregos na região. Ainda na década de 1940 foi criada a Superintendência do Vale do São Francisco, seguindo o modelo das Tennessee Valley Authority (TVA), dos Estados Unidos. Hoje, ela chama-se Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Em 1952 foi criado o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), para ajudar a financiar as atividades econômicas. E, finalmente, em 1959, na sequência de outra seca severa, foi criada a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) com os objetivos de promover o desenvolvimento econômico da região e reduzir os impactos das secas (HIRSCHMAN, 1963). Para promover o desenvolvimento regional, era necessário criar empregos via industrialização, promover a reorganização da economia do Semiárido para torná-la mais resiliente e anexar regiões fronteiriças para abrigar as populações excedentes, especialmente os Cerrados do oeste da Bahia e a Pré-Amazônia Maranhense. Parte do sucesso da Sudene decorreu do prestígio de que desfrutou nos seus primeiros anos de existência, entre 1959 e 1964, quando foi dirigida pelo famoso economista brasileiro Celso Furtado, o qual, ao mesmo tempo, era Ministro do Planejamento do Brasil. Foram definidos incentivos fiscais para apoiar as atividades produtivas nos setores industrial e agropecuário, foram elaborados planos diretores de desenvolvimento do Nordeste, aprovados pelo Congresso Nacional, e foram realizados muitos estudos sobre o Semiárido e o Nordeste como um todo. Porém, a evolução política do Brasil acabou enfraquecendo a Sudene e o planejamento regional, ao recentralizar o poder no Governo Federal após 1964. Essa situação não mudou muito após a redemocratização do Brasil, em 1985. Secas no Brasil: política e gestão proativas 29 Uma nova grande seca em 1970 mobilizou novamente as classes políticas e os governos. O Governo Federal resolveu reprogramar os recursos do Nordeste e criar um Programa de Integração Nacional (PIN), além de um Programa de Redistribuição de Terras (Proterra). A solução para o problema dos deslocados da seca deveria ser, portanto, incentivar sua emigração para a Amazônia e, em paralelo, criar novas oportunidades no Nordeste – especialmente através da irrigação. Foram abertas estradas cortando o coração da Amazônia – incluindo a famosa Rodovia Transamazônica e a Rodovia Cuiabá- Santarém – e foram estabelecidos núcleos de colonização na Amazônia. Essa estratégia não perdurou por muito tempo, visto que a qualidade do solo sob a Rodovia Transamazônica não viabilizava a ocupação permanente para fins agrícolas. A partir de 1975, foi inaugurada uma nova fase de promoção de projetos de desenvolvimento rural integrado, que deveriam criar condições para a população de pequenos trabalhadores e produtores rurais que são mais afetados pelas secas. Ao mesmo tempo, tanto o Dnocs quanto a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) também intensificaram seu apoio à irrigação, embora seus benefícios iniciais tenham sido limitados (HALL,1978). Data dessa época o início do envolvimento do Banco Mundial no apoio a estratégias de desenvolvimento rural na região. Uma nova grande seca, de 1979 a 1983, levou a uma avaliação dessa estratégia e criação de um “Projeto Nordeste”, que envolvia programas de desenvolvimento rural integrado, complementados por outros programas de saneamento rural, educação, saúde e reforma agrária. Outra seca em 1990 acarretou nova reformulação, com o apoio do Banco Mundial: foi criada uma estratégia de projetos de desenvolvimento rural comunitário em que as comunidades locais – e não os governos estaduais - deveriam ser os principais responsáveis pelo planejamento e execução das ações. Ao lado disso, a partir da década de 1990 foram intensificados esforços na área de gerenciamento de recursos hídricos na região, com a criação de novas instituições, a realização de investimentos físicos em obras hidráulicas e o gerenciamento da oferta e da demanda de água. Em suma, o gerenciamento integrado da água passou a ser uma prioridade. Durante a implantação desse novo processo, especialistas e políticos do Nordeste visitaram experiências de gerenciamento no Oeste dos Estados Unidos, no México e na Espanha, onde viram exemplos e puderam extrair lições para aplicação no Semiárido brasileiro. Na época, foi criada no estado do Ceará a Companhia de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Cogerh) e, no Governo Federal, foi criada, no ano de 2000, a Agência Nacional de Águas (ANA), que, embora tenha atuação nacional, tem também um foco na Região Nordeste e no problema das secas. Enquanto isso, ocorriam grandes transformações políticas no Brasil e no Nordeste. O Governo Militar, que começara em 1964 e fora responsável pelos grandes programas e projetos de desenvolvimento nacional descritos brevemente acima – incluindo a Rodovia Transamazônica - e que achava que 30 Capítulo 1 – Vida e seca no Brasil parte da solução para o problema da seca estava na Amazônia, acabou em 1985. O novo governo civil, chamado de nova República, começou nesse ano. Conforme mencionado anteriormente, em 1987, no Estado do Ceará, o poder rural tradicional de grandes proprietários de terras foi substituído pelas elites urbanas emergentes, e uma nova classe política assumiu o controle do governo. Outros estados do Nordeste passaram por mudanças semelhantes em anos posteriores. Nesse período todo, havia sido montado um Sistema Nacional de Defesa Civil para reconhecer as situações de seca e comandar as ações de atendimento emergencial, constituído pelo Ministério do Interior, em Brasília (depois Ministério da Integração Nacional), e administrado regionalmente pela Sudene e pelos estados. Havia Comissões de Secas tanto no nível estadual quanto no estadual. As decisões, no entanto, eram tomadas de forma centralizada pelo Governo Federal e implementadas pelos estados, sob a supervisão da Sudene. Assim foi, por exemplo, na grande seca de 1979-1983, quando foram criados mais de 3 milhões de empregos temporários nas chamadas frentes de emergência (MAGALHÃES e GLANTZ, 1992). Apesar do ano de 1987 ter sido de seca, o Governo da Nova República demorou a reformular a sua organização interna de gestão da seca. Em face da premência do problema da seca, os governos estaduais do Nordeste tiveram liberdade para definir suas próprias ações de resposta. Isto levou o Governo do Ceará, por exemplo, a inovar, no sentido de tomar medidas que incluíam maior transparência na identificação de obras comunitárias e na seleção dos trabalhadores, com o apoio de grupos de beneficiários, chamados “grupos de ação comunitária”. A nova estratégia praticamente eliminou o problema histórico de desvios de recursos e aproximou dos beneficiários a definição e execução do programa. Outros estados adotaram medidas semelhantes e ajudaram a melhorar os programas emergenciais. Em 1995, o Projeto Áridas2 (MAGALHÃES et al 1993; PROJETO ÁRIDAS, 1995) propôs uma metodologia de planejamento para o desenvolvimento da região Nordeste, incluindo uma visão de longo prazo e foco na sustentabilidade econômica, social e ambiental, incluindo a gestão de crises relacionadas ao clima - especialmente a gestão das secas - em um esforço para reunir estas preocupações de forma mais eficaz e participativa. 2  O Projeto Áridas foi desenvolvido em 1993 e 1994. Ele foi dirigido pelo Ministério do Planeamento do Governo Federal em conjunto com as Secretarias de Planejamento de todos os estados do Nordeste e com a participação de universidades e da sociedade civil. O projeto construiu uma metodologia para o planejamento do desenvolvimento sustentável na região Nordeste com uma visão de longo prazo. Ele definiu as dimensões da sustentabilidade como social, econômica, ambiental e política e estabeleceu um processo de planejamento de sete passos com o uso de tendências e cenários desejados e a inclusão do risco de variações climáticas (variabilidade e mudanças) presentes e futuras. O Projeto Áridas influenciou políticas setoriais no Brasil, como a política da água e o planejamento estadual do desenvolvimento na região Nordeste. Secas no Brasil: política e gestão proativas 31 1.7. Respostas emergenciais às secas Na ocorrência de impactos de secas, o Governo tipicamente reage de duas formas: uma, com ações emergenciais, de caráter assistencialista, para reduzir o sofrimento das pessoas afetadas; a outra, de caráter mais permanente, com o objetivo de reduzir vulnerabilidade futura. Muito do que foi dito acima se refere a esta segunda categoria e se resumia, em boa medida, a acumular água e melhorar a sua administração para reduzir vulnerabilidade da economia e da população em nível regional. Os próximos capítulos tratam da evolução das políticas emergenciais, aquelas que eram tomadas para aliviar o sofrimento das populações durante os eventos de seca. Quando ocorre uma seca, é preciso atender as populações atingidas de várias formas, incluindo: • O abastecimento emergencial de água, um problema sério para as populações rurais dispersas. Em anos de seca severa, em geral quando há secas consecutivas, até mesmo as cidades maiores precisam de abastecimento especial de água; • A criação de empregos, para assegurar que as pessoas que ficam desempregadas tenham acesso a uma renda mínima que lhes garanta, pelo menos, adquirir bens alimentícios. Tradicionalmente, isso tem sido feito através de criação de empregos em frentes de trabalho, uma espécie de emprego keynesiano. Em troca do trabalho, os trabalhadores inscritos recebiam um salário. Essa estratégia evoluiu ao longo do tempo. Duas questões relativas a essa assistência têm sido muito discutidas ao longo dos anos; uma, que tipo de obras realizar e como ligá-las com objetivos de desenvolvimento de médio e longo prazo; outra, que salário pagar, havendo quem advogasse por um valor mínimo para não concorrer com possíveis empregos produtivos; • Seguro ou outra forma de compensação para os produtores que perderam a safra por causa da seca; • Venda de milho a preços subsidiados para alimentar os rebanhos, uma vez que as pastagens foram dizimadas. Garantir água para as populações dispersas tem sido uma resposta comum em todas as secas. Isso tem sido e continua sendo feito, durante muitos anos, com a utilização de carros-pipas, que levam água de fontes existentes, geralmente açudes ou poços, até as comunidades isoladas. Em 2014, por exemplo, eram 8.000 carros-pipas distribuindo água em todos os estados do Nordeste semiárido, contando apenas os financiados pelo Governo Federal. Devem somar-se a esses outros milhares financiados pelos Estados. Em casos de secas anuais ou moderadas, os carros-pipas atendem apenas parte da zona rural. Em secas extremas e multianuais como a mais recente, que continuava a assolar a região quando este livro foi ao prelo, até mesmo as cidades maiores precisam ser atendidas por carros pipas ou por outras formas, como, por exemplo, adutoras de emergência. 32 Capítulo 1 – Vida e seca no Brasil As frentes de trabalho existiram ao longo do século XX. Em alguns casos, eram feitas obras maiores que exigiam o deslocamento dos trabalhadores, que se separavam de suas famílias durante algum tempo. Muitas vezes isso causava rupturas familiares e tinha até mesmo consequências políticas. Em outras ocasiões, como em 1983, eram construídas obras menores, mais perto das comunidades, requerendo menos deslocamentos. Nesse ano foram criados no Nordeste mais de 3 milhões de empregos emergenciais. O salário era muito baixo, uma fração do salário mínimo legal, mas vários membros da família podiam ser empregados. Em 1987, uma nova experiência foi feita em estados como o Ceará, onde apenas uma pessoa da família poderia ser empregada, mas as obras eram de interesse da comunidade. Assegurava-se o pagamento do salário mínimo legal. Com isso, as crianças ficavam liberadas para ir à escola. Também se admitiram tipos diferentes de trabalho, como o de agentes de saúde, o que acabou gerando depois um amplo programa nacional de agentes de saúde. O Seguro-Safra e a venda de milho a preços subsidiados para os criadores de gado são duas ações que têm sido praticadas nas últimas secas, com relativo sucesso. Os pequenos produtores municipais que têm uma quebra de safra de mais de 50% recebem certa quantidade de recursos do governo para compensar suas despesas. O governo vende o milho a preços subsidiados para ajudar na alimentação dos rebanhos. Isso não impediu, no entanto, que muitas reses morressem de sede e de fome, mesmo em secas mais recentes, embora em menor escala do que em secas anteriores. 1.8. A seca de 2010-2015 Entre 2010 e 2015 o Nordeste enfrentou outro período de chuvas irregulares. O ano de 2010 foi seco, com quebra de safra. Mas os reservatórios estavam cheios, devido aos dois anos chuvosos anteriores, de modo que não foi um grande problema no tocante ao abastecimento d´água. A quadra chuvosa do ano de 2011 foi de chuvas em torno da média: embora não tenha havido acumulação de água, houve produção agrícola em abundância. Em consequência, as pessoas conseguiram viver de suas atividades. Contudo, a partir de 2012 até 2015, a região enfrentou um caso de secas plurianuais. O ano de 2015 foi o quarto de secas consecutivas. Isso é muito grave, porque, além das perdas nas atividades agrícolas, os reservatórios pequenos e médios, e mesmo alguns grandes, secaram. Está cada vez mais longe conseguir água para transportar nos carros-pipas. Muitas cidades rurais, que são sedes de municipalidades ou de distritos, ficaram sem água e sem fontes alternativas. Garantir o abastecimento adequado de água foi o maior desafio para o enfrentamento desta seca. No momento em que este livro estava sendo escrito, havia grande preocupação com relação ao ano de 2016. Com efeito, estava em desenvolvimento um fenômeno El Niño de características muito fortes, Secas no Brasil: política e gestão proativas 33 o que em geral significa seca no Nordeste. Se esse quadro se confirmar, será ainda mais extrema, porque as fontes que abastecem a região estão esgotadas. Mesmo as grandes cidades da região estão ameaçadas com a falta de água. Há novidades, no entanto, em relação ao componente de renda das políticas emergenciais. Com o apoio do Banco Mundial, o Brasil desenvolveu um sistema de transferência de renda para as famílias mais pobres. Não se trata de um programa específico para a zona afetada do nordeste semiárido. Atualmente, cerca de 14 milhões de famílias de todo o Brasil recebem transferência de renda do Governo Federal, através do Programa Bolsa Família. Nesse valor, estão incluídas as famílias pobres do Nordeste tradicionalmente afetadas pelas secas e que, normalmente, constituiriam os trabalhadores das frentes de emergência. Desta forma, como a finalidade das frentes de trabalho era prover uma renda mínima para os trabalhadores e suas famílias, e esta finalidade está sendo cumprida pelo Programa Bolsa Família, na seca de 2015, apesar de sua gravidade, não houve a necessidade de frentes de emergência. Mais da metade dos benefícios do Bolsa Família vai para famílias do Nordeste. Embora esta região tenha apenas 28% da população brasileira, ela contém a maior concentração de pobreza rural. Por consequência, cerca de 8,6 milhões de família no Nordeste continuam recebendo mensalmente a transferência de recursos do programa. Em contrapartida, elas devem manter as crianças na escola e devem cumprir obrigações em relação ao Sistema de Saúde, incluindo vacinações e assistência pré-natal (MAGALHÃES e MARTINS, 2011; MDS, 2015). 1.9. As secas e as mudanças climáticas: um novo patamar De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2014), alguns dos maiores impactos das mudanças climáticas ocorrerão sobre as regiões semiáridas do planeta, inclusive sobre o Nordeste do Brasil. Esses resultados também são corroborados pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC, 2015). De acordo com vários modelos climatológicos, é provável que aumente a frequência e a intensidade de secas no Nordeste, assim como a duração do período seco, como ocorre, atualmente, em certas regiões do Brasil. As temperaturas globais deverão elevar-se em pelo menos dois graus até o final do século. Haverá mais evapotranspiração e, portanto, menor umidade no solo. Vários modelos indicam que poderá reduzir-se o fluxo de água em importantes bacias do Nordeste, como no São Francisco. Com mais secas, menos umidade, menos água, os impactos poderão ser maiores sobre a agricultura, sobre a economia, sobre as condições de vida. Além dos desafios tradicionais e históricos, sobre o enfrentamento dos impactos das secas na região, novos desafios são colocados, diante da possibilidade de eventos extremos mais frequentes e intensos. 34 Capítulo 1 – Vida e seca no Brasil No caso do Nordeste, muitos dos impactos futuros das mudanças climáticas lembram os impactos de variabilidade climática em secas extremas, como a de 2010 e 2015. Assim como no caso das secas presentes, com as mudanças climáticas cada vez mais intensas, os setores mais vulneráveis são a agricultura de sequeiro e o abastecimento de água para a população e para outros fins. Também setores como a irrigação agrícola e a produção de energia hidrelétrica necessitarão de grandes esforços para se adaptarem à nova situação regional e global do clima. Quanto mais o País se aparelhar para enfrentar o problema da seca e promover a adaptação às condições do Semiárido, mais fácil será a adaptação às mudanças climáticas no futuro. 1.10. A necessidade de respostas proativas O Nordeste tem uma longa história de enfrentamento das secas. No entanto, a seca ainda continua a ser um elemento surpresa. Não obstante as melhoras e a evolução na forma como os governos estaduais e federal reagem, costuma haver um certo improviso quando ocorre uma nova seca e a sociedade precisa reagir. Agora, novos elementos são acrescentados ao cenário (em constante evolução), decorrentes do aumento da vulnerabilidade ambiental por causa dos processos de degradação e desertificação devidos, até agora, a atividades insustentáveis de uso do solo e da água, e também das mudanças climáticas que se anunciam na região. Até agora as respostas governamentais têm sido muito reativas: decide-se o que fazer quando uma nova seca acontece. Resposta reativa não significa que apenas ações emergenciais sejam empreendidas. A história das secas no Nordeste mostra que tanto houve preocupação, por parte dos decisores políticos, com as ações emergenciais, como também com ações voltadas para reduzir a vulnerabilidade no futuro. Mas as decisões de uma ou de outra forma sempre foram tomadas como resposta a uma nova seca. Assim foi com o estabelecimento da “fase hidráulica”, depois da seca de 1877-1879, com a criação do DNOCS, do Banco do Nordeste do Brasil, da Sudene e dos programas especiais (ex., Programa de Integração Nacional e Proterra). As frentes de trabalho dependeram das condições específicas de cada seca, inclusive do arranjo político e da prioridade atribuída, quase sempre em função do nível de calamidade causada pela seca. Essa situação precisa mudar. O Brasil precisa caminhar em direção a uma política proativa para o enfrentamento dos impactos das secas. Tudo indica que existem agora as condições políticas e técnicas para que isso, de fato, ocorra. O processo para melhorar a qualidade da resposta às secas no Brasil e mudar o paradigma de políticas de um paradigma tradicionalmente reativo para outro mais proativo é descrito em mais detalhes nos capítulos seguintes. Secas no Brasil: política e gestão proativas 35 Foto: Dorte Verner Capítulo 2 A crise, a oportunidade e a liderança Eduardo Sávio P.R. Martins, Francisco José Coelho Teixeira, João Gilberto Lotufo Conejo, José Machado e Antonio Divino Moura 2.1. A crise Como observado no Capítulo 1, a recente crise hidrológica no Brasil tem afetado não só a região Nordeste, sujeita a secas recorrentes, mas também as grandes áreas metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. A atual crise hídrica na região Nordeste é resultado de uma seca que já dura vários anos. Embora a maior parte deste livro concentre-se na região Nordeste, também é útil entendermos a situação da atual seca em outras partes do Brasil, já que isso demonstra a vulnerabilidade a secas prolongadas extremas até mesmo das regiões predominantemente mais úmidas do país. No caso das regiões metropolitanas do Sudeste, a intensidade da última seca também foi particularmente severa, tanto por sua longa duração (2014-2015) quanto por sua intensidade acima da média, caracterizando-a como a seca mais significativa dos últimos 80 anos. O Gráfico 1 ilustra a gravidade da seca recente na região Sudeste, durante a qual as descargas mensais de água para os principais reservatórios do sistema Cantareira na região metropolitana de São Paulo atingiram níveis muito inferiores às suas médias históricas, mesmo em comparação ao ano anterior mais crítico de que se tem registro (1953). Secas no Brasil: política e gestão proativas 39 70 60 Descargas mensais (m3/s) 50 40 30 20 10 0 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Média 62,84 65,41 59,52 43,19 33,90 30,98 25,18 21,27 22,18 26,81 30,75 46,97 1953 24,53 29,14 26,75 30,44 21,46 18,46 15,62 14,19 14,07 15,44 23,72 27,93 2014 14,32 8,47 13,77 13,46 7,26 6,62 4,17 6,28 7,25 3,96 6,04 12,77 2015 8,50 36,55 38,14 15,59 11,19 13,63 8,74 4,09 15,50 Descargas médias mensais (m3/s) para os principais reservatórios do sistema Gráfico 1 –  Cantareira; média histórica, anos mais recentes (2014/2015) e o ano anterior mais crítico (1953). As respostas governamentais às crises de secas passadas e presentes têm uma série de características em comum - incluindo, por exemplo, problemas em comunicar-se a gravidade da situação à população; dificuldades dos decisores em adotar medidas impopulares, como o racionamento; e a falta de uma perspectiva de longo prazo de gestão das secas, como mencionado no Capítulo 1. Uma análise dessas crises também revela que as considerações políticas, especialmente em ano eleitoral (como o de 2014), podem dificultar ou atrasar a avaliação dagravidade da seca e afetar adversamente a tomada de decisões para mitigar seus efeitos, principalmente quando são necessárias ações impopulares (Revista Época, 1985). No caso de São Paulo, a crise de 2014-2015 apresentava semelhanças a crises anteriores - especialmente a de 1985, quando o governo estadual lançou mão do sistema Cantareira para responder ao problema. Como medida de emergência durante a recente crise, o estado buscou usar o volume morto dos reservatórios do sistema Cantareira por meio de bombeamento, reforçado por outras fontes para atender à demanda. No entanto, a resolução final da crise depende da robustez da estação de chuvas de 2016. Não obstante, as estratégias adotadas em São Paulo em resposta à crise atual se traduziram em políticas benéficas - incluindo, por exemplo, a redução da pressão sobre o sistema de abastecimento de água, a diversificação das fontes de água para a região metropolitana 40 Capítulo 2 – A crise, a oportunidade e a liderança e o estabelecimento de um programa de bônus3 para quem economizasse água, gerando impactos notáveis em termos de redução da demanda. A seca atingiu, ainda no mesmo período, as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A crise no Sudeste é tanto hídrica quanto humana. Portanto, é necessária uma visão de longo prazo e uma política eficaz para combater os efeitos da seca. Também é preciso integrar a gestão da seca a outras políticas que visam proporcionar infraestruturas adequadas e água suficiente para atender ao crescimento acelerado da demanda nas regiões metropolitanas e tornar sua ocupação mais sustentável, reduzindo, assim, as tensões geradas por concentrações populacionais elevadas e não planejadas. Até certo ponto, estes problemas ocorrem em todo o Brasil e, portanto, configuram desafios de âmbito nacional. De volta ao Nordeste, os pesados investimentos realizados em infraestrutura hídrica nas décadas anteriores não foram uma resposta definitiva e efetiva aos impactos das secas, em particular aos da seca plurianual de 2012-2015. A solução, todavia, não passa só por melhorias de infraestrutura, mas também pela identificação das vulnerabilidades e elaboração de planos de contingência específicos para cada setor e, dentro deste setor, para cada sistema gerenciável específico (p.ex. planos de contingências para o sistema de abastecimento urbano de uma região metropolitana e para o sistema de cada reservatório). Em outras palavras, são necessárias melhorias de infraestrutura e gestão de recursos para garantir a segurança hídrica. A iniciativa do Monitor de Secas do Nordeste, descrito nos Capítulos 4 e 11, surge durante a seca plurianual vivenciada pelos estados da região. Durante este período, vários problemas, alguns semelhantes à crise do Sudeste, dificultaram uma resposta concertada aos efeitos desta seca, entre estes os seguintes: • de natureza institucional (p.ex., escassez de recursos humanos qualificados); • de ordem política (p.ex., falta de transparência e comunicação social)4; • de vulnerabilidade da infraestrutura (p.ex., insuficiência de reservatórios construídos para garantir as demandas sempre crescentes); 3  A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) instituiu bônus de 10%, 20% e 30% para quem reduzisse o consumo de água, respectivamente, nas faixas de 10% a 15%, 15%, 20% e acima de 20%. Além disso, é cobrada uma taxa de contingência dos clientes com consumo mensal superior à média calculada com base no período de fevereiro de 2013 a janeiro de 2014. 4  Um período de transição política também pode afetar a resposta à seca em termos de finanças públicas. Em 2013, por exemplo, o prefeito que havia assumido o cargo em um município da região semiárida visitado por um dos autores deste capítulo relatou ainda não ter acesso aos recursos disponíveis para responder à seca em 2012-2013, em parte porque seu antecessor não havia compartilhado as informações pertinentes (MAGALHÃES e MARTINS, 2013). Secas no Brasil: política e gestão proativas 41 • de logística (p.ex., armazenamento descentralizado do milho para distribuição); • de fragilidade da articulação institucional entre as esferas administrativas (p.ex., programas de mitigação dos efeitos da seca pensados de forma desarticulada). Apesar de todos os problemas decorrentes, durante a seca corrente na Região Nordeste, ficou evidente o papel que os programas de proteção e de alívio à seca representaram em termos de mitigação dos efeitos sociais de uma seca, tais como êxodo, saques, fome, entre outros. Estes efeitos sociais não são, pelo menos até o momento, sentidos na região, embora exista o receio que venham a ocorrer no futuro decorrentes da persistência social das crises vivenciadas: da seca em 2016 e da crise econômica. A magnitude das crises provocadas pelas secas de 2012-2015 na região Nordeste e de 2014-2015 na região Sudeste, entretanto, tem significado que a questão do gerenciamento de recursos hídricos associada à segurança da água entrou na agenda política nacional, criando uma oportunidade para melhor estruturar e preparar o país para enfrentar futuras secas e períodos de estiagem. O que é necessário agora é tirar vantagem das lições do passado. 2.2. A oportunidade A perspectiva histórica apresentada no Capítulo 1, de forma não exaustiva, revela que os governos brasileiros sucessivamente enfrentaram as crises de seca com medidas repetitivas e reativas. Medidas reativas não significam, necessariamente, medidas emergenciais; também se referem a ações de longo prazo, permanentes ou não, adotadas em resposta a uma emergência de seca específica. Em alguns momentos, como no começo dos anos de 1960, as lideranças chegaram a vislumbrar que a impulsão ao desenvolvimento econômico-social com ferramentas de planejamento deveria prevalecer sobre essa lógica tradicional de respostas emergenciais. Mas foram momentos fugazes que se desvaneceram diante das oscilações políticas. O Capítulo 4 descreve o esforço atual de monitoramento da seca, um elemento-chave da mudança de paradigma: da gestão de crises (ou reativa) para uma gestão de riscos, tratando proativamente as causas - e não apenas os sintomas - por meio de mecanismos instituídos para melhor antecipar os eventos de seca e orientar as ações de socorro de forma mais eficiente, objetiva e eficaz. A seca de 2010-2015 no Nordeste atingiu uma proporção tal que, mais uma vez, os principais tomadores de decisão no Governo Federal e nos governos dos estados afetados, bem como a 42 Capítulo 2 – A crise, a oportunidade e a liderança sociedade como um todo, precisaram considerar a necessidade de agir com base em novas premissas. Os avisos constantes da comunidade científica internacional sobre as mudanças climáticas e seus impactos - e, em particular, sobre a possibilidade de que essas mudanças tornem as secas mais frequentes, prolongadas e severas - causaram preocupação até mesmo nas pessoas mais céticas em relação ao tratamento inadequado das secas no passado, abrindo, assim, uma nova janela de oportunidade para que as políticas públicas nessa área sejam repensadas. Mais uma vez, os líderes dentro e fora do governo chamaram atenção para a necessidade de uma melhor estruturação da política de secas para a região, com o intuito de promover uma maior articulação entre as respostas individuais das várias instituições envolvidas nos três níveis de governo (municipal, estadual e Federal). Eles também chamaram atenção para a necessidade de introduzir- se uma visão de futuro no planejamento de resposta às secas, passando-se de uma abordagem de gestão da crise atual para uma gestão de riscos de longo prazo; em outras palavras, um tratamento mais permanente e proativo do problema. Mesmo assim, eles reconhecem que as medidas de emergência ainda seriam necessárias em situações de crise. Além disso, em vez das decisões serem tomadas "no olho do furacão", elas devem ser previstas e incluídas em um processo coordenado de planejamento e em um sistema de gestão, evitando que a alocação de recursos se dê ao acaso ou de modo fragmentado e irracional. A discussão sobre as secas e seus impactos atingiu os mais altos níveis do poder executivo federal, bem como os poderes legislativos estaduais e o Congresso Nacional. A crise hídrica subjacente agora é percebida nacionalmente como um problema central; o tema da gestão dos recursos hídricos, que se esforçava para ganhar espaço desde a promulgação da nova Lei Nacional das Águas, em 1997, finalmente passou a ser um elemento-chave da agenda de políticas, ao passo que expôs, também, as fragilidades institucionais da resposta às situações de incerteza hidrológica ou déficit hídrico. A crescente conscientização do mais alto nível político sobre a gravidade do desafio das mudanças climáticas e suas implicações hidrológicas, juntamente com as fragilidades institucionais mencionadas acima, apresentam uma oportunidade de ouro para uma mudança de paradigma nas ações do governo brasileiro ao lidar com situações críticas de seca. Trata-se de uma crise climática e hidrológica sem precedentes - dada a sua amplitude e profundidade (visto que ela não está mais restrita à região Nordeste, afetando também as partes mais desenvolvidas do país) - o que reforça, claramente, a necessidade da elaboração de uma Política Nacional de Secas usando a gestão do risco, e não da crise, como seu princípio norteador e superando o caráter reativo e emergencial das ações empreendidas pelos governos no passado. Secas no Brasil: política e gestão proativas 43 2.3. A liderança Segundo a Constituição, a responsabilidade política pelas catástrofes naturais - como as secas no Brasil - é do Governo Federal, que atua em conjunto com os estados afetados. No Governo Federal, a principal instituição responsável é o Ministério da Integração Nacional (MI) e sua Secretaria Nacional de Defesa Civil, que são sempre mobilizados para realizar ações de emergência em resposta a desastres. O MI foi criado em 1999 com uma missão ampla, que inclui: a formulação e implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional e da Política Nacional de Irrigação; apoio à formulação e implementação do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil; e o apoio à construção, operação, manutenção e reabilitação de infraestruturas hídricas de grande porte. Por conseguinte, o Ministério desempenha um papel fundamental na elaboração e execução de estratégias e planos para atenuar os efeitos das secas. No entanto, muitos outros órgãos governamentais também participam desse processo (como ilustra a Figura 3). Empresas MAPA MCTI MD MI MMA MEC Estados Municípios publicas e privadas Inmet Finep, CNPq, DHN Cenad ANA Setor de Setor de Secretarias Fundos ensino ensino Municipais Editais P&D Conab Setores Decea Defesa Civil FAPs Defesas Civis Setor de Cptec Nacional Municipais serviços Sipam Secretarias Cemaden Dnocs Estaduais Institutos de Sudene Centros Pesquisa estaduais Agências de Água Defesas Civis Estaduais Figura 3  –  Instituições envolvidas na gestão das secas no Brasil Nota: As instituições ligadas à formação são identificadas em amarelo; as que tratam do financiamento de estudos e pesquisas aparecem em verde; os centros responsáveis pelo monitoramento, previsão, processamento e divulgação de informações agrícolas, meteorológicas ou hidrológicas são apresentados em marrom; e os usuários destes produtos e informações aparecem em branco. Mapa, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; MCTI, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; MD, Ministério da Defesa; MI, Ministério da Integração Nacional; MMA, Ministério do Meio Ambiente; MEC, Ministério da Educação; CT&I, Ciência, Tecnologia e Inovação; Inmet, Instituto Nacional de Meteorologia do Brasil; Conab, Companhia Nacional de Abastecimento; Finep, Financiadora de Estudos e Projetos; CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; Cptec, Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos; Cemaden, Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais; DHN, Diretoria de Hidrografia e Navegação; Decea, Departamento de Controle do Espaço Aéreo; Sipam, Sistema de Proteção da Amazônia; Cenad, Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres; Dnocs, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas; Sudene, Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste; ANA, Agência Nacional de Águas; P&D, Pesquisa e Desenvolvimento. 44 Capítulo 2 – A crise, a oportunidade e a liderança Apesar desta atribuição de responsabilidade permanente, há certas especificidades relativas às respostas dadas a cada seca. Para orquestrar as ações de emergência de natureza assistencial, a prática mais recente (desde o ano 2000) tem sido instaurar comissões de seca comandadas pela Casa Civil da Presidência da República, em nível federal, e por comitês ou secretarias setoriais em nível estadual. Esses comitês são organizações temporárias e, por isso, tendem a usar mecanismos institucionais ad hoc e são, muitas vezes, criticadas por não conseguirem responder rapidamente com ações abrangentes e integradas. O planejamento e integração entre as instituições têm constituído uma das principais dificuldades em relação às respostas dos governos às secas no Brasil. A resposta do governo em vários níveis para enfrentar e mitigar os efeitos da seca prolongada e severa de 2010-2016 no Nordeste foi de uma intensidade sem precedentes no contexto da gestão de crises. O Governo Federal criou o Observatório da Seca, vinculado à Casa Civil da Presidência da República, com o principal objetivo de dar maior visibilidade aos investimentos voltados à resposta à seca. Por sua vez, o MI criou um Comitê Integrado de Combate à Seca na região semiárida, em 2012, para coordenar as ações do governo no enfrentamento à seca no Nordeste e em Minas Gerais. No entanto, o Observatório da Seca e o Comitê Integrado não incluíam o planejamento (de curto, médio ou longo prazo) entre suas responsabilidades. As respostas - principalmente do Governo Federal - incluíram, além das medidas tradicionais adotadas no passado (como o uso de caminhões-pipa, perfuração de poços, abertura de linhas de crédito de emergência e renegociação das dívidas dos agricultores), também outras ações, como o Bolsa Estiagem5 e o Garantia-Safra6. Estas medidas de emergência, juntamente com o Bolsa Família - de caráter permanente - têm dado assistência vital aos agricultores familiares, como já foi mencionado no Capítulo 1. Além disso, cada município afetado pela seca recebeu uma doação do Governo Federal composta por uma frota de veículos, incluindo uma escavadeira, uma motoniveladora, um trator e um caminhão basculante para obras civis de emergência, em conjunto com um caminhão-pipa. Ao todo, o Governo Federal gastou uma quantidade considerável de recursos em ações de emergência durante a crise, a maioria provenientes do MI através da Secretaria Nacional de Defesa Civil. Quando adicionamos outras ações estruturais em implementação, tais como as obras permanentes de 5  O Bolsa Estiagem é um programa de transferência de renda temporária para famílias pobres afetadas pelas secas. 6  O objetivo deste programa é proporcionar uma garantia de renda aos agricultores em caso de secas ou inundações. Foi criado pelo Governo Federal como parte do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Ele atende aos agricultores das regiões semiáridas do Brasil que perderam suas colheitas devido à seca ou ao excesso de chuvas. As culturas cobertas por este programa são: feijão, milho, arroz, mandioca e algodão. Secas no Brasil: política e gestão proativas 45 infraestrutura hidrológica de grande escala (entre elas, o projeto de integração do Rio São Francisco com as bacias hidrográficas da parte norte do Nordeste, permitindo a transposição de água da primeira para a segunda e beneficiando os estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco), os gastos do Governo Federal chegam a cerca de US$ 10 bilhões. Conforme observado acima, em 2012 a natureza e severidade da seca na região Nordeste reavivou a necessidade de uma verdadeira mudança para um novo paradigma na gestão das secas. Assim, paralelamente à gestão de crises, que seguia seu curso tradicional, várias novas iniciativas passaram a ser realizadas a partir daquele ano. Entre as mais notáveis, estava a criação de um grupo de trabalho pelo MI e seus órgãos associados, encarregado de estudar a seca e propor medidas para lidar com ela. Esse grupo de trabalho foi criado no contexto de uma discussão global sobre as políticas nacionais de seca. O Ministério foi convidado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), em conjunto com a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), para participar e co-patrocinar uma Reunião de Alto Nível sobre a Política Nacional de Seca (HMNDP), em Genebra, na Suíça, em março de 2013 (OMM, 2013). Uma missão do governo brasileiro, liderada pelo então Secretário de Infraestrutura Hídrica do MI e composta por especialistas de diversos órgãos federais - incluindo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e o governo do Ceará - esteve presente nesse evento e apresentou a experiência brasileira com base em um relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho, com contribuições do Ceará. Mais tarde, o Secretário de Infraestrutura Hídrica foi empossado Ministro da Integração Nacional, garantindo, assim, um apoio importante para a elaboração de uma Política Nacional de Seca para o Brasil. Durante a reunião em Genebra, a delegação brasileira ouviu de especialistas técnicos e representantes de outros governos que, sem uma política nacional coordenada em relação às secas, os países continuarão a responder com métodos a posteriori e reativos (ou seja, a gestão da crise). Uma política nacional coordenada inclui sistemas eficazes de alerta precoce e divulgação para transmitir informações tempestivamente aos tomadores de decisão, bem como procedimentos eficazes para avaliar os efeitos da seca, as medidas proativas de gestão de riscos, planos de prevenção para aumentar a capacidade de enfrentamento às secas e programas de resposta eficazes em situações de emergência, com o objetivo de reduzir os impactos da seca. O MI, convencido de que este era o caminho a ser seguido e para complementar os esforços do Grupo de Trabalho do Ministério, solicitou a assistência técnica do Banco Mundial para (1) estruturar e facilitar uma abordagem 46 Capítulo 2 – A crise, a oportunidade e a liderança institucional e uma resposta mais permanente à seca e melhorar a integração dentro e entre as instituições federais e estaduais e (2) desenvolver ferramentas concretas de monitoramento da seca e planos, além de protocolos de preparação para setores específicos. Através de um esforço de colaboração entre o MI, a ANA, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o Banco Mundial e os governos dos estados do Nordeste (especialmente a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos - Funceme), ocorreram diversas discussões de planejamento no final de 2013 e início de 2014 relativas às secas no Nordeste. Estas discussões contaram com a participação de todos os três níveis de governo do Brasil e de especialistas e representantes da sociedade civil, em um processo altamente participativo. Foram avaliados os impactos da seca 2012-2013, bem como as providências tomadas para resolvê-los. A extensa experiência com gestão da seca da região Nordeste também foi revista e foram apresentadas as experiências de outros países que praticam a gestão de riscos como parte de suas atividades de planejamento para a seca, principalmente os Estados Unidos, México, Espanha e Austrália. Esse processo culminou em uma proposta para reestruturar a política de seca para a região Nordeste, com a intenção de estendê-la, posteriormente, para o restante do país, com base nos três pilares apresentados em maiores detalhes no Capítulo 3. Secas no Brasil: política e gestão proativas 47 Foto: Dorte Verner Capítulo 3 Marco e poder de mobilização Erwin De Nys, Nathan Engle e Carmen Molejón Quintana Como indicado nos Capítulos 1 e 2, a recente seca prolongada no Nordeste e Sudeste do Brasil chamou a atenção para a necessidade de uma maior coordenação entre diferentes setores e níveis de governo envolvidos. Não faltam soluções técnicas para aumentar a resiliência das populações, animais e culturas às secas recorrentes. Também existem instituições especializadas responsáveis por planejar o desenvolvimento de diferentes setores socioeconômico das regiões afetadas por essas secas. No entanto, muitos no Brasil acreditam que a falta de articulação de ações e investimentos entre essas instituições é o principal gargalo responsável por atrasos na resposta de emergência e no planejamento da preparação para esta seca mais recente. Este capítulo discorre sobre o arcabouço subjacente à mudança de paradigma que o Brasil vem buscando nos últimos anos. Ele explica a mudança desejada, da gestão de crise tradicional - ou abordagem reativa - para uma abordagem de preparação para a seca baseada em risco, de forma iterativa e com maior proatividade. Ele descreve a estrutura norteadora que dá suporte a esta abordagem, que consiste em três pilares igualmente importantes. O primeiro pilar é a capacidade de prever a ocorrência de secas e monitorar e comunicar sua evolução ao longo do tempo e do espaço. O segundo é a capacidade de avaliar e acompanhar os riscos e a vulnerabilidade de populações e ecossistemas à seca e seus impactos. O terceiro são as ações e investimentos necessários para mitigar esses impactos, com as correspondentes políticas de apoio, planos e processos de tomada de decisão. Finalmente, o capítulo traz reflexões sobre os desafios de coordenação institucional para a gestão da seca no contexto brasileiro. A mudança de paradigma deve ocorrer coletivamente entre as inúmeras instituições que sempre adotaram a gestão de crise tradicional (em suas diversas abordagens) na formulação de políticas e no planejamento para a seca. Este capítulo ilustra os primeiros passos Secas no Brasil: política e gestão proativas 51 concretos tomados pelo Brasil para mudar esse paradigma, com o poder da mobilização e o apoio dos parceiros em nível nacional e internacional, e identifica algumas áreas que podem definir um caminho a ser seguido pelo Brasil nos próximos anos. 3.1. A mudança de paradigma Como ponto de partida, é útil resumir o ciclo de gestão de desastres que se aplica a secas, inundações e terremotos, entre outros desastres (Figura 4). Esse ciclo tem duas partes distintas. A primeira é a gestão de crise tradicional. Muitos governos e doadores adotam, tipicamente, essa abordagem reativa. Ela consiste em uma série de ações subsequentes a um desastre, incluindo uma avaliação de seus impactos e ações de resposta, recuperação e reconstrução para restaurar o local ou região afetada ao estado pré-desastre. Historicamente, os governos têm dado menos atenção à segunda parte do ciclo: a gestão de riscos. A gestão de riscos inclui ações proativas que precedem o desastre e que têm por objetivo evitar ou reduzir impactos futuros. Tais ações incluem alerta precoce e monitoramento, planejamento, mitigação e o desenvolvimento de políticas nacionais de gestão da seca com base em risco. Gestão de risco Proativa Previsão e alarme Preparação precoce Desastre Mitigação Proteção Recuperação Avaliação do impacto Reconstrução Recuperação Resposta Gestão de crise Reativa Figura 4  –  O ciclo de gestão de risco de desastres Nota: A ênfase tipicamente reativa e baseada em gestão da crise, no caso das secas, é indicada na metade inferior da figura, ao passo que a mudança de paradigma buscada pelo Brasil na preparação para a seca mais proativa e baseada em gestão de risco é observada na metade superior da figura. Fonte: Centro Nacional de Mitigação da Seca, Universidade de Nebraska-Lincoln, Lincoln, NE 52 Capítulo 3 – Marco e poder de mobilização A gestão de crises só aborda os efeitos e impactos da seca que ocorrem por consequência direta ou indireta de eventos de seca. A gestão de risco, por outro lado, concentra-se em identificar vulnerabilidades e implementar medidas de forma sistemática e iterativa para diminuir os potenciais impactos associados a secas futuras. No Brasil, a abordagem do Governo Federal à seca, historicamente, se baseia na parte do ciclo correspondente à gestão reativa de crises. Como destaca o Capítulo 2, a Casa Civil da Presidência da República, tradicionalmente, tendia à implementação de ações assistenciais e obras públicas emergenciais, muitas vezes contando com comitês pontuais para implantar ações de resposta e recuperação. No entanto, a gravidade dos impactos da seca atual (período de 2010-2015) evidenciou a inadequação dessa abordagem, muitas vezes caracterizada por respostas lentas e falta de coordenação dentro e entre as instituições federais e estaduais envolvidas. Em resposta, vários ministérios e agências do setor expressaram a necessidade de uma abordagem mais proativa e um arcabouço institucional mais estável para lidar com esse fenômeno, como observado nos Capítulos 1 e 2. 3.2. O poder da mobilização Em nível internacional, a crescente preocupação com os impactos cada vez mais graves da seca levou várias organizações-chave a promover uma mudança de paradigma, passando da gestão de crise para a gestão de risco, através do desenvolvimento de políticas nacionais de gestão da seca. Mais notavelmente, como indica o Capítulo 2, a Organização Meteorológica Mundial (OMM), o Secretariado da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) organizaram a primeira Reunião de Alto Nível sobre Políticas Nacionais sobre Secas (HMNDP, sigla em inglês para High Level Meeting on National Drought Policies) em Genebra, Suíça, de 11 a 15 de março de 2013. A reunião contou com a participação de especialistas e formuladores de políticas de 87 países, bem como outras agências da ONU, organizações internacionais e regionais (WILHITE, 2014b). O resultado foi uma declaração mutuamente acordada reconhecendo a necessidade de construção de resiliência à seca e políticas nacionais para a seca para ajudar a facilitar este processo. Oficinas regionais de capacitação se seguiram à HMNDP, com o objetivo de ajudar os países com maior propensão à seca a formular e adotar políticas nacionais de gestão com base em risco (TSEGAI e ARDAKANIAN,2014). Na HMNDP, um dos países mais determinados a desenvolver políticas mais proativas de gestão da seca foi o Brasil, representado pelo seu futuro ministro da Integração Nacional. Secas no Brasil: política e gestão proativas 53 Na época, o ministro convocou várias organizações nacionais e internacionais com capacidade técnica e poder de mobilização para ajudar a preparar a HMNDP. Em nível nacional, foram incluídas a Agência Nacional de Águas (ANA), o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta Precoce de Desastres Naturais (Cemaden) e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), além de agências ligadas ao próprio Ministério da Integração Nacional. A ANA, em particular, desempenha um papel importante de liderança técnica no que diz respeito à seca, com responsabilidades que incluem o monitoramento do abastecimento de água e a disponibilidade hídrica em nível nacional, bem como a gestão das bacias hidrográficas federais (ou seja, bacias hidrográficas que atravessam fronteiras de estados ou países). Como mencionado no Capítulo 2, o Banco Mundial também foi solicitado a ajudar o Ministério a desenvolver um programa de colaboração técnica sobre preparação para a seca e resiliência climática (referido ao longo deste livro como "programa de colaboração técnica”). O Banco Mundial é um parceiro de desenvolvimento de longa data do Brasil, principalmente na região Nordeste, tendo apoiado governos estaduais e o Governo Federal na gestão de recursos hídricos, abastecimento de água e esgoto, irrigação, desenvolvimento regional e rural e gestão de risco de desastres (GRD) por muitos anos. Outros projetos financiados pelo Banco Mundial e relacionados à mitigação da seca na região Nordeste concentraram-se no desenvolvimento comunitário e regional, diversificação de renda e agricultura climaticamente inteligente, entre outras prioridades. Para o Ministério da Integração Nacional (MI), o principal objetivo do programa de colaboração técnica foi ajudar as partes interessadas no Brasil (tanto em nível nacional quanto na região Nordeste) a desenvolver e institucionalizar abordagens proativas para lidar com eventos recorrentes de seca, com o benefício adicional de desenvolver ferramentas, estruturas, processos e plataformas de intercâmbio com os quais outros países também pudessem aprender e promover a inovação em torno desse tema. O Banco Mundial desempenhou um papel importante no desenvolvimento e organização de um arcabouço conceitual para a mudança de paradigma almejada através da mobilização da experiência nacional e internacional do Estado do Ceará (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos - Funceme), do México (Comissão Nacional de Águas - Conagua), da Espanha (vários governos locais e especialistas acadêmicos) e dos Estados Unidos (Centro Nacional de Mitigação da Seca - NDMC e vários outros especialistas acadêmicos). Finalmente, o Banco Mundial, o Ministério da Integração e seus parceiros foram fundamentais para o envolvimento de todos os nove estados da região Nordeste neste programa (Figura 5). Grande parte da experiência descrita nos demais capítulos deste livro diz respeito ao processo e aos resultados desse programa de colaboração técnica. 54 Capítulo 3 – Marco e poder de mobilização Legenda Distrito Federal Região do Semiárido Estados brasileiros Figura 5  –  Mapa do nordeste do Brasil e do mundo, mostrando os parceiros internacionais envolvidos no programa de preparação para a seca e resiliência climática 3.3. Os três pilares da preparação para a seca O marco orientador deste programa é constituído por três pilares de preparação para a seca, de igual importância. Este marco, ilustrado na Figura 6, consiste em (1) monitoramento e previsão/alerta precoce; (2) avaliação de vulnerabilidade/resiliência e de impacto; e (3) mitigação e planejamento e medidas de resposta. Eles correspondem a instrumentos - ou ferramentas-chave - de uma política de preparação para a seca. O marco foi consolidado a partir de várias fontes e diálogos com especialistas em seca internacionais e suas apresentações (ex., BAZZA, 2001; ENGLE, 2012; WILHITE et al., 2014). Um desafio inicial que o programa encontrou ao apresentar este marco a parceiros e partes interessadas foi a diferença inerente entre os "três pilares" e marcos de gestão de risco de desastres (GRD) como o do Banco Mundial (BANCO MUNDIAL, 2012), que define a GRD em cinco pilares: (1) identificação de risco; (2) redução de risco; (3) preparação; (4) proteção financeira; e (5) recuperação resiliente dos desastres (BANCO MUNDIAL, 2014). No entanto, este marco geral não está bem adaptado às crises relacionadas à seca devido ao início lento e ocorrência gradual desta última. Assim, o redirecionamento e o refinamento desse modelo para os três pilares da preparação para a seca ajudam as autoridades a operacionalizar os princípios da GRD para fins de gestão de seca de uma forma que se aplique mais diretamente a este tipo específico de perigo natural. O primeiro pilar refere-se a sistemas de monitoramento e alerta precoce que são a base dos outros elementos da preparação para a seca. Ele inclui o monitoramento de indicadores relevantes (ex., precipitação, temperatura, evapotranspiração, previsões meteorológicas sazonais, umidade do solo, Secas no Brasil: política e gestão proativas 55 vazão, níveis de reservatórios e lagos etc) e a utilização de índices apropriados através do esforço coordenado de indivíduos, instituições e sistemas de informação. Ele exige a análise integrada de dados com ferramentas que podem ser usadas pelos tomadores de decisão para detectar as secas e melhorar a preparação e resposta a elas por meio de ações e gatilhos associados. Três pilares de preparação para a seca 1. Monitoramento e 2. Avaliação de vulnerabilidade/ 3. Planejamento e medidas previsão/alerta precoce resiliência e de impactos de mitigação e resposta - Fundamento de um plano - Identifica quem e o que está em - Programas pré-seca e ações para de seca risco e porquê reduzir riscos (curto e longo prazo) - Índices/indicadores ligados a - Envolve monitoramento/ arquivo - Plano de resposta operacional impactos e gatilhos de ação de impactos para melhoria da bem desenhado para quando a caracterização da seca seca iniciar -Alimenta o desenvolvimento/ entrega de informações e - Rede de segurança e programas ferramentas de apoio à tomada sociais, pesquisa e extensão de decisão Figura 6  –  Os "três pilares da preparação para a seca" que proporcionam um marco de referência para o programa de colaboração técnica entre o Banco Mundial e o Ministério da Integração, para apoiar uma mudança de paradigma da gestão reativa de crise para abordagens mais proativas de gestão de eventos de seca O segundo pilar - a avaliação de vulnerabilidade/ resiliência e de impacto - incentiva as partes interessadas a estabelecer um diálogo sobre os riscos antes da ocorrência de uma seca, para que as prioridades possam ser identificadas e negociadas com base em "quem" (ou seja, quais partes interessadas) e "o que" (que setores econômicos) devem ser envolvidos na preparação e resposta à seca. Além disso, indicadores e procedimentos de notificação de impactos estabelecidos através dessas avaliações podem ajudar a aumentar a tempestividade do planejamento e da gestão no início de um evento de seca. O rastreamento dos impactos também pode fornecer informações críticas para o monitoramento e a avaliação dos benefícios e custos socioeconômicos da preparação para a seca, possibilitando que as comunidades trabalhem para fortalecer sua capacidade e resiliência. O terceiro pilar diz respeito ao planejamento da mitigação e da resposta para desenvolver medidas proativas que aumentem a capacidade de resposta de uma comunidade, bem como medidas de resposta alinhadas com os princípios de redução de risco. Este pilar inclui um plano operacional de resposta à seca com ações pré-acordadas, definindo quando e como os diferentes setores devem responder para mitigar os impactos da seca. É importante destacar que, com base em avaliações 56 Capítulo 3 – Marco e poder de mobilização do segundo pilar e em conexão com os sistemas de monitoramento/ alerta precoce do primeiro pilar, medidas estruturais de curto e longo prazo destinam-se a combater vulnerabilidades sociais (TSEGAI e ARDAKANIAN, 2014b). Neste sentido, na preparação para a seca e desenvolvimento de resiliência de longo prazo, é importante que elementos do plano possam ser implementados em tempos de "não seca". A interação entre os três pilares indica que o planejamento para a seca deve ser encarado como um processo contínuo (WILHITE et al, 2005) e baseado em sistema de monitoramento e alerta precoce robusto, acompanhado da avaliação de vulnerabilidade e resiliência da comunidade ou região e relacionado a gatilhos de políticas e ações de gestão e decisões de investimento de longo prazo. 3.4. Os primeiros passos da mudança Como resultado dos esforços relacionados à HMNDP em nível internacional, foram elaboradas medidas ou diretrizes genéricas para que as nações possam aplicar os princípios gerais de uma política nacional sobre a seca destinada à redução de risco (WILHITE, 2014b). Essa política seria realizada em nível subnacional através da implementação de Planos de Preparação para a Seca que seguem a estrutura e os princípios da Política Nacional sobre a Seca. Esse processo exige vontade política no mais alto nível e uma abordagem coordenada dentro e entre os diferentes níveis de governo, bem como entre as outras partes interessadas que devem participar do processo de desenvolvimento da política. No Brasil, dada a dimensão continental do país, a proposta do programa de colaboração técnica foi desenvolver as principais ferramentas ou instrumentos de uma política nacional proativa de gestão de secas, começando com um piloto em uma região específica - o Nordeste – e, posteriormente, expandindo as ações para o restante do país. O programa ajudou a desenvolver dois instrumentos que foram tidos como fundamentais para o avanço em direção a uma política baseada nos princípios da preparação para a seca e no marco de três pilares descritos acima: um Monitor de Secas para todo o Nordeste e planos de preparação para a seca em locais específicos na região. Na sua forma mais visível, o Monitor de Secas do Nordeste é um mapa, atualizado mensalmente, que descreve o estado atual das condições de seca em toda a região, desenhado com base em vários indicadores meteorológicos e hidrológicos. Os indicadores são ponderados para produzir um índice composto de gravidade com cinco etapas e, assim, agregar mais nuance, objetividade e consistência Secas no Brasil: política e gestão proativas 57 à definição das condições de seca em toda a região. Além do mapa, o Monitor estabelece um arranjo organizacional de pessoas, instituições e processos que são tão importantes quanto o próprio mapa da seca. A produção dos mapas envolve colaboração entre os especialistas técnicos de nível sênior de instituições dos nove estados do Nordeste e diversas entidades federais. O processo de criação do Monitor facilitou melhorias técnicas e institucionais importantes para o desenvolvimento de políticas e planos que visam à redução dos riscos de seca, como será descrito em maior detalhe nos Capítulos 4 e 11. O segundo instrumento - ou conjunto de instrumentos - consiste no desenvolvimento de intervenções de preparação com ações bem definidas e acordadas a serem implementadas no início de um evento de seca e à medida que ele evolui no tempo e no espaço. Planos de preparação para a seca (que incluem elementos de mitigação de risco e planos de contingência) definem os tipos de ações a serem tomadas nos diferentes estágios ou níveis de intensidade das secas (ou seja, desde a situação anterior, passando pelos primeiros sinais de seca, até condições de seca extrema e excepcional), bem como as condições de início e térmico de cada etapa. Os planos caracterizam impactos e vulnerabilidades relacionados à seca, os principais atores institucionais e medidas de planejamento para mitigar o risco de seca e respostas de emergência. Sua contribuição para uma melhor articulação entre os diferentes setores e níveis de governo é ilustrada nos Capítulos 5 e 6. 3.5. Conclusão As medidas iniciais adotadas pelo Brasil ao longo dos últimos anos, com a assistência de parceiros nacionais e internacionais, para introduzir melhorias técnicas (monitoramento da seca e planos de preparação) não só receberam apoio, mas também contribuíram para medidas institucionais que foram igualmente, se não mais importantes que as próprias melhorias técnicas. Como os três capítulos seguintes irão ilustrar, os processos associados ao Monitor de Secas e aos Planos de Preparação ajudaram a estruturar e facilitar uma abordagem institucional e uma resposta mais permanente a este fenômeno recorrente na região Nordeste. No entanto, conforme mostra o Capítulo 8, apesar do progresso acarretado por essas melhorias, elas representam apenas os estágios iniciais de uma mudança de paradigma que ainda precisa avançar nos próximos anos. 58 Foto: Dorte Verner Capítulo 4 O caso técnico e institucional – Monitor de Secas do Nordeste como âncora e facilitador da colaboração Eduardo Sávio P.R. Martins, Carmen Molejón Quintana, Maria Assunção F. Silva Dias, Robson Franklin Vieira Silva, Bruno Biazeto, Gisela Damm Forattini e Julia Cadaval Martins 4.1. As limitações do sistema tradicional de monitoramento de secas Conforme menciona o Capítulo 1, o semiárido nordestino ocupa uma área enorme do território brasileiro e tem como uma de suas características a deficiência média de chuvas. Essa situação típica do semiárido nordestino é um problema histórico e, apesar de o primeiro registro de seca na história do Brasil ocorrer em 1583 (CAMPOS, 2014), seus registros sistemáticos começam no século XIX. Os primeiros registros de secas são realizados em função dos impactos a elas associados, enquanto que secas as mais recentes são baseadas em observações meteorológicas. Para ilustrar a variabilidade climática típica da região, o Gráfico 2 mostra a distribuição intra e interanual das chuvas ao longo do período 2008 a 2015 para o estado do Ceará, bem como o ano médio (climatologia mensal). Em bege e cinza estão apresentados os anos para os quais a estação chuvosa ficou enquadrada abaixo e acima da média, respectivamente. Este padrão de sequência de anos secos e úmidos, ainda que não exatamente os mesmos anos, foi observado para o semiárido da região Nordeste como um todo. A natureza da resposta a esta variabilidade climática tem sido reativa Secas no Brasil: política e gestão proativas 61 em sua essência, seja em anos de excesso de chuva (p.ex., aumento do rebanho, aumento da área plantada) ou em anos de relativa escassez (p.ex., perfuração de poços, adutoras emergenciais, etc.). 400,0 1.226 mm 350,0 300,0 923 mm 250,0 Precipitação (mm) 1.034 mm 805 mm 200,0 543 mm 567 mm 529 mm 150,0 593 mm 390 mm 100,0 50,0 0,0 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Média. Anos Distribuição intra- e interanual das chuvas para o estado do Ceará para o período 2008 - Gráfico 2 –  2015. Os meses de cada ano são apresentados de janeiro a dezembro (da esquerda para a direita). Em bege e cinza estão apresentados os anos para os quais a estação chuvosa ficou enquadrada abaixo e acima da média, respectivamente. O ano médio (climatologia mensal) e a distribuição são apresentados em preto, à direita da figura. Os investimentos pesados realizados em infraestrutura hídrica no Nordeste entre os anos de 1990 e 2000 pareciam ter sido uma resposta aos impactos das secas recorrentes, pelo menos no que se refere ao atendimento às demandas ligadas aos hidrossistemas construídos (demandas urbanas, agricultura irrigada em perímetros, etc.). Entretanto, a seca plurianual de 2012-2015, a mais grave dos últimos 80 anos, tem demonstrado que décadas de soluções estruturais, embora necessárias, foram insuficientes para suportar essa sequência de vários anos com chuvas abaixo da média. Isto evidencia a necessidade de se estimular uma reflexão mais profunda em termos de política pública no Brasil, uma vez que a fragilidade não está limitada a problemas de infraestrutura, mas também à gestão de curto, médio e longo prazo destas secas e seus efeitos. Como ressaltam os Capítulos 1 a 3, o foco histórico no gerenciamento das secas no Brasil permaneceu mais reativo em natureza, com mecanismos de resposta orquestrados durante épocas de seca por comitês temporários, em nível federal. Por causa de suas fragilidades institucionais em termos de recursos humanos e financeiros, os estados ficam geralmente limitados à implementação de programas concebidos pelo Governo Federal. Além disso, as instituições federais e estaduais responsáveis pelo monitoramento e previsão meteorológica, hidrológica e agrícola, de modo geral, 62 Capítulo 4 – O caso técnico e institucional – Monitor de Secas do Nordeste como âncora e facilitador da colaboração agem de forma independente, gerando um grande número de produtos diferentes relativos ao monitoramento da seca. Consequentemente, estados e União muitas vezes não concordam com o nível de severidade de seca atribuído a uma determinada região, havendo assim divergências no reconhecimento das necessidades de mobilização ou desmobilização de recursos, em particular aqueles de natureza emergencial. Fica clara a necessidade de uma ação mais concertada entre os entes federais e estaduais que possuem aderência à temática. Além do sombreamento evidente entre instituições nesta ação, é ainda possível identificar em uma mesma instituição mais de um produto com a mesma finalidade, embora monitorando a mesma dimensão da seca, por exemplo, a meteorológica. Um dos motivos é o fato de estes produtos serem frequentemente frutos de projeto individual e não de algo estruturado de uma Política Nacional de Secas. Outra característica destes produtos é que eles não utilizam de forma integrada todos os dados das múltiplas redes estaduais e federais existentes no país. A diversidade de instituições, com seus produtos associados ao monitoramento sistemático das secas, não resultou em um aumento do nível de alerta com relação às mudanças de severidade de seca na região Nordeste. Essa observação problematiza a conclusão de alguns estudos na área de governança que associam vantagens ao fato de se criar redundância entre instituições (LANDAU, 1969; SCOTT, 1985) e reforça o argumento de que elementos redundantes podem ser usados de formas muito diferentes em diversos sistemas (FELSENTHAL, 1980; LERNER, 1987). Atualmente, são geradas informações úteis, mas elas não são utilizadas da forma mais eficiente possível na gestão das secas da região, o que nos leva a crer que a necessidade de mudança passa não somente pela criação de um produto novo e aprimorado, mas sim pela criação de um processo que envolva as instituições estaduais e federais ligadas ao monitoramento/previsão de secas e resposta aos seus impactos. Faz-se ainda necessária uma melhor compreensão das fragilidades do Nordeste semiárido, antes de se planejar a realização de investimentos em infraestrutura hídrica. Isto passa pela definição de um modelo de desenvolvimento sustentável para a região, o qual deve incorporar a informação climática ao planejamento do Estado, tanto nos projetos de grandes infraestruturas, com o olhar de médio e longo prazo, como no seu gerenciamento, com o olhar de curto prazo. Secas no Brasil: política e gestão proativas 63 4.2. A possível solução baseada no Monitor de Secas: uma mudança de paradigma O contexto descrito nos capítulos anteriores tem recentemente estimulado um diálogo no país para melhorar a política e gestão da seca. A necessidade de uma resposta mais concertada do Estado à ocorrência de secas, envolvendo todas as suas esferas administrativas - federal, estadual e municipal - e não só de forma emergencial, mas também de longo prazo e proativa, levou o Ministério da Integração Nacional (MI) a pensar em uma formulação mais estruturada da Política Nacional de Secas do país. No passado, observou-se que essa conversa ganha ou perde relevância em função do ciclo de seca, com apenas algum progresso incremental sendo realizado na direção da gestão mais proativa de secas. Inicialmente, devido à complexidade do tema, o governo resolveu concentrar esforços no primeiro e mais fundamental pilar de preparação às secas: o monitoramento. Como indica o Capítulo 3, esse monitoramento aprimorado é um fator-chave para facilitar a mudança de paradigma pretendida. No entanto, este é apenas um dos elementos. Como primeira etapa, buscou-se a concepção de um modelo mais adequado de monitoramento de secas, o qual apresenta diferenciais com relação aos monitoramentos convencionais realizados pelas diversas instituições do país até agora. O modelo de monitoramento aprimorado escolhido foi inspirado pelos esforços de gestão de secas do México e dos Estados Unidos e reúne informações de instituições federais e estaduais para produzir um único mapa das condições de secas para a região, como será explicado mais à frente no Capítulo 7. Este modelo exige uma articulação intensa entre instituições estaduais e federais, motivo pelo qual se resolveu limitar a sua execução, em um primeiro momento, à região Nordeste. Da mesma forma que o processo e a cooperação institucional que lhe dão suporte, o mapa (produto final do monitoramento) visa a melhorar a definição e o entendimento comum das secas, bem como aumentar a eficiência e a efetividade das respostas de políticas públicas. Este novo modelo é, a partir de agora, referido simplesmente como Monitor de Secas do Nordeste, Monitor de Secas ou apenas Monitor. A diferença fundamental entre o Monitor de Secas e sistemas convencionais é a ênfase dada ao processo participativo que gera criação de seu produto-chave (o mapa mensal da seca), em oposição a uma geração automática com base em cálculos numéricos e indicadores de seca que não refletem, necessariamente, a intensidade e/ ou a natureza da seca vivenciada em determinada localidade. Na verdade, a maioria dos produtos tradicionais de monitoramento da seca se concentra apenas nas dimensões meteorológicas das secas. No entanto, precipitações abaixo da média em determinado período, por exemplo, podem gerar colheitas acima da média e em descargas-médias 64 Capítulo 4 – O caso técnico e institucional – Monitor de Secas do Nordeste como âncora e facilitador da colaboração em reservatórios também acima da média, dependendo de sua distribuição temporal. Logo, do ponto de vista da formulação de políticas públicas, monitorar as secas apenas com o olhar meteorológico é insuficiente. O Monitor de Secas consiste, portanto, em um processo que conta com a participação e colaboração de instituições de clima e dos setores de recursos hídricos e agricultura dos diversos estados, assim como de instituições federais seletas, visando à identificação do estado de severidade da seca da região em suas dimensões meteorológica, hidrológica e agrícola. Como parte do processo de criação do Monitor, foi feito um diagnóstico institucional das instituições pertinentes da União e dos estados, assim como um convite a estas para participação em oficinas regionais visando a discutir o desenho operacional e institucional do Monitor e ao acompanhamento dos seus avanços na fase de implementação experimental. Isso ocorreu entre agosto de 2014 e agosto de 2015. O Monitor de Secas do Nordeste entrou em operação no início de 2016 (http://monitordesecas.ana.gov.br/). O caminho até a implementação operacional do Monitor não foi trivial, porque a maioria das instituições entendia que já realizava um monitoramento adequado das secas. Para facilitar o convencimento destas instituições a participarem do Monitor, várias oficinas regionais foram realizadas no Nordeste, somadas a reuniões bilaterais com a participação da equipe do então Projeto do Monitor. Dessa forma, o time procurou coletar as perspectivas de cada instituição sobre o valor adicionado de um Monitor de Secas, incentivando perspectivas que foram, então, incorporadas ao seu processo de desenvolvimento. Apesar dos imensos desafios e dificuldades no início, este processo participativo proporcionou a integração de todas as bases de dados relevantes da região, que permitem o cálculo de diferentes indicadores de seca e a reunião de produtos auxiliares gerados a partir de outras informações - em geral, sensoriamento remoto. A combinação dos indicadores e produtos auxiliares é responsabilidade de uma instituição autora7 do Nordeste e resulta em um mapa preliminar. Em seguida, para identificar as discrepâncias entre esse mapa e as evidências locais, ele é submetido a um processo de validação local, que faz uso de atores que vivenciam diretamente os impactos da seca em diferentes locais. A validação é umas das etapas mais importantes, pois o mapa possui algumas imprecisões, principalmente em razão da baixa densidade da rede, que é insuficiente para refletir a intensidade da seca em cada localidade devido à variabilidade espacial das chuvas, dos solos, da vegetação e dos usos do solo, entre outras características. Este processo de validação é repetido até chegar-se a um mapa final de consenso entre todas as instituições envolvidas no processo (as instituições autoras 7  Durante a fase experimental do Monitor, determinou-se que em cada mês uma instituição estadual (conhecida como autora) lideraria, em regime de rotatividade, o processo de elaboração do Mapa do Monitor. Secas no Brasil: política e gestão proativas 65 e validadoras). Como consequência da natureza participativa e colaborativa entre instituições das esferas estaduais e federais, vem se consolidando um maior nível de consciência comum quanto à severidade da seca impactando a região. O Monitor de Secas deve, pelas razões acima apontadas, ter as seguintes características: • Ser resultado de um conjunto de ações concertadas entre União e estados; • Por ser um processo complexo, seja pelo arcabouço institucional, seja pelos aspectos operacionais, o processo deve começar simples e evoluir ao longo dos anos (p.ex., pela inclusão de novos indicadores, estações de monitoramento, informações auxiliares provindas de sensoriamento remoto e modelagem), à medida em que mais experiência for sendo acumulada; • Contar com a coautoria dos estados na elaboração do produto final (o mapa mensal de secas), bem como com o acompanhamento de um ente federal; • Contar com validação local dos estados de secas identificados no processo de construção do mapa. Assim, o Monitor de Secas fará uso de uma rede de validadores locais, os quais são responsáveis por confirmar ou contestar o estado de seca apontado a partir do cálculo de vários índices de secas (meteorológica, hidrológica e agrícola); • Possibilitar, em suas categorias, a definição de gatilhos, ou seja, valores limiares dos indicadores de secas que disparam respostas concretas dos governos com base na severidade observada nas diversas localidades da região. A natureza colaborativa entre estados e União, assim como o processo de validação local, aumentam a probabilidade de consenso entre União e estados no que se refere ao estágio de desenvolvimento de uma seca no tempo e no espaço, evitando assim divergências no reconhecimento das necessidades de mobilização ou desmobilização de recursos, em particular aqueles de natureza emergencial, para uma dada área da região. A Tabela 1 apresenta as categorias de secas e seus impactos associados utilizados pelo Monitor de Secas para melhorar a definição e a caracterização das secas no Nordeste do Brasil. Os mapas regionais de seca foram trabalhados de forma integrada e sistemática visando ao monitoramento das secas e à validação local dos seus impactos. Adicionalmente, o Monitor de Secas é também um instrumento chave para apoiar o diálogo entre os governos federal e estaduais sobre o tratamento dos riscos e condições no Semiárido, bem como a preparação para as secas, criando a arquitetura para a geração de consenso e a integração institucional. 66 Capítulo 4 – O caso técnico e institucional – Monitor de Secas do Nordeste como âncora e facilitador da colaboração Tabela 1 – Exemplos de categorias de secas e dos impactos associados rastreados pelo Monitor de Secas Categoria Percentil Descrição Impactos possíveis Entrando na seca; secura de curto prazo desacelera o plantio e o crescimento de culturas ou pastagens. Saindo da seca: certe S0 30 Seca fraca déficit hídrico remanescente, culturas e pastagens ainda não se recuperaram completamente Alguns danos às culturas, pastagens; rios, reservatórios ou poços S1 20 Seca moderada com baixo nível de água. Faltas de água em desenvolvimento ou intermitentes; solicitação de restrições voluntárias do uso da água Provável perda de culturas ou pastagens; faltas de água são S2 10 Seca grave comuns; restrições hídricas são impostas Grandes perdas de culturas / pastagens; amplas faltas de água ou S3 5 Seca extrema restrições hídricas Perdas de culturas ou pastagens excepcionais e amplas; falta de S4 2 Seca excepcional água em reservatórios, rios e poços, gerando emergências hídricas Fonte: Adaptado do NDMC, Lincoln, Nebraska, U.S. O Monitor de Secas constitui-se, assim, em instrumento de apoio à tomada de decisão gradual, visando tanto à preparação como à resposta aos efeitos das secas, a partir da indicação da severidade da seca e sua tendência de duração, de acordo com as características elencadas anteriormente. Este processo serve como base e mecanismo de apoio à política de seca proativa e de gestão. Na sua forma mais visível, o monitor tem a intenção de produzir, neste primeiro momento, um mapa mensal que descreve o estado atual da seca em toda a região de acordo com as categorias de seca apresentadas na Tabela 1. Este processo fornece uma definição mais sutil e objetiva de seca de acordo com um protocolo que pondera diferentes indicadores em um índice composto para todo o Nordeste, sendo o nível de severidade da seca objeto de validação local. A Figura 7 mostra um exemplo de mapa produzido nesta fase experimental do monitor em julho de 2015, seguindo as mesmas categorias descritas na Tabela 1. A coordenação e compartilhamento dos esforços em torno da produção do Monitor têm gerado externalidades positivas. A iniciativa do Monitor tem proporcionado uma grande integração entre as instituições federais e estaduais envolvidas. A cooperação institucional que dá suporte a todo este processo foi estruturada em dois níveis: o estratégico e o operacional. O nível estratégico é exercido pelo Conselho Diretor que se reporta ao Governo Federal, papel aqui exercido pelo Ministério da Integração Nacional (MI), e que, eventualmente, pode ser exercido pela Casa Civil. O Conselho Diretor inclui em seu corpo Secas no Brasil: política e gestão proativas 67 representantes dos ministérios da Integração Nacional; Meio Ambiente; Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Desenvolvimento Agrário; e da Ciência e Tecnologia. Neste Conselho ainda teremos representantes de instituições-chave vinculadas a estes ministérios, assim como representantes dos nove estados que compõem o Monitor de Secas. O Conselho Diretor também pode, eventualmente, ser alavancado para reforçar os outros dois pilares (WILHITE et al., 2005) da Política Nacional de Seca. O nível operacional, por sua vez, é assumido pela Instituição Central, papel inicialmente exercido pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), na fase experimental, e posteriormente pela Agência Nacional de Águas (ANA). A Instituição Central trabalhou em articulação estreita com um Corpo Consultivo, composto por representantes de todas as instituições federais e estaduais que participam da gestão de secas no Nordeste e que faz recomendações a serem implementadas ao nível regional no contexto do Monitor. Monitor de Secas Legenda: Intensidade: CL Sem Seca Relativa CL S0 Seca Fraca S1 Seca Moderada S2 Seca grave S3 Seca Extrema C S4 Seca Excepcional Tipos de impacto da seca: C C = Curto prazo (p.ex: agricultura, pastagem) L = Longo prazo (p.ex: hidrologia, ecologia) Figura 7  –  Mapa experimental do Monitor de Secas do Nordeste do mês de julho de 2015. As categorias de seca são codificadas por severidade, similares às que aparecem na Tabela 1. As áreas indicadas em seca de curto prazo aparecem marcadas com “C”, enquanto que as indicadas em seca de longo prazo são identificadas com “L”. Algumas áreas aparecem tanto em curto, quanto em longo prazo, e são ressaltadas com a designação, “CL”. Duração do Impacto: C = Curto prazo (ex: agricultura, pastagens); L = Longo prazo (ex: hidrológico, ecológico). Fonte: Monitor de Secas do Nordeste/Autora: Funceme A Instituição Central assume o papel de Secretaria Executiva do Monitor, agindo em conformidade com o Conselho Diretor, um órgão de alto nível, e trabalhando em sintonia com o Corpo Consultivo. Como resultados das discussões com as instituições envolvidas no processo, a ANA, por ser agência reguladora independente e sua diretoria ter mandato para tanto, assumiu a função de instituição 68 Capítulo 4 – O caso técnico e institucional – Monitor de Secas do Nordeste como âncora e facilitador da colaboração central/ secretariado executivo de forma permanente, garantindo maior estabilidade ao Monitor diante de mudanças de governo. Além da Instituição Central, foram planejadas comissões ad hoc para tratar de temas específicos de interesse do Monitor. O planejamento e as medidas associadas de resposta e mitigação, questões estas ligadas ao terceiro pilar de preparação para a seca e tratamento dos riscos de seca no Semiárido (WILHITE et al., 2005), não estão intrinsicamente ligadas ao Monitor de Secas, mas devem ter uma forte interação com este. Várias estratégias estão sendo estudadas para viabilizar esta interação, a qual pode, por exemplo, ser viabilizada através de arranjo institucional, dando assento aos Comitês de Secas dos estados da região no Corpo Consultivo. Estes comitês estão fortemente relacionados ao planejamento e implementação das medidas de resposta às secas em cada estado. Este planejamento, contudo, ainda ocorre muito em função das demandas das áreas impactadas pelo fenômeno, e a participação destes comitês, interagindo com o Monitor, deve contribuir para a mudança de visão acerca do problema, saindo da gestão de crise em direção à gestão de risco. Além disso, incluir os comitês no arranjo institucional do Monitor pode ser um fator favorável para que eles assumam um caráter permanente. 4.3. Os planos de preparação para a seca e o Monitor O Monitor de Secas reflete a seca física ou natural, enquanto que a falta de água causada por interferência humana deveria ser indicada por elementos complementares ao mapa. Em paralelo, tentando estabelecer as conexões entre o Monitor de Secas nas suas dimensões físicas (meteorológica, hidrológica e agrícola) e o Plano de Preparação para Secas para os sistemas gerenciáveis, estabeleceu- se um programa piloto para a região com uma série de estudos de casos. A ideia dessa iniciativa foi demonstrar o uso de ferramentas e estratégias concretas para a gestão proativa da seca através da concepção e desenvolvimento do Monitor de Secas e dos Planos de Preparação para as Secas. O Secas no Brasil: política e gestão proativas 69 nível de relação entre o Monitor de Secas e os Planos de Preparação depende muito da relação entre a seca física, representada pelo Monitor8, e a seca operacional9,10 , indicada pelo Plano de Preparação. O Piloto para o Nordeste elaborou cinco planos de preparação para estudos de caso dentro de quatro contextos diferentes ou setores: Abastecimento Urbano, Planejamento de Bacia Hidrográfica, Gerenciamento de pequeno reservatório multiuso; e agricultura de sequeiro familiar. Juntamente com o Monitor, esses planos procuraram tornar os elementos de preparação para as secas acessíveis aos tomadores de decisão e demonstrar o valor da mudança de paradigma para a gestão proativa da seca. Assim, as equipes de estudo de caso e seus parceiros tentaram consolidar os planos seguindo os três pilares mencionados no Capítulo 3. Na medida do possível, também buscaram fazer as ligações entre o Monitor e sua categorização de seca (S0-S4), no contexto de ações de política e gestão específicas, desencadeadas por essas categorias nos respectivos planos de preparação para a seca. Esses planos estão começando a entrar em funcionamento em comunidades locais, com a intenção de que eles sejam utilizados para orientar decisões de curto prazo à medida em que a próxima seca se desenvolva. Esses planos também devem ajudar a orientar os investimentos de longo prazo, visando a reduzir vulnerabilidades subjacentes e mitigar riscos de secas futuras. O próximo passo será usar esses planos iniciais de Preparação para a Seca como exemplos para informar o diálogo entre os governos federal e estaduais sobre como replicá-los em todo o Nordeste. Atualmente, a ANA está cooperando com a Funceme para ampliar esses planos para outras partes da região. Alguns exemplos destes planos serão detalhados nos Capítulos 5, 6 e 12. Os planos caracterizam os impactos da seca e vulnerabilidades, os principais atores institucionais, as medidas de planejamento para a mitigação dos riscos de seca e as respostas de emergência. Considerando que alguns dos planos não foram capazes de definir ações políticas e de gestão desencadeadas enquanto a seca progride para estágios mais elevados (por exemplo, S3-S4), como no caso dos pequenos agricultores de sequeiro, outros, como os dois casos urbanos, formularam uma gama de ações a serem disparadas na medida em que o sistema gerenciável mude para outra 8  Conforme afirmado no início do Capítulo 1, é importante distinguir a seca da escassez de água. A seca é um fenômeno natural; já a escassez de água ocorre quando a falta de água é causada por influência humana usando mais água do que naturalmente disponível. O M onitor representa a seca com causas naturais, com a intenção de incluir também algumas informações sobre a influência humana na disponibilidade de água. 9  Os reservatórios que atendem às demandas urbanas e de agricultura irrigada serão representados por círculos divididos ao meio, com a parte esquerda mostrando o indicador de severidade da seca em relação ao abastecimento urbano de água, enquanto a parte direita se refere ao indicador da severidade da seca no tocante aos sistemas de irrigação. 10  A seca operacional poderia ser vista como uma seca resultante de uma sequência de decisões sobre a forma de gerir determinado sistema – por exemplo, um sistema de reservatório. Uma seca operacional pode acelerar os impactos de uma seca física sobre o sistema. O sistema aqui é referido como um sistema administrado, uma vez que é sujeito a decisões tomadas por seres humanos. 70 Capítulo 4 – O caso técnico e institucional – Monitor de Secas do Nordeste como âncora e facilitador da colaboração categoria de severidade de seca. Nenhum dos planos foi capaz de extrair informações diretamente do monitor para informar as ações de políticas ou gatilhos, porque, em seu estágio inicial, o Monitor ainda não tinha a amplitude e a diversidade de indicadores para justificar uma ligação direta entre eles. No entanto, a maioria dos planos aderiu à nova categorização S0-S4 de severidade de seca, e pretende usar esta categorização para retroalimentar o monitor de modo a informar a sua caracterização de seca (por exemplo, os níveis dos reservatórios no caso urbano associado a S0-S4 podem ajudar o Monitor a definir a gravidade da seca nessas regiões). Todos os planos destacam a necessidade de interação continuada e a necessidade de reforçarem-se os laços com o Monitor. 4.4. Os desafios e o uso do Monitor O Monitor de Secas do Nordeste, enquanto processo, organiza e fornece informações relativas às secas mais consistentes e validadas localmente, esperando-se com isto uma redução da interferência e da pressão política, assim como dos julgamentos personalizados, por exemplo, no momento da declaração de uma seca por parte de um município. Ademais, como o processo é colaborativo entre instituições federais e estaduais, é esperado maior consenso de ambas esferas administrativas quanto ao estado de uma seca em desenvolvimento na região. Como resultado, os participantes desse processo esperam maior agilidade e consistência na definição das respostas às secas a partir de gatilhos definidos para cada sistema gerenciável analisado. Entretanto, a efetividade das mudanças que podem ser introduzidas pelo Monitor de Secas deve superar um importante obstáculo: a informação disponibilizada através do Monitor não será utilizada pelos tomadores de decisão, a menos que haja planos claros de preparação com ações pré-definidas para auxiliar no processo de tomada de decisões. A cooperação institucional que dá suporte ao Monitor tem uma preocupação em particular com o seu efetivo uso na gestão de secas, seja no seu nível estratégico, seja no operacional. A coordenação estratégica de alto nível do Monitor de Secas tem a função de definir metas gerais e avaliar o seu desempenho quanto aos três pilares da preparação para as secas, refletidos na Política Nacional. O processo de avaliação inclui a análise sobre se está havendo avanços no uso do Monitor para disparo de gatilhos de resposta emergencial e se este, como um todo, está tendo a evolução esperada. Sua coordenação operacional, por sua vez, deve não só garantir a manutenção e melhoria das atividades rotineiras e de todos os processos envolvidos no Monitor, mas deve também promover a expansão do seu uso pelos diversos setores e pela sociedade em geral. Isso inclui também as atividades de divulgação e de treinamento e educação associadas ao Monitor. Secas no Brasil: política e gestão proativas 71 Este processo não é fácil, mas considerando-se as diferenças entre o Monitor e as abordagens mais tradicionais e seus respectivos produtos, há esperança de que ele seja internalizado ao longo do tempo em esforços proativos de gestão de secas nas esferas Federal, estadual e municipal. O Capítulo 11 deste livro explica com mais detalhes as diferentes etapas envolvidas no processo colaborativo utilizado pelo Monitor de Secas para produzir os mapas mensais de seca para o Nordeste do Brasil. 72 Foto: Dorte Verner Capítulo 5 Gestão e abastecimento hídrico: planos de preparação para a seca Francisco de Assis de Souza Filho, Marcos Thadeu Abicalil, Paula Pedreira de Freitas de Oliveira e Cybelle Frazão Costa Braga As secas são características intrínsecas ao clima e ocorrem em algum grau em todos os países, regiões e lugares. Os padrões de variação temporal do clima, o nível de aridez e os usos sociais e ambientais da água condicionam o impacto das secas. Além disso, como mencionado nos Capítulos 1 a 4, até recentemente o processo de planejamento governamental e resposta às secas ocorria de forma reativa com as ações de resposta sendo definidas depois que esses eventos de seca já estavam estabelecidos. Ao longo dos anos, diversas medidas têm sido implementadas desde o nível familiar ao nível nacional para minimizar os efeitos das secas. Essas medidas ou ações têm sido aplicadas em situações de emergência após a ocorrência do evento e não são contínuas, ou seja, elas são esquecidas no período chuvoso. De forma emblemática, a capacidade de armazenamento do Estado do Ceará (Gráfico 3) demonstra este fato. Nesta figura observa-se o incremento da referida capacidade após as secas de 1919, 1932, 1958 e 1979-1983, comprovando o famoso ciclo hidroilógico mencionado no Capítulo 1 (WILHITE et al, 2005). Políticas sociais mais recentes com vistas à garantia alimentar (ex. Bolsa Família) e políticas setoriais, como a de recursos hídricos (gestão da demanda e construção e operação de infraestrutura de estocagem e distribuição de água), têm reduzido a vulnerabilidade social às secas. Não obstante este fato, impactos severos no abastecimento de centros urbanos, populações rurais, agricultura irrigada e de sequeiro têm ocorrido, como emblematicamente demonstrado na seca que assolou o Nordeste em 2015. Secas no Brasil: política e gestão proativas 75 16.000 14.000 12.000 10.000 Volume (hm3) 8.000 6.000 4.000 2.000 0 1900 1920 1940 1960 1980 2000 2020 ano Gráfico 3 –  Evolução da capacidade de armazenamento de água em reservatórios no Estado do Ceará Os impactos das secas ocorrem em diferentes setores e requerem medidas no âmbito de diferentes políticas setoriais (abastecimento de água, saneamento, agricultura, indústria, pesca, energia, transporte, etc.). Planos que respondem à multiplicidade das dimensões espaciais e setoriais dos impactos das secas necessitam ser construídos. O risco associado à seca é produto da exposição do local (probabilidade de ocorrência) e da vulnerabilidade da localidade afetada. Por isso, o desenvolvimento de um plano de preparação para a seca é um passo significativo na adoção de uma abordagem proativa do processo de gestão. Este plano deve ter como pilares o monitoramento e alerta precoce, a avaliação de riscos e impactos e a elaboração de ações de preparação, mitigação e resposta à seca. O monitoramento contínuo está associado ao uso de índices e indicadores apropriados e ligados a impactos e gatilhos e ao desenvolvimento de um sistema de apoio à decisão (SAD). Planejamentos realizados corretamente e implementados durante os períodos sem seca, podem melhorar a capacidade governamental para responder de uma forma antecipada e eficaz à escassez hídrica. Assim, o planejamento pode reduzir e, em alguns casos, evitar impactos, minimizando, ao mesmo tempo, o sofrimento físico e emocional. O planejamento para a seca é um processo dinâmico, que deve incorporar ambas as tecnologias tradicionais e emergentes e levar em consideração as tendências socioeconômicas, agrícolas, tecnológicas e políticas (WILHITE, 1996). O planejamento para a seca não deve se iniciar ou concluir com a publicação de um plano de seca. Ele deverá 76 Capítulo 5 – Gestão e abastecimento hídrico: planos de preparação para a seca criar inércia político-institucional para a manutenção e aprimoramento [upscaling] do processo de gestão de seca. Propõe-se aqui a realização de uma metodologia de planejamento evolutivo e adaptativo para a gestão do risco de secas. Adaptativo porque: (1) o planejamento necessita reconhecer o capital social (ou seja, redes sociais e normas, valores e entendimentos compartilhados que facilitem a cooperação entre os grupos e também dentro deles) que o contextualiza e que é importante para a concepção da solução; (2) deve ter flexibilidade para tratar com incertezas inerentes a sistemas complexos como os sócionaturais; (3) a adaptação é estratégica para a maior resiliência às secas. Evolutivo no sentido de que o processo de planejamento requer aprimoramento contínuo: (1) dos métodos envolvidos; (2) qualidade das medidas previstas, podendo partir de metodologias simples e de baixo custo; assim como partir de soluções de baixo custo social e técnico para alternativas metodológicas com mais requisitos técnicos e organizacionais. O processo de aprendizado social, técnico e organizacional é inerente ao planejamento participativo e a sua apropriação pela organização a modifica, requerendo a atualização das atividades de planejamento para o novo contexto organizacional e técnico. Esta é a visão que inspira a estratégia de desenvolvimento do Plano de Secas para cidades, descrita nesta seção. O presente capítulo tem por objetivo apresentar uma visão geral sobre o Planejamento de Secas no Brasil. Em seguida, o capítulo resume o marco conceitual; descrição dos níveis e tipos de planejamento de secas, seguido da apresentação de três exemplos de planejamento de secas: um em bacia hidrográfica, outro em hidrossistema e um terceiro em uma concessionária urbana de recursos hídricos; em seguida virão as observações finais. 5.1. Marco conceitual Historicamente, as ações com relação à seca ocorrem exclusivamente como reação a ocorrência de uma seca caracterizada no ciclo hidro-ilógico. Ele é ilógico porque a seca tem sido, ao longo do tempo, compreendida como um evento aleatório que demandava ações emergenciais pensadas apenas quando da ocorrência do evento, figurando como ações reativas em detrimento das de cunho proativo. Este processo leva ao aumento de custos e do impacto das secas, na medida em que favorece apenas ações de alívios temporários para as populações afetadas negativamente, bem como para a criação e fortalecimento da dependência da população em relação às elites políticas e ao Estado, conforme mencionam capítulos anteriores. Secas no Brasil: política e gestão proativas 77 O Planejamento, enquanto instrumento que conduz a reflexões antecipadas e sistemáticas, é o instrumento adequado para se romper com o ciclo hidroilógico. A seca só entra na agenda dos tomadores de decisão quando ela se torna suficientemente severa; depois do fim do evento, o tema sai da agenda. Esta tendência impõe ineficiências importantes nas ações relacionadas às secas. Assim, é recomendável que o Planejamento seja algo integrado dentro de uma visão mais ampla de gerenciamento do risco de secas. O desejável é o processo contínuo do planejamento ao invés unicamente do documento do Plano. A preservação da memória sobre as secas e o desenvolvimento de organizações e estratégias eficientes devem constituir o ciclo de gestão de secas. O gerenciamento de risco requer o reconhecimento explícito dos níveis de risco toleráveis (NRT) para o sistema ou setor em foco. Medidas de gestão de secas são desenvolvidas para alcançar estes níveis, ou níveis inferiores. Em situações em que o sistema atual não consegue oferecer padrões compatíveis com NRT, devem ser previstas ações de mitigação e adaptação que produzam os níveis desejados no sistema, na forma de planos estratégicos de longo prazo (ex. Plano de Segurança Hídrica). Há uma relação de compromisso entre o NRT, os custos desses níveis de riscos, e a disposição da sociedade de pagar por sua redução. Os planos operacionais de gestão da seca visam, por sua vez, a definir medidas passíveis de ocorrência com as configurações atuais do sistema em análise. Os planos tratados abaixo têm as características de planos operacionais. Os riscos associados às secas são alocados de forma desigual entre os setores sociais. Aos mais pobres cabem as maiores vulnerabilidades e, consequentemente, os maiores riscos. Ao definir as medidas a serem implementadas, o plano de secas deve observar questões associadas à equidade social e à eficiência econômica. Os planos específicos tratados neste capítulo são de recursos hídricos para diversas finalidades (consumo humano, irrigação, etc.). Há pelo menos três escalas espaciais de planos operacionais de secas que necessitam ser observadas: para toda a bacia hidrográfica, para hidrossistemas específicos e para concessionárias de abastecimento urbano (Figura 8). O hidrossistema (composto por oferta de água superficial e subterrânea e pelas fontes de demanda hídrica) pode estar associado a mais de uma bacia no caso de transposições. A gestão da seca em seu sentido mais amplo deve integrar: (1) o planejamento geral dos sistemas de água com ações para garantir o equilíbrio entre a disponibilidade e a demanda em horizontes futuros; (2) regras de operação dos sistemas hídricos em condições normais e regras para cenários de seca; e (3) estratégias de gestão e cenários operacionais para mitigar impactos em condições de seca (GONZÁLEZ e MORCILLO, 2007). A seca está associada a uma falha no sistema devido à insuficiência de recursos hídricos para atender às demandas em função de episódios prolongados de baixa precipitação ou vazões reduzidas. Isto costuma ser consequência de um desequilíbrio entre a evolução da demanda e a oferta instalada devido a problemas de planejamento e/ou operação 78 Capítulo 5 – Gestão e abastecimento hídrico: planos de preparação para a seca da infraestrutura do sistema. No entanto, muitas vezes é difícil quantificar a relevância de cada uma destas causas em dado evento de seca. Devido a esta dificuldade, alguns autores (ANDREU e SOLERA, 2005; GONZÁLEZ e MORCILLO, 2007) utilizam o conceito de seca operacional para definir a seca independentemente de sua causa primária, pois uma vez que a necessidade de água para diferentes usos, incluindo o ecossistema, tenha sido identificada, se a avaliação resultante das fontes naturais e do sistema de gerenciamento e operação não atenderem a esses requisitos, então isso pode ser chamado de seca operacional. Plano de Secas para concessionárias Urbanas de água Plano de Secas para Sistemas de Recursos Hídricos Plano de Seca em Bacias Hidrográficas Figura 8  –  Planejamento para a seca em vários níveis e anotações dentro das engrenagens (de cima para baixo) referentes ao plano de seca para concessionárias urbanas de água, plano de seca para sistemas de recursos hídricos e plano de seca para a bacia hidrográfica, descritos neste Capítulo Como afirmado, o desenvolvimento do Plano de Secas deve observar três pilares básicos descritos no Capítulo 3: (1) Monitoramento, previsão e alerta precoce; (2) Avaliação de risco e impactos; (3) Ações de preparação, mitigação e resposta. O monitoramento nesta instância está associado ao uso de índices/indicadores apropriados que identifiquem o estado de severidade das secas. Os estados de severidade servem de gatilhos para inicializar ações de gestão do risco (preparação, mitigação e resposta). É desejável o desenvolvimento de um sistema de apoio à decisão (SAD). Na avaliação de risco e impactos, deve ser feito um monitoramento e inventário de impactos existentes no local de análise para que sejam respondidas as seguintes questões: “o que está em risco?” e “por que isso está em risco?”. Ações de resposta à seca deverão ser implementadas de maneira proativa para reduzir os riscos e aumentar a capacidade social de enfrentamento. Secas no Brasil: política e gestão proativas 79 5.2. Planejamento de secas em múltiplas escalas: espaciais, temporais e setoriais As secas meteorológicas têm sua ocorrência associada à variabilidade espacial e temporal das precipitações. Este padrão de variação pode ocasionar secas gerais, quando ocorrem em grandes áreas, ou secas locais. As sociedades humanas buscam se adaptar a estes padrões de ocorrência de forma a melhor conviverem com os padrões de variação. Os governos do Nordeste frequentemente exprimem de forma explícita, em Planos de Convivência com as Secas ou Planos de Combate à Seca, seu interesse em aprofundar a adaptação da sociedade ao clima. No entanto, usualmente estes planos têm visão de curto prazo para tratar da seca em curso, como se vê nos Capítulos 1 e 2. As populações humanas e os setores econômicos têm níveis de vulnerabilidade diferente a estresses hídricos, levando a impactos potenciais das secas diferentes para uma mesma ocorrência natural. O planejamento das secas deve procurar algum nível de coordenação entre os setores através de uma política nacional de secas. As diferentes experiências de planejamento pretéritas com características reativas e os recentes planos com visão focada na gestão de risco devem ser analisados com vistas à configuração de um sistema mais amplo de planejamento de secas. Alguns dos potenciais níveis de planejamento neste sistema (ver também a Tabela 2) são: • Plano estadual de secas: planejamento estratégico na escala estadual com vistas a definir e coordenar recursos e ações de seca; • Plano de preparação para a seca em bacia hidrográfica: fornecer à bacia hidrográfica um instrumento de planejamento com diretrizes, estratégias, ações e informações para a mitigação, preparação e resposta a situações de seca, com foco especial sobre a definição de regras de uso da água em anos de escassez, bem como estratégias de abastecimento de água para as populações rurais e urbanas e para usos econômicos e ambientais. • Plano de preparação para a seca em hidrossistemas: definir as regras de alocação associadas à operação do sistema e níveis de secas com procedimentos associados a gatilhos; • Plano de preparação para a seca para concessionárias de água urbanas: definir as medidas operacionais a serem realizadas pela concessionária de água para mitigar os riscos de secas e distribuir a água a ela alocada; • Plano de preparação para a seca para perímetros irrigados: definir as medidas operacionais a serem realizadas pelo distrito para mitigar os riscos de secas e distribuir a água a ele alocada; 80 Capítulo 5 – Gestão e abastecimento hídrico: planos de preparação para a seca • Plano de preparação para a seca para abastecimento de populações rurais difusas: definir estratégias e mecanismos operacionais para o fornecimento de água para populações rurais difusas; • Plano de preparação para a seca para a agricultura de sequeiro: definir as estratégias e manejos agrícolas para reduzir os impactos das secas sobre a agricultura de sequeiro. Tabela 2 – Escalas do planejamento de seca Plano estadual de secas Plano de secas em nível de bacia hidrográfica Plano de secas para Planos de secas para Plano de secas para Plano de secas para Plano de secas concessionárias de sistemas de irrigação hidrossistemas o abastecimento para agricultura de água urbanas hídrico de sequeiro populações rurais difusas Estes níveis de planejamento devem ser vistos como instrumentos de uma política nacional ou subnacional que deve fundamentar-se em visão, gestão e planejamento estratégicos que reduzam as vulnerabilidades e riscos associados à seca. Além disso, esses instrumentos devem ser harmonizados com os planos de outros setores, como os de recursos hídricos, saneamento, irrigação, urbanização e adaptação às mudanças climáticas, entre outros. 5.3. Plano de preparação para a seca em bacia hidrográfica No Brasil, a bacia de um rio é definida como unidade de planejamento pela legislação nacional (Lei 9433/1997). Assim, é essencial adotar-se esta escala na gestão da seca para garantir que os planos de preparação para a seca estejam harmonizados com os planos de bacia. A bacia do Rio Piranhas-Açu, com uma área de drenagem de 43.681 km2 compartilhada pela Paraíba e o Rio Grande do Norte, foi selecionada para estudo de caso em nível de bacias hidrográficas. Neste contexto, foi desenvolvido um protocolo11 de preparação para a seca referente à bacia, com base nos conceitos introduzidos acima. O objetivo deste protocolo de preparação para a seca era 11  No caso da bacia do Rio Piranhas-Açu, decidiu-se chamar este instrumento de protocolo de preparação para a seca, para evitar confusão com o Plano de Bacia. Este protocolo foi posteriormente incorporado ao Plano de Bacia. Secas no Brasil: política e gestão proativas 81 fornecer diretrizes, estratégias e informações para a mitigação, preparação e resposta a situações de seca na bacia do Rio Piranhas-Açu, incluindo mais detalhes sobre: • Monitoramento da seca – Coleta de dados hidrometeorológicos – Cálculo de índices / indicadores de seca de acordo com as características da bacia – Estabelecimento de indicadores de monitoramento da seca – Estabelecimento das categorias de seca – Monitoramento de variáveis hidrometeorológicas – Desenvolvimento de um SAD • Avaliação dos impactos e da vulnerabilidade – Identificação dos principais impactos sobre a bacia – Avaliações de vulnerabilidade – Monitoramento / inventário dos impactos e vulnerabilidades • Ações de preparação, mitigação e resposta – Programas e medidas proativas para reduzir os riscos e aumentar a capacidade de enfrentamento da seca – Ações propostas em relação aos impactos – Ações de abastecimento de recursos hídricos e de gestão da demanda A combinação de uma determinada categoria de seca e as avaliações de impacto e de vulnerabilidade indicam a urgência da preparação e mitigação em cenários diferentes de seca e, consequentemente, a necessidade de implementar ações emergenciais, táticas ou estratégicas (Figura 9). O desenvolvimento do plano de preparação para a seca deve ser participativo, envolvendo todos os atores institucionais da bacia (WILHITE et al., 2005). Portanto, a elaboração do protocolo de preparação para a seca acarretou intensa articulação entre as instituições de gestão dos recursos hídricos estaduais e federais atuantes na bacia, incluindo a Agência Nacional de Águas (ANA), o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), a Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte (Semarh-RN), o Instituto de Gestão das Águas do Estado do Rio Grande do Norte (IGARN), a Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (Aesa) e o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piancó-Piranhas-Açu (CBH PPA). Todas as fases da elaboração do protocolo foram discutidas e validadas por todos os atores institucionais envolvidos. 82 Capítulo 5 – Gestão e abastecimento hídrico: planos de preparação para a seca Monitor de Avaliação das Ações de preparação seca (bacia) Categorias de seca vulnerabilidades e mitigação Figura 9  –  Processo de planejamento da preparação para a seca na bacia do Rio Piranhas-Açu Tabela 3 – Cenários de seca Estágio Gatilho de Seca Metas da Resposta Alerta Abaixo do Nível da Meta 1 Redução de 10% no Consumo Seca moderada Abaixo do Nível da Meta 2 Redução de 20% no Consumo Seca grave Abaixo do Nível da Meta 3 Redução de 30% no Consumo Seca extrema Abaixo do Nível da Meta 4 Redução de 60% no Consumo O diagnóstico da bacia em relação à seca foi estabelecido com base no monitoramento de variáveis hidrometeorológicas (precipitação, níveis dos reservatórios e descargas). As categorias de seca foram determinadas com base em diversos indicadores: o índice de precipitação padronizado (SPI), o índice de descarga padronizado (SDI) e o índice de estado (SI) - ou seja, o nível de armazenamento da água no reservatório. Estes indicadores foram considerados gatilhos na definição das categorias de seca e, consequentemente, de sua gravidade (Tabela 3). A avaliação das vulnerabilidades pode orientar os tomadores de decisão na adoção de medidas de preparação para a seca, uma vez que indica as áreas que necessitam de mais apoio. Na bacia do Piranhas-Açu, as partes interessadas decidiram calcular a vulnerabilidade como função da exposição, da capacidade de adaptação e da sensibilidade com base em indicadores. Na seleção das ações de preparação, mitigação e resposta relacionadas às categorias de seca, foram considerados os seguintes eixos temáticos: • Institucional; • Comunicação; • Legal e normativo; • Outorgas de alocação e uso da água, incluindo a alocação negociada por meio hidroeconômico, Secas no Brasil: política e gestão proativas 83 ou seja, considerando-se os valores econômicos da alocação da água e os conflitos [trade-offs] de um tipo de uso em relação a outro; • Monitoramento; • Operação de sistemas hídricos; • Integração com o Projeto de Transposição do Rio São Francisco; • Uso urbano da água (para consumo humano e industrial); • Uso rural da água (para consumo humano e irrigação); • Ambiental; • Econômico e Financeiro; • Medidas de preparação para a seca; As ações foram propostas considerando que o setor de recursos hídricos e seu marco institucional são os principais responsáveis por sua execução e/ ou articulação com outros setores afetados. A Tabela 4 apresenta um exemplo do caráter das ações propostas em relação às outorgas de alocação e uso da água em resposta a diferentes graus de severidade da seca. O planejamento da preparação para a seca é um processo, não um evento discreto. Após a elaboração do protocolo para a preparação para a seca na Bacia do Rio Piranhas-Açu, sua implementação será monitorada cuidadosamente e as ações propostas serão revisadas se necessário, de modo a possibilitar sua evolução em resposta às mudanças naturais, tecnológicas, legais, institucionais, políticas e de gestão, bem como às mudanças das necessidades da bacia. Finalmente, é essencial estabelecer uma forte governança do protocolo através de articulação institucional na bacia, para garantir que as partes interessadas abracem a ideia e gerar um cenário favorável e colaborativo para a sua implementação. 84 Capítulo 5 – Gestão e abastecimento hídrico: planos de preparação para a seca Tabela 4 – Eixo temático: outorgas de alocação e uso da água Instituições Categoria Ação Objetivos Caráter das Ações responsáveis S0 Fraca Outorgas tradicionais Garantir a Voluntário ANA; Semarh-RN; + alocação negociada quantidade e AESA-PB qualidade da água para usos diversos S1 Moderada Revisão das outorgas Maximizar o Voluntário ANA; Semarh-RN; tradicionais para atendimento AESA-PB grandes usuários com à demanda pequena redução na (considerando-se o demanda + alocação mínimo de perdas) negociada S2 Grave Alocação negociada Maximizar o Medidas obrigatórias ANA; Semarh-RN; + previsão climática atendimento à AESA-PB; CBH-PPA; demanda Comitês de Gestão; Usuários da água S3 Extrema Alocação Reduzir os impactos Medidas obrigatórias ANA; Semarh-RN; hidroeconômica econômicos das AESA-PB; CBH-PPA; negociada + previsão secas para todos os Comitês de Gestão; climática usuários Usuários da água S4 Excepcional Alocação Reduzir os impactos Medidas obrigatórias ANA; Semarh-RN; hidroeconômica econômicos das e tolerância zero AESA-PB; CBH-PPA; negociada + previsão secas para todos os Comitês de Gestão; climática usuários Usuários da água 5.4. Plano de preparação para secas em hidrossistema Foram desenvolvidos dois planos de preparação para as seca em hidrossistemas nesse programa de colaboração: um para o sistema Jucazinho, no estado de Pernambuco e outro para o Sistema Metropolitano de Fortaleza, no estado do Ceará. Os hidrossistemas são sistemas compostos pela oferta superficial (rios, lagos e reservatórios) e/ou subterrânea (aquíferos freáticos e artesianos) e múltiplas finalidades (consumo humano, irrigação, controle de inundações, etc.). O hidrossistema específico pode estar localizado em uma ou mais bacias hidrográficas (em caso de transposições). Os limites do hidrossistema são definidos de modo conveniente para a análise pretendida, de forma a contemplar todas as ofertas e demandas relevantes para o balanço hídrico na escala de tempo em foco. Ou seja, os elementos relevantes para uma análise de longo prazo podem ser diferentes dos que são relevantes Secas no Brasil: política e gestão proativas 85 para uma avaliação de curto prazo; normalmente, na análise de longo prazo, mais elementos devem ser considerados. Este sistema está sujeito ao marco legal e institucional de gestão dos recursos hídricos no Brasil, a Lei 9.433 (1997). Esta lei estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, que introduzem uma nova abordagem à gestão integrada dos recursos hídricos através do uso de instrumentos econômicos e de planejamento. O Plano de Seca em um hidrossistema tem como objetivo definir a regra de operação do sistema em secas de severidades distintas e as medidas de alocação de ação associadas a cada caso. A alocação de longo prazo consiste no estabelecimento da permissão de uso da água (outorga). E a alocação de curto prazo, em como se dará as restrições de uso durante uma seca. As regras de operação do sistema devem prever salvaguardas para evitar secas com severidade extrema. Estas salvaguardas estão associadas à redução das vazões médias do sistema ou ao aumento da duração das secas em níveis menos severos. Os níveis de risco toleráveis (NRT) no sistema devem ser informados pelo tomador de decisão. No caso do sistema Jucazinho, estes níveis foram definidos pela Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) e pela Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). Esta decisão estruturante é interativa: há uma decisão inicial ad hoc (ou seja, com base em experiências pregressas e não no uso de modelos) que tem seus efeitos e possibilidades analisados através de simulações e otimização. Este foi um processo iterativo e interativo e evoluiu durante a construção das diferentes versões do plano. A estrutura básica do planejamento operacional do hidrossistema contemplou seis grandes classes de atividades: • Análise do quadro jurídico e institucional: (1) a identificação das partes interessadas e instituições avaliando as responsabilidades e interesses; (2) análise das ferramentas atuais de gestão: sistema de direitos de água, processo de alocação de água, operação do sistema, entre outros; • Definição do nível de tolerância de risco e o número de fases da seca: obtido inicialmente de modo ad hoc e revisto posteriormente após a avaliação dos impactos destas decisões; • Definição do sistema de monitoramento da seca: definição dos índices de seca para ampla pesquisa envolvendo indicadores meteorológicos e hidrológicos; tendo em vista a quantidade de alarmes falsos e problemas na detecção das secas, tomou-se como indicador o nível do reservatório; • Desenvolvimento de modelos de simulação e otimização para análise da preparação para a seca e/ou das ações de resposta: (1) estimativa da oferta e demanda; (2) garantia do suprimento da água e riscos; 86 Capítulo 5 – Gestão e abastecimento hídrico: planos de preparação para a seca • Definir as diferentes alternativas para cada estágio da seca ou categoria de seca: (1) os cenários de alocação de água; (2) mananciais complementares (incluindo o uso e a dessalinização da água de remanso, bem como a precipitação); • Tomada de decisão: (1) definição dos gatilhos (níveis-meta do(s) reservatório(s)); (2) definição da restrição de uso (oferta de água) para cada estágio de seca. Alguns mecanismos de implementação das medidas, na forma atual do plano, necessitam ser aprimorados, tais como: fiscalização e compensação entre os agentes. De modo geral, as ações a serem contempladas nas estratégias de preparação, mitigação e resposta às secas devem produzir quatro tipos de resultados: • Aumento da oferta em quantidade e qualidade através da exploração de sistemas existentes (ex. transferências entre bacias), novos sistemas (ex. dessalinização, uso de água subterrânea, etc.), ampliação dos usos conjuntos da água superficial e subterrânea ou mudança das técnicas de tratamento de água. • Redução da demanda através de medidas proativas (medidas legais, econômicas, educação, priorização de demanda, redução de perdas); reativas (ex. reuso de águas residuais) e ajustes (demanda urbana). • Minimização de impactos através de estratégias de antecipação (ex. regulação, gestão de conflitos), absorção de perdas (ex. seguro, compensação, fundos de reserva); redução de perdas (mudança nos usos da água). • Gestão de conflitos através de arbitragem de conflito e de medidas de compensação entre os setores com maiores perdas. 5.5. Plano de preparação para a seca para concessionárias urbanas de água Como observado anteriormente, no âmbito do programa de colaboração técnica, o planejamento de preparação para a seca foi realizado para o hidrossistema Jucazinho e para a região metropolitana de Fortaleza. No caso de Jucazinho, o reservatório tem duas finalidades principais: abastecimento de água urbano e controle de inundações. O exercício de planejamento da preparação para a seca urbana referente ao sistema Jucazinho será usado para ilustrar a metodologia aplicada através do programa de colaboração técnica no Nordeste do Brasil. O plano de preparação para a seca para concessionárias de água foi projetado exclusivamente para o setor de abastecimento hídrico e inclui, como atores-chave, a concessionária de abastecimento de Secas no Brasil: política e gestão proativas 87 água e a entidade responsável pela política e regulação. O principal marco legal é a lei federal sobre água e saneamento, a Lei 11.445 /2007. Assim, o sistema a ser analisado é o sistema de suprimento de água para o consumo urbano, incluindo o tratamento de água potável e distribuição. O plano se concentra, principalmente, em ações de conservação da água e processos operacionais de tratamento de água potável e de distribuição de água na cidade. O hidrossistema Jucazinho está localizado na bacia hidrográfica do rio Capibaribe na porção nordeste do agreste12 do estado de Pernambuco. Este sistema é responsável pelo abastecimento de 15 centros urbanos com populações bem diferentes. Seu principal reservatório, que recebe o mesmo nome, tem uma capacidade máxima de 327.035.818m³ e uma bacia hidrográfica com área de drenagem de 4.171 km². Assim, este foi considerado o principal manancial utilizado para a avaliação da oferta hídrica. A metodologia empregada foi a do planejamento evolutivo e adaptativo mencionado anteriormente (ver Figura 10), no qual foram analisadas diferentes configurações do processo de construção do plano. Isto foi realizado através de um processo participativo, incluindo os principais atores estaduais de seus respectivos sistemas de abastecimento (ou seja, a companhia estadual de abastecimento hídrico e saneamento, a agência de águas e a secretaria de recursos hídricos). O Plano inicialmente foi construído a partir de tempestade de ideias [brainstorming] em um conjunto de reuniões de trabalho com os operadores do sistema de abastecimento e órgão de gestão de recursos hídricos. Esta primeira versão do plano possibilitou uma visão de conjunto do planejamento e seus desafios. As versões seguintes do plano foram mais intensivas na utilização de modelagem numérica que possibilitou a simulação e otimização do sistema e a utilização de metodologias robustas de análise e identificação das vulnerabilidades e a definição operacional de estratégias e ações de monitoramento, mitigação, preparação e resposta às secas. Todas as versões do plano foram construídas seguindo as etapas metodológicas enunciadas na Figura 11. O estágio de diagnóstico do processo tem por objetivo identificar os fatores condicionantes legais, institucionais, técnicos, econômicos e sociais e a evolução histórica e o estado atual frente às secas do sistema de abastecimento de água, com vistas a identificar os potenciais impactos e vulnerabilidades à seca operacional. A fase de planejamento consiste na tomada de decisão sobre as estratégias e ações que serão operacionalizadas para evitar ou reduzir os impactos negativos das secas, através de medidas que reduzam as vulnerabilidades do sistema identificadas no diagnóstico. A fase de execução do plano consiste em monitorar os estados de seca, identificando a oportunidade de se 12  Como observado no Capítulo 1, o agreste é a área localizada entre a zona úmida litorânea ao longo da costa leste do Nordeste, conhecida como zona da mata, e a vasta região semiárida mais para o interior, conhecida como sertão ou semiárido. Quando comparada a essas duas áreas adjacentes, ela se caracteriza por níveis intermediários de precipitação em anos de chuva normal, mas também pode ser impactada adversamente por condições de seca que afetam, principalmente, o sertão. 88 Capítulo 5 – Gestão e abastecimento hídrico: planos de preparação para a seca realizar as estratégias e ações propostas na fase de planejamento. Após cada evento, as experiências acumuladas durante a seca devem ser incorporadas ao plano, ensejando a sua atualização e revisão. Planejamento para a seca Plano 2 Plano n Plano 1 Figura 10  –  Planejamento da preparação para a seca como um processo evolutivo 1. Descrição do Sistema Jaguaribe-Metropolitano 2. Regra Operacional do Sistema Jaguaribe-Metropolitano Diagnóstico 3. Avaliação das Vulnerabilidades do Sistema 4. Análise e estruturação da Tomada de Decisões 5. Cenários de Secas: Gatilhos de Seca e Estágios Planejamento 6. Medidas de Mitigação e Resposta 7. Implementação e Monitoramento da Seca (Análise dos Três Anos, 2015-2017) Execução 8. Revisão e Atualização do Plano Figura 11  –  Etapas metodológicas para a elaboração de um plano de secas em cidades (Adaptado da Colorado Water Conservation Board, Municipal Drought Management Plan Guidance Document, Colorado Water Conservation Board, Denver, CO, 2010.) Secas no Brasil: política e gestão proativas 89 O processo de construção do plano ocorreu de forma participativa no decorrer de nove meses no ano de 2014. Durante este período, duas versões de planos de seca para o Sistema Jucazinho foram desenvolvidos. As estratégias resultantes do planejamento definiram ações a serem realizadas antes e durante a seca. Essas medidas devem ser compatíveis com a severidade da seca, cujos elementos podem ser descritos como: • Normal (ou seja, período sem seca): as demandas hídricas são supridas sem nenhum tipo de restrição; • Alerta: preparação administrativa e operacional para o início efetivo da seca operacional; • Conservação: redução do consumo por meio de incentivos econômicos e campanhas de conservação da água, assim como o incremento de recursos financeiros para ampliação da oferta hídrica e redução de perdas; • Restrições: redução física do consumo; • Emergência: impactos severos, medidas de alto custo social e econômico-financeiro para evitar o colapso total do sistema. Essas medidas foram categorizadas e uma primeira identificação das ações foi realizada com base no "Guia para a Elaboração de Planos de Emergência para a Seca em Sistemas de Abastecimento Urbano" da Espanha (GONZÁLEZ e MORCILLO, 2007) e no "Plano de Resposta à Seca" da cidade de Denver no Colorado, EUA (DENVER WATER, 2014). As medidas inicialmente identificadas foram amplamente discutidas com os operadores do sistema de abastecimento e com órgãos de gestão dos recursos hídricos de Pernambuco e Ceará, de forma a adequá-las às especificidades de cada sistema. Em seguida, foi realizada uma análise com vistas a imprimir maior consistência e completude ao conjunto de ações proposto. Numa primeira iteração, essas ações foram organizadas nas seguintes categorias (GONZÁLEZ e MORCILLO, 2007): • Medidas de mitigação: Destinam-se a evitar a ocorrência dos impactos da seca (p.ex., inventário de fontes alternativas de abastecimento, monitoramento de parâmetros hidrometeorológicos); • Medidas de gestão e operação do sistema: Esta categoria inclui as ações de natureza interna das instituições responsáveis pela gestão e operação do sistema ou dos sistemas de abastecimento público (p.ex. controle de perdas, racionamento); • Medidas de caráter institucional: Esse grupo de ações visa à integração das instituições e entidades com competência para lidar com a seca (p.ex., através da divulgação de informações e do estabelecimento de um diálogo com as instituições e autoridades governamentais e os usuários em cada área); 90 Capítulo 5 – Gestão e abastecimento hídrico: planos de preparação para a seca • Medidas de caráter legal e normativo: Essas medidas devem ser tomadas em compatibilidade com o quadro legal e normativo de gestão dos recursos hídricos (p.ex., inspeção); • Medidas de impacto social: São ações que podem reduzir a demanda hídrica e que asseguram uma informação adequada e útil aos consumidores (p.ex., a prestação de informações à mídia, campanhas educativas visando à redução do consumo); • Medidas de impacto ambiental: As ações que compõem este grupo têm o intuito de reduzir os impactos ambientais significativos decorrentes do uso dos recursos hídricos (p.ex., o controle da descarga de águas residuais nos rios); • Medidas para o cumprimento dos objetivos: Aquelas que visam ao cumprimento dos objetivos estabelecidos para cada fase de seca (p.ex., o aumento dos recursos humanos e financeiros para tratar da seca); • Medidas de expansão e melhoria da infraestrutura de disponibilidade hídrica: São ações para aumentar a disponibilidade hídrica de qualquer sistema e que devem ser incluídas no plano de preparação para a seca (p.ex., a construção de novas adutoras e a disponibilidade de caminhões-pipa); • Medidas de monitoramento do risco: São ações que buscam desenvolver indicadores para avaliar a evolução das situações de seca (p.ex., avaliação periódica da situação e desenvolvimento de ações de resposta à seca); • Medidas de preparação: Elas são úteis para a efetiva implementação das várias ações e objetivam preparar planos, projetos ou campanhas para gerenciar secas de maior gravidade. 5.6. Observações finais Conforme mencionado reiteradamente por todo o livro, a gestão de secas no Brasil necessita avançar de uma abordagem de gestão de crise para uma abordagem baseada na gestão de risco. Isto resultará na redução de custos e de impactos sociais e econômicos associados às secas. Vários planos pioneiros de preparação para a seca voltados para o suprimento e gestão da água, que incorporam uma abordagem de gerenciamento de risco, já foram elaborados para partes do Nordeste brasileiro. O próximo desafio será aprimorar as metodologias e a definição de políticas públicas que melhor disseminem as práticas inovadoras de planejamento e gestão de secas. O Capítulo 12 apresenta em mais detalhes as diferentes etapas envolvidas na elaboração participativa de planos de preparação para a seca no nível de bacia hidrográfica, de hidrossistema e de concessionária de água em área urbana. Secas no Brasil: política e gestão proativas 91 Foto: Dorte Verner Capítulo 6 Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca Barbara Farinelli, Pablo Valdivia e Diego Arias 6.1. Histórico Os pequenos produtores rurais da região semiárida do Nordeste do Brasil dependem, sobretudo, da agricultura de sequeiro para sua alimentação e subsistência (ROCKSTROM et al., 2010), mas os sistemas de produção pluvial são vulneráveis a condições de estiagem e seca. Em eventos de seca extrema, os ciclos de cultivo são interrompidos por severas perdas de água no solo, causando quebras de safras e impactos sociais negativos para as populações rurais. Durante a seca de 2012– 2013, quase 38% da população do Nordeste foi afetada, o que corresponde a nove milhões de pessoas (MARENGO e BERNASCONI, 2015). Ao longo das últimas décadas, o governo brasileiro desenvolveu várias iniciativas para reduzir a vulnerabilidade das populações rurais à seca, incluindo o abastecimento de água por caminhões- pipa e programas cíclicos como o Garantia de Safra (disponibilizados a agricultores pobres de acordo com a época de plantio) (LARREGUY e MONTEIRO, 2013). Conforme discutido em capítulos anteriores, contudo, à medida que os governos reconhecem a importância do desenvolvimento de políticas públicas para fortalecer a resiliência à mudança climática, essa estratégia reativa de gestão de crises precisa evoluir para incluir medidas como: o fortalecimento da conservação de recursos naturais/ adoção de estratégias adequadas de desenvolvimento econômico; melhorias no acesso a serviços sociais; prestação de assistência aos pobres em áreas menos desenvolvidas; disseminação de conhecimentos; e ajuda para que as pessoas assumam essas estratégias e políticas como suas. Secas no Brasil: política e gestão proativas 95 Como parte do programa de colaboração técnica que vem ajudando o Governo Federal a desenvolver um diálogo e estratégia integrados para a gestão regional de secas, foi elaborado um plano de preparação e resposta a secas em áreas de agricultura pluvial, de modo a demonstrar estratégias tangíveis e ferramentas para uma gestão proativa de secas em nível municipal. O município de Piquet Carneiro, localizado no estado do Ceará, foi selecionado como piloto para a nova abordagem, com base nos seguintes critérios: (1) valor baixo no Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM)13 de 2010; (2) vulnerabilidade média a alta a secas de acordo com o Índice Municipal de Alerta (IMA)14 de 2013; e (3) a existência de coordenação institucional forte e grupos sociais ativos, incluindo associações de produtores. O plano foi desenvolvido por meio de um processo participativo com os principais atores envolvidos, incluindo grupos de produtores agropecuários, suas associações e sindicatos, representantes da administração municipal de Piquet Carneiro, a Associação Municipal, o Comitê de Secas do Ceará, a Secretaria de Desenvolvimento Agrário e membros dos serviços de assistência técnica e extensão rural. A metodologia usada na formulação do plano inclui uma revisão dos aspectos jurídicos, institucionais e operacionais relacionados à gestão de secas nas esferas federal, estadual e municipal. Para alcançar uma gestão de riscos de seca eficaz no município, o plano recomendou quatro linhas estratégicas: fortalecimento institucional, adoção de ferramentas de gestão, treinamento e capacitação e investimentos em infraestrutura. Graças ao sucesso na formulação do plano, o governo estadual vem considerando a institucionalização da abordagem de Piquet Carneiro visando à sua replicação em outros municípios cuja produção agropecuária depende, sobretudo, da chuva. Neste momento, os principais desafios consistem em assegurar (1) um alinhamento adequado das políticas federais, estaduais e municipais para a implementação e sustentabilidade do plano; (2) o fortalecimento dos arranjos e capacidades institucionais; (3) a alocação dos recursos financeiros necessários; e (4) o engajamento das comunidades locais. 13  O Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM) é composto por indicadores nas seguintes áreas: (1) fisiográficos, fundiários e agrícolas; (2) demográficos e econômicos; (3) infraestrutura de apoio; e (4) sociais. O Índice fornece valores relativos para 184 municípios do Ceará. Os valores do IDM considerados no projeto piloto dizem respeito aos munícipios com os níveis mais baixos de desenvolvimento. Essa categoria agrupa os 105 municípios menos desenvolvidos no Ceará que, juntos, contêm 25,5% da população do estado. Para mais informação sobre o IDM, veja . Acessado em 3 de maio de 2014. 14  O Índice Municipal de Alerta (IMA) baseia-se na análise de 12 indicadores que, juntos, categorizam o grau de vulnerabilidade dos municípios em quatro dimensões distintas. O indicador tem por objetivos (1) identificar e classificar os municípios mais vulneráveis; (2) selecionar as áreas com maior propensão a tensões sociais; e (3) definir critérios para a seleção dos municípios beneficiários das ações estruturais, emergenciais e de mitigação. 96 Capítulo 6 – Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca Além desta breve introdução, este capítulo está organizado em três seções que apresentam o desenvolvimento geral do Plano Piquet Carneiro. A seção a seguir resume a metodologia utilizada no desenvolvimento e na implementação do plano. A seção seguinte identifica as lições aprendidas e tece recomendações sobre as atividades práticas e operacionais para o plano. 6.2. Caracterização do Município As características e os desafios de Piquet Carneiro são semelhantes aos de inúmeros outros munícipios do Semiárido. O Município está localizado no estado do Ceará e tem uma área de 587,8 km2. Seu clima é semiárido quente e tropical, com temperaturas médias que variam entre 26°C e 28°C. Em anos sem seca, a precipitação média chega a 897,6 mm, com maior concentração no período de fevereiro a abril. A precipitação acumulada de janeiro a outubro chegou a 671,3 milímetros em 2014, enquanto o total anual foi de apenas 477 milímetros em 2013. Piquet Carneiro faz parte da Bacia do Rio Banabuiú e seus principais reservatórios são Ema dos Marinheiros, Timbaúba, Açude dos Macacos, Açude Velho e São José II. O último tem uma capacidade de armazenamento de 29,14 milhões de metros cúbicos, sendo a principal fonte de abastecimento de água do Município. A população estimada de Piquet Carneiro em 2015 foi de 16.461 habitantes, com quase 52% vivendo em áreas rurais. Com um PIB de US$17,65 milhões, a economia de Piquet Carneiro depende, sobretudo, da produção agropecuária de pequena escala. Em 2013, as principais culturas temporárias em termos de área cultivada foram milho (2.444 ha) e feijão (2.289 ha), seguidos de mamona (55 ha), arroz (50 ha), algodão herbáceo (40 ha) e cana-de-açúcar (10 ha). Tal qual ocorre em vários outros municípios do Semiárido, Piquet Carneiro é afetado regularmente por eventos de seca. Análises dos registros do IMA para o período de 2004-2013 revelaram que o município alcançou níveis de vulnerabilidade médios a altos em 8 desses 10 anos. Os níveis mais altos de vulnerabilidade ocorreram em 2012-2013, um dos piores anos já registrados. A produtividade da safra oscila consideravelmente devido ao padrão errático de precipitação. Piquet Carneiro registra desvios negativos extremos de produtividade duas vezes a cada 10 anos. Estima-se que o valor anual da perda de produtividade nos principais alimentos e culturas para fins comerciais seja de US$ 124.820, com a perda máxima chegando perto de US$ 485.670. Em média, o feijão apresenta as maiores perdas de produção (US$ 56.420), seguido do milho (US$ 49.185) e do algodão (US$ 19.242). Esses valores são proporcionais à resistência das culturas ao estresse hídrico. Secas no Brasil: política e gestão proativas 97 6.3. Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca de Piquet Carneiro As condições de seca extrema registradas no Ceará desde 2012 até o presente, junto com a vulnerabilidade do setor agropecuário de Piquet Carneiro a esse tipo de evento, geraram um contexto adequado para a implementação de um plano de preparação para a gestão de secas. O plano foi desenvolvido por meio de um processo participativo que incluiu consultas, oficinas, entrevistas e reuniões com os principais parceiros. A formulação do plano teve várias fases, entre elas (veja a Figura 12): • Diagnóstico: Definição do processo metodológico, coleta de dados e análise de políticas públicas e do arcabouço jurídico, e informações agrometeorológicas; • Planejamento: Identificação de prioridades, programas e projetos estratégicos, incluindo a estimativa orçamentária e a definição das etapas de divulgação; • Desenvolvimento: Alinhamento de programas atuais com novos programas e políticas a serem definidos, incluindo parcerias público-privadas para a implementação do plano, discussão da estrutura institucional com os principais atores envolvidos e definição do marco lógico [logframe] do plano de atividades; • Divulgação: Preparação do plano de divulgação e medidas de conscientização para o plano, desenvolvimento de diretrizes práticas, identificação de fontes de financiamento e custos estimados para a efetiva implementação do plano e assessoramento ao Comitê de Secas do Ceará, com ênfase em mitigação do risco de secas e resposta emergencial. Diagnóstico Planejamento Desenvolvimento Divulgação Definição da metodologia Identidade de prioridades Definição de atividades - Ferramenta de de trabalho e programas estratégicos estratégicas comunicação - Coleta de dados (dados sobre produção - Oficinas e reuniões e clima) de seguimento - Análise de políticas e estrutura jurídica - Avaliação de vulnerabilidade Colaboração e Estabelecimento do Estimativa orçamentária apropriação conjunta mecanismo de e fontes potenciais coordenação de financiamento 12 meses Figura 12  –  Cronograma para a formulação do Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca de Piquet Carneiro 98 Capítulo 6 – Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca Os objetivos gerais do plano consistiram em (1) reduzir a vulnerabilidade dos produtores rurais a eventos de seca extrema; e (2) melhorar os atuais mecanismos de coordenação entre as instituições municipais e estaduais. A prioridade estratégica foi melhorar as atividades atuais de gestão de secas do município (o quadro abaixo traz detalhes do plano). Consequentemente, o plano buscou promover o fortalecimento institucional, a adoção de ferramentas de gestão, treinamento e capacitação e investimentos em infraestrutura para possibilitar uma gestão adequada do risco de secas. Especificamente, buscou alcançar os seguintes resultados: • Uma visão clara por parte da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) da coordenação dos esforços de preparação e resposta a secas; • Fortalecimento dos instrumentos e processos de preparação e resposta às secas; • Melhora na capacidade de lidar com a seca por parte dos produtores; • Fortalecimento da infraestrutura para lidar com condições de seca. Considerando a importância socioeconômica do setor agropecuário de Piquet Carneiro, os principais atores envolvidos - incluindo organizações municipais e estaduais - trabalharam em estreita colaboração para desenvolver o plano. Durante os 12 meses da sua formulação, uma série de ferramentas-chave foi projetada ou adaptada para realizar as tarefas a seguir. Avaliação das leis e mecanismos de coordenação existentes para atividades de gestão de risco de desastres nos níveis municipal, estadual e nacional. Varvasovszky e Brugha (2000) salientam que a avaliação dos atores envolvidos pode ajudar a compreender não só a evolução das políticas, mas também a viabilidade de instituir novos direcionamentos para as políticas públicas. Além disso, fornece informações valiosas para avaliar os desafios inerentes ao plano de implementação e desenvolver estratégias de gestão para os principais atores envolvidos. A análise das estruturas jurídicas e a avaliação dos atores envolvidos deve incluir, entre outras coisas, uma revisão da legislação existente sobre gestão de risco de desastres, prioridades políticas e metas setoriais, instituições (nacionais, estaduais, municipais, etc) que apoiam os beneficiários, descrição do processo decisório para a alocação de recursos para atividades de preparação e resposta a secas, bem como a prestação de informações para e projeção de um sistema de monitoramento e avaliação (M&A). Secas no Brasil: política e gestão proativas 99 Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca em Piquet Carneiro O Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca objetiva a redução da vulnerabilidade dos produtores rurais a eventos de seca extrema. O plano está dirigido a 2.800 agricultores familiares com renda bruta anual entre US$ 2.600 e US$ 93.000. O plano recomenda atividades específicas para as seguintes áreas estratégicas de intervenção: • Linha Estratégica de Intervenção Nº 1 (LE1) visa ao fortalecimento das instituições locais, particularmente a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec). Além disso, as atividades sob a LE1 buscam a criação de condições propícias para que a Comdec desempenhe um papel de liderança na implementação do plano. Esta linha de intervenção foi recomendada com base no pressuposto de que a coordenação e implementação eficazes do plano exigem o fortalecimento das instituições e a definição clara dos papéis e responsabilidades dos diversos atores. • As atividades sob a Linha Estratégica de Intervenção Nº 2 (LE2) foram recomendadas para apoiar a implementação do plano através do desenvolvimento de (1) ferramentas de informação (por exemplo, o banco de dados de agricultores e informações sobre o tempo); (2) mecanismos de coordenação e acordos de cooperação; e, por último, (3) uma estratégia de comunicação. A implementação de todas as atividades da LE2 produzirá melhoras nos processos decisórios de autoridades locais e agricultores, reduzindo, assim, a probabilidade de efeitos adversos nos sistemas de produção agropecuários. • Semelhantemente, o objetivo de Linha Estratégica de Intervenção Nº 3 (LE3) é a construção de capacidade técnica entre os vários atores envolvidos, incluindo produtores e agentes de extensão rural em Piquet Carneiro. As atividades recomendadas incluem o aumento do volume e disponibilidade das informações sobre gestão de riscos de seca para agentes de extensão e produtores, melhorando, assim, sua compreensão das condições de seca para ajudar a induzir a adoção de melhores tecnologias de produção. • A Linha Estratégica de Intervenção Nº 4 (LE4) recomenda investimentos em infraestrutura (por exemplo, a construção de instalações de armazenamento de água e sistemas mais eficientes de irrigação, entre outros). • O custo estimado da implementação inicial do plano de ação é de US$ 3,75 milhões, com US$ 3,37 milhões alocados na LE4, US$ 0,35 milhão na LE3 e US$ 0,02 e US$ 0,01 milhão nas LE2 e LE1, respectivamente. No caso de Piquet Carneiro, a análise das estruturas jurídicas mostrou que a constituição do Estado incentiva a cooperação entre instituições federais, estaduais e municipais visando à promoção do desenvolvimento socioeconômico. Para alcançar esse objetivo e evitar a duplicação de esforços, o governo estadual criou várias instituições e mecanismos, entre os quais o Conselho Permanente para Ações contra a Seca, o Comitê Integrado de Combate à Seca e o Sistema Estadual de Defesa Civil, além de estruturas locais como a Comdec. Embora a Constituição obrigue todas as organizações públicas do Ceará a realizarem esforços de preparação para secas, estas costumam investir mais recursos em atividades de resposta emergencial 100 Capítulo 6 – Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca que na adoção e implementação de estratégias de gestão de riscos ex ante. Em Piquet Carneiro, por exemplo, a Condec é responsável pela realização de avaliações de danos e prejuízos em nível distrital e subsequente compilação das informações do município como um todo. As informações são, então, compartilhadas com as Unidades Regionais de Coordenação da Defesa Civil (Coredec) e a Unidade Estadual de Coordenação da Defesa Civil (Ceded) para apoiar processos decisórios e atividades de resposta. A redução da vulnerabilidade de Piquet Carneiro - ou de qualquer outro município do semiárido - a eventos de seca está condicionada às estruturas de administração de riscos existentes em âmbito federal e estadual. Tais estruturas jurídicas devem apoiar ações concretas de mitigação (ex.: adoção de práticas agrícolas sustentáveis, infraestrutura de gestão de recursos hídricos), transferência (ex., aquisição de seguro, ferramentas de hedging financeiro) e esforços de enfrentamento/proteção social (ex., programas de transferência de renda, condicionados ou não, e fundos de amortecimento). Ilustrar interconexões entre as questões que impedem que as instituições-chave implementem atividades de mitigação e resposta a secas (ex., análise de árvore de problemas). Esse processo melhora a compreensão das "correlações entre os problemas e oportunidades, pontos fortes, pontos fracos e ameaças" (WISNER, 2006, p.323) e dos possíveis impactos da realização de projetos ou programas com objetivos específicos. A Figura 13 mostra a árvore de problemas de Piquet Carneiro. A auto-avaliação feita pelos atores envolvidos, incluindo representantes do Conselho Municipal de Piquet Carneiro, da Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Ceará (SDA), da Associação de Municípios do Ceará (Aprece), da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Emaerce) e da Comdec de Carneiro Piquet, revelou vários desafios para reduzir a vulnerabilidade dos agricultores a eventos de seca. Um exemplo é a falta de coordenação entre instituições governamentais e a sociedade civil devido à ausência de uma estrutura jurídica específica para a gestão de riscos de secas na agricultura. Conforme mencionado anteriormente, os recursos financeiros disponíveis são alocados, sobretudo, para atividades emergenciais, a maioria realizada sem a orientação de planos ou estratégias. O impacto positivo de longo prazo dessas ações nos grupos vulneráveis tende, portanto, a ser limitado, aumentando, assim, a probabilidade de que ocorram novas situações de emergência no futuro. Do mesmo modo, as autoridades locais de Piquet Carneiro concluíram que a oferta de assistência técnica e extensão rural aos produtores foi fundamental para assegurar a implementação de atividades de gestão de risco ex ante. Assim, a Secretaria Municipal de Agricultura Familiar destina recursos do orçamento anual para aumentar o número de pequenos produtores rurais que recebe serviços de extensão. A despeito dos esforços consideráveis feitos pelas autoridades locais para Secas no Brasil: política e gestão proativas 101 diminuir a vulnerabilidade dos produtores, os recursos financeiros municipais não bastam para financiar adequadamente um plano abrangente de gestão de riscos de secas. Consequentemente, o plano de gestão de secas é quase totalmente implementado com recursos estaduais e federais. Deterioração nas condições de vida Redução na Empobrecimento produção e ativos Deterioração nas condições das unidades produtivas Vulnerabilidade elevada dos agricultores aos efeitos da seca Mecanismos Baixa capacidade para Dependência elevada Infraestrutura institucionais de gerenciamento ajuda governamental deficiente preparação/respostas crise hídrica desconhecidos Informação de base Acesso a recursos para a tomada de decisão financeiros Abordagem de gestão de riscos Maior uso de Fortalecimento da metodologias de gestão transferência de tecnologia Figura 13  –  Árvore de análise de problemas definida pelos atores envolvidos de Piquet Carneiro durante o processo de planejamento para secas, visando à redução da vulnerabilidade dos produtores rurais aos efeitos de secas extremas Avaliar a capacidade de enfrentamento de eventos de seca (p. ex., avaliação de capacidades institucionais). O objetivo dessa análise é ajudar as instituições locais a entenderem melhor os seus pontos fortes e fracos. Um processo participativo permite que os atores envolvidos identifiquem os recursos disponíveis para lidar com os riscos. Lebel et al. (2006) propuseram uma estrutura abrangente que pode ser usada para avaliar as capacidades e práticas institucionais antes, durante e após um desastre. A abordagem gira em torno de quatro dimensões: (1) capacidade deliberativa, que reflete a representação dos interesses de todos os atores envolvidos; (2) habilidade de acessar e coordenar o desembolso de recursos nas várias etapas do desastre (p. ex., preparação/mitigação, emergência e recuperação); (3) capacidade de implementação das atividades de gestão de riscos15; 15  Como parte da análise, é preciso determinar se as instituições públicas e privadas estão bem preparadas e informadas. Além disso, é preciso ver se as atividades executadas ajudaram realmente a reduzir a probabilidade de impactos severos em futuros eventos de seca. 102 Capítulo 6 – Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca e (4) capacidade de avaliação das atividades de gestão de riscos (que é importante porque as informações obtidas na análise podem identificar oportunidades de melhora). Avaliação dos impactos diretos da seca no setor agropecuário16. Dados sobre impactos são fundamentais para entender a vulnerabilidade a secas,17 incluindo a identificação do pior evento de seca já registrado. A frequência da ocorrência de eventos de seca e a estimativa dos gastos tributários destinados a atividades de recuperação são peças fundamentais da análise. Considerando-se a relação direta entre a disponibilidade de água no solo e o tamanho da safra, os impactos da seca no setor agrícola são relativamente fáceis de observar. A ocorrência deste tipo de evento climático causa choques negativos de abastecimento.18 Para simplificar o cálculo dos efeitos das secas, no Plano Piquet Carneiro o processo foi limitado a perdas diretas de culturas19. Considera-se uma perda sempre que a produtividade fica 70% abaixo do normal. Esse limite ajuda a fazer uma distinção entre perdas desencadeadas por choques significativos e perdas que refletem reduções que municípios como Piquet Carneiro conseguem absorver. Em seguida, os resultados obtidos no processo foram correlacionados com indicadores climáticos (p. ex., Índice Padronizado de Precipitação —IPP).20 Do mesmo modo, séries históricas foram reconstruídas para determinar perdas ou danos no setor agropecuário com base em relatórios de avaliação de perdas e danos de nível estadual e decretos governamentais de situações de emergência. 16  O Centro Nacional de Mitigação de Secas (NDMC) desenvolveu uma lista abrangente de impactos causados por secas que os planejadores podem usar como referência na realização de estudos de impactos. As análises de impacto devem ser feitas de acordo com o tempo e os recursos disponíveis. 17  Ding et al. 2011; Wilhite, Svoboda, e Hayes 2007 citado em Lackstrom et al. (2013). 18  Os impactos econômicos causados pela seca nem sempre são negativos. Por exemplo, produtores de uma região que estiver tendo um superávit de certos produtos terão motivação para vender os seus produtos no mercado afetado pela seca devido aos preços vantajosos (DING et al., 2011). 19  A seca pode causar impactos de longo prazo em sistemas de produção de gado. Para estimar os efeitos negativos no setor, convém estabelecer um cronograma para a análise. 20  No Brasil, conforme mencionado no Capítulo 4, os serviços meteorológicos nacionais e regionais geram uma variedade de índices de seca meteorológica e agrícola que podem ser usados para caracterizar eventos de seca. Uma pesquisa realizada por Sentelhas (2010) identificou os índices mais comuns gerados no Brasil, entre eles: o Índice de Anomalia de Chuva, Índice de Precipitação Padronizada (IPP), Índice de Severidade de Seca de Palmer, Número de Dias sem Chuva, Índice de Seca Acumulada (ADI), Deficiência Hídrica Acumulada, Índice de Deficiência Hídrica Relativa, Índice de Umidade da Cultura, Índice de Satisfação das Necessidades Hídricas, Armazenamento da Água em Superfície e Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI) Secas no Brasil: política e gestão proativas 103 6.4. Lições aprendidas A equipe responsável pela preparação do Plano de Piquet Carneiro identificou várias lições com relação aos fatores necessários para melhorar a governança, implementação e sustentabilidade do plano. As seções 6.4.1 a 6.4.8 trazem uma breve descrição desses fatores. 6.4.1.  Identificação dos principais atores envolvidos A identificação e o engajamento dos principais atores envolvidos são passos importantes para: (1) conscientizar os atores sobre a abordagem, objetivos e oportunidades do plano; (2) minimizar a probabilidade de que o plano venha a falhar; e (3) gerar apropriação política. O processo ajudou a equipe de formulação do plano, composta por consultores, representantes do Conselho Municipal, SDA e Ematerce, a identificar os principais problemas que impedem a gestão efetiva do risco de secas no setor agropecuário municipal. A equipe realizou um amplo processo de consultas, com discussões sobre o desenvolvimento da proposta do plano e validações intermediárias com atores distintos do setor agropecuário, incluindo grupos de produtores agropecuários e instituições estaduais (ex., SDA, Ematerce, Aprece, o Comitê de Secas e o Projeto de Desenvolvimento Sustentável e Competitividade do Ceará, financiado pelo Banco Mundial – Projeto São José III21). 6.4.2.  Eficácia e sustentabilidade do plano proposto Garantir uma boa articulação entre as principais instituições governamentais e criar vínculos com políticas e programas em andamento são fatores fundamentais para aumentar a eficácia e a sustentabilidade da execução do plano. O envolvimento dos diversos atores ajuda a promover a harmonização das ações e políticas governamentais na gestão de secas, além de evitar a duplicação com programas associados. Para isso, a operação de 12 programas (p. ex., Garantia Safra) financiados pelos governos Federal e estadual são implementados por agentes de extensão da Ematerce. O 21  O Projeto São José III é uma iniciativa de redução de pobreza rural de base comunitária de terceira geração que financia operações de investimento no estado. A iniciativa fornece recursos financeiros para o setor da agricultura familiar visando à implementação de projetos agropecuários e agroindustriais nas áreas de apicultura e aquicultura, além de sistemas de produção de alimentos básicos, ovinos e caprinos. O projeto contribui com a oferta de recursos nas áreas de tecnologia, irrigação e apoio a pequenos produtores rurais, permitindo que alcancem novos patamares tecnológicos e melhorem a qualidade dos seus produtos. 104 Capítulo 6 – Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca processo de monitoramento dos programas é realizado por meio de um sistema centralizado de banco de dados que usa o número de CPF como base de registro nas atividades dos programas, conectando-os às informações básicas dos beneficiários (nome, endereço e outros). O sistema de monitoramento da Ematerce permite que as autoridades governamentais determinem se os programas nacionais ou estaduais estão chegando aos beneficiários certos, ou se os beneficiários estão recebendo uma assistência diversificada (ex: acesso a crédito e assistência técnica, mecanismos de transferência de riscos e informações de mercado). Durante a elaboração do plano, contudo, uma avaliação de todos os programas implementados em Piquet Carneiro evidenciou a necessidade de melhorar alguns processos operacionais do sistema. Por exemplo, a avaliação constatou que apenas cerca de 40% de todos os CPFs (3.405 dos 8.566 CPFs) tinham sido registrados corretamente. Em decorrência dessa falha, foi difícil determinar o número de agricultores que recebem assistência, ou uma possível maior concentração de programas em determinadas áreas geográficas. 6.4.3.  Forte apoio da liderança A implementação eficaz da gestão do risco de secas depende de instituições com papéis claramente definidos para a coordenação e implementação do plano. Durante a elaboração do plano, a Comdec foi identificada como a instituição responsável pela condução dessas atividades. Assim, a Comdec precisa ser reconhecida como o órgão coordenador do plano, compreender o seu papel e ser capaz de desempenhar sua função, criando, assim, a base para que o plano seja implementado com sucesso. Regulamentar a lei é a maneira mais simples e direta de autorizar a Comdec a liderar o trabalho, já que a regulação detalha os papéis e responsabilidades dos indivíduos, instituições e organizações não governamentais, entre outros, além das penalidades aplicadas caso deixem de cumprir a lei. No entanto, a despeito da atual ausência de regulação em Piquet Carneiro, os membros da estrutura operacional da Comdec (ex: Secretaria Municipal de Agricultura Familiar, Secretaria Municipal do Meio Ambiente, etc), apoiaram e seguiram com sucesso as diretrizes propostas por seu presidente. 6.4.4.  Gerenciamento das expectativas e financiamento do plano A aplicação de abordagens de gestão integrada requer mudanças técnicas e comportamentais na cultural tradicional em todos os níveis de governo, bem como entre os beneficiários. Em termos técnicos, por exemplo, requer o mapeamento de todas as atividades necessárias para a implementação do plano, incluindo estimativas de custos e identificação de diversas fontes de Secas no Brasil: política e gestão proativas 105 financiamento, além da identificação de potenciais "ganhos rápidos" e implementação de ações para aproveitá-los. 6.4.5.  Orientação técnica e desenvolvimento de capacidades A implementação eficaz das atividades de preparação e resposta a secas depende de um processo ativo de aprendizagem para fortalecer a capacidade dos atores envolvidos, reduzindo, assim, a sua vulnerabilidade. Uma das estratégias propostas no plano objetiva o fortalecimento das habilidades dos produtores, técnicos rurais e outros grupos relevantes para ampliar seus conhecimentos, possibilitar o acesso à informação, melhorar a compreensão, oferecer novas experiências relevantes para lidar com a seca, aumentar a capacidade de inovação e melhorar a adaptação às mudanças nas condições de plantio no semiárido. Durante a preparação do plano, foram identificadas deficiências de conhecimentos técnicos por parte de produtores e técnicos agrícolas (ex: agentes de extensão) que contribuem diretamente para os baixos níveis de uso de tecnologias de produção agrícola adequadas. 6.4.6.  Modelo para a replicação de novos planos A equipe de preparação de Piquet Carneiro concluiu que os custos e o cronograma de novos planos podem ser consideravelmente reduzidos com a utilização de uma abordagem ligeiramente diferente. No futuro, os planos devem ser preparados pelos consultores locais que comandam o trabalho técnico em municípios vizinhos. Por exemplo, os municípios de Senador Pompeu, Irapuan Pinheiro, Acopiara, Mombaça, que ficam próximos, poderiam receber ajuda de funcionários da Ematerce e da SDA e de representantes da Comdec em Piquet Carneiro para formularem seus planos. Do mesmo modo que foi feito em Piquet Carneiro, as autoridades estaduais devem identificar um ou dois municípios em cada região para liderar a realização do trabalho descrito acima. Por último, o cálculo e a interpretação de índices agrometeorológicos podem ser terceirizados para instituições meteorológicas regionais (ex: o Monitor de Secas do Nordeste). Caso as recomendações acima sejam seguidas, estima-se que seja possível reduzir o tempo de preparação de novos planos de 12 para 6 meses, com uma diminuição nos custos totais de preparação de US$ 100.000 para US$ 20.000 por município. 106 Capítulo 6 – Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca 6.4.7.  Sistemas de informação e monitoramento contínuo O processo decisório sobre as atividades de preparação e resposta a secas agrícolas precisa ser respaldado por um sistema de monitoramento objetivo, transparente e confiável. Agências especializadas em meteorologia do Nordeste brasileiro, em colaboração com a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Banco Mundial, estão realizando esforços importantes no desenvolvimento do Monitor de Secas do Nordeste, conforme resumido no Capítulo 4. A informação fornecida pela ferramenta ajudará os decisores a usar os limitados recursos financeiros de forma mais eficaz e eficiente, já que poderão direcioná-los melhor aos locais e pessoas mais necessitados. Atualmente, o monitor calcula índices para caracterizar a severidade das condições de seca ao longo da região. Contudo, em breve deverá lidar também com os desafios associados ao setor agropecuário, o que exige informação com um grau maior de resolução espacial e temporal. A informação gerada pelo monitor trará insumos importantes para estimar a produtividade das culturas em resposta a deficiências hídricas – podendo, inclusive, ser usada para subsidiar decisões operacionais de curto prazo (ex: decisões sobre datas de plantio ou extensão do período de pastagem). 6.4.8.  Arranjos interinstitucionais e envolvimento do setor privado e da sociedade civil A ausência de uma política para secas em um país costuma significar a realização de atividades fragmentadas por parte de instituições nacionais e subnacionais, quase sempre com pouca ou nenhuma coordenação (BAZZA, 2001). Assim, um elemento crucial do processo de implementação do plano é facilitar a harmonização dos esforços de gestão de riscos de seca, inclusive no setor agrícola. Mecanismos de coordenação e cooperação entre instituições públicas e privadas são fundamentais para tornar o uso de recursos mais eficiente e eficaz. O aumento na incidência de eventos naturais faz crescer o custo das atividades de gestão de riscos para o setor público. No entanto, organizações privadas podem ajudar a reduzir os custos através da contribuição de recursos e conhecimentos para a implementação dos esforços de preparação e resposta a riscos. Do mesmo modo, o estabelecimento de parcerias público-privadas para a gestão de riscos de desastres pode ajudar as comunidades nos seus esforços de preparação e resposta aos choques produzidos por secas extremas. Para isso, o Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNISDR, 2004) identifica quatro áreas onde há oportunidades para que o setor privado gerencie Secas no Brasil: política e gestão proativas 107 melhor os riscos: monitoramento de perigos e comunicação de riscos; fortalecimento sociofísico; compartilhamento de riscos financeiros; e preparação para desastres. Ter uma estrutura organizacional e liderança social, nos moldes do que existe hoje em Piquet Carneiro, ajuda a fortalecer os esforços e evitar a duplicação do trabalho. A participação da sociedade civil na identificação e implementação de estratégias de gestão de riscos também é essencial para reduzir a vulnerabilidade das comunidades a choques. Nesse sentido, o apoio incondicional e a liderança da SDA e do Governo Municipal foram fundamentais para o sucesso no processo de implementação do Plano em Piquet Carneiro. A apropriação local do processo é extremamente importante para garantir a sustentabilidade do Plano (FAO e NDMC, 2008). Os principais representantes do Conselho Municipal de Piquet Carneiro participaram ativamente na sua formulação e agora colaboram ativamente com a equipe da SDA no desenvolvimento de ferramentas semelhantes, começando pelos municípios vizinhos de Irapuan Pinheiro e Milhã e seguindo com o restante do Ceará. No momento, o governo estadual do Ceará está financiando as atividades de curto prazo do plano. O Projeto São José III, por exemplo, está em processo de licitação para a instalação das estações agrometeorológicas que vão monitorar os eventos de seca em Piquet Carneiro. Várias oficinas já foram organizadas no município para divulgar as atividades do plano entre representantes de instituições locais e pequenos produtores. Além disso, a instalação de um novo centro de serviços de extensão rural foi aprovada, recentemente, em Piquet Carneiro para prestar assistência técnica aos produtores com relação a práticas agrícolas mais sustentáveis e resilientes às secas. 108 Foto: Dorte Verner Capítulo 7 Perspectivas do Exterior: contribuições para a mudança do paradigma da seca no Brasil, na Espanha, no México e nos Estados Unidos Michael Hayes, Mario López Pérez, Joaquín Andreu, Mark Svoboda, Brian Fuchs, Felipe Arreguín Cortés e Nathan Engle 7.1. Introdução O progresso demonstrado pelo Brasil na luta contra a seca não poderia ter sido alcançado sem um forte impulso no nível internacional para reformular as abordagens da seca no sentido de torná-las mais proativas, nem poderia ter acontecido sem o apoio expressivo de vários outros países. Como observado no Capítulo 3, o Banco Mundial desempenhou um papel fundamental na identificação e mobilização de intercâmbios para o compartilhamento de experiências e aprendizagem entre os formuladores de políticas e especialistas técnicos do Brasil com os seus principais homólogos de outros países. Estes eram, principalmente, da Espanha (vários governos locais e especialistas acadêmicos), do México (Comissão Nacional da Água - Conagua,) e dos Estados Unidos (Centro Nacional de Mitigação da Seca, ou NDMC, na sigla em inglês; várias autoridades governamentais, incluindo o Sistema Nacional Integrado de Informações sobre Secas, NIDIS, na sigla em inglês ; representantes de ONGs e especialistas acadêmicos). Secas no Brasil: política e gestão proativas 111 Para catalisar essas trocas, o Banco Mundial investigou políticas e gestão de seca em vários países a fim de comparar abordagens e identificar lições e recomendações comuns. Posteriormente, trouxe representantes das instituições acima mencionadas ao Brasil para uma série de oficinas, ao longo de dois anos, com o objetivo de compartilhar experiências e transmitir aos parceiros brasileiros as especificidades das abordagens de seus países. A ideia era que o Brasil adaptasse (e aproveitasse) esses vários processos, produtos, metodologias e ferramentas ao seu contexto nacional singular. Além disso, o Banco Mundial criou um intercâmbio de aprendizagem entre o Brasil, os Estados Unidos e o México, por meio do qual quatro profissionais brasileiros passaram uma semana cada nos dois últimos países, aprendendo a desenvolver sistemas de monitoramento e alerta precoce de seca (DEWS, na sigla em inglês) e planos de preparação para a seca. O Banco Mundial também patrocinou duas viagens de estudos técnicos, uma aos Estados Unidos e o outra à Espanha, que envolveram mais de uma dúzia de funcionários brasileiros responsáveis pelas políticas e gestão hídricas e de secas e seus respectivos parceiros naqueles países. Este capítulo apresenta uma descrição mais pormenorizada desses intercâmbios entre o Brasil e a Espanha, o México e os Estados Unidos, a partir da perspectiva de vários dos principais países parceiros que colaboraram na sua elaboração. O capítulo oferece percepções que situam a experiência recente no Brasil entre esforços nesses três países e em relação à mudança mais ampla nas políticas de seca que ocorrem em todo o mundo. Também apresenta recomendações, a partir de uma perspectiva externa, sobre os próximos passos que o Brasil poderá seguir na medida em que a mudança de paradigma prossiga na região nordeste e em outras regiões. 7.2. Visão geral dos processos na Espanha, no México e nos Estados Unidos 7.2.1.  Espanha Muitas bacias hidrográficas no leste e sudeste da Espanha compartilham características comuns relacionadas à aridez, escassez hídrica e alta variabilidade hidrológica. Como resultado, essas bacias estão propensas a secas frequentes e intensas, exibindo, ao mesmo tempo, uma longa história e tradição de adaptação a elas. Exemplos dessas estratégias técnicas e institucionais de adaptação incluem sistemas de irrigação, valetas e reservatórios, poços, transferências de água, plantas de dessalinização, tribunais da água e parcerias em bacias hidrográficas. 112 Capítulo 7 – Perspectivas do Exterior: Contribuições para a Mudança do Paradigma da Seca no Brasil, na Espanha, no México e nos Estados Unidos Os esforços para implantar o planejamento de longo prazo na escala de bacia hidrográfica começaram durante a década de 1980; em 2007, todas as bacias hidrográficas na Espanha dispunham de planos de gestão de secas. Essas experiências incentivaram o envolvimento do Instituto de Água e Engenharia Ambiental (IIAMA) da Universidade Politécnica de Valência (UPV) no sentido de apoiar o programa brasileiro de cooperação técnica. O IIAMA realiza pesquisa e inovação multidisciplinar e aplicada em muitas áreas relacionadas aos recursos hídricos: de hidrologia e sistemas hidráulicos à engenharia hídrica, engenharia ambiental, microbiologia da água e avaliações de impacto ambiental. Apesar de terem sido criados oficialmente somente em 2000, muitos dos grupos de pesquisa estão em atividade desde o final dos anos 1970 e início de dos anos 1980. Portanto, há uma longa tradição de interação com instituições e empresas que atuam na área de águas. O Grupo de Pesquisas em Engenharia de Recursos Hídricos (WRERG, na sigla em inglês) é uma delas, que produziu metodologias e ferramentas que têm sido muito úteis na análise de bacias, auxiliando no desenvolvimento de planos de bacia e na gestão e operação de sistemas hídricos. A bacia do Rio Júcar, que flui para o Mar Mediterrâneo no leste da Espanha, é administrada pela Parceria do Distrito de Júcar (Confederação Hidrográfica do Júcar, CHJ), que supervisiona uma área de 42.989 km2, incluindo várias bacias adjacentes. O uso de modelos e sistemas de apoio à decisão (DSS, em inglês) vem desempenhando um papel importante no desenvolvimento dos Planos de Bacia da CHJ há quase três décadas, bem como no desenvolvimento e na implementação de planos de seca especiais (SDP, ou seja, planos de preparação para a seca). Os SDP foram formulados de acordo com uma abordagem proativa de preparação para secas e mitigação de secas. Incluem medidas de longo prazo (planejamento), médio prazo (alerta) e curto prazo (emergência e mitigação), que são ativadas por meio de indicadores operacionais padronizados de monitoramento de secas (SODMI), obtidos a partir de combinações específicas de dados sobre precipitação, armazenamento em reservatórios, níveis de águas subterrâneas e fluxos de rios, coletadas por um sistema automático de aquisição de dados. Os SODMI e as curvas-limite para avaliação da situação de seca foram calibrados pelo uso intensivo de DSS na estimativa de riscos de seca. Além do seu uso no desenvolvimento das curvas- limite usadas com os SODMI, os DSS também são usados regularmente para a gestão em tempo real em reuniões de diretoria, com vistas a avaliar os riscos e a vulnerabilidade à seca em horizontes temporais de curto e médio prazo, que variam de alguns meses a um ano hidrológico completo (de outubro a setembro) - ou mesmo dois anos hidrológicos. Durante o ano hidrológico de 2004/2005, uma seca meteorológica severa causou uma seca hidrológica intensa na Bacia do Rio Júcar. Como resultado, foi criada a Comissão Permanente de Seca (CPS), com poderes especiais para administrar as bacias da CHJ em situações de emergência. A CPS era formada por representantes do Ministério da Agricultura; da CHJ; dos governos regionais; Secas no Brasil: política e gestão proativas 113 de usuários agrícolas, industriais e urbanos; do Instituto Geológico da Espanha; de sindicatos; e de organizações ambientais não governamentais. Sua missão incluía tomar decisões sobre a gestão hídrica durante a seca, realizando um monitoramento contínuo para controlar a eficácia das decisões, acompanhar a evolução de eventos de seca e seus impactos e autorizar atividades de emergência. A implementação da CPS tornou-se uma experiência muito útil para outras atividades, tais como a revisão de regras operacionais, a elaboração de SDP e a preparação de versões subsequentes do plano de bacia. 7.2.2.  México Com o país propenso a secas frequentes e intensas desde os tempos pré-coloniais, a abordagem tradicionalmente reativa do México para a gestão de riscos de seca foi severamente desafiada durante a seca de 2010-2012, que afetou a maior parte do país. Essa experiência foi o elemento catalisador para o desenvolvimento de uma abordagem proativa da preparação para situações futuras de seca. Esses esforços recentes estão sendo liderados pela Comissão Nacional da Água (Conagua), criada em 1989, e pelo Instituto Mexicano de Tecnologia da Água (IMTA), criado em 1996. Em 2013, a Conagua foi designada pelo presidente do México para coordenar e orientar o Programa Nacional contra a Seca (Pronacose). O IMTA foi solicitado a auxiliar a Conagua na implementação do Pronacose, desenvolvendo Programas de Prevenção e Mitigação da Seca (PPMS) com alguns conselhos de bacias hidrográficas, capacitando outras instituições no processo de sua elaboração e executando outras atividades, pesquisas e projetos em nome da Conagua. A Conagua não é apenas a autoridade federal responsável pela gestão de recursos hídricos, mas também constrói toda a infraestrutura hídrica federal (i.e., para irrigação, abastecimento de água e controle de inundações), aplica a lei da água e concede direitos relativos à água, realiza o registro de direitos à água, promove a prestação de serviços hídricos, desenvolve e coordena o processo nacional de planejamento hídrico e cobra tarifas de água dos usuários. O IMTA realiza pesquisa e inovação multidisciplinar e aplicada em hidrologia, hidráulica, irrigação, engenharia hídrica, engenharia ambiental, qualidade da água e avaliação de impacto ambiental. Além disso, em 2002, o México - por meio da Conagua - começou a colaborar com o Canadá e os Estados Unidos na produção do Monitor de Secas Norte-Americano (NADM, na sigla em inglês), um produto mensal para a avaliação de secas. O México também estudou as experiências da Espanha, de vários estados nos Estados Unidos, da Austrália, Índia e China para desenvolver 114 Capítulo 7 – Perspectivas do Exterior: Contribuições para a Mudança do Paradigma da Seca no Brasil, na Espanha, no México e nos Estados Unidos estratégias nacionais de prevenção e mitigação de secas (incluindo os PMPMS). As experiências de planejamento de seca na Califórnia e no Colorado, bem como as políticas em vigor no Texas para alguns dos seus sistemas públicos de água, foram objeto de atenção especial. O México também tem colaborado em várias atividades com organizações internacionais - particularmente a Organização Meteorológica Mundial (OMM) - em capacitação e desenvolvimento de competências. Isso incluiu a parceria com o Programa de Gestão Integrada da Seca (IDMP), lançado na Reunião de Alto Nível sobre a Política Nacional da Seca (HMNDP) em Genebra, na Suíça, em 2013, e usando documentos relacionados da HMNDP e do IDMP como referências nos esforços em curso para definir a política Nacional da Seca do México. O reconhecimento do valor dessas experiências levou o Banco Mundial a buscar a assistência do México no caso do Brasil. 7.2.3.  Estados Unidos O NDMC foi criado nos Estados Unidos em 1995, ligado ao programa de gestão da seca elaborado pelo Dr. Donald Wilhite do início dos anos 1980, até meados dos anos 1990. A missão do NDMC enfatiza uma combinação de pesquisa, extensão e atividades operacionais que salientam uma abordagem proativa de gestão de riscos em preparação para eventos de seca, em contraste com a abordagem reativa de gestão de crises tradicionalmente seguida por funcionários que trabalham na resposta a desastres. O NDMC é reconhecido nacional e internacionalmente pela qualidade de seus programas de gestão de riscos da seca, que são voltados para o monitoramento de secas e sistemas de informação de alerta precoce, planejamento e mitigação (i.e., medidas tomadas para reduzir os riscos de secas antes da ocorrência de um evento). Como uma organização que trabalha na interface entre cientistas e formuladores de política, decisores e o público, o NDMC tem, atualmente, 18 funcionários com formações muito diversas em ciências tanto físicas como sociais. Essa combinação de experiências tem ajudado o NDMC a resolver muitas das questões e necessidades complexas que existem em relação à seca. Também permite que o NDMC realize pesquisa básica e aplicada relacionada à seca, juntamente com a tradução e a transferência desses conhecimentos e processos em ferramentas operacionais, envolvimento de partes interessadas e atividades educacionais. Ao longo dos anos, a equipe do NDMC tem participado de várias instituições responsáveis pela política nacional da seca nos EUA, incluindo o Conselho de Coordenação da Seca do Oeste (Western Drought Coordination Council), a Comissão Nacional de Política da Seca (National Drought Policy Commission), a Parceria Nacional de Resiliência à Seca (National Drought Resilience Partnership) e o NIDIS. O NDMC, na verdade, foi um participante fundamental para o desenvolvimento do NIDIS, um esforço de várias agências para ajudar a coordenar e comunicar informações de alerta precoce de seca entre órgãos federais, estaduais, tribais e locais. O NDMC também participa de painéis Secas no Brasil: política e gestão proativas 115 consultivos de várias iniciativas internacionais, incluindo o já mencionado IDMP, que está sendo conduzido e implementado em conjunto pela OMM e a Parceria Global da Água (Global Water Partnership - GWP). Devido à sua expertise e experiência nacional e internacional na gestão de riscos da seca, o Banco Mundial envolveu o NDMC como parceiro no projeto do Brasil. Em particular, o programa de cooperação técnica demonstrou interesse no processo do Monitor de Secas dos EUA (US Drought Monitor - USDM, uma ferramenta de avaliação do monitoramento semanal de secas nos Estados Unidos). O processo do USDM envolve uma parceria entre o NDMC, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (National Oceanic and Atmospheric Administration) e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, bem como o envolvimento contínuo de cerca de 370 especialistas de todo o país que fornecem contribuições e validam o processo semanalmente. O foco especial dos esforços do NDMC no programa de cooperação técnica envolveu o desenho de um processo abrangente para monitorar secas nos nove estados do Nordeste do Brasil (i.e., o Monitor de Secas do Nordeste), semelhante àquele implementado por meio do USDM semanal (http://droughtmonitor.unl.edu). 7.3. Apoio à mudança de paradigma no Brasil A experiência na gestão de riscos de secas na Bacia do Rio Júcar, na Espanha, e sua potencial aplicabilidade ao contexto brasileiro levaram o Banco Mundial a contatar o IIAMA-UPV em busca de apoio. Joaquín Andreu, Abel Solera e Javier Paredes participaram de oficinas organizadas pelo Banco Mundial e por diversas instituições brasileiras como parte do projeto de cooperação técnica "Planejamento de Recursos Hídricos e Adaptação à Variabilidade e Mudança Climática em Bacias Hidrográficas Selecionadas do Nordeste do Brasil" em 2011, 2012 e 2013. Joaquín Andreu foi convidado pelo Banco Mundial para participar da reunião da "Adaptation Futures 2014 - Oficina Internacional de Alto Nível sobre Políticas de Seca” em Fortaleza, no Ceará, em maio de 2014. Na reunião, Andreu fez apresentações sobre a “Política de Secas da Espanha" e "Experiências na Gestão de Secas". O IIAMA-UPV também recebeu uma delegação de profissionais brasileiros envolvidos no projeto do Banco Mundial, em setembro de 2014, e apresentou sua experiência em vários aspectos da pesquisa hídrica e pesquisa e inovação aplicada. O WRERG no IIAMA-UPV organizou a Conferência Internacional sobre Secas – Pesquisa e Interface Ciência-Política, em Valência, em março de 2015, que incluiu uma sessão especial sobre as atividades do Banco Mundial relacionadas à seca, com ênfase no processo brasileiro. 116 Capítulo 7 – Perspectivas do Exterior: Contribuições para a Mudança do Paradigma da Seca no Brasil, na Espanha, no México e nos Estados Unidos Da mesma forma, uma vez que as capacidades e experiências do México (i.e., em termos do número de profissionais, disponibilidade de informações e arranjos institucionais) para o desenvolvimento e a implementação do Pronacose são semelhantes às do Brasil, o Banco Mundial ficou muito interessado em envolver o México para auxiliar nos esforços brasileiros. Tal como no caso do Banco Mundial e do Brasil, a OMM, a Turquia e outros países latino-americanos também demonstraram interesse na experiência mexicana, e seus especialistas participaram de várias oficinas regionais e internacionais para explicar os princípios e o progresso do Pronacose e oferecer assistência técnica. Como resultado, a Conagua ofereceu treinamento aos profissionais brasileiros em março de 2014, com foco especial nas experiências do México no monitoramento de secas e desenvolvimento do plano de preparação. O México ilustrou, em detalhes, o processo e as contribuições para a preparação e publicação do Monitor de Secas mexicano, bem como para o desenvolvimento dos PMPMS (i.e., planos de preparação para a seca) e o processo de implementação do Pronacose. O treinamento também salientou que a mudança do paradigma de resposta à seca no México envolveu a criação de diferentes instrumentos, tais como o Fundo para Desastres Naturais (Fonden) e seu equivalente no setor agrícola (Cadena), como exemplos de abordagens proativas e oportunas usadas pelo Pronacose, com um conjunto de princípios gerais e mecanismos de coordenação administrativa que propiciam experiências inovadoras que podem ser úteis como modelos para os esforços globais de enfrentamento da seca. Esses princípios orientadores são considerados a espinha dorsal da resposta de políticas a considerações tanto teóricas como pragmáticas, bem como do processo de criação dos principais elementos de uma política da seca, que também pode ser claramente aplicado no caso brasileiro e no de outros países que enfrentam secas. Esses princípios incluem abordagem preventiva, descentralização, governança, treinamento e pesquisa, gradualismo e avaliação e coordenação institucional. O processo mexicano envolve dois elementos principais desenvolvidos de acordo com esses princípios. Abordam situações de seca atuais e a transição de determinadas instituições e regras reativas para mecanismos concebidos para o novo paradigma: (1) elaboração e implementação de PMPMS em cada bacia hidrográfica e concessionária de água no país; e (2) medidas de mitigação para enfrentar emergências de seca em curso. A visão do programa acarreta o planejamento e a implementação de medidas para o enfrentamento de secas, envolvendo a participação pública na definição de ações para reduzir a vulnerabilidade como um pilar da estratégia mexicana para adaptação às mudanças climáticas, tal como expresso na Lei Geral de Mudança do Clima e na Lei Nacional da Água e ligadas às atividades do Serviço Nacional de Proteção Civil. O programa mexicano prevê que cada bacia terá um PMPMS junto com uma avaliação e atualizações periódicas, incluindo a participação dos membros do conselho de bacia para melhorar os programas e os instrumentos de coordenação interinstitucional no nível nacional, com vistas a prevenir e supervisionar contingências. Secas no Brasil: política e gestão proativas 117 A estratégia de implementação da política consiste em descentralizar gradualmente a atenção a secas, envolvendo as partes interessadas através dos conselhos de bacia e unindo-os com equipes de especialistas acadêmicos de universidades locais. O objetivo é desenvolver a capacidade institucional local e começar a mudar a velha abordagem reativa “de cima para baixo” no enfrentamento de secas. Os PMPMS são o principal instrumento utilizado para executar a estratégia e, uma vez aprovados e implementados pelos conselhos de bacia, o objetivo é que esses conselhos ajam no sentido de traçar programas mais específicos para as cidades (serviços públicos de água) e distritos de irrigação na referida bacia. Os PMPMS também precisam ser avaliados e melhorados em um horizonte de tempo específico, para assegurar que os programas revistos estejam prontos antes do término da administração federal atual e, assim, possam continuar independentemente de mudanças administrativas. Enquanto os PMPMS estão em vigor e há capacidade institucional suficiente no nível local, a comissão interministerial no nível federal responde pela coordenação das atividades de mitigação do governo federal. Finalmente, o Banco Mundial recrutou o envolvimento do NDMC nas atividades no Brasil desde o início. O NDMC auxiliou o Banco Mundial no treinamento da equipe brasileira e na elaboração dos documentos iniciais para orientar o projeto. Uma vez que as suas atividades estavam em andamento, o papel do NDMC na troca de aprendizagem passou a ser, principalmente, apoiar a criação do Monitor de Secas do Nordeste. O NDMC ajudou a desenvolver um questionário para avaliar as necessidades e capacidades das partes interessadas, que iniciou o processo que levou ao desenvolvimento do próprio monitor. O NDMC também participou de uma série de seminários online (webinars) com o intuito de treinar e preparar a equipe brasileira para o desenvolvimento do monitor. Em janeiro de 2014, Mark Svoboda, do NDMC, participou de uma oficina em Fortaleza, com participantes de todo o Nordeste do Brasil, para apresentar-lhes o conceito do monitor. Um componente importante nas interações do NDMC com a equipe brasileira foi um treinamento de uma semana realizado em Lincoln, Nebraska, em março de 2014. Os resultados desse treinamento incluíram: (1) identificar alternativas de como o fluxo de dados e informações no processo de produção e validação do processo poderia ser feito no Brasil; (2) identificar a relevância e a escala necessária para desenvolvedores e validadores; (3) identificar a disponibilidade dos principais indicadores e dados necessários para calcular índices referentes ao Brasil; (4) identificar como gerenciar o fluxo de dados para traduzi-lo em produtos e informações úteis; (5) compreender o processo de geração de arquivos SIG para cada um dos indicadores; e (6) compreender a importância e a necessidade de expertise local e a incorporação de suas informações no processo do Monitor de Seca, com ênfase especial na avaliação de impactos e seu papel na validação dos produtos do monitor. A 118 Capítulo 7 – Perspectivas do Exterior: Contribuições para a Mudança do Paradigma da Seca no Brasil, na Espanha, no México e nos Estados Unidos infraestrutura de tecnologia da informação e a troca de dados necessárias também foram discutidas intensamente. O NDMC também ofereceu conselhos sobre o desenvolvimento de planos de preparação para a seca para várias bacias hidrográficas no Nordeste do Brasil. Um componente principal dessas discussões incluiu como incorporar informações sobre o monitoramento de secas ao processo de planejamento de preparação para a seca. O NDMC apresentou uma série de estudos de caso sobre a avaliação de vulnerabilidades e salientou a importância da coleta de dados sobre os impactos da seca. Também foram oferecidos conselhos sobre o envolvimento de partes interessadas e atividades educacionais, bem como estudos de caso sobre a participação de partes interessadas no processo de planejamento de preparação para a seca. Durante o processo de desenvolvimento do Monitor de Secas do Nordeste, a equipe do NDMC participou de vários seminários online, fornecendo conselhos e insights baseados em experiências do USDM. A equipe do NDMC também fez várias viagens ao Brasil para prestar assistência direta, com o autor do Monitor e as equipes de validação. Mark Svoboda participou do treinamento de uma semana em Fortaleza, em agosto de 2014. Essa foi a primeira vez que potenciais autores do Monitor foram trazidos de vários estados para receber treinamento no processo que estava sendo desenvolvido. Além disso, a equipe do NDMC prestou assistência técnica diretamente de Lincoln a várias oficinas no Brasil, usando seminários online antes das oficinas, e conectando-se com os brasileiros no final de cada dia, trazendo, no processo, extensa experiência prática para essas reuniões, a partir da perspectiva dos EUA. No geral, a equipe do NDMC dedicou um tempo considerável durante suas interações com os brasileiros enfatizando a importância do processo do Monitor de secas e as principais lições técnicas, institucionais, jurídicas, políticas e financeiras aprendidas com a experiência dos Estados Unidos, juntamente com as melhores práticas e informações sobre os desafios que precisavam ser superados. Esse apoio foi muito importante para o desenvolvimento bem-sucedido do Monitor de Secas do Nordeste, que passou rapidamente para a fase de operacionalização. Finalmente, o NDMC tem contribuído para o esforço brasileiro por meio de várias apresentações em eventos internacionais nos últimos anos. Estes incluíram, entre outros, a Conferência Global Água para Alimentos, em Seattle, Washington, em outubro de 2014; a reunião anual da União Geofísica Americana, em São Francisco, Califórnia, em dezembro de 2014; e a reunião anual da União Geofísica Europeia, em Viena, Áustria, em abril de 2015. O Diretor do NDMC também destacou o estudo de caso brasileiro durante a reunião do Sistema Global de Informação sobre Secas, em Pasadena, Califórnia, em dezembro de 2014. Esses eventos atraíram atenção positiva para os esforços brasileiros. Secas no Brasil: política e gestão proativas 119 7.4. Lições e recomendações dessas experiências As lições aprendidas pelo México, pela Espanha e pelos Estados Unidos em seus esforços relativos às secas ao longo do tempo foram fundamentais para ajudar a orientar o Brasil em suas atividades recentes de gestão de riscos da seca. As principais lições são descritas sucintamente nesta seção. Espanha, México e Estados Unidos têm um longo histórico de enfrentamento de secas e adaptação aos seus impactos. Mais recentemente, no entanto, vêm se tornando necessários esforços específicos para promover uma abordagem de gestão dos riscos da seca nesses três países, de modo a abordar e reduzir a natureza aparentemente cada vez mais grave dos impactos de secas futuras. Como as secas são fenômenos complexos e seus impactos evoluem na medida em que as vulnerabilidades da sociedade mudam ao longo do tempo em cada região, melhorar a gestão de riscos da seca requer um compromisso de longo prazo. Como consequência, projetos de curto prazo provavelmente terão sucesso limitado. Estratégias de gestão de riscos proativas levam anos para serem desenvolvidas, evoluírem, serem avaliadas e mantidas a fim de garantir o sucesso na redução dos impactos da seca. Essa lição se aplica tanto a entidades no Brasil como a entidades de financiamento como o Banco Mundial. A gestão de longo prazo de riscos da seca pode ser de difícil desenvolvimento e evolução quando a pressão causada por uma grave seca atual aumenta o foco na resposta imediata à crise. No entanto, muitas vezes é de uma grave crise de seca que surge o ímpeto para implementar-se a gestão de longo prazo de riscos da seca. Da mesma forma, como a gestão de riscos da seca envolve um compromisso de longo prazo, é aceitável que os esforços iniciais sejam relativamente simples, com a expectativa de que se desenvolverão e evoluirão com o tempo. Uma excelente ilustração desse princípio é dada pelo USDM, que era um processo muito mais simples quando começou em 1999. Recomenda-se que o Monitor de Secas do Brasil adote uma abordagem semelhante, para deixar de ser apenas uma ferramenta de alerta precoce e avaliação de secas na região nordeste e se tornar uma ferramenta com o potencial de cobrir o país inteiro - uma vez que, como mostram os Capítulos 1 e 2, secas graves podem afetar também outras partes do país. O processo iterativo que ocorre entre um melhor monitoramento de secas e uma melhor gestão de riscos da seca por meio de planejamento constante foi demonstrado tanto nas três Nações cujas experiências são resumidas neste capítulo quanto no Brasil. Em sistemas robustos, um melhor monitoramento de secas naturalmente leva a um melhor planejamento, na medida em que 120 Capítulo 7 – Perspectivas do Exterior: Contribuições para a Mudança do Paradigma da Seca no Brasil, na Espanha, no México e nos Estados Unidos melhores informações passam a fazer parte do processo de tomada de decisão. Da mesma forma, na medida em que ocorre um melhor planejamento do enfrentamento de secas, surge o ímpeto que requer a necessidade de melhores produtos de monitoramento de secas e produtos derivados de "valor agregado", na medida em que os decisores se familiarizam com as informações que podem ser disponibilizadas. Isso também ajuda a identificar áreas em que são necessários mais dados e informações. No México, o desenvolvimento da política nacional de secas propiciou o impulso para romper atitudes de inércia no âmbito tanto dos conselhos de bacias hidrográficas como do governo nacional, ilustrando a relevância do apoio "de cima para baixo" para os esforços de gestão de riscos da seca. O envolvimento ativo de partes interessadas e a transparência no que se refere às atividades de gestão de riscos da seca ajudam a garantir o seu sucesso. Os esforços para divulgar atividades, gerar conscientização pública e consenso, fornecer ferramentas e informações atualizadas e desenvolver programas educacionais foram bem recompensados quando da implementação da gestão de riscos da seca. Finalmente, o envolvimento contínuo com a experiência internacional na gestão de riscos da seca por meio de oficinas, conferências e outros fóruns foi extremamente benéfico, tanto para construir abordagens mais dinâmicas de gestão de riscos da seca como para infundir pesquisas e conhecimentos atualizados nessas abordagens no Brasil e em outros locais. 7.5. Conclusões O Brasil agora pode usar as lições aprendidas com a Espanha, o México e os Estados Unidos para compartilhar suas próprias lições de experiência com países, regiões e bacias hidrográficas semelhantes em todo o mundo. Isso é importante na medida em que organizações como o Banco Mundial e o IDMP promovem atividades de gestão de riscos da seca em outras localidades. Da mesma forma, o Banco Mundial deve pensar em financiar mais projetos de cooperação técnica como o do Brasil. Construir resiliência de longo prazo por meio de um melhor monitoramento e alerta precoce de secas, aliada a um melhor planejamento e gestão de secas, é um excelente investimento que proporcionará muitos retornos quantitativos e qualitativos no futuro. Secas no Brasil: política e gestão proativas 121 Foto: Dorte Verner Capítulo 8 Planejamento para a próxima seca e preparação do caminho para a resiliência às mudanças climáticas Nathan Engle, Erwin De Nys, Antonio Rocha Magalhães e John Redwood III 8.1. A oportunidade Recentemente, secas prolongadas em todo o Brasil impulsionaram um diálogo familiar no país para melhorar a política e a gestão da seca. No passado, essa conversa ganhou e perdeu força de acordo com o ciclo da seca, com progressos apenas graduais ao longo do tempo para promover uma gestão mais proativa. Como já ocorreu frequentemente no passado, a seca atual tem atraído amplamente a atenção da sociedade brasileira, da mídia, de servidores públicos, de políticos e de especialistas internacionais. O maior desafio que o Brasil - ou qualquer país em situação semelhante - precisa gerenciar é encontrar uma forma de não deixar passar essa janela de oportunidade para adotar medidas corajosas e progressistas na reformulação da gestão e do planejamento da seca. A história do Brasil ao longo dos últimos três anos, como mencionado nos capítulos anteriores, é prova de que o país tem aproveitado essa oportunidade para mostrar vontade política e fazer avanços concretos e duradouros em sua abordagem da seca. No entanto, muito trabalho ainda precisa ser feito no Brasil, particularmente na região Nordeste, para garantir que o progresso recente esteja bem enraizado na mente coletiva brasileira e, mais importante, que seja institucionalizado em processos políticos nacionais e dinâmicas socioeconômicas. Secas no Brasil: política e gestão proativas 125 Além disso, os incentivos para o Brasil alcançar plenamente essa transição para uma política e uma gestão de secas proativas extrapolam a preparação para secas. Está cada vez mais evidente que mudar o paradigma da seca pode não apenas melhorar a preparação e a resposta a eventos de seca, mas também que ter esses mecanismos em operação criará resiliência a uma ampla gama de tensões climáticas que provavelmente se tornarão mais graves nas próximas décadas. Tal como acontece com o fenômeno da seca, a mudança do clima se manifesta em escalas de tempo mais longas, é difícil de ser definida em termos de atribuição de impactos e é um fenômeno "rastejante" (ou seja, não é bem detectado até que esteja avançado e generalizado), o que pode pegar desprevenidos os decisores e as partes interessadas. A maneira como uma nação, uma comunidade ou um decisor individual aborda a seca por meio de governança, instituições, políticas, investimentos e escolhas estratégicas é um prenúncio de como uma sociedade pode enfrentar o problema das mudanças climáticas. Portanto, a seca e as formas pelas quais ela é gerenciada podem ser vistas como catalisadores de adaptação para construir a base de uma melhor gestão da mudança do clima (ENGLE, 2012). 8.2. Acrescentando a mudança do clima à mistura As redes técnicas, os canais institucionais e o fluxo operacional de informações e recursos que são aprimorados por meio dos três pilares da preparação para a seca são semelhantes ao que é necessário de forma mais ampla para gerenciar outros riscos climáticos. É de amplo entendimento que instituições e governança eficazes desempenham um papel importante na redução das vulnerabilidades a mudanças climáticas e secas extremas, bem como no desenvolvimento sustentável de forma mais geral (BANCO MUNDIAL, 2003, 2010). É importante ressaltar que há uma necessidade de instituições fortes, inclusivas e colaborativas, capazes de planejar e implementar uma gama de possíveis abordagens técnicas, econômicas e jurídicas, a fim de responder à crescente escassez de água, produzir uma melhor preparação para a seca e construir resiliência climática. Dois exemplos disso são os sistemas/ redes de alerta precoce e informações hidrometeorológicas e agrícolas construídos por meio do Monitor de Secas do Nordeste, e os mecanismos interinstitucionais/ de governança para a gestão de secas fomentados por intermédio do diálogo nacional/ regional e vários processos participativos associados a planos de preparação para a seca. A garantia desses dois avanços renderá dividendos para a gestão de outros riscos climáticos. Mas quão crítica é a questão da mudança do clima para o Brasil? A terceira e mais recente publicação do Banco Mundial que analisa os impactos da mudança do clima associada ao aquecimento futuro de 2°C e 4°C - o relatório "Turn Down the Heat" (“Diminua o Calor”, em tradução livre) - indica que 126 Capítulo 8 – Planejamento para a próxima seca e preparação do caminho para a resiliência às mudanças climáticas a mudança do clima deverá ter um impacto significativo nas regiões da América Latina e do Caribe. Na maior parte, regiões secas se tornarão mais secas e regiões úmidas, mais úmidas - exceto no caso da região central do Brasil (onde a precipitação média anual poderá cair 20% em um mundo de 4°C em 2100). Também em 2100, a maior parte do Brasil (exceto sua costa sul), o sul do Chile, o Caribe, a América Central e o norte do México provavelmente experimentarão condições de seca severa a extrema em relação ao clima atual, e terras áridas e semiáridas podem se expandir 8% em um mundo de 4°C (BANCO MUNDIAL, 2014). Isso está de acordo com os resultados de estudos semelhantes que mostram o Nordeste brasileiro sofrendo quedas na precipitação média anual, aliadas ao aumento da evapotranspiração média anual, sugerindo, em última análise, uma maior probabilidade de secas ao longo das próximas décadas (BANCO MUNDIAL, 2013). Riscos altos de seca também aumentarão a probabilidade e gravidade de incêndios florestais, degradação florestal e perdas de serviços ambientais. Combinadas, secas crescentes e temperaturas extremas deverão levar a maior mortalidade do gado, quedas na produção agrícola e estresse e insegurança na disponibilidade de água, com sérios efeitos econômicos e sociais adversos associados. No que diz respeito à agricultura especificamente, dados recentes do Banco Mundial mostram que os impactos negativos na produção são desproporcionalmente altos para o Nordeste do Brasil (em comparação ao restante do país), principalmente devido a uma esperada redução geral de precipitação e mudanças nos padrões de precipitação e microperíodos secos durante os ciclos de cultivo existentes. Mesmo um aquecimento de 2°C poderia reduzir a produção agrícola em 50% para o trigo e 70% para a soja (BANCO MUNDIAL, 2014). Um estudo do Banco Mundial, em particular, explora estratégias de adaptação simuladas para a agricultura na região Nordeste, e mostra que o uso de irrigação complementar, manejo do solo e da água e mudanças nos ciclos de cultivo poderiam reduzir os impactos negativos da mudança do clima esperados para 2050 (FERNANDES et al., 2012). Essas constatações destacam a natureza diferenciada dos impactos esperados da mudança do clima na região nordeste, com algumas áreas devendo ser afetadas mais negativamente do que outras. Isso não apenas significa que a compreensão desses padrões espaciais será crucial para estratégias de adaptação mais eficazes em termos de custo, mas também que algumas áreas da região provavelmente serão totalmente inviáveis para a agricultura nas próximas décadas. Isso tem implicações na destinação dos esforços de construção de resiliência nessas comunidades, em particular no contexto de secas crescentes. Os processos envolvidos na concepção e implementação de medidas de preparação para secas específicas para cada contexto (como os que são discutidos neste livro) ajudarão os decisores a navegar por esse processo de forma mais eficaz. Ainda há desafios importantes a respeito de como desenvolver estratégias de planejamento e gestão para a resiliência climática no longo prazo e sobre como harmonizar esses processos e prioridades Secas no Brasil: política e gestão proativas 127 para assegurar que decisões de alocação sustentável de água também sejam consideradas no contexto de secas e escassez de água, oferta e demanda de energia, necessidades dos ecossistemas e políticas e programas regionais de desenvolvimento econômico. Atualmente, a discrepância entre as premissas do desenho do planejamento de alocação de água e a realidade operacional da necessidade de gerenciar uma maior incerteza com os impactos das mudanças climáticas e do aumento da demanda, por exemplo, deixa pouca margem de manobra, e muitas vezes é o principal fator de conflitos envolvendo a água. Analisar, documentar e compreender as principais vulnerabilidades em todos os setores e projetos ajudará a facilitar a adaptação aos efeitos hidrológicos das mudanças climáticas, em especial ao aumento de secas e à incerteza de abastecimentos futuros de água. 8.3. Qual a melhor forma de abordar o desafio? De qualquer maneira, ainda é preciso definir se a melhor forma para alcançar essa harmonização é por meio de processos de planejamento separados - mas coordenados - ou de uma estratégia combinada. Várias opções diferentes estão disponíveis para o Brasil institucionalizar ainda mais a preparação para secas e integrar esses processos e prioridades nos (e entre) os vários setores relacionados à seca da sociedade e da economia do Brasil. Embora questões relacionadas à mudança do clima hoje façam parte intrínseca da agenda política do Brasil, os esforços até esta data têm-se concentrado, principalmente, em responder à variabilidade climática de curto prazo (principalmente em termos de respostas às secas). A mudança do clima ainda não está totalmente contida em planos de ação de adaptação ou decisões de longo prazo em todos os setores. O Brasil está, no entanto, no processo de concluir o seu primeiro plano nacional de adaptação à mudança do clima, um processo que seria bem adequado para incorporar os elementos de preparação para secas. As políticas relativas à seca e o planejamento da preparação envolvem a mitigação de riscos da seca por meio de uma melhor resposta e alívio, mas também de medidas de longo prazo de construção de resiliência e adaptação. Como observado anteriormente na Seção 8.1, a preparação para a seca, em si, também pode contribuir para a construção mais ampla de resiliência à mudança do clima em um país. Isso sugere a necessidade de um debate no Brasil e em outros lugares sobre quais mudanças estruturais melhor servirão para mitigar secas futuras e outros riscos climáticos, e como essas medidas devem ser priorizadas para aumentar a resiliência mais ampla por meio de um plano de adaptação à mudança do clima, um plano de seca abrangente, ou planos para a seca separados 128 Capítulo 8 – Planejamento para a próxima seca e preparação do caminho para a resiliência às mudanças climáticas por setor (ou alguma combinação dos três). No setor hídrico, por exemplo, os decisores poderiam debater a aplicabilidade e a relação de uma política nacional de seca no contexto dos esforços para definir estratégias de gestão da água para enfrentar as secas de longo prazo e a incerteza climática. Isso poderia incluir a elaboração do Plano Nacional de Segurança Hídrica, a operação de projetos de transferência entre bacias, como o Projeto de Transposição da Bacia Hidrográfica do São Francisco e a revisão da Lei Nacional da Água e do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos. Em qualquer caso, a melhoria da capacidade institucional de planejamento e a coordenação de ações de resposta no curto e longo prazo são fundamentais para a implementação de uma política proativa para a seca. Secas futuras provavelmente exercerão maior pressão sobre os recursos hídricos, na medida em que as variabilidades climáticas extremas e as mudanças climáticas colidirem com o aumento da demanda de água decorrente do crescimento populacional e do desenvolvimento econômico regional. Agora, mais do que nunca, é preciso que as autoridades e a sociedade brasileiras continuem a trilhar o caminho iniciado durante os últimos três anos para discutir rigorosamente como institucionalizar e integrar políticas abrangentes sobre planejamento e gestão de secas, a fim de aumentar proativamente a resiliência a secas e a mudanças climáticas futuras. A seca que afeta atualmente a região Nordeste é a mais intensa em décadas. A seca severa e as condições associadas de escassez de água também têm atormentado outras partes do Brasil nos últimos anos. Juntamente com as respostas federais e estaduais às secas, o aumento da atenção mundial para formular e implementar políticas nacionais coordenadas sobre secas que abracem o conceito de preparação, atenção nacional e internacional à construção de resiliência às mudanças climáticas e os recentes avanços técnicos e institucionais do país, o Brasil agora tem os ingredientes necessários para melhor integrar abordagens proativas de gestão de riscos da seca. Até recentemente, a combinação certa destes ingredientes tinha escapado aos responsáveis pelas políticas, aos servidores públicos e à sociedade brasileira em tentativas anteriores de avançar na política e gestão da seca. A convergência desses esforços, desses interesses e dessas capacidades representa uma oportunidade única para o Brasil progredir expressivamente nos próximos anos. Secas no Brasil: política e gestão proativas 129 Foto: Dorte Verner Capítulo 9 Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil Dorte Verner A seca afeta os meios de subsistência e o bem-estar da maioria das pessoas no sertão semiárido do Nordeste do Brasil. Secas plurianuais muitas vezes destroem os meios de vida, exaurem os recursos financeiros e outros ativos e prejudicam a saúde humana e animal. Nos piores casos, levam à morte. Para os pobres, particularmente, os efeitos deletérios das mudanças climáticas no meio ambiente corroem um amplo conjunto de ativos naturais, físicos, financeiros, humanos, sociais e culturais. Com as mudanças do clima - inclusive as secas - as estratégias de enfrentamento adotadas ao longo da história podem tornar-se inadequadas ou indisponíveis, exigindo uma adaptação ao clima. No entanto, o longo histórico de intervenções no país vem mostrando resultados, já que a atual e grave seca plurianual tem levado menos pessoas a migrarem das regiões áridas do Nordeste. No sertão as secas não são nenhuma novidade. Há registros de secas datando de, pelo menos, o século XVI e a resiliência dos sertanejos pobres aos choques climáticos é relativamente baixa (Foto 2, página 145). Muitos vivem em áreas ambientalmente frágeis e particularmente propensas a desastres naturais como secas e enchentes; e muitos dependem diretamente desses frágeis recursos naturais para sua sobrevivência e bem-estar. Quando as circunstâncias mudam para o pior, os pobres são os que têm mais dificuldade em se adaptar. Para muitos, os efeitos da seca são potencializados por outras pressões. Entre as principais limitações mencionadas pelas pessoas entrevistadas para este capítulo estão a crescente escassez de terras produtivas, o desemprego, problemas de saúde, baixos níveis de escolaridade e de aquisição de habilidades, marginalização social e falta de acesso a linhas de crédito e seguros. Secas no Brasil: política e gestão proativas 133 Os estados do Nordeste não enfrentam uma seca tão grave quanto a de 2010-2015 há muitas décadas - possivelmente há mais de um século. Secas recorrentes têm impactos enormes na vida e nos meios de vida das populações rurais. No mundo inteiro, a ausência de boas políticas de desenvolvimento e redes de segurança social afeta desproporcionalmente os mais pobres. Embora, ao longo da história, as pessoas tenham adaptado os seus meios de vida às mudanças, caso o setor público não implemente intervenções adequadas é muito provável que os futuros impactos das mudanças climáticas empurrem os pobres para além de sua capacidade de enfrentamento (Quadros a seguir). Os impactos das mudanças climáticas serão mais intensos em municípios do Nordeste que do Sul ou Sudeste do Brasil 10 5 0 (% de mudança) do clíma futuro Efeito estimulante sobre a renda -5 -10 -15 -20 Sul -25 Sudeste Centro-Oeste -30 Nordeste Norte 0 100 200 300 400 500 600 700 Renda per capita atual (PPA US$/mês) Secas e outras formas de mudanças climáticas deverão causar impactos econômicos enormes nos estados nordestinos. No Brasil, estima-se que o impacto das mudanças climáticas cause uma diminuição média de 12% na renda per capita até 2058. A renda per capita de municípios pobres deve sofrer mais efeitos adversos que a de municípios mais ricos. Municípios do Nordeste e Norte do Brasil devem ser os mais afetados. A renda per capita desses municípios deve cair em até 23% de níveis que já são baixos. Isso contrasta com a situação de municípios maiores e mais ricos da região Sudeste, que provavelmente sofreriam impactos adversos bem menores e teriam mais facilidade em se adaptar aos efeitos adversos na economia. Sem ações adequadas de adaptação, as mudanças climáticas devem contribuir para o aumento das disparidades regionais. Finalmente, uma comparação entre domicílios urbanos e domicílios rurais agrícolas e não agrícolas mostra que os domicílios rurais agrícolas devem ser os mais afetados pelas mudanças climáticas. Fontes: Verner (2010) e Andersen e Verner (2010). 134 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil A mudança clímática provavelmente implicará em enormes custos econômicos para as famílias e a economia global Andersen e Verner (2010) analisaram as tendências de temperatura e precipitação dos últimos 50 anos usando dados de 34 estações meteorológicas de alta qualidade no Brasil. Os resultados mostram um aquecimento significativo em 31 estações e nenhuma mudança significativa em 3 estações. Nenhuma estação apontou um resfriamento significativo. Os autores constataram que o aquecimento no Norte está ocorrendo no dobro da velocidade do Sul e que a velocidade de aquecimento no Norte e Centro- Oeste é intermediária. Contrastando com os dados sobre temperatura, os autores não encontraram tendências claras quanto à precipitação. A menos que sejam implementadas medidas adequadas de mitigação, as mudanças climáticas terão grandes impactos na produção agrícola (quedas de produtividade) e nos preços internacionais de alimentos. Andersen et al. (2014) analisaram os impactos específicos das mudanças climáticas na economia, agricultura e população de diversas regiões da América Latina. Seus achados mostram que o Brasil pode enfrentar perdas econômicas de US$ 272,7 a US$550,6 bilhões até 2050. Em nível domiciliar, famílias brasileiras poderão perder de 4,3% a 28,8% da sua renda anual por causa das mudanças climáticas até 2050. A análise de gênero sugere que domicílios chefiados por homens podem ser mais vulneráveis (menos resilientes) às mudanças climáticas que os chefiados por mulheres, já que os últimos tendem a ter renda per capita levemente mais elevada e maior diversificação de renda que suas contrapartes masculinas no Brasil. Fontes: Andersen et al. (2010, 2015). Embora a política e gestão de secas no Brasil precisem ser mais proativas e menos fragmentadas, a resiliência dos nordestinos tem aumentado nas últimas décadas em comparação com secas anteriores e a migração do sertão. Conforme enfatizado ao longo do livro, a mudança do clima requer uma forte liderança para construir domicílios e comunidades resilientes e as intervenções do governo brasileiro estão funcionando. O cenário dos últimos séculos, em que milhares de pessoas foram obrigadas a migrar, não é mais tão frequente hoje em dia graças aos programas de redução de pobreza e de desenvolvimento, cujos sistemas reduziram a migração do sertão. Este capítulo baseia-se em visitas feitas à região e comunicação com pessoas de todas as idades durante a atual seca prolongada que está entrando em seu sexto ano. O texto baseia-se, sobretudo, em conversas e histórias de pessoas que conviveram com o período prolongado de estiagem. Muitos desses relatos pessoais consistem em comparações com secas anteriores (veja a lista de anos de secas recentes no Capítulo 1). Este capítulo trata de cinco áreas relacionadas à resiliência das pessoas em períodos de seca: água, meios de vida, proteção social, saúde e migração. 9.1. Escassez hídrica A escassez hídrica costuma ser um grande problema para as famílias do sertão em secas plurianuais; o mesmo ocorreu na seca de 2010-2015. A disponibilidade hídrica tende a cair progressivamente Secas no Brasil: política e gestão proativas 135 a cada ano de seca. A água é essencial para a sobrevivência tanto dos seres humanos quanto dos animais domésticos e silvestres. Nos últimos séculos, a falta ou total ausência de água causou o êxodo de milhares de pessoas (Seção 9.5). As medidas tradicionais e mais aplicadas no passado para tentar aliviar a situação consistem no financiamento de carros-pipa para a distribuição de água e na perfuração de mais poços artesianos. Conforme descrito no Capítulo 1, o investimento em infraestrutura viária e hídrica aumentou nas últimas décadas e barragens e reservatórios espalharam-se pela região. Graças a isso, tornou-se mais fácil distribuir água para as famílias do que em secas passadas. Na seca atual, é claro que o acesso à água continua sendo um grande problema para a maior parte das pessoas, mas durante os primeiros anos da última seca, as barragens e reservatórios dispunham de um grande volume de água para abastecer a região. Contudo, a severidade da seca vem aumentando a cada ano devido à baixa precipitação. As necessidades hídricas das pessoas não diminuem durante a seca. Ao contrário, elas aumentam. Além disso, os impactos da seca não são apenas uma questão de escassez hídrica; são, também, uma questão de vida e de sustento. Graças à implementação de infraestrutura viária e hídrica mencionada acima, é muito mais fácil distribuir água hoje que em outras décadas. Conforme referido no Capítulo 1, o governo instituiu programas de abastecimento de água para domicílios e centros municipais. Durante períodos de seca é possível ver carros-pipa públicos e privados por toda parte. Em muitos locais, os carros- pipa aparecem a cada dois dias para encher as cisternas de armazenamento de água. Isso melhora o acesso das famílias à água e ajuda a aliviar as dificuldades acarretadas pela seca. Essas cisternas costumam ser instaladas nas sedes municipais (Fotos 4 e 7, páginas 146 e 147) ou em propriedades privadas em áreas rurais (Foto 8, página 148). Nos últimos anos, o Governo Federal, por meio do Ministério da Integração Nacional, vem construindo em domicílios cisternas com tanques de armazenamento de água para consumo humano e uso animal. No momento em que este livro foi escrito, muitas famílias escavavam o chão duro para possibilitar a instalação de uma cisterna. Infelizmente, usuários dizem que a qualidade da água é inferior e as famílias têm reclamado. Algumas pessoas chamaram a água de “lamacenta” e, nas conversas registradas para o primeiro capítulo, explicaram que a água provavelmente vinha de lagos ou de outros locais sem tratamento. Alguns mencionaram que a água é intragável até mesmo quando tratada. Mesmo assim, ter uma cisterna instalada na propriedade ainda é infinitamente melhor do que não ter (Foto 8, página 148). À medida que a seca avança, contudo, na maioria dos lugares torna-se cada vez mais difícil obter água suficiente até mesmo para o consumo humano. Aqueles que não têm cisternas muitas vezes 136 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil precisam viajar para conseguir água, por exemplo, de uma cisterna no centro da cidade mais próxima. Ou então precisam comprar água, que custa caro. Alguns dos entrevistados mencionaram que gastam até 75% da transferência do Bolsa Família com a compra de água (Seção 9.4). Em muitos domicílios rurais, as pessoas (com frequência mulheres e crianças) precisam viajar para longe para conseguir água para as suas famílias e animais domésticos (Foto 5, página 147). Muitos homens e mulheres perdem muito tempo viajando para obter água. Além disso, como as crianças ajudam suas famílias, muitas vezes acabam faltando às aulas. Em toda a região, é possível ver mulheres carregando grandes baldes de água na cabeça ou empurrando carrinhos de mão com vários baldes. Os homens, muitas vezes, carregam dois baldes de água suspensos em um jugo de ombro, com um balde em cada lado (Foto 3, página 146). Às vezes, os homens usam burros para carregar os baldes de água. O quadro mudou pouco nas últimas décadas, embora talvez tenha menos gente carregando água hoje por causa do aumento do número de domicílios com cisternas. Há pouca água para o consumo humano e animal e também para lavar roupa (Foto 6, página 147). Na seca atual, muitas mulheres têm precisado levar a roupa suja para lugares onde há água, inclusive onde é bombeada de um poço. Embora isso já acontecesse há duas ou três décadas, graças ao aumento na renda familiar as famílias de hoje têm muito mais roupa (Seção 9.4). 9.2. Impactos na Economia e nos meios de subsistência A seca afeta a renda e os meios de vida da maioria das pessoas, inclusive daquelas envolvidas direta ou indiretamente com setores altamente dependentes de recursos naturais, como a agricultura e a pecuária. A agricultura teve início em regiões semelhantes ao Nordeste do Brasil de hoje, mais especificamente no Oriente Médio, há 8.500 anos. Há alguns milhares de anos, é provável que um ciclo de estiagem de 300 a 400 anos tenha produzido uma mudança drástica da agricultura para a pecuária. O gado é mais resiliente a secas curtas do que as plantações, mas, em secas plurianuais, torna-se igualmente vulnerável. A população e os rebanhos cresceram com o tempo, tornando necessário demarcar as áreas onde os pastores poderiam movimentar-se livremente. Quando a terra é atingida por uma seca, sua capacidade de suporte passa a enfrentar grandes desafios. Hoje, a maioria das nações árabes enfrenta secas anuais ou bianuais em partes dos seus territórios. Nos estados nordestinos a situação ainda não chegou a esse ponto (Foto 9, página 149). Além disso, o Brasil tem uma longa história de implementação de ações para a redução dos impactos das secas. Entre as medidas tradicionais para lidar com situações de seca nos estados nordestinos estão a abertura de linhas de crédito de emergência e a renegociação de dívidas agrícolas, duas medidas apontadas ao longo deste livro. Secas no Brasil: política e gestão proativas 137 A seca exerce uma pressão adicional sobre os recursos escassos dos estados do semiárido nordestino. Durante as secas prolongadas, os pequenos agricultores perdem suas plantações ou têm um rendimento extremamente baixo - quando têm. Suas famílias e as famílias de outros trabalhadores rurais passam a enfrentar grande insegurança alimentar e requerem assistência alimentar emergencial. Secas prolongadas também obrigam os pecuaristas a vender seus animais, frequentemente a preços sumamente baixos; se desfazer de outros ativos para comprar forragem; ou ver o gado morrer por falta de pastagem. A escalada dos preços dos alimentos e da forragem piora ainda mais a situação. Em períodos de seca extrema a renda familiar costuma despencar. Além disso, secas causam choques na saúde que afetam a produtividade dos trabalhadores e outros tipos de bem-estar. Isso aumenta a vulnerabilidade das pessoas. De fato, o clima está envolvido em muitos dos choques que condenam as pessoas à pobreza ou as mantêm nessa situação (BANCO MUNDIAL, 2015). Experiências com secas pelo mundo afora ilustram a importância de tornar os meios de vida mais resilientes a desastres naturais relacionados com o clima. Como mostra o Capítulo 8, tais situações enfatizam a necessidade de promover não só meios de vida resilientes, mas também medidas de adaptação às mudanças climáticas. A despeito das políticas de adaptação implementadas nos estados nordestinos, muitas comunidades continuam vulneráveis à seca. Os impactos das secas nos meios de vida são enormes porque as pessoas dependem muito do capital natural; perto de 40% da população economicamente ativa da região depende da agricultura (LEMOS, 2007). No Ceará - que vem experimentando uma seca, em média, a cada 3 anos e meio - até 96% da agricultura depende da chuva e estima-se que 90% dos pequenos produtores rurais (muitos dos quais são posseiros) não tenham qualquer fonte de renda além das suas fazendas (BRANT, 2007). Essa forte dependência do capital natural, junto com os grandes riscos associados à variabilidade climática (ex: variações nafrequência, localização e volume da precipitação), deixa muitas famílias vulneráveis a choques nos seus meios de subsistência. Considera-se que mais da metade dos domicílios dos estados do Nordeste padeçam de insegurança alimentar (IBGE, 2004). Nesta região, com predominância de práticas agrícolas de subsistência, as secas de longa duração têm consequências consideráveis no sustento das famílias. Exacerbam, ainda, tendências como falta de planejamento e de investimentos de longo prazo; negligência ou redução do capital humano; dependência de transferências monetárias estaduais; e migração como maneira de sobreviver. As secas impõem um choque na economia local, já que muitos empregos desaparecem e os agricultores sofrem quedas na produtividade ou até mesmo perdem safras inteiras. O aumento do calor e da estiagem ameaça o sustento de pequenos produtores rurais que já vivem à beira do abismo. Isso atrasa o crescimento agrícola e tem impactos em outros setores, já que o poder de compra daqueles cujo sustento vem do setor agrícola fica reduzido. Os custos e impactos da seca atual na região Nordeste são quantificados no Capítulo 10. 138 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil A grande redução no volume de recursos hídricos e na precipitação faz com que as secas tenham efeitos profundos nos meios de subsistência; como as suas culturas dependem da chuva, os pequenos agricultores veem o seu sustento definhar. Em períodos de seca, a escassez de água e forragem são fatores limitantes para os pequenos produtores rurais. Em muitos países, as políticas públicas são limitadas e costumam ficar restritas ao fornecimento de pequenas quantidades de água e de forragem. Apesar do progresso, as iniciativas governamentais não bastam para atender às necessidades das populações rurais durante os períodos de seca, nem mesmo no Brasil (veja mais sobre os programas neste capítulo). Agricultores e trabalhadores rurais já se acostumaram a exaurir seus limitados ativos. Durante séculos, ao esgotarem os seus ativos, o último recurso para a maioria das famílias consistia em migrar do sertão para áreas urbanas. No sertão, planta-se e colhe-se, sobretudo, milho, feijão e mandioca (Fotos 10 e 12-14, págnas 149,150 e 151). Isso fica cada vez mais desafiador em períodos de seca, já que é muito difícil decidir o momento certo de plantar; ou mesmo se deve-se plantar. Antigamente, os agricultores decidiam o momento de plantar com base em muito pouca informação além da tradição. Hoje, as tecnologias da informação possibilitam um rápido fluxo de informações meteorológicas e a maioria dos agricultores recebe previsões do tempo, entre outras informações, quase diariamente. Em épocas de seca, os agricultores também usam essa informação, além da sua própria experiência, para decidir quando plantar. A maioria dos agricultores de áreas que dependem da chuva quer plantar. Assim, muitos terminam plantando durante a seca. Cerca de 1,1 milhão de agricultores nordestinos têm acesso ao Garantia Safra, um programa de seguro agrícola (citado no Capítulo 2). Os produtores rurais entrevistados para este capítulo mencionaram que, em alguns anos de seca, eles plantam e recebem o seguro, enquanto em outras secas eles plantam do mesmo jeito, mas não recebem o seguro. No Nordeste todos conhecem a seca; não há quem não tenha vivido e vivenciado os seus impactos. Muitas pessoas mencionaram que as secas de 1932 e 1958 foram as piores das quais lembravam ou tinham ouvido falar, já que naqueles anos não houve colheita alguma. Alguns agricultores também lembram que, no começo dos anos 1980, choveu tanto que as culturas apodreceram no campo. Durante secas severas, pequenos pecuaristas às vezes perdem todo o rebanho. Como os produtores não têm como arcar com os custos, o gado sofre com a falta de comida e água e muitas vezes morre de desnutrição. Em secas recentes, há locais onde até 70% do rebanho morreu. Segundo informações obtidas de agricultores durante a seca atual, os produtores tentam vender seus animais antes que o preço chegue ao ponto sem retorno; ou compram forragem, cortam grama ou tentam encontrar outras maneiras de alimentar os animais (Foto 11, página 150). O gado sempre foi importante para Secas no Brasil: política e gestão proativas 139 as famílias, já que serve como reserva de capital ou conta bancária em que a poupança é feita em forma de gado, que é mais resiliente a secas curtas que a plantação. As frutas sempre foram importantes na dieta do nordestino. Em períodos de seca as árvores praticamente não produzem frutas, ou não as produzem em absoluto. Mangueiras, por exemplo, só dão fruto quando chove no inverno e, por isso, nos últimos anos quase não deram fruto. Isso tem consequências no estado nutricional das pessoas, que comem menos frutas em anos com seca do que em anos sem seca. 9.3. Impactos na saúde A vida no sertão costumava ser extremamente precária por causa da prevalência de fome, sede e diarreias; mas, felizmente, de modo geral essa situação já mudou (Fotos 15 e 16, páginas 152). Mesmo assim, a maioria dos adultos com mais de 40 anos já passou fome. Alguns adultos entrevistados mencionaram que, quando eram crianças, às vezes não podiam ir para a escola por estarem fracos demais de fome para caminhar. Conforme mencionado acima, a seca tem impactos sérios na saúde relacionados à escassez, e com frequência, à piora da qualidade dos recursos hídricos. Muitos sertanejos que captam água de reservatórios não tratam a água antes de beber. Alguns usam filtros que melhoram a qualidade da água para o consumo humano. Caso a água não seja tratada adequadamente, as crianças sofrem particularmente com problemas de saúde como a diarreia. Uma das principais causas da mortalidade infantil no sertão é a desidratação por causa da diarreia. A mortalidade infantil tem sido um problema muito sério. Antigamente, as famílias eram bem maiores do que são hoje e algumas famílias perdiam muitos filhos. Um homem de 64 anos relatou ter perdido três dos seus nove filhos. De acordo com uma agente comunitária de saúde entrevistada, costumava morrer uma criança por dia. Nos anos 1970, as taxas de mortalidade neonatal e infantil no sertão estavam entre as mais elevadas do mundo. Alguns municípios tinham uma taxa de mortalidade infantil (TMI) de mais de 400 - ou seja, 40% de todas as crianças morriam nos primeiros 12 meses de vida. Desde então, a TMI tem caído mais rapidamente no Nordeste que em qualquer outro lugar do Brasil; de 112 para 20 em cada mil nascidos vivos em 1990 e 2010, respectivamente (embora o número ainda supere a média 140 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil nacional). Muitas famílias sequer davam nome a seus recém-nascidos (SCHEPER-HUGHES,1992). Alguns lembram que os seus pais preferiam não gastar dinheiro com o registro civil de uma criança antes que ela ficasse maior. Quando morre uma criança é costume enterrá-la em um caixãozinho forrado em tecido azul, simbolizando a ida do “anjinho” para o céu. O programa Viva Criança fez uma grande diferença na redução das taxas de mortalidade infantil em todo o Ceará. Níveis baixos de renda e escolaridade tiveram um papel nessa situação, já que as mães não costumavam ter os recursos necessários para salvar a vida de seus filhos. Não tinham ciência de que uma solução de reidratação oral feita de sal, açúcar e água pode salvar a vida de uma criança que está morrendo de desidratação por diarreia. Hoje em dia, agentes comunitários de saúde vão de casa em casa ensinando as mães a cuidar da saúde de seus filhos em pequenos municípios de todo o Ceará. Os agentes registram nascimentos, mortes e problemas de saúde em geral e encaminham os doentes para os centros de saúde ou hospitais mais próximos, conforme o caso. Durante anos de seca, os agentes comunitários enfatizam muito a necessidade de filtrar a água usada no soro de reidratação, além de outras medidas para assegurar que as crianças não sofram. Outra das principais causas da elevada taxa de mortalidade infantil era a falta de comida. Agora, com programas como o Agentes de Saúde e o Programa de Leite (que distribui um litro de leite de cabra por criança por dia), houve um grande aumento na atenção à saúde na primeira infância, contribuindo, assim, para a sobrevivência de algumas das crianças mais vulneráveis. Junto com o aumento da renda familiar decorrente de programas de proteção social (veja a seção 9.4) e do trabalho dos agentes de saúde comunitária, tais programas contribuíram para a grande queda nas taxas de mortalidade e para a melhora geral da saúde no Nordeste do Brasil. A taxa de fertilidade também despencou nos estados do Nordeste. Por exemplo, hoje a maioria das mulheres tem, no máximo, três filhos e todos costumam sobreviver. Após o terceiro filho, a maioria das mulheres opta pela esterilização para evitar uma nova gravidez. As mães delas, com frequência, engravidavam 10 vezes, tinham oito nascidos vivos e só quatro ou cinco filhos sobreviviam após o primeiro ano. Até recentemente, as casas costumavam ser feitas de taipa (uma combinação de palha, barro e galhos); não tinham água, eletricidade ou saneamento; e as famílias tinham pouca segurança alimentar, principalmente durante períodos de seca (Foto 17, página 153). Quando os agricultores têm uma boa colheita, vendem feijão e milho e compram outros itens necessários, como frutas e alimentos nutritivos. Como 0s programas sociais não conseguem cobrir todas essas perdas causadas pela seca, porém, as famílias acabam cortando as frutas e outros alimentos do orçamento. A dieta Secas no Brasil: política e gestão proativas 141 das famílias sofre nos períodos de seca, já que a maioria não dispõe de meios suficientes para comprar o necessário para manter a mesma dieta que em anos sem seca. Doenças como chagas, cólera e tuberculose costumavam ser comuns no Nordeste. Hoje em dia são raras, mas em períodos de seca há relatos ocasionais de doenças transmitidas pela água, como a cólera. 9.4. Proteção social Em períodos de seca, há um aumento das transferências sociais devido à maior vulnerabilidade das comunidades nordestinas afetadas. Essas transferências são adicionais aos programas de proteção social que fazem parte das ações gerais de construção de capital humano e redução da pobreza no Brasil. As crianças costumavam ser uma parte essencial da força laboral nos estados do Nordeste. Nas últimas duas décadas, no entanto, o trabalho infantil praticamente desapareceu. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) foi um dos primeiros a combatê-lo, chamando a atenção para o problema e oferecendo uma transferência direta de renda para famílias cujos filhos frequentassem a escola em período integral. Outro programa de assistência financeira a famílias com filhos afetadas pela seca é o Bolsa Família, que fornece transferências condicionadas de renda a famílias pobres desde que vacinem seus filhos e os mantenham na escola. Além disso, o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, um programa de previdência rural, tem proporcionado renda a pessoas que nunca tiveram muito dinheiro. Homens e mulheres que tenham trabalhado em atividade rural têm direito a uma pensão do governo ao completarem 55 e 60 anos de idade, respectivamente. Graças ao programa, a grande maioria desses trabalhadores rurais - que sempre tiveram uma renda muito baixa e, consequentemente, muito pouco dinheiro para gastar - agora recebe dinheiro todos os meses. Enquanto antes tinham uma baixa propensão ao consumo, já que a maior parte de seus parcos recursos financeiros se destinava à produção agrícola, hoje a renda adicional permite que gastem mais com os filhos e netos, sendo a roupa o principal item de consumo. 142 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil 9.5. Migração A migração induzida pelo clima mudou ao longo do tempo nos estados nordestinos, passando de ser meramente uma resposta ao sofrimento para ser, sobretudo, migração laboral; até mesmo essa forma de migração ocorre muito menos hoje que em décadas passadas (Fotos 19 e 20). Assim, a título de simplificação, podemos dividir a migração induzida pelo clima em duas grandes categorias: migração laboral e migração forçada (distress migration), podendo ser temporária ou permanente. A migração induzida pelo clima é uma resposta adaptativa, normalmente de último recurso, tomada por famílias confrontadas com situações de estresse climático, como secas graduais ou crônicas. Essa forma de migração é fruto de desastres naturais. Fluxos migratórios como esses são formados por grandes contingentes de pessoas sofridas em busca de assistência humanitária até que tenham condições de voltar para casa. As características da migração forçada variam ao longo do tempo, já que dependem da gravidade da crise, capacidade de resposta das famílias, oportunidades, vulnerabilidades atuais e persistentes, disponibilidade de redes de segurança e interveniência de políticas públicas. Durante séculos, a migração do sertão induzida pela seca foi considerada migração forçada e realizada a pé. Era extremamente árduo andar no clima quente com pouca água e comida e muitas pessoas perdiam boa parte da força física por causa da má alimentação. Muitos ainda lembram de como era difícil chegar até as cidades do litoral ou do Sul do Brasil. E muitos morriam durante a longa travessia. Hoje, a maior parte da migração motivada pela seca é temporária, em busca de trabalho. Alguns jovens nordestinos saem de casa para trabalhar na colheita, cortando cana-de-açúcar nos estados do Sudeste ou colhendo laranjas no Centro-Oeste do Brasil, e mandam dinheiro para as famílias que ficaram para trás. Hoje os padrões de migração sazonal diferem dos de outras décadas, quando os homens costumavam ir embora e mandavam dinheiro para casa para melhorar a alimentação de suas famílias. Depois eram seguidos por toda a família, que migrava atrás deles. Iam embora para sempre, colocando os seus poucos pertences num caminhão ou pegando um ônibus em direção às cidades do litoral ou do Sul. A migração pode trazer vários benefícios para os migrantes e suas famílias. Boa parte das famílias de regiões assoladas pela seca recebe recursos financeiros de parentes de fora da região; 31% de todas as famílias no Nordeste recebem algum tipo de remessa com frequência (LEMOS, 2007). Tais remessas aumentam a renda familiar, possivelmente melhorando a segurança alimentar e o acesso à saúde, ou Secas no Brasil: política e gestão proativas 143 possibilitando que as crianças frequentem a escola ao invés de trabalhar. Também podem ser usadas para melhorar a qualidade de ativos físicos, como moradias ou gado (VERNER, 2009). A experiência no Nordeste do Brasil ilustra a importância da adaptação para aumentar a resiliência aos desastres naturais relacionados ao clima. A situação da seca também enfatiza a importância de incluir programas sociais em estratégias regionais de adaptação às mudanças climáticas, já que isso aumenta a capacidade de enfrentamento das famílias. O programa de previdência rural e o Bolsa Família também contribuíram diretamente para o aumento da resiliência à seca e para a redução da migração de regiões afetadas pela seca durante o período recente de estiagem prolongada (VERNER e TABALDI, 2015). 144 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil Foto 1 – A seca plurianual acaba com os meios de subsistência. Crédito: Dorte Verner. Foto 2 – As secas reduzem ativos e causam danos à saúde. Crédito: Dorte Verner. Secas no Brasil: política e gestão proativas 145 Foto 3 – As famílias rurais viajam longe para obter água. Crédito: Dorte Verner. Foto 4 – Uma cisterna instalada na sede municipal melhora o acesso à água. Crédito: Dorte Verner. 146 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil Foto 5 – Mulheres e crianças carregam a água. Crédito: Dorte Verner. Foto 6 – A água é escassa também para lavar roupas. Crédito: Dorte Verner. Secas no Brasil: política e gestão proativas 147 Foto 7 – As cisternas aliviam a luta em períodos de seca. Crédito: Dorte Verner. Foto 8 – Algumas propriedades privadas também possuem cisternas. Crédito: Dorte Verner. 148 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil Foto 9 – O homem prepara a terra enquanto aguarda a chuva. Crédito: Dorte Verner. Foto 10 – Agricultores no Sertão plantam milho, feijão e mandioca. Crédito: Dorte Verner. Secas no Brasil: política e gestão proativas 149 Foto 11 – Quando a pastagem é escassa, os agricultores cortam o capim para dar aos animais. Crédito: Dorte Verner. Foto 12 – Secagem de uma colheita de feijão escassa durante a seca. Crédito: Dorte Verner. 150 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil Foto 13 – O feijão é a principal fonte de proteína quando a renda é escassa. Crédito: Dorte Verner. Foto 14 – O feijão é de sequeiro e a sua produtividade é limitada durante a seca. Crédito: Dorte Verner. Secas no Brasil: política e gestão proativas 151 Foto 15 – Campo atingido pela seca. Crédito: Dorte Verner. Foto 16 – Um pouco de água atrai pessoas e animais igualmente. Crédito: Dorte Verner. 152 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil Foto 17 – Família em sua casa feita de taipa. Crédito: Dorte Verner. Foto 18 – Agentes comunitários de saúde em um assentamento rural. Crédito: Dorte Verner. Secas no Brasil: política e gestão proativas 153 Foto 19 – Pessoas em uma parada de caminhão. Crédito: Dorte Verner. Foto 20 – A migração por conta do clima vem se reduzindo ao longo do tempo. Crédito: Dorte Verner. 154 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil Foto 21 – Açude Banabuiú seco com 0,84% de sua capacidade máxima: réguas linimétricas próximas ao vertedouro. Crédito: Juliana Lima Oliveira (Funceme). Foto 22 – Açude Banabuiú: espelho d’água. Toda a área de terra em primeiro plano e à direita na foto encontrava-se coberta por água antes da seca de 2012-2015. Crédito: Juliana Lima Oliveira (Funceme). Secas no Brasil: política e gestão proativas 155 Foto 23 – Barragem e Torre do Açude Banabuiú. Crédito: Juliana Lima Oliveira (Funceme). Foto 24 – Bacia hidrográfica do açude Quixeramobim. A área antes ocupada pelo espelho d’água hoje é ocupada por vegetação. Crédito: Juliana Lima Oliveira (Funceme). 156 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil Foto 25 – Barragem do açude Quixeramobim praticamente seca. Vista de sua bacia hidrográfica. Crédito: Juliana Lima Oliveira (Funceme). Foto 26 – Cacimbão e bombeamento. Crédito: Giullian Nícola Lima dos Reis (Funceme). Secas no Brasil: política e gestão proativas 157 Foto 27 – Barragem do açude Quixeramobim, vista da bacia hidrográfica praticamente seca. Crédito: Giullian Nícola Lima dos Reis (Funceme). Foto 28 – Bacia hidrográfica do açude Quixeramobim. Crédito: Leandro Castro (Funceme). 158 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil Foto 29 – Abastecimento da comunidade em Quixeramobim por carro-pipa. Crédito: Juliana Lima Oliveira (Funceme). Foto 30 – Operação Carro-pipa, gerenciada pela defesa civil na sede do município de Quixeramobim. Crédito: Juliana Lima Oliveira (Funceme). Secas no Brasil: política e gestão proativas 159 Foto 31 – Ruínas de Velha Jaguaribara: vista do local da antiga igreja, antes submersa pelas águas do açude Castanhão. Crédito: Juliana Lima Oliveira (Funceme). Foto 32 – Ruínas de Velha Jaguaribara: banco da praça da cidade, antes submersa pelas águas do açude Castanhão. Crédito: Juliana Lima Oliveira (Funceme). 160 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil Foto 33 – Pôr do Sol em Velha Jaguaribara. Açude Castanhão. Crédito: Juliana Lima Oliveira (Funceme). Foto 34 – Animais mortos pela seca. Registro feito em frente às obras do Eixão das Águas (trecho Castanhão). Crédito: Leandro Castro (Funceme). Secas no Brasil: política e gestão proativas 161 Foto 35 – O mar virou sertão: baleia de pedra em Nova Jaguaribara. Registro fotográfico na bacia hidrográfica do Açude Castanhão. Crédito: Juliana Lima Oliveira (Funceme). Foto 36 – Ruínas da Velha Jaguaribara (Açude Castanhão): vista da estrada que interligava os municípios de Jaguaribara e Jaguaretama, antes da inundação pelo açude. Crédito: Leandro Castro (Funceme). 162 Capítulo 9 – Vozes do povo: impactos socioeconômicos da seca no Nordeste do Brasil Foto 37 – Vista de montante do vertedouro do Açude Castanhão. Bacia hidrográfica seca. Crédito: Juliana Lima Oliveira (Funceme). Foto 38 – Paisagem nos arredores da CE266. Crédito: Leandro Castro (Funceme). Secas no Brasil: política e gestão proativas 163 Foto: Dorte Verner Capítulo 10 – Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil Capítulo 10 Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil Paulo Bastos 10.1. Introdução Uma das secas plurianuais mais graves em décadas vem assolando o Nordeste do Brasil desde 2010. Estudos foram divulgados indicando que a região, provavelmente, sofrerá com secas ainda mais prolongadas e escassez de recursos hídricos resultantes das mudanças climáticas (IPCC, 2013). Aliados às condições socioeconômicas relativamente mais pobres da região, esses fatores tornam o nordeste do Brasil especialmente vulnerável a secas extremas. A região tem uma longa história de gestão e convivência com essas condições desafiadoras, incluindo a introdução de projetos de armazenamento e transposição de água e o advento de instituições e programas inovadores para enfrentar a variabilidade da água e do clima. No entanto, quando secas extremas atingem o nordeste do Brasil, as soluções estruturais de décadas passadas, embora necessárias, são insuficientes para superar esses períodos plurianuais de precipitação abaixo da média. Como a maioria dos outros países, o Brasil tem abordado a gestão dos eventos de secas plurianuais por meio de várias atividades de ajuda e resposta emergencial, conforme resumido no Capítulo 1. Os impactos das secas e das atividades de resposta emergencial afins são vistos como de alto custo para a sociedade. No entanto, tem sido difícil desenvolver uma análise robusta e multissetorial que quantifique esses impactos e custos no Nordeste do Brasil, em parte devido à dificuldade de determinar o início das secas, mas também por conta de desafios metodológicos na quantificação e atribuição de impactos a uma seca específica. Como resultado, a sociedade e os decisores têm Secas no Brasil: política e gestão proativas 167 tido dificuldade em avaliar os custos e os impactos das secas na região. Este capítulo contribui para preencher essa lacuna, combinando várias fontes de dados oficiais e detalhados que permitem avaliar os impactos e custos econômicos da última seca plurianual no Nordeste do Brasil. Este capítulo está organizado da seguinte forma. A Seção 10.2 examina a literatura existente, buscando quantificar os impactos econômicos das secas. A Seção 10.3 descreve os dados usados. A Seção 10.4 descreve a metodologia empírica adotada para avaliar os impactos da seca. A Seção 10.5 apresenta os resultados empíricos. A Seção 10.6 descreve as principais características da resposta de políticas à seca mais recente e busca avaliar os custos orçamentários associados. A Seção 10.7 apresenta as conclusões. 10.2. Literatura pertinente Há um crescente corpo de literatura dedicado a estimar os impactos das secas nos resultados econômicos. Essa literatura pode ser dividida em dois tipos principais. Primeiro, há estudos de caso descritivos que documentam perdas em indicadores como produção agrícola e pecuária em relação a um ano de referência caracterizado por níveis de precipitação normais. Em segundo lugar, há estudos econométricos que relacionam a evolução de dados longitudinais geograficamente desagregados sobre precipitação (ou indicadores de seca baseados em precipitação) com variação nos resultados econômicos locais. O conjunto de estudos baseia-se no pressuposto de que os desvios na produção agrícola observados nos anos caracterizados por níveis anormalmente baixos de precipitação (em relação ao ano de referência) podem ser atribuídos a secas. Partindo desse pressuposto, uma simples comparação de produções agrícolas do tipo “antes e depois” fornece uma estimativa das perdas impostas pela seca. Por outro lado, estudos que recorrem a métodos econométricos reconhecem que outros choques simultâneos e variáveis no tempo podem influenciar mudanças na produção agrícola. Esses estudos também empregam métodos estatísticos mais rigorosos para isolar o impacto causal da seca em nível local. Como a aplicação desses métodos exige o uso de séries históricas de dados espacialmente desagregados, as estimativas correspondem aos efeitos locais médios de uma seca com diferentes graus de severidade. Inúmeros estudos descritivos examinam perdas na produção agrícola associadas às secas no Nordeste do Brasil. Magalhães e Glantz (1992) apresentam evidências dos impactos da seca de 1979-1983, uma das mais longas já observadas na região. Os autores constataram que a seca estava associada a perdas 168 Capítulo 10 – Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil consideráveis na produção agrícola: entre 1978 (ano normal) e 1980, as perdas de produção chegaram a 72% no feijão, 82% no milho, 52% no arroz e 70% no algodão. Sarmento (2007) examina o papel da seca na explicação da evolução do valor agregado da agricultura no nível estadual durante o período 1970-2001. Para calcular a perda acumulada do PIB agrícola que pode ser razoavelmente atribuída à seca, o estudo considera apenas os anos em que o valor agregado da agricultura apresentou crescimento negativo (em relação ao ano anterior). Ao aplicar esse critério aos estados do Nordeste (à exceção do Maranhão), o estudo constata que a perda acumulada no valor agregado da agricultura atribuível à seca durante esse período chega a US$ 13,2 bilhões. Três estados da região semiárida (Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará) respondem por 52% dessa perda acumulada. Em um estudo relacionado, Khan et al. (2005) examinam o impacto das secas de 1998 e 2001 na produção agrícola, no emprego e na renda na microrregião de Brejo Santo e no Estado do Ceará como um todo. A análise empírica baseia-se em dados de pesquisa de fontes oficiais e usa o ano de 2000 (que teve níveis de precipitação normais) como o ano de referência para calcular as perdas de culturas (arroz, feijão, milho e algodão). Os resultados revelam que a seca de 2001 causou perdas estimadas de receitas de produção de cerca de 70% em relação ao potencial. Constatou-se que as perdas na produção agrícola física e no emprego foram de ordens de magnitude similares, embora um pouco heterogêneas entre as culturas. Em comparação à seca de 1998, a de 2001 foi associada a maiores perdas na produção e na receita agrícolas, mas com perdas semelhantes no emprego. Ximenes et al. (2013) empregam uma metodologia semelhante para quantificar perdas na produção agrícola no Nordeste do Brasil desde 1991. Usando dados históricos de precipitação desde 1960, os autores primeiro identificam os anos de seca com base em desvios negativos de níveis anuais de precipitação a partir da média histórica. Usando dados de pesquisas agrícolas nacionais, eles então quantificam as perdas na produção agrícola associadas a secas, calculando o desvio relativo ou absoluto das quantidades e dos valores de produção. Ao fazê-lo, estabelecem a distinção entre perdas em culturas temporárias e perenes. Os resultados indicam que, em relação a 2011, a produção física de culturas temporárias (medida em toneladas) caiu 13% ao ano em 2012 e 2013. Essas perdas foram claramente maiores do que em 2010, quando a produção de culturas temporárias caiu apenas 1,5% em relação a 2009. Mas foram cumulativamente menores do que na seca de 1992-1993, quando as perdas de produção chegaram a 4,6% e 40,1%, respectivamente (em relação a 1991). Estudos econométricos nessa área são mais escassos. Usando dados de três pesquisas domiciliares transversais independentes realizadas em 1992, 1993 e 1995, Mueller e Osgood (2009) constatam que ocorrências passadas de seca em um determinado estado federal tiveram efeitos persistentemente negativos sobre os salários. Os dados demográficos e de renda consistiram de três seções transversais independentes de aproximadamente 330 mil trabalhadores em municípios tanto rurais como urbanos do Brasil. O âmbito geográfico dessas pesquisas permitiu controlar a variação regional na Secas no Brasil: política e gestão proativas 169 mitigação e adaptação climática. A análise econométrica contou com a variação climática entre pesquisas transversais de três anos diferentes. Em particular, os autores criaram quatro indicadores de seca: o número médio de desvios-padrão abaixo da precipitação média observada em vários períodos anteriores ao período de análise (1-5 anos antes, 6-10 anos antes, 11-15 anos antes e 16- 20 anos antes). A definição das variáveis de seca em termos do tempo decorrido em vez dos anos de secas específicas permitiu identificar os efeitos salariais de longo prazo da duração da seca. Os métodos empregados também foram responsáveis pela não observada heterogeneidade espacial e temporal, ao incluir efeitos fixos por estado e ano. Os resultados econométricos indicaram que as secas deprimiram os salários em municípios rurais durante cinco anos após o evento. Além disso, constataram que a dependência da agricultura tem tido uma influência significativa na magnitude desses impactos. Cabe notar, no entanto, que os dados e a abordagem econométrica adotados nesse estudo esbarraram em algumas limitações importantes ao estimar os efeitos de longo prazo da seca nos salários. Em particular, o uso de dados transversais sobre os resultados de interesse dificultou o isolamento do efeito causal da seca: se os municípios que enfrentaram secas no passado diferiam daqueles não afetados pela seca em outros aspectos importantes (como geografia e instituições locais), não foi possível isolar o impacto causal da seca do impacto de outros fatores. Em um estudo recente sobre o Brasil, Bastos et al. (2013) examinam os efeitos de longo prazo da seca no valor agregado da agricultura e nos mercados de trabalho locais no período 1970-2010. Usando dados de precipitação retroativos a mais de um século, os autores constroem índices contemporâneos e históricos para mais de três mil áreas locais e os examinam em conjunto com as últimas cinco ondas de dados do censo populacional. Os índices contemporâneos de seca capturam a ocorrência da seca nos anos censitários, enquanto os índices históricos quantificam a incidência cumulativa de seca durante a década anterior. Baseado em um modelo econométrico de “diferenças em diferenças” que responde por heterogeneidades não observadas de áreas locais juntamente com tendências aleatórias nos níveis local e regional, os autores constatam que uma maior frequência de seca durante a década anterior reduz significativamente o valor agregado da agricultura local em áreas rurais.22 Além disso, estimativas indicaram queda de empregos e salários nos setores industriais e de serviços locais, apontando para a existência de efeitos colaterais negativos da seca sobre toda a economia 22  Em um estudo relacionado sobre a Índia, Burgess et al. (2011) examinam os impactos econômicos e sociais de flutuações de precipitação e temperatura entre distritos no período 1957-2000. Usando métodos econométricos de efeitos fixos que buscam explicar a potencial influência de outros fatores que não a variação climática (tais como mudanças nos preços agrícolas internacionais ou demanda doméstica e internacional), os autores apresentam evidências de que condições climáticas secas em áreas rurais reduzem significativamente a produção e os salários na agricultura contemporânea e, consequentemente, aumentam os preços agrícolas locais. 170 Capítulo 10 – Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil local.23 Ao reduzir as oportunidades de emprego e os salários locais, as secas também podem causar migração nas áreas afetadas. Bastos et al. (2013) examinaram essa previsão e constataram que a frequência maior das secas na década anterior elevou as taxas de migração, especialmente entre as coortes mais jovens e os homens.24 10.3. Fontes de dados O Nordeste do Brasil tem uma população de cerca de 56 milhões de habitantes distribuídos por 1,5 milhão de km². A região é composta por nove estados, divididos em 1.800 municípios. A maioria dos municípios tem um índice populacional relativamente baixo, com uma média de cerca de 12 mil habitantes. A análise empírica neste capítulo combina informações de várias fontes para construir um conjunto longitudinal de dados dos municípios que abrange o período de 2000-2013. Os dados para um subconjunto dos resultados de interesse não estão disponíveis para o primeiro ou último ano deste período e, portanto, não serão informados ou utilizados na estimativa. Os dados anuais sobre a produção agrícola vêm das pesquisas anuais de Produção Agrícola Municipal (PAM) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esses dados são coletados anualmente e contêm informações sobre áreas plantadas e colhidas, produção física e receitas por município e cultura (com distinção entre culturas temporárias e perenes). A PAM abrange a agricultura tanto irrigada como de sequeiro, mas não faz distinção entre elas. Os dados anuais sobre gado e produção de origem animal por município vêm da Produção Pecuária Municipal (PPM), disponíveis anualmente até 2013. Essa informação foi complementada por dados anuais sobre o valor agrícola agregado e o produto interno bruto (PIB) municipais, também do IBGE. Esses últimos dados estão totalmente integrados à série de Contas Nacionais do Brasil e estão disponíveis até 2012. 23  Estudos referentes a outros países também indicam impactos adversos significativos nos resultados do mercado de trabalho local. Com foco na Índia, Jayachandran (2006) conclui que choques negativos para a produtividade agrícola (induzidos por choques de precipitação negativa) deprimem os salários, e mostra que esses impactos são mais fortes entre os trabalhadores mais pobres, menos capazes de migrar e com maiores restrições de crédito (porque a oferta de trabalho desses trabalhadores é menos elástica). 24  Em um trabalho afim relativo à África do Sul durante o Apartheid, Dinkelman (2013) mostra que a emigração de curto prazo é mais sensível à seca em regiões caracterizadas por menos restrições de mobilidade. Clark e Mueller (2012) utilizam métodos baseados em históricos de eventos e um conjunto de dados longitudinais do planalto etíope rural para estimar os impactos da seca na mobilidade da população durante um período de 10 anos. Os resultados indicam que: (1) a migração de mão de obra masculina aumenta, indiscutivelmente, com a seca; e (2) as famílias proprietárias de terras que não têm condições financeiras de mantê-las são as mais vulneráveis. Esses resultados corroboram a hipótese de que a mobilidade serve como uma estratégia de sobrevivência crucial após a seca, assim como o pressuposto comum de que os pobres são mais vulneráveis a esses efeitos. Secas no Brasil: política e gestão proativas 171 Para documentar a evolução do volume dos reservatórios de água em relação à capacidade, este relatório baseia-se em dados da evolução de reservatórios equivalentes da ANA. Esses dados incluem reservatórios monitorados pela agência com volumes superiores a 10hm3 (hectômetro cúbico). Finalmente, para medir a ocorrência de secas, o relatório baseia-se em uma combinação de indicadores objetivos compostos (híbridos) do Monitor de Seca do Nordeste, particularmente o Índice Padronizado de Precipitação (Standardized Precipitation Index - SPI) e o Índice Padronizado de Precipitação - Evapotranspiração (Standardized Precipitation Evapotranspiration Index - SPEI). Esses indicadores compostos estão disponíveis para cada município do Nordeste do Brasil em base mensal, referentes ao período de janeiro de 2000 a outubro de 2014. Dois indicadores diferentes são considerados: 1) Composto Longo: o valor mais intenso considerando-se o SPI e o SPEI para 12 e 18 meses (seca de longo prazo) 2) Composto Curto: o valor mais intenso considerando-se o SPI e o SPEI para 3 e 4 meses (seca de curto prazo) Cada um desses indicadores foi calculado para cada estação de monitoramento e interpolado para um “raster”. Em seguida, calculou-se o valor médio dentro de cada município-mês. O primeiro indicador é mais adequado para captar secas de longo prazo que afetam os reservatórios e a agricultura irrigada. O segundo é mais adequado para captar secas de mais curto prazo com probabilidade de afetar, principalmente, a agricultura de sequeiro. Os valores desses indicadores estão inversamente relacionados à severidade da seca: valores mais negativos indicam maior escassez de água e, portanto, maior severidade da seca. Assim, na análise econométrica, esperaríamos observar uma relação positiva entre cada um desses indicadores e a atividade econômica local. 10.4. Metodologia empírica Um primeiro passo para a compreensão dos impactos econômicos das secas é caracterizar a evolução recente dos principais resultados de interesse. Essa análise descritiva permite comparar valores de indicadores-chave de interesse em anos de seca, contra anos caracterizados por níveis normais de precipitação. Desde que não haja outros fatores importantes que influenciem os resultados de interesse, comparações simples do tipo antes e depois oferecem uma maneira direta e intuitiva de inferir os impactos da seca. Em geral, porém, deve-se reconhecer que essa suposição é forte e raramente válida na prática, especialmente quando são considerados os resultados econômicos, 172 Capítulo 10 – Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil como os níveis locais de renda. Talvez o principal desafio associado à quantificação do impacto da seca na atividade econômica local seja determinar o que teria acontecido com os indicadores de interesse na ausência de seca. Embora esse contrafatual seja claramente não observável na prática, a literatura examinada neste capítulo indica que é possível usar métodos econométricos e séries históricas de dados em nível municipal para inferi-lo e atribuir certas mudanças em indicadores econômicos e sociais à ocorrência de secas com diferentes graus de severidade. Esses métodos são adotados aqui. Especificamente, este capítulo estimará os efeitos da seca em um conjunto de resultados Ymt no município m no ano t. O conjunto de resultados considerados inclui os logaritmos de produção agropecuária, produção de origem animal, valor agregado da agricultura e PIB municipal. Como é padrão na literatura examinada neste capítulo, presume-se que os resultados seguem o processo de geração de dados da fórmula: InYmt=ßDmt+φm+Yt+µmt onde: Dmt é uma variável que mede a ocorrência de secas O parâmetro ß denota seu efeito no resultado de interesse Esse modelo inclui efeitos fixos de município φm, que capturam todas as diferenças não observáveis invariantes no tempo entre municípios que podem afetar o resultado econômico de interesse. Por exemplo, municípios mais propensos a secas podem ter estruturas econômicas diferentes ou infraestruturas que influenciam a forma como as secas afetam os resultados de interesse. Finalmente, o modelo também inclui efeitos fixos de anos Yt, que controlam choques comuns a todos os municípios. Esses choques incluem mudanças na atividade econômica em toda a região, demografia, políticas econômicas agregadas e outros fatores que afetam os resultados de interesse. Como o modelo responde por município e efeitos fixos de ano, os coeficientes de interesse são identificados a partir de desvios específicos do município na incidência de seca após a contabilização de choques comuns a todos os municípios da região em determinado ano. Presume- se que a existência e a magnitude da escassez de chuvas nesse nível geográfico seja ortogonal ao termo de erro. Em outras palavras, a premissa-chave de identificação é que nenhum outro choque nos resultados de interesse está sistematicamente relacionado a secas específicas de municípios. Em todas as especificações econométricas, os erros-padrão são corrigidos para permitir formas arbitrárias de heterocedasticidade e correlação serial por agrupamento em nível municipal. Secas no Brasil: política e gestão proativas 173 10.5. Resultados empíricos 10.5.1.  Tendências nos indicadores de seca As Tabelas 5 e 6 mostram as médias anuais de cada um dos diferentes indicadores de seca considerados, para cada estado do Nordeste do Brasil e para a região como um todo. Na Tabela 6, o indicador de seca de longo prazo sugere que as condições climáticas que levam à seca foram particularmente adversas em 2012-2013. Entre 2000 e 2009, a média desse indicador foi de 0,08 em todos os municípios do Nordeste do Brasil. Depois atingiu um nível relativamente baixo em 2010 e os níveis mais baixos durante o período de análise em 2012-2013, na sequência de um valor próximo da média em 2011. Nos primeiros 10 meses de 2014, esse indicador ficou de novo claramente abaixo da média, embora menos do que em 2012-2013. Esses padrões são bastante semelhantes nos estados do Nordeste do Brasil. A Tabela 6 revela que esses padrões também foram qualitativamente semelhantes quando se considera o indicador de seca composto de curto prazo. Tabela 5 – Médias anuais do indicador de seca composto de longo prazo, 2000-2014 Ano AL BA CE MA PB PE PI RN SE Nordeste 2000 −0,41 0,33 0,10 0,42 −0,25 −0,43 0,34 −0,32 0,10 0,06 2001 −0,01 −0,11 −0,23 0,02 −0,01 −0,12 −0,12 −0,11 −0,03 −0,09 2002 0,17 −0,04 −0,15 −0,23 −0,07 −0,11 −0,48 −0,04 0,12 −0,12 2003 −1,08 −1,01 −0,26 −0,48 −0,64 −0,88 −0,74 −0,38 −1,31 −0,74 2004 −0,31 −0,05 0,39 0,12 0,22 −0,08 0,09 0,32 −0,09 0,08 2005 −0,44 −0,29 −0,85 −0,63 −0,51 −0,30 −0,61 −0,49 −0,94 −0,51 2006 −0,44 −0,16 −0,63 −0,32 −0,51 −0,38 −0,45 −0,56 −0,58 −0,40 2007 0,02 0,00 −0,46 −0,40 −0,36 −0,35 −0,43 −0,40 0,13 −0,26 2008 0,12 −0,61 −0,06 −0,10 0,22 −0,03 −0,25 0,14 −0,23 −0,16 2009 0,24 −0,31 0,73 0,72 0,63 0,26 0,50 0,88 −0,37 0,33 2010 0,11 −0,53 −0,56 −0,54 −0,38 −0,12 −0,38 −0,43 −0,45 −0,41 2011 0,37 −0,17 0,10 −0,04 0,29 0,35 0,03 −0,05 −0,18 0,05 2012 −0,82 −1,11 −0,88 −0,82 −0,68 −0,85 −0,98 −0,79 −1,21 −0,91 174 Capítulo 10 – Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil Ano AL BA CE MA PB PE PI RN SE Nordeste 2013 −1,77 −1,51 −1,69 −1,37 −1,67 −1,71 −1,59 −1,62 −1,92 −1,61 2014 −0,67 −0,75 −0,91 −0,49 −0,72 −0,66 −0,98 −0,68 −0,96 −0,75 Nota: Cálculos baseados em dados de município-mês do Monitor de Seca brasileiro. Os dados apresentados abrangem os 9 estados do Nordeste: AL (Alagoas), BA (Bahia), CE (Ceará), MA (Maranhão), PB (Paraíba), PE (Pernambuco), PI (Piauí), RN (Rio Grande do Norte) e SE (Sergipe). Tabela 6 – Médias anuais do indicador de seca composto de curto prazo, 2000-2014 Ano AL BA CE MA PB PE PI RN SE Nordeste 2000 −0,31 0,26 0,15 0,32 −0,16 −0,31 0,32 −0,23 0,07 0,07 2001 0,15 −0,03 −0,26 −0,07 −0,05 0,01 −0,17 −0,17 0,11 −0,07 2002 −0,16 −0,22 −0,27 −0,30 −0,31 −0,35 −0,53 −0,24 −0,17 −0,30 2003 −0,88 −0,93 −0,45 −0,55 −0,68 −0,81 −0,81 −0,58 −1,02 −0,75 2004 −0,49 −0,30 0,10 −0,06 −0,09 −0,31 −0,13 −0,01 −0,33 −0,17 2005 −0,53 −0,39 −0,91 −0,68 −0,59 −0,41 −0,69 −0,61 −0,99 −0,60 2006 −0,47 −0,08 −0,67 −0,37 −0,56 −0,44 −0,44 −0,60 −0,52 −0,41 2007 −0,06 −0,10 −0,52 −0,49 −0,34 −0,37 −0,50 −0,41 0,01 −0,32 2008 −0,12 −0,65 −0,34 −0,34 0,00 −0,24 −0,46 −0,07 −0,37 −0,34 2009 −0,04 −0,34 0,48 0,39 0,38 0,06 0,31 0,62 −0,52 0,14 2010 0,06 −0,46 −0,36 −0,35 −0,15 −0,04 −0,19 −0,21 −0,46 −0,27 2011 0,29 −0,15 0,10 −0,08 0,10 0,20 0,02 −0,20 −0,15 −0,01 2012 −0,70 −0,93 −0,83 −0,76 −0,70 −0,78 −0,88 −0,77 −0,92 −0,82 2013 −1,34 −1,24 −1,46 −1,19 −1,32 −1,35 −1,40 −1,29 −1,52 −1,32 2014 −0,58 −0,76 −0,93 −0,50 −0,70 −0,60 −0,98 −0,69 −0,88 −0,74 Notas: Cálculos baseados em dados de município-mês do Monitor de Seca brasileiro. Os dados apresentados abrangem os 9 estados do Nordeste: AL (Alagoas), BA (Bahia), CE (Ceará), MA (Maranhão), PB (Paraíba), PE (Pernambuco), PI (Piauí), RN (Rio Grande do Norte) e SE (Sergipe). Secas no Brasil: política e gestão proativas 175 10.5.2.  Tendências no volume dos reservatórios de água em relação à capacidade A relativa escassez de precipitação observada no Nordeste do Brasil desde 2010 (especialmente desde 2012) refletiu-se nos níveis de água disponível nos reservatórios. Na sequência de um longo período de chuvas abaixo da média, os reservatórios atingiram níveis perigosamente baixos, colocando em risco a capacidade das comunidades de manter o abastecimento de água potável e água para outros usos. A Tabela 7 mostra a evolução dos volumes dos reservatórios equivalentes no Nordeste, entre outubro de 2006 e outubro de 2014. Os números apresentados nessa tabela referem-se aos reservatórios monitorados pela ANA, com capacidade acima de 10hm3, e revelam que a seca plurianual levou a reduções drásticas de reservatórios equivalentes, especialmente em 2012, 2013 e 2014, com os estados do Ceará, da Paraíba e de Pernambuco registrando níveis especialmente baixos (inferiores a 30%). Pelo menos metade dos 504 reservatórios monitorados pela ANA no Nordeste chegou ao final de 2013 com menos de 30% da capacidade. A fim de priorizar o consumo humano, a ANA adotou várias medidas reguladoras emergenciais que restringiram o uso da água em alguns rios e reservatórios, nos termos da lei 9.433/97 que criou a Política Nacional de Recursos Hídricos. Essas medidas emergenciais podem variar de reduções do fluxo de saída de água dos reservatórios, com a determinação de dias específicos para uso da água de rios e reservatórios para atividades produtivas, até a suspensão temporária do uso da água. Tabela 7 – Evolução dos volumes dos reservatórios, outubro de 2006 a outubro de 2014 Ano BA CE PB PE PI RN Nordeste 2006 0,72 0,63 0,85 na 0,72 0,83 0,70 2007 0,74 0,54 0,71 na 0,66 0,72 0,61 2008 0,67 0,78 0,89 na 0,83 0,93 0,80 2009 0,54 0,89 0,91 0,88 0,77 0,94 0,85 2010 0,47 0,64 0,68 0,81 0,73 0,70 0,65 2011 0,42 0,79 0,75 0,76 0,78 0,87 0,75 2012 0,34 0,56 0,49 0,41 0,56 0,59 0,52 2013 0,32 0,38 0,33 0,30 0,42 0,40 0,37 2014 0,45 0,27 0,27 0,24 0,42 0,35 0,31 Nota: Dados fornecidos pela ANA, referentes a reservatórios monitorados pela Agência, acima de 10hm3. 176 Capítulo 10 – Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil 10.5.3.  Tendências nos principais indicadores econômicos Esta seção examina a evolução dos principais indicadores econômicos antes e durante a última seca: produção agrícola, valor agregado da agricultura e renda municipal. A Tabela 8 mostra taxas de crescimento ano a ano do valor bruto da produção agrícola em cada estado do Nordeste do Brasil e na região como um todo, agregando culturas temporárias e perenes. Tabela 8 – Alteração percentual anual no valor real bruto da produção agrícola, culturas temporárias e perenes, 2001-2013 Ano AL BA CE MA PB PE PI RN SE Nordeste 2001 1,73 −4,91 −23,74 15,78 −9,39 8,61 −19,17 −17,51 −6,16 −3,90 2002 −6,87 54,95 50,42 13,04 12,84 16,69 −18,91 81,71 38,34 34,03 2003 −22,78 −16,12 8,18 18,94 12,01 −8,25 109,16 12,70 14,68 −5,74 2004 −3,66 11,47 −15,60 2,70 −10,78 3,70 7,93 3,08 −18,86 3,37 2005 −9,11 −17,74 −13,83 −10,38 −7,34 2,47 −3,94 −14,32 −2,29 −12,32 2006 5,68 1,94 43,67 −10,61 19,02 6,11 −1,15 16,82 29,14 6,81 2007 1,07 23,04 −15,81 6,94 −16,25 −1,15 −13,60 −8,49 −0,42 7,27 2008 15,24 2,53 37,61 68,65 7,33 7,81 89,92 −11,44 20,72 15,28 2009 3,03 −4,61 −25,60 −19,61 2,58 −2,14 −3,19 18,37 18,14 −5,64 2010 −9,44 2,29 −12,25 6,02 −16,04 10,72 −26,76 −11,16 −3,09 −1,44 2011 26,50 11,78 61,91 7,95 26,49 −5,67 77,15 16,00 −18,72 15,27 2012 −9,93 −7,14 −38,35 −4,64 −12,97 −13,23 −5,31 −1,26 2,82 −10,15 2013 −51,24 −53,91 −43,66 −42,31 −46,48 −46,60 −59,68 −51,18 −43,37 −50,66 Nota: Cálculos baseados em dados da Produção Agrícola Municipal. Os dados apresentados abrangem os 9 estados do Nordeste: AL (Alagoas), BA (Bahia), CE (Ceará), MA (Maranhão), PB (Paraíba), PE (Pernambuco), PI (Piauí), RN (Rio Grande do Norte) e SE (Sergipe). Esses resultados descritivos sugerem que há uma forte correlação entre os indicadores de seca e o valor da produção agrícola: nos anos em que os indicadores compostos apresentaram valores mais negativos (2003, 2005, 2010, 2012 e 2013), o valor real bruto da produção agrícola exibiu taxas negativas de crescimento; além disso, essas perdas foram especialmente grandes em 2012 e 2013, anos em que os indicadores compostos indicam uma seca especialmente severa. Secas no Brasil: política e gestão proativas 177 A Tabela 8 revela que, em 2013, o valor bruto da produção agrícola no Nordeste foi de cerca de 50% do nível observado em 2009 e 44% daquele observado em 2011. Fica claro, também, que a magnitude das perdas de produção acumuladas em 2010-2013 variou pouco entre os estados, embora tenha sido substancial em quase todos. As Tabelas 9 e 10 apresentam estatísticas semelhantes para culturas temporárias e perenes, respectivamente. Ambas as culturas sofreram quedas marcantes durante a seca plurianual, especialmente em 2013. Embora os dados considerados anteriormente meçam componentes diferentes da produção agropecuária e da produção de origem animal, é útil complementar essa análise com a evolução de uma medida sumária única e importante do desempenho no setor primário: o valor agregado da agricultura com base em estimativas do IBGE da renda municipal. Infelizmente, esses dados só estão disponíveis até 2012. No entanto, observam-se resultados geralmente consistentes com as informações relatadas anteriormente: o valor agregado da agricultura caiu na região no período 2010-2012, com uma queda particularmente acentuada em 2012. Essas perdas no valor agregado da agricultura foram especialmente grandes nos estados do Ceará (2012), da Paraíba (2010 e 2012), de Pernambuco (2011-2012), do Piauí (2010 e 2012) e de Sergipe (2010-2011) (Tabela 11). As perdas de produção observadas no setor agrícola contribuíram para as taxas relativamente baixas de crescimento do PIB registradas em 2011-2012. Como mostra a Tabela 12, embora a maioria dos estados tenha apresentado taxas positivas de crescimento real do PIB ao longo desse período, esse crescimento foi, geralmente, mais lento do que nos anos anteriores, chegando a ser negativo na Bahia. Tabela 9 – Alteração percentual anual no valor real bruto da produção agrícola, culturas temporárias, 2001-2013 Ano AL BA CE MA PB PE PI RN SE Nordeste 2001 1,61 −13,54 −34,69 2,82 −15,77 −2,15 −15,42 −22,29 −11,67 −10,60 2002 −8,47 69,25 65,85 23,26 19,39 30,52 −19,74 105,64 32,25 39,36 2003 −21,82 −15,73 14,18 21,49 13,63 −12,20 127,19 11,14 39,28 −3,41 2004 −3,69 17,26 −23,88 3,49 −8,04 1,76 5,57 0,82 −19,49 4,31 2005 −9,17 −24,85 −10,38 −10,95 −12,20 −0,46 0,04 −18,05 −11,90 −15,84 2006 5,77 −10,29 43,96 −11,34 24,73 1,35 −3,48 23,21 23,62 0,87 2007 1,37 42,21 −13,98 6,45 −19,81 1,02 −11,33 −16,68 15,79 12,30 2008 14,93 6,66 44,78 75,24 8,78 7,16 92,86 −8,27 36,31 22,15 178 Capítulo 10 – Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil Ano AL BA CE MA PB PE PI RN SE Nordeste 2009 2,93 −15,29 −37,76 −19,85 5,57 6,18 −2,75 23,41 −3,87 −11,21 2010 −9,24 3,60 −15,97 6,44 −16,31 4,85 −26,17 −9,54 22,38 −1,56 2011 27,52 18,87 87,08 8,55 34,02 −1,44 76,80 17,30 −16,50 21,76 2012 −9,90 0,34 −48,14 −4,72 −16,25 −21,73 −3,61 1,14 6,87 −8,46 2013 −51,65 −55,94 −44,82 −41,98 −47,17 −55,29 −60,44 −50,84 −42,84 −52,31 Nota: Cálculos baseados em dados da Produção Agrícola Municipal. Os dados apresentados abrangem os 9 estados do Nordeste: AL (Alagoas), BA (Bahia), CE (Ceará), MA (Maranhão), PB (Paraíba), PE (Pernambuco), PI (Piauí), RN (Rio Grande do Norte) e SE (Sergipe). Tabela 10 – Alteração percentual anual no valor real bruto da produção agrícola, culturas perenes, 2001-2013 Ano AL BA CE MA PB PE PI RN SE Nordeste 2001 4,85 9,72 3,84 243,16 12,84 34,43 −35,06 −4,24 −0,97 13,55 2002 33,07 35,84 26,00 −40,69 −4,18 −7,46 −14,35 27,78 43,45 23,12 2003 −39,22 −16,76 −4,32 −8,88 6,76 1,47 15,90 18,35 −4,37 −11,15 2004 −2,95 1,72 4,98 −8,80 −20,25 7,85 31,89 10,81 −18,15 1,00 2005 −7,73 −3,94 −20,04 −0,95 12,02 8,35 −36,22 −2,76 8,38 −3,18 2006 3,86 20,51 43,08 0,20 1,21 14,90 28,46 0,12 34,11 20,22 2007 −5,45 1,35 −19,53 13,46 −2,57 −4,68 −35,34 17,85 −13,89 −2,29 2008 22,53 −4,03 22,05 −12,62 2,73 8,94 51,31 −18,63 3,29 0,28 2009 5,28 14,23 5,73 −13,66 −7,40 −16,28 −10,47 5,46 50,62 9,17 2010 −13,82 0,57 −6,61 −3,66 −15,01 23,37 −37,54 −16,00 −27,06 −1,19 2011 3,42 2,23 27,52 −7,35 −1,81 −13,42 84,80 11,83 −22,22 1,29 2012 −10,72 −18,87 −18,73 −2,18 2,58 4,47 −40,22 −9,39 −4,04 −14,54 2013 −39,81 −49,97 −42,18 −51,87 −42,92 −33,03 −34,40 −52,43 −44,35 −46,07 Nota: Cálculos baseados em dados da Produção Agrícola Municipal. Os dados apresentados abrangem os 9 estados do Nordeste: AL (Alagoas), BA (Bahia), CE (Ceará), MA (Maranhão), PB (Paraíba), PE (Pernambuco), PI (Piauí), RN (Rio Grande do Norte) e SE (Sergipe). Secas no Brasil: política e gestão proativas 179 Tabela 11 – Alteração percentual anual no valor agregado real da agricultura, 2001-2012 Ano AL BA CE MA PB PE PI RN SE Nordeste 2001 5,15 −0,32 −15,62 7,38 1,08 2,54 −0,56 −11,38 5,42 −0,46 2002 −24,58 24,20 11,83 −1,04 −10,40 13,04 −17,63 195,23 8,67 10,10 2003 −18,98 −7,60 7,90 7,24 11,88 2,89 38,10 5,86 33,49 1,61 2004 −5,47 7,14 −12,77 8,41 −14,10 −5,92 −3,43 −6,12 −25,55 −1,05 2005 −6,16 −13,90 −10,37 7,26 −7,11 6,43 −4,30 −14,94 −1,61 −6,13 2006 2,82 −5,12 32,94 3,42 17,92 10,49 −6,34 27,66 21,45 6,30 2007 −9,15 20,52 −11,65 17,27 −17,26 −2,17 −8,95 −14,82 1,18 5,06 2008 13,50 −1,69 22,30 31,01 13,29 14,32 41,55 −10,63 16,73 13,49 2009 2,10 2,44 −21,83 −23,49 2,80 −1,41 4,08 25,60 12,98 −6,43 2010 −2,24 −1,02 −9,25 10,34 −22,13 6,86 −33,34 −12,54 −10,98 −2,60 2011 −2,19 −2,19 18,19 7,97 8,48 −23,16 23,24 −8,72 −22,40 0,12 2012 −10,69 −3,26 −31,57 −9,99 −18,39 −17,30 −44,74 −6,83 17,88 −12,30 Nota: Cálculos baseados em dados da série do PIB municipal do IBGE. Os dados apresentados abrangem os 9 estados do Nordeste: AL (Alagoas), BA (Bahia), CE (Ceará), MA (Maranhão), PB (Paraíba), PE (Pernambuco), PI (Piauí), RN (Rio Grande do Norte) e SE (Sergipe). Tabela 12 – Alteração percentual anual no valor real do produto interno bruto, 2001-2012 Ano AL BA CE MA PB PE PI RN SE Nordeste 2001 −1,00 −0,48 −1,67 2,11 5,27 1,66 −3,26 2,77 11,11 0,88 2002 1,85 4,61 3,77 1,42 0,98 2,69 1,07 3,90 3,87 3,26 2003 −6,97 −8,53 −8,22 −2,57 −7,27 −9,19 −3,74 −9,77 −6,34 −7,75 2004 5,11 6,08 3,48 6,84 −3,01 2,34 2,23 5,37 2,28 4,04 2005 3,51 8,49 4,79 10,66 5,97 7,04 6,99 8,24 4,14 7,17 2006 9,49 4,36 11,19 11,05 16,27 9,28 12,96 13,08 10,73 9,01 2007 7,52 8,11 3,44 5,09 5,90 6,76 5,19 6,14 6,31 6,39 180 Capítulo 10 – Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil Ano AL BA CE MA PB PE PI RN SE Nordeste 2008 −1,59 −0,38 7,35 9,47 4,05 1,72 6,59 −0,07 4,04 2,75 2009 7,11 10,83 7,40 1,73 9,79 9,38 11,56 7,58 −0,68 8,18 2010 9,61 6,65 12,25 7,55 5,36 14,96 9,78 9,77 14,67 9,82 2011 7,02 −4,55 4,12 6,26 2,23 1,06 2,79 2,87 0,88 0,83 2012 −2,32 −1,00 −3,34 6,35 3,11 6,06 −1,37 3,35 0,21 1,17 Nota: Cálculos baseados em dados da série do PIB municipal do IBGE. Os dados apresentados abrangem os 9 estados do Nordeste: AL (Alagoas), BA (Bahia), CE (Ceará), MA (Maranhão), PB (Paraíba), PE (Pernambuco), PI (Piauí), RN (Rio Grande do Norte) e SE (Sergipe). 10.5.4.  Estimativas econométricas dos impactos econômicos da seca Esta seção apresenta as estimativas econométricas, no nível municipal, dos impactos médios da seca, com base na metodologia econométrica e nos dados descritos anteriormente. A Tabela 13 mostra o impacto local médio, no valor da produção agrícola, de mudanças anuais em cada indicador de seca considerado. Como observado anteriormente, quanto mais negativos esses indicadores, mais severas as condições climáticas que levam à seca. Assim, seria de se esperar um coeficiente estimado positivo no que se refere aos principais resultados de interesse, sugerindo que um indicador composto mais negativo está associado a uma menor produção agrícola, enquanto um valor mais positivo para o indicador composto está associado a uma maior produção agrícola. Os coeficientes apresentados na Tabela 13 são, de fato, positivos, e tendem a ser estimados com precisão. Uma vez que os resultados de interesse são medidos em log, os coeficientes correspondem a uma semielasticidade entre os indicadores de seca compostos e o resultado de interesse. Por exemplo, o coeficiente indicado na coluna (1) mostra que, se o indicador de seca (nesse caso o indicador de seca de longo prazo) mudar de 0 para -1 em um determinado ano, o valor real da produção agrícola deverá cair 20,2%. Da mesma forma, o coeficiente mostrado na coluna (2) indica que, se o indicador de seca de curto prazo cair de 0 para -1, o valor real da produção agrícola deverá cair, em média, cerca de 19,4%. Essas estimativas médias anuais locais podem ser usadas para quantificar o impacto causal da seca (conforme medido pelos indicadores de seca compostos) nos resultados de interesse no município médio do Nordeste em relação aos níveis históricos do resultado considerado. Esse indicador de seca de longo prazo tinha um valor médio de -0,074 no período 2000-2009. No período 2010-2014, sempre Secas no Brasil: política e gestão proativas 181 esteve abaixo da média, exceto em 2011 (ver Tabela 8). Com base na média anual do indicador de seca de longo prazo para o Nordeste, as perdas estimadas no valor real da produção agrícola seriam da ordem de 6,7% em 2010, 16,9% em 2012, 31% em 2013 e 13,6% em 2014. Em 2011, a produção deveria exceder o nível normal em 2,5%. Com base nesse indicador, o impacto global estimado da seca durante o período 2010-2014 foi, então, de cerca de 13% das receitas normais de produção. Para o período 2012-2014, a perda estimada foi de 20% do nível normal. É importante ressaltar que essas estimativas correspondem a perdas médias para a região Nordeste como um todo. Os dados subjacentes incluem agricultura irrigada e de sequeiro, grandes e pequenas propriedades rurais e regiões diferentes. A magnitude dessas perdas deverá ser maior para a agricultura de sequeiro de pequenos produtores na região do semiárido. Tabela 13 – Valor bruto da produção agrícola (log), 2000-2013 Todas as Cult. Cult.Temporárias Cult. Perenes (1) (2) (3) (4) (5) (6) Longo 0,202*** 0,220*** 0,027 [0,014] [0,016] [0,017] Curto 0,194*** 0,206*** 0,038* [0,016] [0,019] [0,020] Observações 24.316 24.316 24.159 24.159 22.699 22.699 R ao 0,873 0,872 0,830 0,830 0,921 0,921 quadrado Nota: A variável dependente é o valor bruto real (log) da produção agrícola no município-ano no período 2000-2013. Estimativa com efeitos fixos de município e dummies de ano. Erros-padrão agrupados por município, entre colchetes. ***p < 0,01, **p < 0,05, *p < 0,1. Essas estimativas são ligeiramente inferiores quando se usa o indicador de seca de curto prazo, que é mais apropriado para capturar secas de mais curto prazo. Durante o período 2000-2009, a média desse indicador foi de -0,27. No período 2010-2014, ficou claramente abaixo da média em todos os anos, exceto em 2010 e 2011. Usando-se os valores médios anuais do indicador composto para o Nordeste, as perdas estimadas no valor real da produção agrícola seriam da ordem de 11% em 2012, 20% em 2013 e 10% em 2014. A produção deveria ficar mais ou menos no nível normal em 2010 e exceder esse nível em 5% em 2011. Com base nesse indicador composto, o impacto global estimado da seca no período 2010-2014 foi de cerca de 7% das receitas normais de produção. No período 2012-2014, a perda estimada foi de 13,3% do nível normal. Dada a duração da seca no Nordeste, o indicador de longo prazo provavelmente é o mais adequado para medir seus impactos. 182 Capítulo 10 – Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil As estimativas apresentadas nas colunas (3) a (6) da Tabela 13 indicam que as perdas no valor da produção agrícola provocadas pela seca refletem, principalmente, perdas em culturas temporárias: os coeficientes nas colunas (4) a (6) são bastante semelhantes àqueles nas colunas (1) a (2), enquanto aqueles nas colunas (5) a (6) são muito menores. Além disso, são estimados com um menor grau de precisão. No entanto, as culturas temporárias respondem pela maior parte da produção agrícola no Nordeste do Brasil. Tabela 14 – Efetivos de gado (log), 2000–2013 Bovinos Caprinos Ovinos Galinhas Suínos (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9) (10) 0,077*** −0,030 0,003 0,037 0,097*** Longo [0,009] [0,034] [0,032] [0,023] [0,024] 0,087*** −0,056 −0,017 0,028 0,107*** Curto [0.,011] [0,042] [0,037] [0,028] [0,027] Observações 24.401 24.401 24.401 24.401 24.401 24,401 24.401 24.401 24.401 24.401 R ao 0,886 0,886 0,881 0,881 0,847 0,846 0,805 0,805 0,826 0,826 quadrado Nota: A variável dependente é o efetivo de gado (log) do município-ano no período 2000-2013. Estimativa com efeitos fixos de município e dummies de ano. Erros-padrão agrupados por município, entre colchetes. ***p < 0,01, **p < 0,05, *p < 0,1. Os resultados apresentados na Tabela 14 referem-se à relação entre os dois indicadores de seca e diferentes efetivos de gado: bovino, caprino, ovino, avícola (galinhas) e suíno. Os resultados econométricos indicam associações positivas estatisticamente significativas entre os três indicadores e os efetivos de bovinos e suínos. No que se refere à magnitude, seguindo procedimentos semelhantes àqueles descritos acima, podem ser calculadas as perdas associadas à última seca estimadas nos efetivos bovino e suíno. Com base no indicador de longo prazo, foram estimadas perdas de 5% em 2010-2014 e 8% em 2012-2014. Finalmente, com base no indicador de curto prazo, as perdas estimadas chegaram a 3% durante o período 2010-2014 e a 5% no período 2012-2014. No caso dos suínos, os coeficientes estimados são de magnitude semelhante e, portanto, também o são as perdas estimadas. A Tabela 15 apresenta os impactos nas produções de origem animal. Os resultados indicam uma associação positiva entre todos os três indicadores e a produção de mel. No caso de leite e ovos, no entanto, a hipótese nula de impacto zero não pode ser rejeitada. Com base no indicador de Secas no Brasil: política e gestão proativas 183 longo prazo, estima-se que a seca tenha reduzido os níveis da produção de mel (em relação à média histórica) em 21% no período 2010-2014 e 32% no período 2012-2014. Em consonância com os resultados apresentados acima, a Tabela 16 mostra a relação entre os indicadores de seca e o valor agregado da agricultura e o PIB municipal. As colunas (1) e(2) revelam que o valor agregado da agricultura cai significativamente quando os indicadores compostos atingem valores negativos mais altos. Tabela 15 – Valor bruto da produção de origem animal (log), 2000-2013 Leite Mel Ovos (1) (2) (3) (4) (5) (6) 0,006 0,323*** 0,049 Longo [0,022] [0,088] [0,028] 0,002 0,404*** 0,061* Curto [0,026] [0,106] [0,032] Observações 24,40 24.401 24.401 24.401 24,40 24.401 R ao 0,743 0,743 0,708 0,708 0,751 0,751 quadrado Nota: A variável dependente é o valor bruto real (log) da produção de origem animal no município-ano no período 2000-2013. Estimativa com efeitos fixos de município e dummies de ano. Erros-padrão são agrupados por município, entre colchetes. ***p < 0,01, **p < 0,05, *p < 0,1. Com base no indicador de longo prazo, estima-se que a seca tenha reduzido o valor agregado no setor agrícola (medido em termos reais em relação à média histórica) em 3,2% no período 2010-2014 e em 6% no período 2012-2014. Com base no indicador de longo prazo, obtêm-se perdas estimadas de 3% em 2010-2014 e 4,7% em 2012-2014. As regressões em que os coeficientes são identificados incluem dados somente até 2012. Teria sido útil incluir informações relativas a 2013 e 2014, mas essas informações ainda não estão disponíveis. Com essa limitação em mente, os resultados apresentados nas colunas (4) a (6) não mostram impactos significativos no PIB municipal para o município médio. Essa ausência de impactos sugere que a evolução em outros setores (e/ou o aumento de transferências de renda como parte da resposta de políticas à seca) pode ter contribuído para compensar os efeitos negativos na renda local por meio da atividade agrícola.25 25  Evidências econométricas para o estado do Ceará sugerem que os efeitos da seca nas finanças públicas dependem crucialmente de a resposta do governo ser considerada ou não (MAGALHÃES e GLANTZ, 1992). 184 Capítulo 10 – Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil Tabela 16 – Valor agregado da agricultura e PIB (log), 2000-2012 (1) (2) (3) (4) (5) (6) Valor agregado da agricultura PIB PIB – municípios rurais 0,046*** -0,004 0,088** Longo [0,007] [0,004] [0,043] 0,047*** -0,003 0,094 Curto [0,009] [0,005] [0,058] Observações 22.647 22.647 22.647 22.647 546 546 R ao 0,928 0,928 0,989 0,989 0,946 0,946 quadrado Nota: Valor agregado no município-ano no período 2000–2012. Nas colunas (3) e (4), a variável dependente é o log do PIB municipal real no município-ano durante o período 2000-2012. Nas colunas (5) e (6), a variável dependente é o log do PIB municipal no município-ano durante o período 2000-2012, e a amostra se restringe a municípios onde o valor agregado da agricultura representou mais de 50% do PIB municipal, em média, durante esse período. Estimativa com efeitos fixos de município e dummies de ano. Erros-padrão agrupados por município, entre colchetes. ***p < 0,01, **p < 0,05, *p < 0,1. No entanto, quando a amostra é limitada a municípios majoritariamente rurais (definidos como municípios onde a participação do valor agrícola no PIB municipal é superior a 50%), há perdas grandes e expressivas na atividade econômica global. Com base no indicador de longo prazo, foram estimadas perdas de 5,7% em 2010-2014 e de 8,9% em 2012-2014, em relação à média histórica. 10.6. Resposta de políticas à seca atual: principais ações e custos associados Nas últimas décadas, inúmeras soluções estruturais têm sido propostas para enfrentar a seca, incluindo projetos de armazenamento de água e transposição de bacias hidrográficas. As melhorias na infraestrutura de abastecimento de água contribuíram para aumentar a resiliência da região à seca. No entanto, essas soluções estruturais são insuficientes para resistir a períodos plurianuais de chuvas abaixo da média. Como a maioria das nações do mundo, o Brasil vem abordando a gestão de eventos de secas plurianuais que ocorrem em várias décadas por meio de uma série de atividades emergenciais de ajuda e resposta. Essas ações de resposta são frequentemente orquestradas em épocas de seca por comissões temporárias, lideradas pela Casa Civil em nível federal e por Secretarias em nível estadual. Como indicado no Capítulo 1, as ações emergenciais implementadas para mitigar Secas no Brasil: política e gestão proativas 185 as perdas econômicas e sociais da última seca incluem linhas de crédito emergencial, renegociação de dívidas agrícolas, expansão de programas de apoio social e distribuição emergencial de água potável às comunidades rurais por carros-pipa. Além de ações emergenciais, a resposta de políticas à última seca também incluiu ações mais estruturais de infraestrutura no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), incluindo perfuração de poços, construção de barragens e fornecimento de equipamentos aos municípios afetados. Estima-se que um total de R$ 16,6 bilhões em recursos federais tenham sido investidos em respostas emergenciais e estruturais associadas à última seca plurianual (MI, 2013, 2014)26. Desse montante, R$ 7,6 bilhões correspondem a medidas postas em prática em março de 2013. Os outros R$ 9 bilhões foram associados a um novo pacote de políticas de combate à seca anunciado em abril de 2013 pela Presidente da República e o Ministro da Integração Nacional, durante a 17ª reunião do Conselho Deliberativo da Sudene, com a participação também dos governadores dos estados do Ceará, Bahia, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Maranhão, Minas Gerais e Espírito Santo. Na ocasião, foi anunciada, ainda, a criação da Força Nacional de Emergência - Seca e do Observatório da Seca. A principal função da força-tarefa é monitorar a qualidade do abastecimento de água e propor medidas para mitigar os baixos níveis dos reservatórios de água. É coordenada pelo Ministério da Integração Nacional e composta, também, por representantes da Codevasf, do DNOCS, da CPRM, da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), do Banco do Brasil e da ANA. O Observatório da Seca é um portal online que reúne informações detalhadas sobre as ações da política emergencial e estrutural associadas à seca. A Tabela 17 mostra como esses R$ 9 bilhões foram alocados entre as várias ações de políticas. Uma das ações mais onerosas é a renegociação das dívidas dos agricultores afetados pela seca. Essa medida autorizou todos os produtores agrícolas nos municípios do semiárido declarados em estado de emergência pelo Governo Federal a adiar o pagamento da dívida contratada durante o período 2012 e 2014, por um prazo de 10 anos. Os pagamentos começariam em 2015 no caso dos agricultores empresariais e em 2016 para os agricultores familiares. Também foi autorizada a redução da dívida contratada em 2006, nos casos de liquidação de crédito rural. A composição dos R$ 7,6 bilhões correspondentes a medidas postas em prática até março de 2013 não foi totalmente detalhada. No entanto, cerca de R$ 510,1 milhões (US$ 134.,7 milhões) foram destinados à Operação Carro-pipa entre janeiro de 2012 e março de 2013, quando o Governo Federal contratou 4.746 caminhões-pipa para abastecer 777 municípios. Desde maio de 2012, mais de 300 operações foram contratadas por meio de linhas de crédito emergenciais, no valor total de R$ 2,4 bilhões (US$ 645 milhões). 26  Cabe observar que a seca continuou em 2015 e 2016, mas os dados do gasto pertinente do Governo Federal ainda não estão disponíveis. Assim, esse total subestima o valor real alocado para esse fim até o presente. 186 Capítulo 10 – Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil Tabela 17 – Recursos alocados ao pacote renovado de políticas de combate à seca, a partir de abril 2013 Ação Recursos federais (R$ milhão) Operação carro pipa 643,5 Reequipar o Exército 277,9 Cisternas de produção 640 Perfuração e recuperação de poços 135,8 Garantia Safra 765 Bolsa Estiagem 804,1 Venda de milho 180 Linha de crédito emergencial 350 Renegociação da dívida 3.147 PAC equipamento 2.100 Total 9.043 Nota: As fontes desses dados são os Ministérios da Integração e do Planejamento do Governo do Brasil. Houve várias dificuldades importantes na quantificação dos custos orçamentários exatos da resposta de políticas à última seca plurianual. Em primeiro lugar, a composição dos R$ 16,6 bilhões não foi totalmente detalhada. Em segundo lugar, esse valor inclui recursos associados à concessão ou renegociação de linhas de crédito emergencial aos agricultores, e é difícil quantificar qual parte será paga no futuro. Em terceiro lugar, alguns custos se referem a medidas que são de natureza mais estrutural e podem, portanto, ter impactos que extrapolem a seca atual. Finalmente, embora os programas federais respondam pela maior parte do custo orçamentário total associado às respostas à seca, eles geralmente são combinados com ações complementares no nível estadual e municipal. Essas últimas variam entre estados e são difíceis de ser mapeadas e quantificadas de forma abrangente. Uma das principais tarefas das avaliações futuras dos custos orçamentários da seca é reunir e analisar informações detalhadas sobre os custos orçamentários líquidos associados a cada medida específica nos níveis federal, estadual e municipal. Secas no Brasil: política e gestão proativas 187 10.7. Resumo e conclusões Uma das secas plurianuais mais graves em décadas vem assolando o nordeste do Brasil desde 2010. Os efeitos da seca e as atividades emergenciais de resposta associadas são consideradas de alto custo para a sociedade. No entanto, tem sido difícil para os decisores quantificar esses custos e impactos. Este capítulo contribuiu para preencher essa lacuna, combinando várias fontes de dados oficiais detalhados para avaliar os impactos e custos econômicos da mais recente seca plurianual no Nordeste do Brasil. Para medir a ocorrência de secas, o estudo baseou-se em uma combinação de indicadores compostos e objetivos extraídos do Monitor de Seca do Nordeste, especialmente o SPI e o SPEI. Esses indicadores compostos estão disponíveis para cada município do Nordeste do Brasil, mensalmente, para o período de janeiro de 2000 a outubro de 2014. Esses indicadores revelam que as condições meteorológicas eram adversas em vários estados em 2010, e particularmente adversas em 2012-2013. A escassez relativa de precipitação observada no Nordeste do Brasil desde 2010 (e, especialmente, em 2012-2013) refletiu-se na água disponível nos reservatórios. Os reservatórios atingiram níveis perigosamente baixos, colocando em risco a capacidade das comunidades de receber abastecimento adequado de água potável e água para outros usos. Pelo menos metade dos 504 reservatórios monitorados pela ANA no Nordeste do Brasil perdeu 30% ou menos de sua capacidade até ao final de 2013. Análises empíricas revelam que essas condições tiveram impactos adversos severos na produção agrícola. Com base no indicador de seca de longo prazo, estima-se que, durante o período 2010- 2014, a seca impôs uma perda de 13% ao valor real bruto da produção agrícola (em relação aos níveis históricos normais). No período 2012-2014, a perda estimada foi de 20% do nível normal. Essas estimativas refletem perdas consideráveis no valor de culturas tanto temporárias como perenes. Os resultados econométricos apontam, também, para perdas estatisticamente significativas de bovinos e suínos, bem como algumas perdas na produção de origem animal - principalmente mel e ovos. Como a maioria das nações em todo o mundo, o Brasil vem abordando a gestão de eventos de secas plurianuais que ocorrem a cada várias décadas por meio de uma série de atividades emergenciais de ajuda e resposta. As ações implementadas para mitigar as perdas econômicas e sociais da última seca incluem linhas de crédito emergencial, renegociação de dívidas agrícolas, expansão de programas de apoio social e distribuição emergencial de água potável às comunidades rurais por carros-pipa. 188 Capítulo 10 – Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil Além de ações emergenciais, a resposta de políticas à última seca também incluiu ações mais estruturais de infraestrutura, incluindo perfuração de poços, construção de barragens e fornecimento de equipamentos. Estima-se que cerca de US$ 4,5 bilhões em recursos federais tenham sido alocados para ações emergenciais e estruturais associadas à mais recente seca plurianual. Secas no Brasil: política e gestão proativas 189 Foto: Dorte Verner Capítulo 11 Monitor de Secas do Nordeste – O processo Eduardo Sávio P. R. Martins, Robson Franklin Vieira Silva, Bruno Biazeto e Carmen Molejón Quintana 11.1. Tecnologias da informação e dados utilizados pelo Monitor O Monitor de Secas, conforme já mencionado em capítulos anteriores, conta com a colaboração de instituições de clima e dos setores de recursos hídricos e agricultura de todos os estados do Nordeste, assim como de instituições federais, visando à identificação do estado de severidade da seca da região em suas dimensões meteorológica, hidrológica e agrícola. É um processo participativo e colaborativo que está cooperando para a integração de todas as bases de dados da região, sejam estas estaduais ou federais, assim como a obtenção de uma ferramenta baseada na combinação de diferentes indicadores de seca e produtos relacionados com a temática, visando a melhor compreensão dos fenômenos físicos que condicionam a permanência, o avanço ou alívio do estado de uma seca, refinado com informações provenientes de impactos baseados em evidências locais. Este instrumento de monitoramento reúne informações de instituições federais e estaduais para produzir um único mapa consolidado das condições de secas para a região Nordeste do Brasil. Da mesma forma que o processo e a cooperação institucional que lhe dão suporte, esse mapa destina- se a melhorar a definição e o entendimento comum das secas, bem como aumentar a eficiência e a efetividade das respostas de políticas públicas de assistência à população afetada. Sua dinâmica de construção tem o intuito de integração dos esforços das várias instituições envolvidas, apoiando o compartilhamento de informações e o uso do produto final. Nesse sentido, a alternância da autoria Secas no Brasil: política e gestão proativas 193 por instituições estaduais, associada à coordenação de uma instituição federal, tem um desenho cooperativo que, distribuindo a responsabilidade da autoria, fortalece a visão coletiva do projeto. Há uma evidente necessidade de fortalecimento institucional para garantir acesso à informação, principalmente para garantir a coleta contínua de dados e a ampliação da rede. A rede de dados existente é um misto de estações convencionais e automáticas, sendo essas últimas com transmissão automática ou não. As tecnologias convencionais são, em geral, dominantes nas redes estaduais; em conjunto com as automáticas, sem transmissão, elas impõem um desafio à atualização dos dados da rede de monitoramento. Isso porque, para que o Monitor seja produzido em um intervalo de tempo em que faça sentido o uso de seus resultados, a coleta desses dados deve ocorrer de forma automática e rápida, o que significa vencer algumas limitações, como a não conexão à internet do banco de dados (seja ele federal ou estadual) e, em alguns casos extremos, inexistência de banco de dados. Deve-se ressaltar, também, que existe um número insuficiente de pessoal técnico dedicado ao monitoramento de secas (especialistas em tecnologias da informação, pessoas responsáveis por manutenção, comunicação com os observadores no campo, análise dos dados, etc.) e, em casos mais extremos, o serviço é terceirizado ou realizado por bolsistas, em contrato por tempo determinado. Investimentos nas redes estaduais devem ser realizados para garantir uma densidade adequada de estações de medição, assim como o acesso remoto e em tempo para o cálculo dos indicadores do Monitor de Secas. 11.2. O Monitor de Secas O Monitor de Secas não é um produto feito de forma automática, mas um processo baseado na transparência de informações e na convergência de evidências. Diferente dos métodos tradicionais de monitoramento das secas, onde instituições e produtos são tratados de forma independente, o processo do Monitor tem que, em sua essência, combinar diversas fontes de dados, produtos, informações de todos os sistemas de monitoramento meteorológico, hidrológico e agrícola/ pecuário da União e dos estados participantes, apoiados pela informação local trazida por quem realmente vivencia a seca. Cada etapa do processo é igualmente importante, pois os dados observados e os indicadores de seca, isolados, não refletem, necessariamente, a intensidade e/ou a natureza da seca vivenciada em partes específicas da região, por diferentes razões: A densidade da rede de coleta de dados existente é baixa; • O total de precipitação não reflete os impactos reais; • • A interpretação das diferentes informações varia de acordo com quem as interpreta, na falta de um 194 Capítulo 11 – Monitor de Secas do Nordeste – O processo Mapa único que considere os vários indicadores e produtos de apoio diferentes, uma vez que um único indicador não apresenta os melhores resultados em todas as circunstâncias (HEIM, 2002). O Monitor de Secas deve levar em consideração as várias dimensões de uma seca, tanto em relação a sua intensidade quanto aos impactos associados, incluindo as escalas de tempo que afetam a agricultura, sistemas hídricos e a economia de forma geral. No Mapa do Monitor são identificadas as regiões com seca de diferentes níveis, divididas em cinco categorias (S0 a S4) representadas por cores distintas, sinalizando a intensidade e tempo de duração do evento. A natureza colaborativa entre estados e união, assim como o processo de validação local, garantem o consenso entre união e estados no que se refere ao estágio de desenvolvimento de uma seca, evitando discordância nos critérios utilizados para implementar ou descontinuar ações ligadas à Política Nacional de Secas, em particular aquelas emergenciais. É importante destacar que os impactos são gerais, tentando representar, de forma simplificada, todas as regiões do Nordeste. O Monitor de Secas constitui-se, assim, num instrumento de apoio à tomada de decisão, visando tanto à preparação como à resposta aos efeitos das secas a partir da indicação da severidade da seca e sua tendência de duração (curto, médio ou longo prazo). 11.3. Indicadores de seca e produtos de apoio Não é possível criar uma definição única de seca que funcione em todas as circunstâncias (WILHITE, 2000). Um dos motivos é porque diferentes setores, como agricultura e recursos hídricos, dependem de diferentes indicadores para caracterizar a seca em uma região específica, em relação a secas de curto ou de longo prazo. Essa é a principal motivação para que se utilizem diferentes tipos de indicadores no processo do Monitor de Secas - alguns calculados a partir da rede de dados federal e estadual, outros obtidos de diversas instituições nacionais e internacionais. No monitor se diferencia o que é calculado a partir de dados observados, que são chamados de “indicadores de seca”, dos produtos obtidos junto a alguma instituição, os quais servem como “produtos de apoio” ao traçado do mapa. Além disso, o processo do Monitor é orgânico, ou seja, permite que a qualquer momento novos indicadores de seca e produtos de apoio sejam incorporados, na medida em que se entenda que podem agregar informação à produção do mapa. Com uma boa base conceitual, é possível identificar incoerências entre os dados observados pelas estações automáticas e convencionais durante o desenho do mapa e os impactos locais nas várias regiões, assim como compreender e descrever as variações climáticas ocorridas que podem ter ocasionado estes impactos na região trabalhada. Secas no Brasil: política e gestão proativas 195 Até o presente momento, o Monitor de Secas está fundamentado em três indicadores de secas, sendo dois deles meteorológicos, que contemplam curto e longo prazo, e um hidrológico, de curto prazo. Todos os indicadores de seca do Monitor são calculados com base nos registros históricos das estações de monitoramento, a exemplo do que ocorre com a maior parte dos produtos de apoio. A seguir, é feita uma breve descrição dessas informações utilizadas no Monitor. 11.3.1.  Índice de precipitação padronizado O Índice de Precipitação Padronizado (Standardized Precipitation Index) ou SPI foi desenvolvido por McKee et al. (1993) e é considerado um indicador de fácil obtenção, pois utiliza somente precipitação como dado de entrada. A partir dos dados observados de todas as estações pluviométricas (automáticas e convencionais) é possível determinar o SPI de cada estação para intervalos relativos a 3, 4 e 6 meses, com o intuito de identificar possíveis secas de curto prazo, assim como para intervalos acima de doze meses (12, 18 e 24 meses) visando a identificar secas de longo prazo. Os períodos citados podem parecer arbitrários, porém estas escalas típicas de déficits em precipitação apresentam relação com os impactos agrícolas e hidrológicos em determinada área. Cada uma destas séries históricas de dados de precipitação (3, 4, 6, 12, 18 e 24 meses) é ajustada por distribuição de probabilidade26 (distribuição gama), de modo a definir a probabilidade de ocorrência de um dado valor de precipitação nestes períodos. Uma vez isto estabelecido a partir dos registros históricos, a probabilidade de que qualquer precipitação seja observada pode ser calculada e, a partir do uso da inversa da distribuição Normal padrão (média=0 e desvio padrão=1), é possível calcular desvios relativos de precipitação em relação à média nestes períodos de 3, 4, 6, 12, 18 e 24 meses. Este valor é o SPI para um valor específico de precipitação nestes períodos. Valores negativos indicam precipitação abaixo da mediana (períodos secos) e valores positivos, acima da mediana (períodos úmidos), uma vez que a seca é uma condição relativa ao estado normal da região. O ideal é trabalhar com séries de dados de precipitação contínuos, de 30 anos ou mais, visando a uma melhor caracterização da distribuição de precipitação no período considerado, permitindo melhor avaliar a recorrência do indicador corrente relativo ao período histórico. Entretanto, devido às limitações na disponibilidade de dados, as séries utilizadas possuem uma média de 25-30 anos para as estações convencionais federais e 10 anos para estações automáticas dos estados. O interesse é representar períodos secos, então apenas valores negativos de SPI são considerados 26  A função de probabilidade é uma função que atribui probabilidades aos valores de uma variável aleatória, neste caso os n meses de precipitação (n = 3, 4, 6, 12, 18, 24). 196 Capítulo 11 – Monitor de Secas do Nordeste – O processo no Monitor. A classificação da seca é feita em percentis, sendo que menores magnitudes estão relacionadas a eventos com maior número de ocorrências e maiores magnitudes a eventos com menor número de ocorrência, como pode ser verificado na Tabela 18. Um exemplo de mapa de SPI de curto prazo pode ser observado na Figura 14. Tabela 18 – Estágios ou categorias de seca, que definem a intensidade da seca no Mapa do Monitor associada aos valores dos indicadores SPI/SPEI Categoria Percentil Descrição SPI/SPEI S0 30 Seca Fraca -0,5 a -0,7 S1 20 Seca Moderada -0,8 a -1,2 S2 10 Seca Grave -1,3 a -1,5 S3 5 Seca Extrema -1,6 a -1,9 S4 2 Seca Excepcional >-2 SPI 03 meses SPI 04 meses SPEI 03 meses SPEI 04 meses Fev/2015 Fev/2015 Fev/2015 Fev/2015 Legenda - Intensidade: Sem Seca Relativa Seca Fraca Seca Moderada Seca Grave Seca Extrema Seca Excepcional Figura 14  –  Exemplo de níveis de intensidade de secas segundo os indicadores SPI e SPEI para três e quatro meses Entre as vantagens do uso do SPI, pode-se citar: (1) há flexibilidade de uso em diferentes escalas de tempo, que refletem o impacto da seca em diferentes fontes hídricas; (2) o indicador possui valor único e com natureza probabilística (contexto histórico dos dados do pluviômetro). É um conceito de “seca relativa”, que será abordado mais adiante; e (3) é espacialmente consistente, permitindo a comparação entre diferentes localidades. Desvantagens: (1) como a precipitação é o único parâmetro Secas no Brasil: política e gestão proativas 197 de entrada, a seca é avaliada levando-se em consideração somente o acumulado desta grandeza; (2) não inclui outra componente do balanço hídrico; e (3) os valores se modificam com a atualização da série de dados. 11.3.2.  Índice Padronizado de Precipitação-Evapotranspiração O Índice Padronizado de Precipitação-Evapotranspiração, ou SPEI, foi desenvolvido por Vicente- Serrano et al. (2010) e é calculado com os dados de estações meteorológicas que possuem medições de precipitação e temperatura. É um indicador semelhante ao SPI na forma em que é idealizado, porém calcula um balanço hídrico simplificado, ponderando informações de precipitação e evapotranspiração, incluindo os efeitos da variabilidade da temperatura na avaliação da seca. A evapotranspiração pode ser calculada a partir de diferentes formulações. Esse indicador também é calculado para os intervalos de três e quatro meses, no curto prazo, e de 12, 18 e 24 meses, no longo prazo; seis meses é considerado um intervalo intermediário. Um exemplo deste indicador pode ser visto na Figura 14. Os pontos de destaque do uso do SPEI são: (1) há flexibilidade de uso em diferentes escalas de tempo, assim como o SPI; (2) o indicador também possui valor único e de natureza probabilística (contexto histórico dos dados de precipitação e temperatura); (3) é espacialmente consistente; e (4) possui um componente de balanço de água no solo. As principais desvantagens são: (1) os valores mudam com a atualização da série de dados; (2) existe uma dificuldade grande em conseguir longas séries de temperatura e precipitação para uma mesma localidade; e (3) é sensível ao método de cálculo de Evapotranspiração Potencial. 11.3.3.  Indicadores de escoamento e estiagem A necessidade da inclusão de indicadores hidrológicos no Monitor levou à análise de algumas opções, as quais consistem tanto na utilização direta de séries de redes de monitoramento hidrológico (níveis de reservatórios, vazões, etc.), como na utilização de características do processo de precipitação mais relacionadas à concentração de chuvas e à ocorrência de veranicos, que são períodos curtos com características climáticas parecidas com as do verão, mas em outras épocas do ano. Diante dos problemas já conhecidos com as séries de vazões da rede fluviométrica nacional, decidiu-se usar indicadores indiretos que podem ser calculados para cada estação pluviométrica, facilitando assim o desenho do Mapa do Monitor. Também existe a necessidade de representar a seca agrícola, o que poderia ser feito por um indicador baseado em veranicos. 198 Capítulo 11 – Monitor de Secas do Nordeste – O processo Ambos o escoamento e a produção de sequeiro têm boa porção de sua variabilidade explicada por determinadas características do processo de precipitação, concentração de chuvas e ocorrência de veranicos, conforme já mencionado anteriormente. O escoamento está muito ligado à concentração de chuvas e, por isso mesmo, o indicador correspondente tenta refletir esta concentração: n Ie = ∑ LiWi i =1 em que: Li é a duração do i-ésimo período úmido Wi é função do Li (Wi =1 se Li<10 e Wi =5 se Li ≥ 10) A produção de sequeiro também pode ser afetada pela concentração de chuvas, devido à ocorrência de áreas alagadas, podendo este indicador explicar parte de sua variabilidade. O comprimento do período úmido foi aqui definido como três ou mais dias consecutivos com precipitação maior do que 10mm. Um peso maior é atribuído a períodos úmidos que duram, pelo menos, 10 dias, sendo estes pesos calibrados conforme os dados da região. Por outro lado, um indicador relacionado à ocorrência de veranicos em um dado período está ligado à geração de escoamento e à produção de sequeiro. O indicador de veranicos aqui utilizado foi definido como: n Iv = ∑ LiWi i =1 em que Li é a duração do i-ésimo período seco Wi é função do Li (Wi =1 se Li<10, e Wi =5 se Li ≥10) Neste caso, Li é definido como três ou mais dias consecutivos com chuva inferior a 2mm. Um peso maior é atribuído a períodos secos que duram pelo menos 10 dias, devido às altas perdas associadas aos longos períodos sem precipitação. Secas no Brasil: política e gestão proativas 199 Os cálculos destes indicadores são realizados para períodos de três e quatro meses, sendo ajustada às séries históricas destes indicadores (Ie e Iv) uma distribuição Gama de modo a definir a probabilidade de não excedência a um valor específico destes indicadores. Uma vez isto estabelecido a partir dos registros históricos, a probabilidade de não excedência a qualquer valor de indicador observado pode ser calculada e, a partir do uso da inversa da distribuição normal padrão (média=0 e desvio padrão=1), é possível calcular desvios relativos de indicadores em relação à média nestes períodos de três e quatro meses. Este indicador padronizado foi denominado Indicador Padronizado de Escoamento (SEI) e Indicador Padronizado de Veranicos (SVI) e são visualizados de acordo com a escala do Monitor. Um exemplo do SEI para três meses pode ser observado na Figura 15. Até o presente momento, devido à necessidade de dados diários para o cálculo e a disponibilidade dos estados em nível operacional, o SEI e o SVI estão sendo calculados apenas para três meses para os estados da Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte. 0.5 4°S 0.8 8°S 1.3 Latitude 1.6 12°S 2 16°S 46.0°W 44.0°W 42.0°W 40.0°W 38.0°W 36.0°W 34.0°W Longitude Figura 15  –  Exemplo do Indicador Hidrológico para o trimestre janeiro-fevereiro-março de 2012. As cores representam a intensidade da seca de acordo com as categorias do Monitor de Secas. As áreas em branco representam a situação sem seca e a área cinza com listras representa ausência de informação. Entre as vantagens dos indicadores hidrológicos: (1) são simples; (2) são consistentes com o processo de escoamento; (3) evitam o uso dos dados diretos de vazão e nível, devido aos problemas já conhecidos: influência de reservatórios; inconsistência nas séries; ausência ou problemas na informação de liberações dos reservatórios na maioria dos estados; e (4) uso das características da distribuição temporal da precipitação diária que estão relacionadas com o escoamento superficial; 200 Capítulo 11 – Monitor de Secas do Nordeste – O processo As desvantagens destes indicadores são, por sua vez, devidas às dificuldades de monitoramento no passado e no presente, a saber: (1) necessita de longa série de dados observados diários de precipitação para melhor ajuste e cálculo dos parâmetros para cada posto; (2) necessita de dados diários observados de vazão para validação; e (3) necessita de uma rede densa de postos observados para uma melhor representação a partir da interpolação dos dados. 11.3.4.  Produtos de apoio Como citado anteriormente, os produtos de apoio são informações obtidas junto a instituições nacionais e internacionais, que auxiliam no traçado do Monitor, de forma complementar aos indicadores de seca calculados a partir das redes de estações federais e estaduais do Nordeste. São especialmente importantes em regiões com pouca densidade de estações. Os produtos de apoio utilizados até o presente momento são (Figura 16): Figura 16  –  Representação de produtos utilizados no traçado do Mapa do Monitor de Secas, indicadores e produtos auxiliares baseados em sensoriamento remoto Secas no Brasil: política e gestão proativas 201 amadas com indicadores combinados de curto e longo prazos, organizados para representar a • C seca em diferentes escalas de tempo; recipitação acumulada para curto e longo prazos, normais climatológicas, SPI (calculado • P somente com dados federais), desvios da precipitação e precipitação classificada por quantis do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET); recipitação acumulada para curto e longo prazos, climatologias e anomalias do Centro de • P Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC); recipitação combinada entre dados observados e estimativa de precipitação do Tropical Rainfall • P Measuring Mission (TRMM) da NASA, baseado em rotina do CPTEC; Umidade do Solo do CPC/NOAA; • Índice de Saúde da Vegetação (VHI), da STAR/NESDIS/NOAA; • Modelo Digital de Elevação (MDE); e • Camadas correspondentes ao Monitor do mês anterior. • 11.3.5.  Camada com a condição dos reservatórios A situação dos reservatórios é informação imprescindível na definição dos impactos da seca; ela está muito relacionada à seca operacional, principalmente quando a informação existente é apenas o nível ou volume do reservatório, sem visão relativa ao período histórico. A maior parte dos estados não possui esses dados históricos, que deveriam incluir informações de liberações e operação dos reservatórios. Isso dificulta o tratamento da informação no âmbito do Monitor, visto que a condição de seca é relativa ao que ocorreu ao longa da história de determinado local. Por outro lado, é incontestável a necessidade de prover a informação dos reservatórios e, por essa razão, essa informação será incorporada de maneira complementar ao Monitor, representando a seca física sob a forma de uma camada auxiliar. O conceito sugerido utiliza figuras geométricas para representar os reservatórios estratégicos do Nordeste, indicados com cores associadas às categorias do Monitor quanto à criticidade do reservatório em termos de restrição de uso para consumo humano e irrigação. Na Figura 17 é possível verificar como essa camada foi operacionalizada para o estado de Pernambuco. Os círculos representam os reservatórios, divididos ao meio para representar as duas condições de uso consideradas (à esquerda está o consumo humano e, à direita, a irrigação). A cor branca representa situação de não seca, a escala de cinza representa os níveis de criticidade associados às cores do Monitor, as listras horizontais representam restrição total e as listras diagonais referem-se à falta de informações. 202 Capítulo 11 – Monitor de Secas do Nordeste – O processo A I A Abastecimento I Irrigação Sem seca relativa Diferentes níveis de criticidade Restrição total Não há informação Figura 17  –  Classificação da severidade da seca em relação aos usos da água dos reservatórios (abastecimento à esquerda e irrigação à direita). Branco representa ausência de seca; a escala de cinza representa o nível de criticidade associado às cores do Monitor; as linhas horizontais representam restrição total e as linhas diagonais referem-se à falta de informação 11.4. Conceitos importantes considerados na concepção do Monitor Para um melhor entendimento do processo de criação de um mapa do Monitor de Secas, é importante destacar aspectos teóricos relevantes, bem como soluções que foram obtidas durante sua fase experimental, consolidados seguindo as premissas de começar simples e aprender fazendo. Cabe ressaltar que, embora a plataforma do Monitor de Secas do Nordeste do Brasil tenha sido fundamentada no Monitor de Secas dos EUA, diversos ajustes foram necessários para que ele pudesse ser implementado no Brasil, incorporando, principalmente, a experiência dos profissionais federais e estaduais ligados com as questões da seca e respeitando a rede de informações disponível no país atualmente. A fase experimental foi iniciada após um treinamento realizado em agosto de 2014: “Metodologia para o Traçado dos Mapas do Monitor de Secas do Nordeste”, com o intuito de produzir Mapas Experimentais mensais simulando a condução operacional de produção do Monitor. Durante o período experimental, foi construída a plataforma operacional do Monitor, descrita mais adiante neste capítulo. As atividades de produção do Mapa ocorreram de forma relativamente espaçadas no primeiro mês e foram sendo otimizadas na medida em que os autores e validadores foram Secas no Brasil: política e gestão proativas 203 acumulando experiência e entrosamento. A cada mês, o número de informações incorporadas e participantes foi aumentando, além da maior agilidade para atualização do Mapa. Dentre as lições aprendidas, é importante ressaltar e louvar o engajamento em nível federal e estadual. Os autores fizeram um extraordinário trabalho de autoria, através de um trabalho conjunto e de grande comprometimento. A frase do meteorologista Adilson Gandu traduz esse sentimento: “Outros mapas com índices do tipo SPI até que existem para o Brasil. Porém, a diferença é que este nosso Mapa é construído por muitas mãos, olhares e cérebros. Não é apenas uma equação”. O primeiro conceito que merece destaque é o de “seca relativa”. Os indicadores do Monitor são calculados considerando o contexto histórico dos dados de cada estação, obtendo um valor único com natureza probabilística. Isso permite que sejam feitas comparações entre diferentes localidades, permitindo analisar toda a região Nordeste de forma espacialmente consistente. Desta maneira, o que está sendo avaliado é a situação de uma localidade em relação a seu histórico, e não necessariamente em relação à sensação de seca, que é subjetiva. Podemos considerar um exemplo: o sertão nordestino, em determinado mês, pode ser categorizado no Monitor em estágio de seca menos severa em comparação a uma região litorânea (em relação às categorias apresentadas na Tabela 1); embora o sertão seja, em sua essência, mais seco do que o litoral, a representação é de que o litoral está em um estágio mais avançado de seca em relação aos impactos observados do que o sertão. Outro conceito de suma importância é sobre qual informação o Monitor deve prover; ou seja, a seca dada pelas condições naturais inerentes aos fenômenos físicos ou ligada a processos gerenciais. A exemplo do que é adotado nos demais países onde o Monitor de Secas foi implementado, ficou acordado entre as instituições que fazem parte do Monitor brasileiro que o foco deve ser na “seca natural ou física”. A principal justificativa é não considerar os sistemas que estão sujeitos à gestão humana, de maneira a evitar possíveis conflitos de interesse e questionamentos que possam abalar a credibilidade do Monitor. O gerenciamento da seca será tratado por planos de contingência – ou de preparação para a seca - desenhados para sistemas específicos, conforme descrito nos Capítulos 5 e 12. Um exemplo de informação que não é considerada no traçado do Monitor é a condição dos reservatórios, que será representada em uma camada auxiliar, conforme descreve a Figura 17. Desde os primeiros Mapas de Monitores produzidos de forma experimental, foi recomendado que a região do mapa fosse considerada como um todo, evitando o uso de divisões políticas. É natural que os autores e validadores tenham mais segurança em analisar e opinar sobre seus próprios estados, além do fato de algumas regiões possuírem mais informações do que outras. Além disso, é comum localidades vizinhas apresentarem opiniões diferentes sobre a condição de seca em regiões de fronteira. Essa é uma questão particularmente delicada, pois, em alguns casos, ambos os vizinhos se 204 Capítulo 11 – Monitor de Secas do Nordeste – O processo baseiam em argumentos sólidos, existindo a necessidade de se chegar a um consenso. Mais uma vez, é importante que esse consenso não dê preferência à divisão político-administrativa, pois se pode caracterizar uma tentativa de favorecimento, considerando-se que o Monitor pode estar atrelado a um ou mais planos de contingência ou de preparação para a seca. Durante a preparação do mapa, consideram-se impactos em diferentes setores - como agricultura e os recursos hídricos - que estão associados a influências de seca de curto e de longo prazo, respectivamente. Normalmente, a categoria de seca mais intensa deve ser priorizada e indicada com as chamadas “linhas de impacto”, identificadas no Monitor por L (seca de longo prazo), C (seca de curto prazo) ou CL (seca de curto e longo prazo). A densidade da rede de dados observados, além da necessidade de combinar diferentes indicadores, não permite que o traçado do Monitor seja perfeito, existindo uma evidente limitação à capacidade de representação que deve ser entendida e considerada. O Monitor é uma visão macro da situação; porém, visto que considera informações de diversas fontes e pessoas, pode ser considerado como a melhor representação consensual da severidade da seca que se pode obter. No estágio atual, ainda é muito difícil para o Monitor representar a seca em nível de município, mas certamente representa as condições meteorológicas, hidrológicas e agrícolas/ pecuárias atuais, lembrando que essas sempre são comparadas respeitando-se o contexto histórico de cada região. 11.5. Arranjos operacionais do Monitor 11.5.1.  Atores envolvidos, responsabilidades e usuários Os atores responsáveis pela atualização mensal do Mapa do Monitor são: (1) instituições provedoras de dados; (2) Instituição Central (IC); (3) autores; e (4) validadores. Além dos responsáveis pela atualização do Mapa do Monitor, também merecem destaque as pessoas e instituições que farão uso dos resultados desse processo e um grupo que foi criado para avaliar os dados e indicadores utilizados no Monitor, chamado de Grupo Técnico. Cada ator possui responsabilidades dentre uma série de atividades, que seguem uma sequência cronológica que deve ser respeitada. Resumidamente: • As instituições provedoras de dados são todas as entidades federais e estatuais - e algumas internacionais - que fornecem algum tipo de informação para atualização do Monitor de Secas. Podem ser na forma de dados observados, que são utilizados para o cálculo dos indicadores de Secas no Brasil: política e gestão proativas 205 seca, ou produtos que podem ser utilizados para auxiliar de alguma forma o traçado do mapa. IC é a instituição de referência, responsável por dirigir as atividades de atualização e • A desenvolvimento do Monitor. A função será exercida pela Agência Nacional de Águas (ANA), devido à sua posição de agência nacional e à compatibilidade do horizonte do Monitor com políticas de Estado, que precisam ser contínuas, em convergência com o próprio conceito de agência reguladora exercido pela ANA. As funções operacionais da IC são: ompilar os dados observados de todas as instituições federais e estaduais com informações 1) C de interesse para o Monitor; Formatar e controlar a qualidade dos dados; 2) Calcular os indicadores de seca empregados no Monitor; 3) 4) Obter os produtos de apoio junto a instituições nacionais e internacionais; reparar o projeto em um programa de Sistema de Informações Geográficas (SIG) que será 5) P utilizado pelo autor para produzir o mapa. Os SIGs são ferramentas importantes para coletar, armazenar, recuperar, transformar e representar dados espaciais relativos ao mundo real (BURROUGH e McDONNELL, 1986); Interagir com os autores do Monitor no processo de elaboração do Mapa; 6) Facilitar o processo de validação do Monitor; 7) Publicar o mapa final do Monitor de Secas e manter o site na internet; 8) Emitir o Relatório Anual do Monitor; e 9) Treinar os autores e validadores. 10) • Os autores são as instituições responsáveis por representar a situação atual de seca natural/física no Monitor e coordenar o seu processo de validação. São compostas por profissionais envolvidos no trabalho técnico, evitando o viés político e trabalhando de forma imparcial. Para isso, utilizam o máximo de informações científicas (indicadores de seca e produtos de apoio) e um SIG para criar polígonos que indiquem as áreas que estão apresentando secas em determinada severidade. No estágio inicial de operação do Monitor, os autores serão representantes de instituições dos estados da Bahia (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Inema-BA), Ceará (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, Funceme-CE) e Pernambuco (Agência Pernambucana de Águas e Clima, Apac), o que não impede que novos autores sejam incorporados no futuro, principalmente se o Mapa for atualizado com frequência superior à mensal. • Os validadores são responsáveis por informar a situação local para confirmar a proposta de mapa apresentada pelos autores com base nos indicadores de seca. Eles vivenciam a seca diretamente e podem informar a condição de sua localidade com propriedade. Os validadores são instituições de todos os estados do Nordeste, em diferentes setores de atividades ligadas à seca. A validação deve, preferencialmente, ser acompanhada de argumentos sólidos e baseada em evidências para 206 Capítulo 11 – Monitor de Secas do Nordeste – O processo evitar subjetividade. • Depois de produzido e validado, é de interesse que os resultados sejam aproveitados, chegando aos mais diferentes níveis da sociedade. O Monitor de Secas será de domínio público e poderá ser acessado por usuários em geral e por instituições que façam uso dos resultados do processo para tomada de decisão. É importante que o Monitor tenha uma linguagem simples, mas que atenda ao usuário técnico com produtos direcionados aos diferentes setores ligados à seca. A apropriação dessa ferramenta pela sociedade é a maior garantia de manutenção de sua transparência e longevidade. • Grupo Técnico de qualidade de dados e de TI. Em agosto de 2014, foi criado um grupo técnico formado por profissionais para apoiar na calibração dos indicadores de seca, consistência dos dados e verificação do uso de dados de sensoriamento remoto. O estado do Rio Grande do Norte, representado pela Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn), lidera o grupo composto pelos autores do Monitor, ANA, Inmet, Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad) e universidades. 11.5.2.  Descrição do fluxograma de atividades para a atualização do Monitor de Secas Para que o Mapa do Monitor de Secas seja atualizado, uma determinada rotina é aplicada mensalmente. Essa sequência de atividades é ilustrada na Figura 18, onde é apresentado de maneira simplificada o esquema operacional do Monitor. As atividades podem ser divididas em quatro etapas: (1) preparação dos dados; (2) traçado do Monitor; (3) validação do Monitor; e (4) publicação do mapa. A Etapa 1 de preparação dos dados é executada pela IC e é crucial para todo o processo de traçado do Mapa. A IC recompila dados de instituições federais e estaduais do Brasil, essencialmente para o cálculo dos indicadores de seca SPI, SPEI e SEI. É importante utilizar o máximo de informações possíveis, motivo pelo qual são incorporados os produtos de apoio (obtidos junto a instituições nacionais e internacionais) que funcionam como dados auxiliares para o traçado, contribuindo para a convergência de evidências, principalmente onde a rede de dados é escassa e/ou há divergências entre os indicadores de seca. Os indicadores de seca, mapas associados e produtos de apoio são preparados até o dia 8 de cada mês, formatados e disponibilizados para os autores em um programa de SIG. Todas as informações são encaminhadas para uma lista de e-mails de que fazem parte os autores e a IC, incluindo o cronograma com as datas para o desenho e validação do Monitor. Esse cronograma é preparado no início de cada ano, para todos os meses do ano em questão, incluindo qual é o autor (e, consequentemente, o estado) responsável e quais são as datas de preparação dos dados, traçado, validação e publicação, descontados os finais de semana e feriados. Secas no Brasil: política e gestão proativas 207 Inputs de dados Instituição Central Etapa 1 Produtos auxiliares Cálculo dos indicadores e produtos combinados Projeto QGIS Reunião de Liderança Análise Etapa 2 Autor Coordenador Autor Autor N iterações até chegar ao mapa final (seguindo o cronograma pré-determinado) Rascunho 1-n Enviar o Rascunho da Explicação aos Validadores Nova avaliação Validação pelos autores Ainda são Narrativa e necessários mapa final novos ajustes? Etapa 3 Etapa 4 Figura 18  –  Esquema operacional do Monitor de Secas do Nordeste A Etapa 2, ou processo de autoria do mapa, está relacionada à responsabilidade do autor que precisa representar a situação atual de seca ou não na região. O ponto de partida é o mapa do mês anterior. A seca é um fenômeno que se estabelece e evolui de maneira lenta e gradual e deve ser representada desta maneira. É importante que exista o mínimo de descontinuidade entre as categorias do Monitor com o avanço dos meses. O autor analisa os indicadores de seca e produtos de apoio atualizados pela IC e prepara a primeira versão do Mapa (Rascunho 0 – R027), juntamente com um texto explicando os elementos importantes que levaram ao traçado do R0. Nesta atividade são verificadas a precipitação dos últimos meses, as condições de solo e a vegetação, assim como identificadas as regiões cujos impactos estão associados à seca de curto ou de longo prazo, lembrando que informações gerenciáveis não entram no traçado. O texto é refinado ao longo do processo para ser apresentado junto com o Mapa Final, quando passa a ser chamado de “Narrativa”. Esse processo normalmente é realizado em até dois dias após o recebimento dos dados preparados pela IC. 27  R0: rascunho inicial do Monitor feito pelo autor, baseado nos indicadores de seca e produtos de apoio atuais, além do mapa do mês anterior, onde são incluídas as categorias de seca e impactos relacionados. Na elaboração também é agregada a experiência do profissional, conhecimento geográfico e climatológico, situação climática atual e evolução da seca ao longo dos últimos meses. Representa apenas a seca física/natural, não os sistemas gerenciáveis como reservatórios, por exemplo. Não possui validação local, embora o autor possa incluir informações de impactos que já sejam de seu conhecimento. 208 Capítulo 11 – Monitor de Secas do Nordeste – O processo O R0 é apresentado para os demais Autores e discutido em uma reunião da qual participam os autores e a IC, conhecida como reunião de autoria, que ocorre quando o R0 é finalizado. Essa reunião ocorre por vídeo conferência e tem auxiliado os autores num aprendizado contínuo e na manutenção das técnicas desenvolvidas, além da superação da falta de conhecimentos climáticos, geológicos e físicos de toda a região. Nessa reunião, outros autores podem contribuir ressaltando condições e situações de um determinado estado ou área da região que são desconhecidas pelo autor da vez. Como há revezamento entre os autores, essa reunião também é importante para manter todos alinhados em relação ao novo Mapa do Monitor que está sendo preparado. Após a reunião de autoria, o autor faz os ajustes necessários e prepara um novo Rascunho (R1 – exemplo na Figura 19), que é encaminhado aos validadores juntamente com outros documentos, que podem ser chamados de inputs da validação. a) b) Legenda: Intensidade: CL CL Sem Seca Relativa CL CL S0 Seca Fraca S1 Seca Moderada S2 Seca Grave S3 Seca Extrema C C S4 Seca Excepcional Tipos de impacto da seca: C C C = Curto prazo (p.ex: agricultura, pastagem) L = Longo prazo (p.ex: hidrologia, ecologia) Figura 19  –  Rascunhos R1(a) e R2(b) do Mapa do Monitor (Funceme) A Etapa 3 corresponde à validação do mapa, através de um processo interativo entre autor e os validadores, coordenado pelo autor, passando por diversos rascunhos até chegar à versão final (Rascunho Final ou Mapa Final) e que, normalmente, tem a duração de três dias úteis. A relação entre autor e validador é de confiança, construída ao longo do tempo, respeitando questões como: (1) os validadores podem apresentar sua argumentação em diferentes níveis de detalhamento e conhecimento; (2) em algumas situações será apenas um relato, sem comprovação na forma de dados; (3) o autor precisa confirmar a informação que vem do campo, pois é responsável pelo mapa que será publicado. A vivência do processo dará aos autores a experiência de como conversar com cada validador; e (4) como tem a responsabilidade, a última palavra sempre será do autor, embora o diálogo entre autor e validador sempre deva ser estimulado. Secas no Brasil: política e gestão proativas 209 O processo de validação se inicia quando o autor encaminha os inputs da validação (autor → validador): (1) figura do R1; (2) texto explicando o traçado do R1; (3) formulário de validação28; (4) link para produtos primários que foram utilizados na construção do R1 (mapas dos indicadores, produtos de apoio, etc.); (5) cronograma para validação; e (6) planilha com a condição dos reservatórios prioritários de cada estado, com informação de nome, localização e nível. O validador analisa o R1 e concorda ou não com as categorias de seca sugeridas, baseado nas informações locais. Caso concorde ou discorde do rascunho, o validador responde com sua sugestão de alteração e/ ou comentário no formulário da validação. Essa resposta pode ser considerada como outputs da validação (validador → autor), que inclui: (1) formulário de validação preenchido, dizendo se concorda ou não com o traçado do mapa, explicando porque concorda ou não e fundamentando em algum argumento sólido para evitar subjetividade; e (2) planilha dos reservatórios preenchida com a condição dos reservatórios em relação às restrições de uso para irrigação e abastecimento (validadores de recursos hídricos). Após receber os comentários do validador sobre o R1, o autor os analisa e prepara um novo rascunho, R2 (Figura 19). Esse novo mapa revisado é encaminhado novamente para a validação e o procedimento de encaminhar os inputs e receber os outputs é repetido “n” vezes até atingir um consenso que permita a produção do Mapa Final (Figura 20) e da Narrativa. Depois de finalizado o processo interativo e iterativo de validação, inicia-se a última fase de produção do Monitor, a Etapa 4. O autor encaminha para a IC o material para publicação: o Mapa Final junto com a Narrativa. A Narrativa se divide, basicamente, em 2 partes: (1) descrição das condições climáticas; e (2) síntese do traçado. A parte (2) é descrita de forma geral (para todo o Nordeste) e é dividida por estado, para facilitar a visualização pelo usuário final. A Narrativa é uma importante ferramenta e que deve ser explorada ao máximo; o autor não deve poupar informação no texto por considerá-la irrelevante. As principais interações autor-validador, informações climáticas, impactos associados, evolução/diminuição de regiões de seca e questões relativas à produção do mapa devem ser incorporadas à Narrativa, assim como informações gerenciáveis que não entram no traçado do Monitor - como a condição dos reservatórios, por exemplo. 28  Este formulário é usado para verificar quais validadores avaliaram o Mapa, além de padronizar o formato de resposta e facilitar a armazenagem da informação. No formulário o validador tem à disposição o Rascunho, onde pode sugerir modificações diretamente no Mapa, além de algumas perguntas de múltipla escolha e espaço para comentários. Os argumentos, informações e dados utilizados para sugerir modificações devem ser anexados ao formulário. 210 Capítulo 11 – Monitor de Secas do Nordeste – O processo Legenda: Intensidade: CL Sem Seca Relativa CL S0 Seca Fraca S1 Seca Moderada S2 Seca Grave S3 Seca Extrema C S4 Seca Excepcional Tipos de impacto da seca: C C = Curto prazo (p.ex: agricultura, pastagem) L = Longo prazo (p.ex: hidrologia, ecologia) Figura 20  –  Mapa Final do Monitor de Secas publicado em julho em referência ao monitoramento de junho de 2015 (Funceme) Figura 21  –  Layout do site do Monitor. Mapa do Monitor com a seca física e Narrativa. A Narrativa está separada em uma parte geral e outra detalhada por estado (http://monitordesecas. ana.gov.br) Secas no Brasil: política e gestão proativas 211 A publicação dos resultados do Monitor e os produtos auxiliares de visualização29 são de responsabilidade da IC, que abrigará um link em seu portal com o seguinte conteúdo: (1) Monitor Final e Narrativa sistematizados; (2) os indicadores de seca empregados; (3) os produtos de apoio utilizados; (4) informação sobre a condição dos reservatórios; (5) animações e comparações dos Mapas; (6) variação de categorias entre mapas do Monitor por região e estados (Figura 22); e (7) mapas de mudanças de categorias de seca em intervalos de 1, 2, 3, 6 e 12 meses (exemplo na Figura 23), assim como para os períodos de referência correspondentes ao início do ano juliano (1o de janeiro) e ao ano hidrológico (1o de outubro). Monitor de Secas - Nordeste do Brasil 120 100 80 Área (%) 60 40 20 0 Julho/14 Agosto/14 Setembro/14 Outubro/14 Novembro/14 Dezembro/14 Janeiro/15 Fevereiro/15 Março/15 Abril/15 Maio/15 Junho/15 Julho/15 Figura 22  –  Evolução do percentual de áreas em diferentes faixas de severidade de seca (S0-S4; S1- S4; S2-S4; S3-S4 e S4) desde julho/2014 até julho/2015 para o Nordeste. Também são disponibilizados por estado O período que compreende o intervalo desde a preparação dos dados pela IC até a publicação do Monitor é de, aproximadamente, oito dias, que é importante para que os resultados do Monitor de Secas sejam publicados perto do dia 15 do mês, respeitando o tempo necessário para compilação dos dados e produção do mapa e disponibilizando resultados atuais. O processo de publicação estará em constante desenvolvimento, acompanhando as atualizações e 29  Ver a Etapa 1 da Descrição do Fluxograma de Atividades para a Atualização do Monitor de Secas. Estes produtos auxiliares de visualização são produtos de apoio obtidos junto a instituições nacionais e internacionais e são fornecidos pela CI para ajudar na elaboração do primeiro rascunho do mapa (R0). 212 Capítulo 11 – Monitor de Secas do Nordeste – O processo desenvolvimento do Monitor e seus produtos auxiliares que visam a atender aos usuários técnicos e ao público em geral. Também existe um site com acesso restrito para os autores, validadores, IC e o Grupo Técnico para disponibilização dos projetos GIS para o traçado do mês, os shapes dos Monitores passados, material para apoio ao traçado e validação e demais documentações importantes para o registro do processo por completo. 5 classe de degradação 4 classe de degradação 3 classe de degradação 2 classe de degradação 1 classe de degradação sem mudança 1 melhoria de classe 2 melhoria de classe 3 melhoria de classe 4 melhoria de classe 5 melhoria de classe Figura 23  –  Mapa de mudança de categorias de seca de maio para junho/2015. Serão disponibilizados mapas de mudança para 1, 2, 3, 6 e 12 meses, assim como para os períodos de referência correspondentes ao início do ano juliano (1º de janeiro) e ao ano hidrológico (1º de outubro) Secas no Brasil: política e gestão proativas 213 Foto: Dorte Verner Capítulo 12 Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Francisco de Assis de Souza Filho, Paula Pedreira de Freitas de Oliveira, Marcos Thadeu Abicalil, Cybelle Frazão Costa Braga, Samíria Maria Oliveira da Silva, Sandra Helena Silva de Aquino, Daniel Antonio Camelo Cid, Luiz Martins de Araújo Júnior e Ana Cláudia Fernandes Medeiros Braga 12.1. Introdução A seca e seus impactos foram amplamente discutidos nos capítulos anteriores deste livro. Tratando- se de um fenômeno recorrente por ser parte da variabilidade climática, o desenvolvimento de Planos de Preparação para as Secas (PPS) constitui uma ferramenta útil para a redução dos seus dos impactos econômicos, sociais e ambientais. A elaboração dos PPS requer a utilização de metodologias e ferramentas adequadas ao sistema para o qual se deseja desenvolver o plano. Neste capítulo, apresentam-se três estudos de casos de planejamento para as secas no Nordeste do Brasil. Os planos foram desenvolvidos nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Estes planos foram desenvolvidos para a bacia hidrográfica do Rio Piranhas-Açu (Paraíba e Rio Grande do Norte), para o hidrossistema de Jucazinho (Pernambuco) e para região metropolitana de Fortaleza (Ceará). Secas no Brasil: política e gestão proativas 217 O presente capítulo é constituído por cinco seções em adição a esta. A segunda seção apresenta os indicadores e gatilhos utilizados em PPS; a terceira seção apresenta metodologia de plano de secas em bacias hidrográficas e o estudo de caso na Bacia do Piranhas-Açu. A quarta seção tem foco no plano de secas de hidrossistemas e descreve estudo de caso no sistema Jucazinho; e a quinta seção apresenta plano de secas em área urbanas. A seção final traz algumas conclusões e recomendações. 12.2. Indicadores e gatilhos das secas 12.2.1.  Contexto O monitoramento figura como mecanismo essencial para a operacionalização dos planos de preparação para a seca, tendo por finalidade identificar seu nível de severidade e sua evolução histórica por meio de índices que propiciam a definição dos estágios de seca com base em gatilhos pré-definidos. Esses índices são extremamente relevantes para a concretização de políticas focadas no planejamento de ações de mitigação dos impactos das secas (National Drought Policy Commission, 2000). Contudo, a definição dos índices e seus limiares não é uma tarefa trivial. Normalmente, para se detectar a seca e avaliar sua severidade, são utilizados índices baseados em variáveis como temperatura, precipitação, evaporação, evapotranspiração, umidade do solo, vazão e volume armazenado de água. No entanto, a complexidade desse fenômeno impede que um único índice seja capaz de identificar, de maneira satisfatória, os diversos tipos de seca, a severidade e seus potenciais impactos. Para cada situação deve ser usado o índice ou conjunto de índices mais adequados. Na literatura há registros de diversos índices de seca que são utilizados no monitoramento e identificação em várias escalas temporais. Dentre estes, os mais difundidos estão o Índice de Palmer, PDSI (Palmer Drought Severity Index) (KEYANTASH e DRACUP, 2002) e o Índice Normalizado de Precipitação, SPI (Standardized Precipitation Index) (McKEE et al., 1993). Associado a esse último tem- se o SRI (Standardized Runoff Index) (SHUKLA e WOOD, 2008) e o SPEI (Standardized Precipitation- Evapotranspiration Index) (VICENTE-SERRANO et al., 2010). Outro índice bastante utilizado é o Índice de Estado (IE). Esse índice foi utilizado no plano de atuação em situação de alerta ou eventual seca para as bacias hidrográficas de Júcar e de Ebro, na Espanha, a fim de descrever o estado das bacias estudadas e permitir uma comparação quantitativa 218 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos entre outros indicadores. Além dos índices citados, outro que pode ser utilizado como indicador de estado de seca foi desenvolvido por CID et al. (2014) referente às simulações para a proposição de uma regra de operação de reservatórios, estabelecendo níveis-meta que possam servir como índice de seca para determinado açude. 12.2.2.  Indicadores e avaliação de desempenho Para um melhor entendimento dos indicadores para sistemas de recursos hídricos superficiais, são apresentados índices de secas meteorológicas, SPI e SPEI, e seca hidrológica, SRI, IE e seu equivalente índice sintético (IS, proposto neste Capítulo) e índice baseado na definição de níveis-meta para os reservatórios. Em seguida, é feita a descrição do método para a avaliação comparativa ou de desempenho desses índices com sua respectiva resolução. 12.2.2.1. Indicadores meteorológicos O SPI desenvolvido baseia-se na distribuição de probabilidade da precipitação, podendo ser calculado em diferentes escalas de tempo, pois se trata de um índice normalizado, que permite adequada comparação entre diferentes locais e climas. O SPEI considera os efeitos conjuntos da precipitação e da evapotranspiração sobre a severidade da seca e permite identificar os tipos diferentes de secas e impactos sobre diversos sistemas. Para o cálculo do SPI e do SPEI, são adotados os seguintes passos: (1) escolher uma escala de tempo, como por exemplo, total de precipitação mensal ou em um conjunto de meses (três meses, por exemplo), (2) ajustar a distribuição de probabilidade30 para a série temporal destes valores (frequentemente, distribuição Gama); (3) estimar os valores da probabilidade de não excedência (a probabilidade acumulada de valores de precipitação serem menores que este na série temporal) do evento de precipitação do ano para o qual se deseja avaliar a seca; (4) calcular a variável reduzida utilizando uma distribuição normal; (5) buscar o correspondente ao valor da probabilidade de não excedência. Este procedimento será detalhado a seguir. A distribuição de probabilidade utilizada no ajuste dos dados foi a gama dois parâmetros, definida por: 30  A função de probabilidade é uma função que define probabilidades para os valores de uma variável aleatória – neste caso, a precipitação em n-meses (n = 3, 4, 6, 12, 18, 24). Secas no Brasil: política e gestão proativas 219 f(x)= 1 xα-1e-x/β, x>0 (12.1) α β Γ(α) em que: α> 0 é o parâmetro de forma β> 0 é o parâmetro de escala x é a variável aleatória em estudo Γ é a função gama ∞ α-1 -y Γ(x)= ∫ 0 y e dy (12.2) A distribuição gama, conforme exposta na equação 12.1, só está definida para x> 0. Logo, quando um dado mês apresenta valores nulos, faz-se necessário o uso de uma transformação da distribuição de probabilidade acumulada, dada por: (x)=q+(1-q) G(x) (12.3) sendo que G(x), conhecida como função gama incompleta, é a função de distribuição estimada a partir dos valores não nulos da série de dados utilizada e q é a probabilidade de zeros na amostra. Com isso, o SPEI e o SPI são definidos em Pereira e Paulo (2004) como: -1 SPI=φ [F(x)] (12.4) em que φ é a função de distribuição normal reduzida. Os valores de SPI e SPEI podem ser classificados conforme a Tabela 19. 12.2.2.2. Indicadores hidrológicos No cálculo do SRI são utilizados dados de vazão fluvial, seguindo etapas semelhantes ao do SPI. As vazões representam, de forma sintética, os processos hidrológicos da bacia hidrográfica associada à sua seção fluvial. Em escalas de tempo mensal a sazonal, o SRI é um complemento útil do SPI para retratar os aspectos hidrológicos de seca (SHUKLA e WOOD, 2008). Assim como o SPI e o SPEI, o SRI permite sua aplicação em diferentes escalas temporais. Os valores de SRI podem ser classificados conforme mostra a Tabela 19. 220 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Tabela 19 – Limiares dos índices com as devidas classificações, categorias e estados SPI, SPEI e SRI Classificação Categoria Estado > -0,79 S0 Seca fraca Pré-alerta I -0,80 a -1,29 S1 Seca moderada Pré-alerta II -1,30 a -1,59 S2 Seca grave Alerta -1,60 a -1,99 S3 Seca extrema Emergência I < -2,00 S4 Seca excepcional Emergência II Fonte: CUNHA, R.L.A. Definição de cenários de referência para a avaliação dos impactos das secas; Tese de Mestrado, Mestrado Integrado em Engenharia Civil -2007/2008—Departamento de Engenharia Civil, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, Portugal, 2008. 12.2.2.3. Indicadores baseados em estoque O IE é um índice que relaciona o estado da seca com o estoque de água armazenada no reservatório (ESTRELA et al., 2006). O índice varia de um intervalo de zero, correspondente ao valor do armazenamento mínimo no reservatório, a um (1), correspondente ao valor máximo de estocagem, e é calculado de acordo com a seguinte expressão: 1 se Vi ≥ Vmed ⇒ Ie= 2 [ 1+ Vmax Vi -Vmed -Vmed ] (12.5) e se Vi -Vmin Vi < Vmed ⇒ Ie= 2(Vmed -Vmin) em que: Vi é o volume medido do período analisado Vmed é o volume médio para o período histórico Vmax é o volume máximo Vmin é o volume mínimo Para os estudos de casos mencionados do IE, foram utilizados apenas os valores referentes a dezembro de cada ano da série de volume em análise. Devido à qualidade observada dos dados e Secas no Brasil: política e gestão proativas 221 o curto período de dados disponíveis da série de acumulação de água, também foram empregados dados simulados por um modelo de operação de reservatório, proposto por CID et al. (2014). Na utilização dos dados de volume simulados pelo modelo de operação de reservatório, o IE foi renomeado para índice sintético (IS). Complementarmente, o IE (assim como o IS) pode ser calculado alterando-se o volume médio pelo volume mediano, objetivando reduzir o efeito do dimensionamento do reservatório. Os valores de IE e IS são classificados conforme a Tabela 20. Tabela 20 – Categorização dos Índices de IE, IS e Nível Meta IE e IS Níveis Meta Estado > 0,5 S0 Pré-alerta I 0,50 a 0,31 S1 Pré-alerta II 0,30 a 0,16 S2 Alerta 0,15 a 0,076 S3 Emergência I < 0,075 S4 Emergência II Fonte: ESTRELA, T. et al., Droughts and the European water framework directive: Implications on Spanish river basin districts, in: Drought Management and Planning for Water Resources. ANDREU, J. et al. (ed.), CRC Press, Taylor & Francis Group, Boca Raton, FL, 2006, Chapter 6, pp. 169–191; CID, D.A.C. et al., Uso de simulação para definição de níveis metas de operação para o reservatório Jucazinho/PE, in: XII Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, 2014. Os níveis meta dos reservatórios (descritos na Seção 12.2.3) podem servir como índices de seca. Neste caso, cada zona do reservatório (região do reservatório entre dois níveis meta) é associada a um estágio de seca. 12.2.2.4. Avaliação de desempenho Critérios de avaliação da capacidade de os índices identificarem a ocorrência de uma dada seca são desejáveis. Dois tipos usuais de falha dos índices são: (1) a seca ocorre, mas o índice não a detecta (probabilidade de detecção [POD] da seca); (2) a seca não ocorre, mas o índice mostra uma seca (falso alarme da seca). 222 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Em sistemas de recursos hídricos superficiais com reservatórios, os níveis desses seriam, teoricamente, os melhores indicadores para as secas. No entanto, há um inconveniente nos indicadores baseados nos volumes estocados devido à possibilidade de falha humana em sua operação. Diante disso, criou-se neste estudo um Índice Sintético para o reservatório, representando sua operação ideal. Este indicador foi considerado para avaliar a capacidade dos demais índices (SPI, SPEI e SRI) de prever o estado da seca. Para a avaliação dos possíveis erros ocorridos em cada estado de severidade da seca, o IS de volume foi convencionado como índice de referência e os índices SPI, SPEI e SRI na escala temporal de 12, 24 e 36 meses foram avaliados em sua capacidade de prever a seca observada no reservatório. Para fazer essa avaliação, utilizou-se o método de análise de contingência como ferramenta matemática de comparação, e a partir disso inferiu-se a POD dos eventos, que é a razão do número de eventos corretamente previstos pelo número total de eventos, e a razão de falso alarme (FAR), proporção das previsões de ocorrência de eventos que, na verdade, não se materializaram, representados pelas Equações 12.6 e 12.7, respectivamente (SCHAEFER, 1990). POD=a/(a+c) (12.6) FAR=b/(a+b) (12.7) Sendo a quando o modelo previu o evento e este ocorreu, b quando o modelo previu o evento e este não ocorreu, c quando o modelo não previu o evento e este ocorreu e d quando o modelo não previu o evento e este não ocorreu. A Tabela 21 apresenta uma síntese do método de análise de contingência. Para o desenvolvimento dessa análise quantitativa dos índices de seca, nos estudos de casos citados as contingências foram agrupadas comparando-se os estados de seca do IS e dos Níveis Meta com as classificações de severidade do SPI, SPEI e do SRI para as escalas de tempo de 12, 24 e 36 meses. Esse agrupamento de categorias foi feito conforme Tabela 22. Secas no Brasil: política e gestão proativas 223 Tabela 21 – Síntese do Método de Análise de Contingência, com Indicativo dos Cálculos de POD e FAR Observação Sim Não FAR Sim A B Previsão Não C D b / (a + b) POD a / (a + c) Fonte: AMANAJÁS, J.C.Uso do método de contingência para análise da eficácia de previsão da precipitação pluviométrica do modelo ETA para o município de Macapá-AP em 2007. Monografia, Universidade Federal do Amapá, Macapá, Brasil, 2008. Tabela 22 – Relação entre os Agrupamentos de Estado e Grau de Severidade da Seca Grau de Severidade da Seca Estado de Seca Úmido e S0 S1 e S2 S3 e S4 Normal x Alerta x Emergência x Fonte: Elaboração própria. 12.2.3.  Exemplo de aplicação Esses índices e a avaliação de desempenho serão apresentados na forma de um estudo de caso sobre o sistema hídrico Jucazinho, inserido na bacia hidrográfica do Rio Capibaribe, localizada no estado de Pernambuco. Na Tabela 23 é possível visualizar o cálculo da série temporal anual dos diferentes índices obtida para o mês de dezembro de cada ano. Observa-se que os índices SPI e SPEI apresentaram problemas de 224 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos detecção das secas nos anos de 1991, 1992 e 1993. O mesmo ocorreu com o SRI em 1971 e 1972. Houve falso alarme no sistema de estocagem em 1981 e 1982. Este fato está associado à regularização plurianual do reservatório. Este reservatório tem tempo de residência (razão entre o volume máximo e a vazão média anual) de três anos. Caso o reservatório fosse de caráter intra-anual, possivelmente estas falhas na detecção das secas poderiam ser menores. As Tabelas 24 e 25 apresentam os valores calculados de FAR e POD, considerando-se uma comparação do IS e dos Níveis Meta com os índices SPI, SPEI e SRI, respectivamente, nas três escalas de tempo em estudo para o complexo hídrico Jucazinho. Em geral, os valores calculados de POD mostram baixo poder de detecção dos estados de Alerta e Emergência pelo SPI, SPEI e SRI em todas as escalas de tempo citadas em relação aos índices de referência (IS e Nível Meta). Desses, destacam-se o SRI12 e o SPI24, com POD de apenas 0,11 para o estado de emergência, na Tabela 24, e o SPI36 e SRI36, com POD de 0,06 para o estado de alerta na Tabela 25. Nos valores de FAR, pode-se notar maior tendência de superestimação do estado de alerta da seca dos índices SPI, SPEI e SRI de maneira geral. Com isso, tem-se que os índices de seca SPI, SPEI e o SRI não são bons indicadores do estado de seca quando se referem ao estoque hídrico. 12.3. Plano de preparação para a seca em bacia 12.3.1.  Contexto As secas e as mudanças climáticas vêm impondo forte estresse ao meio ambiente, economia e sociedade, os quais são potencializados pela interconexão entre eles. Consequentemente, para uma segurança hídrica sustentável, a sociedade precisa desenvolver e fortalecer sua capacidade adaptativa (THOMAS et al., 2013). A gestão de recursos hídricos está intimamente relacionada à gestão de secas, uma vez que a primeira preconiza que devem ser adotadas medidas que busquem o uso sustentável adaptado às condições climáticas da bacia, por exemplo. Ressalta-se também que a unidade de planejamento para o modelo brasileiro de gestão de recursos hídricos é bacia hidrográfica (Lei das Águas do Brasil, 1997) e esta escala deve ser adotada também para a gestão de secas. Neste sentido, apresenta- Secas no Brasil: política e gestão proativas 225 se a experiência da bacia hidrográfica do rio Piranhas-Açu que foi objeto de elaboração de um Protocolo de Seca31 na perspectiva de construir um instrumento de planejamento para uma melhor convivência com a seca com foco na preparação e não apenas nas respostas quando se está em período de seca. A bacia hidrográfica do Rio Piranhas-Açu está localizada no semiárido do Nordeste do Brasil (Figura 25), possui uma área total de drenagem de 43.681,50 Km2, correspondendo a 60% da área no Estado da Paraíba e a 40% da área no Estado do Rio Grande do Norte. Portanto, suas águas têm dominialidade estadual e Federal32. Contempla 147 municípios e conta com uma população total estimada em 1.398.820 habitantes. Tabela 23 – Valores Ano a Ano dos Índices SPI, SPEI, SRI, IE, IS e Níveis Meta para as Escalas de Tempo de 12, 24 e 36 Meses Relacionados aos Primeiros três Índices, e Classificação de Estado de Seca, em que Amarelo, Laranja, Vermelho e Vermelho Escuro representam os Estados de Pré-Alerta, Alerta, Emergência I e Emergência II, respectivamente Seca Meteorológica Seca Hidrológica Ano Precipitação (P) Balanço (P-ETP) Vazão Afluente (Q) Volume (V) Níveis SPI-12 SPI-24 SPI-36 SPEI-12 SPEI-24 SPEI-36 SRI-12 SRI-24 SRI-36 IEmediana IEmedia ISmediana ISmedia Meta 1962 -0,68 - - -0,96 - - 1,09 - - - - 0,57 0,58 0 1963 -0,89 -1,20 - -1,07 -1,33 - -0,94 0,35 - - - 0,23 0,24 1 1964 2,49 1,39 0,82 2,14 1,06 0,19 0,65 -0,15 0,51 - - 0,36 0,37 1 1965 0,15 1,76 1,08 0,28 1,65 0,62 0,09 0,33 -0,40 - - 0,22 0,22 1 1966 1,42 0,88 2,31 1,40 0,79 2,33 1,37 1,03 1,15 - - 0,66 0,67 0 1967 0,09 1,02 0,74 0,41 1,30 0,83 0,11 1,04 0,82 - - 0,57 0,58 0 1968 -0,30 -0,24 0,66 0,07 0,18 1,05 -0,99 -0,78 0,44 - - 0,22 0,23 1 1969 1,49 0,84 0,71 1,29 0,94 0,95 0,92 0,15 -0,10 - - 0,50 0,51 1 1970 0,42 1,28 0,90 0,32 1,13 0,89 0,20 0,65 -0,03 - - 0,40 0,41 2 1971 -0,84 -0,33 0,64 -0,85 -0,51 0,31 -0,11 -0,21 0,29 - - 0,19 0,19 2 1972 0,05 -0,63 -0,35 0,42 -0,44 -0,28 -0,22 -0,55 -0,67 - - 0,00 0,00 3 31  Para a Bacia do Rio Piranhas-Açu optou-se por denominar de Protocolo de Preparação para a Seca, afim de evitar conflito com o Plano da Bacia. O Protocolo foi incorporado ao programa de ações do Plano da Bacia. 32  A Constituição brasileira faz distinção entre a água controlada pelo Governo federal, em rios que atravessam fronteiras estaduais, e a água controlada pelo estado, e por rios e águas subterrâneas que permanecem completamente dentro das fronteiras do estado. 226 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Seca Meteorológica Seca Hidrológica Ano Precipitação (P) Balanço (P-ETP) Vazão Afluente (Q) Volume (V) Níveis SPI-12 SPI-24 SPI-36 SPEI-12 SPEI-24 SPEI-36 SRI-12 SRI-24 SRI-36 IEmediana IEmedia ISmediana ISmedia Meta 1973 0,22 0,09 -0,49 0,02 0,16 -0,44 -0,46 -0,83 -1,19 - - 0,00 0,00 4 1974 1,39 1,08 0,90 1,31 0,93 0,96 1,17 0,58 0,17 - - 0,55 0,55 1 1975 0,28 1,11 1,03 0,01 0,92 0,69 1,18 1,54 1,17 - - 0,77 0,77 1 1976 -1,12 -0,62 0,35 -1,06 -0,83 0,00 -1,61 0,36 0,97 - - 0,50 0,51 0 1977 2,01 0,86 0,83 1,85 0,69 0,48 1,74 1,02 1,55 - - 0,96 0,96 0 1978 1,32 2,26 1,48 1,25 2,44 1,36 0,71 1,72 1,19 - - 1,00 1,00 0 1979 -0,85 0,39 1,59 -0,60 0,41 1,67 -1,63 -0,22 1,19 - - 0,72 0,73 0 1980 -0,99 -1,40 -0,28 -0,80 -1,00 -0,23 -0,56 -1,84 0,89 - - 0,53 0,54 0 1981 -1,63 -1,93 -2,28 -1,18 -1,30 -1,37 1,34 0,74 -0,03 - - 0,80 0,81 1982 -0,47 -1,52 -2,02 -0,45 -1,13 -1,31 -0,24 0,85 0,33 - - 0,65 0,65 1983 0,90 -1,05 -1,96 -0,91 -0,98 -1,35 -1,71 -1,44 0,10 - - 0,29 0,30 2 1984 0,97 0,07 -0,30 0,99 -0,06 -0,38 0,63 -0,33 - 0,81 - - 0,40 0,41 2 1985 1,11 1,36 0,69 1,08 1,46 0,56 1,49 1,44 0,84 - - 0,79 0,79 0 1986 -0,04 0,70 1,11 0,33 0,94 1,36 0,80 1,54 1,66 - - 0,87 0,87 0 1987 0,08 -0,07 0,57 0,54 0,48 1,04 -0,61 0,13 1,13 - - 0,66 0,66 0 1988 0,08 0,01 -0,11 0,58 0,67 0,67 0,44 -0,26 0,13 - - 0,64 0,65 0 1989 0,08 0,01 -0,03 0,54 0,67 0,82 0,76 0,66 0,09 - - 0,72 0,72 0 1990 0,08 0,01 -0,03 0,54 0,65 0,82 -0,37 0,19 0,18 - - 0,55 0,55 0 1991 0,08 0,01 -0,03 0,54 0,65 0,79 -0,79 -1,20 -0,52 - - 0,21 0,22 2 1992 0,08 0,01 -0,03 0,58 0,67 0,82 -0,87 -1,66 -2,13 - - 0,00 0,00 4 1993 -0,73 -0,53 -0,50 -0,28 0,06 0,29 -1,71 -2,33 -3,10 - - 0,00 0,00 4 1994 0,80 0,04 -0,01 0,74 0,19 0,42 1,19 0,35 -0,35 - - 0,57 0,58 3 1995 -0,53 0,16 -0,37 -0,63 -0,06 -0,29 0,18 0,89 0,16 - - 0,51 0,51 2 1996 -0,59 -0,88 -0,29 -0,64 -0,93 -0,48 0,45 0,22 0,88 - - 0,51 0,51 1 1997 0,04 -0,47 -0,82 0,01 -0,57 -0,84 -0,19 -0,03 -0,21 - - 0,27 0,28 2 1998 -2,52 -1,57 -1,81 -2,50 -1,67 -1,65 -1,21 -1,22 -0,91 - - 0,00 0,00 4 1999 -1,64 -2,99 -2,45 -1,87 -2,31 -2,01 -1,00 -2,16 -2,23 - - 0,00 0,00 4 Secas no Brasil: política e gestão proativas 227 Seca Meteorológica Seca Hidrológica Ano Precipitação (P) Balanço (P-ETP) Vazão Afluente (Q) Volume (V) Níveis SPI-12 SPI-24 SPI-36 SPEI-12 SPEI-24 SPEI-36 SRI-12 SRI-24 SRI-36 IEmediana IEmedia ISmediana ISmedia Meta 2000 1,75 0,38 -0,94 1,54 -0,32 -1,54 0,42 -0,43 -1,40 0,13 0,15 0,24 0,25 4 2001 -0,50 0,95 -0,04 -0,63 0,68 -0,67 0,48 0,42 -0,31 0,11 0,13 0,28 0,29 3 2002 0,00 -0,44 0,76 -0,35 -0,78 0,25 -0,09 0,06 0,06 0,08 0,10 0,09 0,09 3 2003 -0,93 -0,72 -1,03 -1,37 -1,19 -1,30 -1,40 -1,17 -0,84 0,00 0,00 0,00 0,00 4 2004 1,35 0,38 0,24 1,19 -0,24 -0,47 1,23 0,43 0,07 0,89 0,92 0,51 0,51 1 2005 0,35 1,13 0,45 -0,09 -0,73 -0,33 0,84 1,33 0,74 1,00 1,00 0,61 0,62 0 2006 -0,79 -0,36 0,51 -1,22 -0,97 -0,23 -0,36 0,28 0,96 0,68 0,76 0,41 0,42 1 2007 -0,48 -0,99 -0,70 -0,90 -1,37 -1,24 -0,79 -1,18 -0,42 0,42 0,50 0,05 0,05 3 2008 -0,04 -0,46 -0,97 -0,32 -0,92 -1,32 - - - 0,93 0,95 0,00 0,00 - 2009 -0,60 -0,54 -0,85 -1,11 -1,04 -1,28 - - - 0,94 0,95 - - - 2010 0,38 -0,21 -0,30 -0,29 -1,02 -1,05 - - - 0,94 0,96 - - - 2011 1,17 1,01 0,50 0,85 0,27 -0,50 - - - 0,95 0,96 - - - 2012 -1,37 -0,01 0,14 - - - - - - 0,33 0,39 - - - 228 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Tabela 24 – Valores de FAR e POD resultantes da comparação entre o IS e o SPI, SPEI e o SRI nas escalas de tempo de 12, 24 e 36 meses para o Complexo Hídrico Jucazinho. SPI12 SPI24 SPI36 FAR POD FAR POD FAR POD Normal 0,47 0,83 0,50 0,82 0,44 0,91 Alerta 0,57 0,21 0,71 0,14 0,33 0,15 Emergência 0,33 0,22 0,50 0,11 0,60 0,22 Índice Sintético (mediana) SPEI12 SPEI24 SPEI36 FAR POD FAR POD FAR POD Normal 0,43 0,87 0,48 0,77 0,43 0,91 Alerta 0,56 0,29 0,70 0,21 0,57 0,23 Emergência 0,00 0,22 0,00 0,22 0,00 0,22 SRI12 SRI24 SRI36 FAR POD FAR POD FAR POD Normal 0,42 0,91 0,40 0,95 0,40 0,95 Alerta 0,67 0,14 0,67 0,14 0,67 0,15 Emergência 0,75 0,11 0,25 0,33 0,00 0,33 Fonte: Elaboração Própria Secas no Brasil: política e gestão proativas 229 Tabela 25 – Valores de FAR e POD, resultante da comparação entre os Níveis Meta e o SPI, SPEI e o SRI nas escalas de tempo de 12, 24 e 36 meses para o Complexo Hídrico Jucazinho. SPI12 SPI24 SPI36 FAR POD FAR POD FAR POD Normal 0,64 0,76 0,64 0,81 0,61 0,88 Alerta 0,57 0,18 0,57 0,18 0,67 0,06 Emergência 0,33 0,17 0,50 0,08 0,60 0,17 SPEI12 SPEI24 SPEI36 FAR POD FAR POD FAR POD Níveis Meta Normal 0,60 0,82 0,64 0,75 0,60 0,88 Alerta 0,56 0,24 0,60 0,24 0,71 0,13 Emergência 0,00 0,17 0,00 0,17 0,00 0,17 SRI12 SRI24 SRI36 FAR POD FAR POD FAR POD Normal 0,58 0,88 0,57 0,94 0,57 0,94 Alerta 0,67 0,12 0,67 0,12 0,83 0,06 Emergência 0,75 0,08 0,25 0,25 0,00 0,25 Fonte: Elaboração Própria. Plano de Bacia Monitor de secas Hidrográfica (categoria de secas) Alocação de Plano de secas em água Bacia Hidrográfica Plano de secas Outorga + Operação urbano, rural, hidrossistemas hidrossistemas... Figura 24  –  Relação entre o Plano de Bacia e o Protocolo de Preparação para a Seca da Bacia do Rio Piranhas-Açu 230 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos 38º0’0’’W 37º0’0’’W 5º0’0’’S 5º0’0’’S Bacias Difusas CE do Baixo Piranhas RN Pataxó Paraú Médio RN Piranhas Potiguar 6º0’0’’S 6º0’0’’S Médio Pinhanhas Paraibano Potiguar Médio Pinhanhas Seridó Peixe Paraibano Alto Piranhas 7º0’0’’S 7º0’0’’S Espinharas PB Piancó Legenda Postos Pluviométricos 8º0’0’’S 8º0’0’’S PE UPHs Estados 38º0’0’’W 37º0’0’’W Figura 25  –  Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu Entre suas características principais estão os rios intermitentes, a alta variabilidade espacial e temporal da precipitação, chuvas concentradas em poucos meses, em geral entre fevereiro e maio, período onde também ocorre o escoamento superficial e secas recorrentes. A principal forma de armazenamento de água são os reservatórios distribuídos espacialmente na área da bacia (Agência Nacional de Águas, 2014). Para a elaboração do Protocolo de Preparação para a Seca na Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu, adotou-se uma abordagem focada na questão hídrica e ancorada nos pilares propostos por WILHITE et al., (2005). Neste sentido, a Figura 26 apresenta o fluxograma das atividades desenvolvidas. As seções a seguir apresentam o detalhamento do monitoramento (indicadores adotados), análise de vulnerabilidade e ações propostas que compõem o Protocolo de Preparação para a Seca na Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu. Secas no Brasil: política e gestão proativas 231 Avaliação de Ações de Articulação preparação/ impacto e institucional mitigação vulnerabilidade Caracterização da Categorias de Protocolo de bacia Severidade da seca secas Monitoramento Cálculo dos indicadores Figura 26  –  Atividades de Elaboração do Plano de Preparação para a Seca da Bacia do Rio Piranhas-Açu 12.3.2.  Indicadores e Monitor de Secas da Bacia O Protocolo de Secas na Bacia do rio Piranhas-Açu considerou, em seu escopo, um monitoramento com base em indicadores que fossem capazes de definir as categorias de seca na bacia e disparar os gatilhos e ações necessários para preparar, adaptar e mitigar a bacia frente os efeitos da seca. Para isso, faz- se importante que os indicadores sejam facilmente interpretados e representativos das características da região, inclusive das diferentes Unidades de Planejamento Hidrológico (UPHs) da bacia. Os indicadores para o monitor de secas da bacia foram selecionados com foco em uma perspectiva regional (Monitor de Secas do Nordeste [MSN] e Índice de Precipitação Normalizado – SPI) e em outra local (Índice de Vazão Normalizado – SRI e Índice de Estado – IE). 12.3.2.1. Monitor de Secas do Nordeste As informações e conhecimento técnico sobre as secas que ocorreram no Nordeste do Brasil, até então, estiveram dispersas em diferentes órgãos e instituições governamentais. A necessidade do entendimento sobre as secas - aí incluídas a severidade, a evolução espacial e temporal, além dos impactos – resultou na construção de um Monitor de Secas do Nordeste (MSN). Descrito em mais detalhes nos Capítulos 4 e 11, o Monitor se constitui de um processo de acompanhamento regular das secas na região . Todo mês, o processo do Monitor produz um mapa que reflete a seca física ou 232 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos natural - com base em dados agrícolas, meteorológicos e hidrológicos - e retrata sua severidade de acordo com cinco fases ou categorias de seca (S0 a S4). 12.3.2.2. Índice de Precipitação Normalizado O SPI foi calculado com os dados da precipitação média em cada UPH nas escalas de tempo de 12, 18, 24 e 36 meses. Essas escalas permitem que o gestor avalie a evolução da seca ao longo do tempo, bem como seus impactos nos recursos hídricos. A determinação da categoria de seca na bacia foi feita com base nos SPIs calculados seguindo os critérios reproduzidos na Tabela 26. Tabela 26 – Categorias de Secas, Classificação e Respectivos Limiares para SPI e SRI Categorias de Seca Gatilho – SPI e SRI S0 Seca fraca -0,5 a -0,79 S1 Seca moderada -0,8 a -1,29 S2 Seca grave -1,3 a -1,59 S3 Seca extrema -1,6 a -1,99 S4 Seca excepcional ≤-2,0 Fonte: SVOBODA, M. et al., The drought monitor, Bull. Am. Meteorol. Soc., 83(8), 1181, 2002. No semiárido do Nordeste do Brasil, o regime pluviométrico, concentrado em quatro meses do ano, influencia diretamente o escoamento superficial nas bacias hidrográficas e, consequentemente, o aporte de água dos reservatórios. Assim, os SPIs de longo prazo são indicativos do comportamento hídrico dos sistemas, em especial dos pequenos reservatórios distribuídos na bacia hidrográfica. Também refletem as ocorrências e a intensidade com que os eventos ocorreram ao longo do tempo. O SPI foi calculado com base em uma série de dados entre janeiro/1962 e junho/2014. Ressalta-se que a seca registrada entre os anos de 2012 e 2014 foi a de maior intensidade no período analisado na maioria das UPHs. De forma geral, secas mais severas (categorias S3 e S4) ocorreram entre os anos de 1980 a 1983, 1993 e 1994, 1998 e 1999 e 2012 a 2014 e impactam todas as UPHs, mesmo que com alguma pequena defasagem de tempo e com intensidades diferentes. Outras secas de menor intensidade também ocorreram em outros períodos de tempo. O Gráfico 4 exemplifica esta situação apresentando a distribuição temporal do SPI para a UPH do Seridó. Secas no Brasil: política e gestão proativas 233 A Tabela 27 apresenta os SPIs de 12, 18, 24 e 36 meses calculados para as UPHs do Peixe e do Seridó entre junho/2012 e maio/2013 e volumes armazenados nos reservatórios Lagoa do Arroz e Itans. As categorias de secas mais graves estão coerentes com o decaimento dos volumes de água nos reservatórios, tendo o SPI refletido corretamente a criticidade das secas. 3 2 1 0 out-12 out-91 out-98 out-05 out-84 jun-10 out-70 out-77 jun-89 jun-96 jun-03 jun-75 jun-82 jun-68 abr-02 abr-09 abr-95 dez-99 dez-06 dez-13 abr-81 abr-88 dez-92 abr-67 abr-74 dez-78 dez-85 dez-64 ago-04 ago-11 dez-71 ago-90 ago-97 ago-69 ago-76 ago-83 fev-94 fev-01 fev-08 fev-80 fev-87 fev-66 fev-73 SPI -1 -2 -3 -4 SPI 12 SPI 18 SPI 24 SPI 36 S0 S1 S2 S3 S4 SPIs Relativos a UPH do Seridó Gráfico 4 –  Em geral, o SPI de 12 meses (SPI12) foi o primeiro que indicou uma categoria de seca mais severa. No entanto, em algumas UPHs, a mudança de categoria mais crítica para uma menos crítica ocorreu (avaliando os SPIs em todas as escalas de tempo) sem a plena recuperação dos volumes armazenados nos reservatórios. Nesses casos, as chuvas que ocorreram na região no período não foram suficientes para haver recarga nos reservatórios, mas contribuíram de tal forma que a categoria de seca se tornasse menos severa. Esse aspecto reforça a importância de se avaliar mais de um indicador na determinação da categoria de seca na bacia. 234 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Tabela 27 – SPIs das UPHs Peixe e Seridó e Volume Percentual dos Reservatórios Lagoa do Arroz e Itans UPH Peixe UPH Seridó Arroz Volume (%) Ano Aç. Lagoa do Volume (%) SPI 12 SPI 18 SPI 24 SPI 36 SPI 12 SPI 18 SPI 24 SPI 36 Categoria Categoria Aç. Itans Jun/12 -0,92 -0,36 -0,25 -0,61 S0 49,48 -1,96 -0,42 -0,24 -0,38 S3 53,50 Jul/12 -1,04 -0,96 -0,24 -0,7 S1 46,52 -2,24 -0,63 -0,24 -0,49 S4 50,58 Ago/12 -1,04 -1,36 -0,24 -0,76 S1 41,49 -2,26 -0,75 -0,24 -0,57 S4 47,49 Set/12 -1,04 -0,97 -0,24 -0,76 S1 37,06 -2,25 -0,77 -0,24 -0,58 S4 44,88 Out/12 -1,57 -1,07 -0,4 -0,78 S2 31,02 -2,31 -1,33 -0,52 -0,58 S4 41,92 Nov/12 -1,74 -1,11 -0,39 -0,77 S3 27,80 -2,36 -2,1 -0,52 -0,58 S4 37,42 Dez/12 -1,72 -1,21 -0,58 -0,93 S3 24,73 -2,31 -2,12 -0,62 -0,66 S4 33,83 Jan/13 -2 -1,68 -1,38 -1,08 S4 21,92 -2,69 -2,58 -0,92 -0,87 S4 -99,00 Fev/13 -1,99 -1,6 -1,78 -0,94 S3 20,14 -3,38 -2,84 -1,31 -1,01 S4 28,18 Mar/13 -1,98 -1,83 -1,59 -0,81 S3 20,39 -3,19 -3,1 -1,63 -1,04 S4 26,92 Abr/13 -1,96 -2,02 -1,61 -1,06 S3 19,60 -2,67 -3,12 -2,35 -1,11 S4 25,28 Mai/13 -1,52 -1,98 -1,52 -0,85 S3 19,20 -2,34 -3,14 -2,95 -1,12 S4 23,77 Nota: -99,00 indica dado faltoso. 12.3.2.3 Índice de Vazão Normalizado O SRI foi calculado com base nas vazões sintéticas afluentes incrementais33 aos 52 reservatórios estratégicos34 da bacia, na escala de tempo de 6 meses. O SRI segue o mesmo procedimento de cálculo e gatilhos que o SPI (ver Tabela 28). 33  As vazões foram calculadas com o modelo hidrológico concentrado SMAP. 34  Estabelecidos no Plano da Bacia (Agência Nacional de Águas, 2014). Secas no Brasil: política e gestão proativas 235 2.00 1.00 0.00 SRI 6 - Junho 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1998 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 -1.00 -2.00 -3.00 -4.00 Carneiro Engenheiro Arcoverde Riacho dos cavalos S0 S1 S2 S3 S4 SRI-6 no Mês de Junho para a UPH de Médio Piranhas Paraibano entre os Anos de Gráfico 5 –  1990 e 2014 De forma geral, o SRI indicou os períodos de seca na bacia como um todo. As secas mais intensas influenciaram as vazões afluentes da maioria dos reservatórios, como nos anos de 1970, 1982, 1983, 1993, 1998, 1999, 2012 e 2013. Em outros anos de seca, esse efeito não foi tão uniforme na mesma UPH e o SRI indicou áreas sem categoria de seca ou com categorias diferentes, como pode ser observado no Gráfico 5, para os anos de 1991 e 1997 na UPH do Médio Piranhas Paraibano (reservatórios Carneiro, Engenheiro Arcoverde e Riacho dos Cavalos). Assim, as vazões afluentes aos reservatórios podem induzir a diferentes categorias de seca numa mesma UPH. 12.3.2.4. Índice de Estado O Índice de Estado (IE) está diretamente relacionado aos volumes históricos e atual do reservatório e deveria ter sido calculado para os 52 reservatórios estratégicos da bacia. No entanto, observou-se um problema na qualidade das séries históricas de volumes armazenados nos reservatórios e optou- se por calcular o IE para os reservatórios que atendessem as seguintes condições: no máximo 30% de falhas mensais; e no mínimo 15 anos de série histórica. À medida que o monitoramento dos reservatórios melhore e aumente a extensão e qualidade das séries, mais reservatórios poderão ser considerados no Monitor de Secas da bacia. Os limites deste índice foram adaptados das categorias de seca do Plano de Preparação para a Seca da Bacia do Jucazinho (PES, 2007) para o presente caso, pois com esses limiares as categorias mais severas eram disparadas tardiamente, com o reservatório praticamente seco. Neste sentido, realizou-se um processo de calibração dos dados e foram adotados novos limiares conforme listados na Tabela 28. 236 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Tabela 28 – Categorias de Secas, classificação e os respectivos limiares para IE para a Bacia do Rio Piranhas-Açu Categorias de Seca Gatilho – IE S0 Seca fraca >0,6 S1 Seca moderada 0,4 a 0,6 S2 Seca grave 0,3 a 0,4 S3 Seca extrema 0,15 a 0,3 S4 Seca excepcional < 0,15 Fonte: ESTRELA, T. et al., Droughts and the European water framework directive: Implications on Spanish river basin districts, in: Drought Management and Planning for Water Resources. ANDREU, J. et al. (ed.), CRC Press, Taylor & Francis Group, Boca Raton, FL, 2006, Chapter 6, pp. 169–191. O Gráfico 6 apresenta a distribuição temporal do IE para o sistema de reservatórios Coremas-Mãe d’Água na UPH de Piancó. As secas mais intensas ocorreram entre os anos de 1998-1999 e 2012-2014, sendo esta última a mais severa no histórico de volumes armazenados no reservatório para o período estudado. A seca é um processo que se instala lentamente e observa-se um escalonamento natural na mudança de uma categoria menos severa para uma mais severa. No entanto, na situação inversa isso nem sempre ocorre. Na análise dos IE calculados para a bacia, identificaram-se reservatórios que receberam aportes elevados de água em um período curto de tempo e apresentaram um “salto” de categoria com a mudança – como, por exemplo, passando diretamente de S2 para S0. 1,00 0,90 0,80 0,70 0,60 0,50 SI 0,40 0,30 0,20 0,10 0,00 jnov/05 out/01 out/08 jun/99 jun/06 jun/13 nov/98 mai/95 jul/96 jul/03 mai/09 mar/01 mar/08 jan/07 nov/12 dez/95 abr/98 abr/05 dez/09 mai/02 ago/07 abr/12 set/97 set/11 jul/10 out/94 fev/97 fev/11 jan/00 jan/14 mar/94 ago/00 dez/02 fev/04 set/04 IE S0 S1 S2 S3 S4 Índice de Estado (IE) para o reservatório de Coremas-Mãe d’Água, UPH de Piancó Gráfico 6 –  Secas no Brasil: política e gestão proativas 237 12.3.2.5. Monitor de Secas da Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu O Monitor de Secas da Bahia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu (MSBH-PA) se propôs a suprir a necessidade de um monitoramento em escala suficiente para definir as categorias de seca na bacia e disparar os gatilhos e ações necessárias para mitigar os efeitos da seca. Isso foi necessário porque a área que abrange o MSN é da ordem de 1.554.291,74 km2, diferente dos 43.676,47 km² da área da bacia de Piranhas-Açu (PA), subdividida em UPHs, onde ocorrem os processos hidrológicos importantes para definição da severidade da seca, como o escoamento superficial e o armazenamento de água nos reservatórios. Assim como no MSN, o monitoramento na bacia de PA é contínuo, com atualizações mensais e as informações divulgadas no 15º dia de cada mês, com relação aos dados calculados no mês anterior. Após o cálculo dos indicadores e definição das categorias, existe uma visualização conjunta dos indicadores através de Tabela (exemplificada pela Tabela 29 , apenas com dois reservatórios em cada UPH) e de uma nota técnica que resume as análises feitas das informações apresentadas, ou seja, da severidade, evolução e impactos da seca na bacia. Ressalta-se que a incorporação de novos indicadores pode e deve ser feita, mas sempre em consonância com o MSN. Tabela 29 – Monitor de Secas da Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu: Junho/14 Indicadores/Categorias UPH Regional (por UPH) Local MSN* SPI Reservatórios SRI IE Bacias Difusas do Boqueirão de Sem seca relativa ** S1 S4 Baixo Piranhas Angicos Pataxó S0 S2 Pataxós Sem seca relativa ** Mendubim Sem seca relativa ** Paraú S1 S0 Beldroega Sem seca relativa ** Médio Piranhas Armando Ribeiro S0 S4 Sem seca relativa S1 Potiguar Gonçalves Boqueirão de Sem seca relativa ** Seridó S0 S3 Parelhas Itans Sem seca relativa ** Médio Piranhas Baião S4 ** Paraibano/ S0 S0 Potiguar Tapera Sem seca relativa ** 238 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Indicadores/Categorias UPH Regional (por UPH) Local MSN* SPI Reservatórios SRI IE Médio Piranhas Carneiro Sem seca relativa ** S0 S0 Paraibano Engº Arcoverde Sem seca relativa S4 Farinha Sem seca relativa S2 Espinharas S0 S0 Jatobá I Sem seca relativa S2 Lagoa do Arroz Sem seca relativa S3 Peixe S2 S0 Capivara Sem seca relativa ** Engº Ávidos S4 S4 Alto Piranhas S1 S1 São Gonçalo S0 S3 Coremas-Mãe Sem seca relativa S4 Piancó S1 S3 d'Água Saco Sem seca relativa ** Obs.: * Categoria predominante/ **Reservatórios sem dados suficientes para o cálculo do IE. Desta forma, o MSBH-PA em conjunto com a análise de vulnerabilidade, permite que ações possam ser selecionadas e facilitam o processo de tomada de decisão nas escolhas das ações de preparação e resposta. 12.3.3.  Análise de vulnerabilidade A análise de vulnerabilidade pode contribuir com uma orientação aos tomadores de decisão na adoção de ações de preparação para a seca, uma vez que indica os aspectos e elementos que mais precisam de suporte. É importante para analisar quais áreas da bacia encontram-se mais vulneráveis e assim gerar subsídios teóricos e conceituais para a gestão eficaz destes riscos. Diversos autores já propuseram indicadores e metodologias relacionando a vulnerabilidade e a seca (BHATTACHARYA e DASS ,2007; SALVATI et al, 2009; ANTWI AGYE, 2012). Na elaboração do Protocolo de Seca, optou-se por utilizar a metodologia desenvolvida por Bhattacharya e Dass adaptada por Rosendo (2014) para a região semiárida brasileira, que leva em consideração as especificidades desta região e as políticas nacionais de convivência com a seca. A vulnerabilidade foi expressa através da relação (1 = média aritmética) dos indicadores exposição, sensibilidade e capacidade adaptativa (Figura 27). Secas no Brasil: política e gestão proativas 239 Vulnerabilidade Exposição Sensibilidade Capacidade Adaptativa Características do stress Características (seca) Capacidade Humana Socioeconômicas Características População exposta Tecnológicas Governabilidade Características das Exposição da Atividade atividades Meios de vida Figura 27  –  Indicadores de Vulnerabilidade à Seca A Tabela 30 apresenta os resultados da vulnerabilidade à seca da bacia de PA por UPH. É importante ressaltar que o valor obtido próximo a 1 nos indicadores de Exposição e Sensibilidade indica que as áreas estão mais expostas e/ou mais sensíveis ao evento da seca, configurando-se como um fator negativo. Já em relação ao indicador de capacidade adaptativa ocorre o oposto, então é maior a possibilidade de adaptar e sofrer menos danos frente ao evento da seca ou, caso os danos ocorram, serão menos severos. Os resultados da análise indicaram que a UPH Seridó apresentou um dos menores níveis de vulnerabilidade, em função de sua elevada capacidade adaptativa apesar da forte exposição e sensibilidade. Isso reforça a necessidade de preparar as regiões para a seca e não apenas focar em programar ações de resposta. Vale a pena destacar que as áreas a montante da bacia (UPH Piancó; UPH Alto Piranhas) se apresentaram mais vulneráveis e, assim, devem receber maior atenção dos gestores. 240 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Tabela 30 – Indicadores de Exposição, Sensibilidade, Capacidade Adaptativa e Vulnerabilidade para a Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu Capacidade UPH Exposição Sensibilidade Vulnerabilidade Adaptativa Bacias difusas do 0,420 0,387 0,510 0,561 baixo Piranhas Pataxó 0,337 0,459 0,371 0,611 Paraú 0,360 0,456 0,315 0,623 Médio Piranhas 0,386 0,396 0,366 0,617 potiguar Médio Piranhas 0,332 0,507 0,322 0,613 paraibano-potiguar Seridó 0,548 0,463 0,402 0,529 Peixe 0,266 0,514 0,396 0,608 Médio Piranhas 0,319 0,530 0,340 0,604 paraibano Espinharas 0,275 0,435 0,388 0,634 Alto Piranhas 0,242 0,511 0,115 0,711 Piancó 0,303 0,462 0,175 0,687 12.3.4.  Ações A combinação da categoria da seca, avaliação de impactos e vulnerabilidade indica a urgência da preparação e mitigação no setor em cenários de seca e, consequentemente, a necessidade de implementação de ações estratégicas, táticas ou de emergência (Figura 28). Os indicadores do monitoramento da seca na bacia são considerados gatilhos para a definição das categorias de seca e sua consequente severidade na bacia (Tabela 31). Ações de Monitor de Categorias de Análise de preparação e Secas (bacia) secas vulnerabilidade mitigação Figura 28  –  Preparação para secas Secas no Brasil: política e gestão proativas 241 Tabela 31 – Protocolo de Preparação para a Seca na Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu S0 S1 S2 S3 S4 Categoria da seca Seca Fraca Seca Moderada Seca Grave Seca Extrema Seca Excepcional Indicador SPI -0,5 a -0,79 -0,8 a -1,29 -1,3 a -1,59 -1,6 a -1,99 ≤ -2,0 Indicador SRI -0,5 a -0,79 -0,8 a -1,29 -1,3 a -1,59 -1,6 a -1,99 ≤ -2,0 Índice de Estado >0,6 0,4 a 0,6 0,3 a 0,4 0,15 a 0,3 <0,15 Estado Normalidade Pré-alerta Alerta Emergência Emergência Tipo de ação Estratégica Estratégica Tática Emergência Emergência As ações propostas no Protocolo de Preparação para a Seca da Bacia de Piranhas-Açu foram agrupadas em eixos temáticos relacionados à seca. A Tabela 32 apresenta algumas destas ações. É importante que os gestores mantenham uma revisão das ações da categoria subsequente a que está ocorrendo em qualquer ponto do tempo. Contudo, é importante destacar que o Protocolo foi incorporado ao referido Plano como uma ação específica de gestão de recursos hídricos focada na preparação para a seca. O planejamento da preparação para a seca é um processo e não um evento discreto. Após a elaboração e escrita do Protocolo de Preparação para a Seca, deve-se estabelecer um acompanhamento de sua implementação e a revisão das ações propostas para manter o Protocolo atualizado em relação às mudanças tecnológicas, aos aspectos legais, institucionais, políticos e gerenciais, bem como às necessidades (em constante evolução) da bacia. Para a implementação, é fundamental uma articulação institucional na Bacia para uma apropriação pelos atores sociais do Protocolo, estabelecendo um cenário favorável e colaborativo para sua implementação. A revisão do Protocolo deve focar a avaliação de sua efetividade, em especial do monitoramento e das ações e posturas dos respectivos responsáveis, pontos fracos e falhas, cuja periodicidade deve ser estabelecida pelos atores envolvidos. O processo passa por um “amadurecimento” e, com o passar do tempo, os ajustes podem ser mais espaçados. A cada revisão estabelece-se um novo Protocolo. 242 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Tabela 32 – Ações de Gestão de Secas na Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu Ações/descrição Eixo temático S0 – Pré-Alerta I S1 - Pré-Alerta II S2 - Alerta S3 - Emergência S4 - Emergência Informação aos Informação aos Informação Informação Informação usuários de água usuários de água à população à população à população outorgados e outorgados e através da mídia, através da mídia, através da mídia, cadastrados cadastrados destacando a destacando a destacando a da redução da redução categoria de seca categoria de seca categoria de seca da demanda da demanda e estado e estado e estado estabelecida outorgada Diagnóstico do Campanhas Campanhas Informação Informação sistema hídrico educacionais educacionais à população à população Comunicação e atendimento para o uso para o uso através da mídia, através da mídia, às demandas racional da racional da destacando a destacando a - informativo água ajustada a água ajustada a categoria de seca categoria de seca bimestral categoria de seca categoria de seca e estado e estado Diagnóstico do Campanhas Campanhas Dispositivo de Campanhas sistema hídrico educacionais educacionais comunicação educacionais e atendimento para uso racional para uso racional com os usuários para o uso à demanda - da água ajustada da água ajustada de água racional da água informativo a categoria de a categoria de outorgados bimestral seca seca Operação dos Operação dos Operação dos Operação dos Operação dos hidrossistemas hidrossistemas hidrossistemas hidrossistemas hidrossistemas de acordo de acordo de acordo de acordo de acordo com os níveis com os níveis com os níveis com os níveis com os níveis de alerta e de alerta e de alerta e de alerta e de alerta e categorias de categorias de categorias de categorias de categorias de Operação de seca seca seca-diária seca-diária seca-diária sistemas hídricos Avaliação da Operação Operação Operação capacidade de conjunta dos conjunta dos conjunta dos Uso de Sistema suporte dos reservatórios reservatórios reservatórios de Suporte a reservatórios e com uso de com uso de com uso de Decisão da qualidade da SSD e previsão SSD e previsão SSD e previsão água - semestral climática climática climática Secas no Brasil: política e gestão proativas 243 Ações/descrição Eixo temático S0 – Pré-Alerta I S1 - Pré-Alerta II S2 - Alerta S3 - Emergência S4 - Emergência Redução Redução Redução Redução Redução de perdas - de perdas - de perdas - de perdas - de perdas - sistemas de sistemas de sistemas de sistemas de sistemas de abastecimento abastecimento abastecimento abastecimento abastecimento Redução de Redução de Redução de Redução de consumo consumo consumo consumo Ampliação da em x% pelos em x% pelos em y% pelos em y% pelos medição consumidores consumidores consumidores consumidores dos sistemas de dos sistemas de dos sistemas de dos sistemas de abastecimento abastecimento abastecimento abastecimento Uso urbano Redução de (abastecimento e Manobras Manobras consumo pelos Diagnóstico da Avaliação/ajustes industrial) na rede de na rede de consumidores operação do da operação do distribuição/ distribuição/ dos sistemas de sistema sistema racionamento racionamento abastecimento Ampliação dos sistemas de Uso de fontes Uso de fontes abastecimento Avaliação Avaliação alternativas de alternativas de de água e de fontes de fontes abastecimento abastecimento esgotamento alternativas de alternativas de (carro-pipa, (carro-pipa, sanitário em abastecimento abastecimento adutoras de adutoras de função da engate rápido) engate rápido) demanda Nota: Os percentuais x e y devem ser negociados e pactuados na bacia, com y>x. Fonte: Banco Mundial, 2015. 12.4. Plano de Seca em Hidrossistema 12.4.1.  Contexto A caracterização do estado de seca de um hidrossistema é fundamental para o acionamento de medidas que possam combater e mitigar os prejuízos causados pela escassez de água. Deste modo, este trabalho propõe a criação de uma política de operação baseada no zoneamento de reservatórios na qual se definem níveis metas como indicadores do estado de seca. 244 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Esses indicadores funcionam como gatilhos que acionam a vazão disponível para alocação em cada estado de seca, bem como um conjunto de medidas de mitigação da seca de forma a reduzir os impactos gerados pela política de operação com salvaguardas. Estudou-se o hidrossistema Jucazinho, localizado no agreste pernambucano, pois esta região tem a seca como principal evento climático, podendo ser um modelo de referência para todos os locais acometidos por esse tipo de evento. Nesta região, os reservatórios de água são utilizados como transportadores de água no tempo e no espaço, armazenando água em períodos chuvosos e a liberando-a em períodos de estiagens. Assim, o indicador de seca neste estudo de caso baseia-se na disponibilidade dos estoques de água dos reservatórios. Para construí-lo, utilizou-se a metodologia descrita por Cid et al. (2014) para operação do reservatório e construção dos níveis metas. A série de dados históricos, do período de 1932 a 2008, utilizada nas simulações das diferentes regras de operação, está disponível no Plano Hidroambiental da Bacia do Rio Capibaribe (Tomo I Volume 1/3). Os dados de evapotranspiração foram calculados através da equação de Penman-Monteih, usando os dados das Normais Climatológicas de Caruaru (INMET, 1992). 12.4.2.  Operação do Hidrossistema Operar um reservatório significa decidir quanta água deverá ser armazenada ou liberada para determinados fins e usos. Este processo pode ser facilitado com a utilização de sistemas de informações. Essas informações aliadas a modelos matemáticos podem traduzir o comportamento de um reservatório, ou um sistema de reservatórios, associando-os a um determinado risco de operação. Campos (2009) define que modelo pode ser entendido como um conjunto de hipóteses sobre a estrutura ou o comportamento de um sistema físico pelo qual se busca prever ou explicar as propriedades de um sistema. Assim, mesmo não se conhecendo todas as características do sistema, um modelo consegue, com certo grau de confiança, simular o comportamento do sistema submetido a diferentes estímulos/condições. As simulações de reservatórios são, essencialmente, baseadas no modelo do balanço de massa hídrica. Esse modelo reproduz o desempenho hidrológico do reservatório para determinadas regras operacionais. Vários cenários podem ser utilizados para se comparar o comportamento de um reservatório, alterando-se configurações, por exemplo, de vazões afluentes fornecidas e retiradas mensais. Secas no Brasil: política e gestão proativas 245 Foram realizadas três simulações para o reservatório Jucazinho, criando-se cenários com diferentes valores de garantia, níveis metas, retiradas e coeficientes de racionamento. Esses valores foram estabelecidos de forma ad hoc, podendo ser modificados de acordo com as decisões tomadas a partir do planejamento dos recursos hídricos. Entretanto, a adoção desses valores visa a avaliar a metodologia proposta, comparando-a com a operação atual do reservatório. As simulações são apresentadas a seguir: peração Meta 1: Retirada de 2,177m³/s (valor utilizado atualmente na operação do 1) O reservatório), níveis metas iniciais de 0,8*Vmax, 0,6*Vmax, 0,4*Vmax e 0,35*Vmax e coeficientes de racionamento 0,9, 0,8, 0,7 e 0,5 para os níveis metas de 1 a 4; peração Meta 2: Retirada de 2,177m³/s e garantias de 50%, 65%, 80%, 99% e 100% e 2) O coeficientes de racionamento 0,9, 0,8, 0,7 e 0,5 para os níveis metas de 1 a 4. Operação Padrão: Operação sem salvaguardas, visando à retirada da vazão de 2,177m³/s. 3) Cabe ressaltar que, na Operação Meta 1, os volumes iniciais no mês de junho foram definidos para a criação dos níveis metas e o reservatório foi apenas simulado verificando seu comportamento. Este seria um cenário caso houvesse a decisão, dos tomadores de decisão, em fixar um volume mínimo admissível para cada nível no mês de junho. Porém, na Operação Meta 2, as garantias de permanência em cada nível foram estabelecidas, objetivando a construção dos níveis de tal forma a aproximarem-se das garantias propostas. Nesta operação, utilizou-se um algoritmo de otimização para determinar o volume ótimo no mês de junho. Em cada operação, foi analisada a frequência de falhas, a severidade, a vulnerabilidade e a resiliência do sistema, bem como as curvas de permanência para cada uma das operações. A frequência de falhas foi definida, neste trabalho, como o número de vezes em que o reservatório saiu de um estado (nível) para outro abaixo. A severidade denota o déficit de atendimento a uma determinada demanda, podendo ser definida como o volume que faltou para o reservatório atingir a sua meta durante um determinado período de falha. A vulnerabilidade mede a severidade das falhas a que o sistema está sujeito, sendo expressa pelo somatório das severidades. Por fim, a resiliência irá medir o tempo em que um sistema irá se recuperar de uma falha, caso ela venha a ocorrer. Algumas implicações podem advir ao sistema caso ocorram falhas prolongadas com uma recuperação lenta, desejando-se que o sistema retorne a um estado satisfatório o mais rapidamente possível. Hashimoto et al. (1982) definem a resiliência como o inverso do valor esperado do tempo médio (E) em que o sistema permanece em falha (TF), conforme apresentado na Equação 12.8: 246 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos ∑n [ ] 1-α -1 = (1/n) t=1 (1-Zt) -1 1 γ= E[TF] = [ ρ ] (1/n) ∑ n Wt (12.8) t=1 em que: n é o período de tempo da simulação (t = 1,2,3...,n); Zt= 0, se ocorrer falha no tempo ‘t ’; 1, se não ocorrer falha no tempo ‘t ’. Wt= 1, se não ocorrer falha no tempo ‘t ’ e ocorrer falha no tempo ‘t+1’; 0, caso contrário. As simulações resultaram nos níveis metas apresentados nos Gráficos 7 e 8. A Tabela 33 apresenta os valores dos volumes do reservatório no mês de julho para cada simulação, bem como as garantias encontradas. Em seguida, é apresentada a análise de risco de cada operação. 350 Volume Meta 1 Volume Meta 2 300 Volume Meta 3 Volume Meta 4 250 Volume (hm3) 200 150 100 Mês J J A S O N D J F M A M Volumes Metas estabelecidos a partir da utilização da metodologia proposta: (a) Gráfico 7 –  Operação meta 1 (de junho a maio) Secas no Brasil: política e gestão proativas 247 180 Volume Meta 1 160 Volume Meta 2 Volume Meta 3 Volume Meta 4 140 Volume (hm3) 120 100 80 60 J J A S O N D J F M A M Mês Volumes Metas estabelecidos a partir da utilização da metodologia proposta: (b) Gráfico 8 –  Operação meta 2 (de junho a maio) Tabela 33 – Níveis e garantias encontradas para o Reservatório Jucazinho para as Operações Meta 1 e 2 Operação Meta 1 Operação Meta 2 Volume inicial mês de Volume inicial mês de Nível Meta Garantia (%) Garantia (%) junho (hm3) junho (hm3) 1 261,62 11,55 127,56 44,33 2 196,22 31,78 107,93 54,33 3 130,81 64,88 88,29 65,78 4 114,46 73,44 68,66 75,66 As garantias apresentadas representam a porcentagem do tempo em que o reservatório permaneceu acima do nível correspondente. Cabe ressaltar que nas duas simulações o reservatório não atingiu o colapso (volume zero). A Operação Meta 2 apresentou melhores garantias de atendimento, resultando em menores déficits de atendimento. 248 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Histograma - Falhas no Nível Meta 1 250 Estatísticas (meses) Total de falhas: 795 Máximo: 217 200 75%: 43 Mediana: 125 25%: 5 Mínimo: 3 Quantidade de Falhas 150 100 50 0 1 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 Duração de meses Operação Meta 1: Histograma da quantidade de falhas no Nível Meta 1. Neste nível Gráfico 9 –  ocorreram falhas em 796 meses, tendo uma falha de duração máxima de 217 meses e mínima de 3 meses. Histograma - Falhas no Nível Meta 2 14 Estatísticas (meses) Total de falhas: 501 Máximo: 91 12 75%: 17,5 Mediana: 6 25%: 4 10 Mínimo: 2 Quantidade de Falhas 8 6 2 0 -20 0 20 40 60 80 100 Duração de meses Gráfico 10 –  Operação Meta 2: Histograma da quantidade de falhas no Nível Meta 2. Neste nível ocorreram falhas em 501 meses, tendo a máxima duração de falhas de 91 meses e mínima de 2 meses de duração. Secas no Brasil: política e gestão proativas 249 Histograma - Falhas Operação Padrão 4,0 Estatísticas (meses) Total de falhas: 22 3,5 Máximo: 20 75%: 10,75 3,0 Mediana: 5 25%: 3,25 2,5 Mínimo: 1 Quantidade de Falhas 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0 -5 0 5 10 15 20 25 Duração de meses Gráfico 11 –  Operação Padrão. Esta operação apresentou 92 falhas de colapso do reservatório, tendo uma falha que apresentou duração máxima de 20 meses e mínima de um mês. As frequências de falhas resultantes das operações são apresentadas nos gráficos 9 a 11. Optou-se por apresentar apenas as falhas observadas no Nível Meta 1. Estas falhas mostram a quantidade de tempo que o reservatório permaneceu abaixo do nível normal. A Operação Meta 2 apresentou menores falhas nesse nível. As severidades das operações são apresentadas nos Gráficos 12 e 13. A Operação Meta 1 apresentou uma vulnerabilidade de 1.243 hm³, tendo um valor máximo mensal da severidade de 2,82 hm³ e médio de 1,38 hm³. Severidade - Operação Meta 1 - Histograma 300 Estatísticas (hm3) Severidade Total: 12.436.731 250 Máximo: 20.214 Média: 13.619 Mínimo: 0 200 Meses 150 100 50 0 -0,5 0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 2,5 Racionamento (hm3) Gráfico 12 –  Histograma de severidade das operações: (a) Meta 1 250 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Severidade - Operação Meta 2 - Histograma 400 Estatísticas (hm3) Severidade Total: 350 9.338.834 Máximo: 20.214 300 Média: 1,0978 Mínimo: 0 250 200 hm3 150 100 50 0 0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 Racionamento (hm3) Gráfico 13 –  Histograma de severidade das operações: (b) Meta 2 A Operação Meta 2 apresentou vulnerabilidade menor que a operação citada anteriormente, com um déficit de 933 hm³, com máximo mensal da severidade de 2,82 hm3 e média de 1,04 hm³/mês. Por fim, a operação padrão assume uma vulnerabilidade menor entre as três operações, de 475,10 hm³. Seu valor de severidade é igual a 5,64 hm³ (2,177 m3/s), correspondente ao não atendimento da demanda no período em que o reservatório entra em colapso. A média nesta operação apresentou um valor de 0,53 hm³/ mês. O tempo de resiliência das operações é apresentado na Tabela 34. A resiliência irá medir o tempo em que um sistema irá se recuperar de uma falha, caso ela venha a ocorrer. Tabela 34 – O tempo de resiliência das operações Meta 1, Meta 2 e Padrão. Tempo de resiliência (meses) Nível meta Operação Meta 1 Operação Meta 2 Operação Padrão 1 44,2 17,2 - 2 24,56 14,2 - 3 9,3 8,8 - 4 7,96 8,42 - Fundo do reservatório 0 0 7,07 Secas no Brasil: política e gestão proativas 251 A Operação Padrão apresentou o tempo de resiliência, em média, de 7,07 meses para se recuperar do colapso, enquanto nas outras operações o reservatório não atinge este estado. A Operação Meta 2 apresentou tempos de resiliência menores que a Operação Meta 1 para todos os níveis, exceto o nível 4. Analisaram-se, ainda, a acumulação e as retiradas mensais do reservatório. Os Gráficos 14 e 15 apresentam as curvas de permanência para as duas variáveis analisadas. A operação padrão apresentou volume de acumulação menor dentre as três operações, chegando a ter volume zero em aproximadamente 18% do tempo. Curva de Permanência – Acumulação Mensal (hm3) 350 Operação Meta 1 Operação Meta 2 300 Operação Padrão 250 Volume (hm3) 200 150 100 50 0 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 Porcentagem do tempo em que o volume é superado Gráfico 14 –  Curva de permanência do volume acumulado para as três operações Com a Operação Meta 1, consegue-se acumular mais água no reservatório devido ao maior tempo de racionamento em que o reservatório permanece por causa desta regra. As curvas de permanência das retiradas apresentam claramente o racionamento que ocorreu com estas operações. A Operação Meta 1 tem, aproximadamente, 90% do período liberando volumes iguais a 5,64 hm³; entretanto, em 10% do período não consegue atender a demanda solicitada. As Operações Meta 1 e Meta 2 garantem atendimento mínimo de 2,15 hm³ em 25% do tempo; entretanto, a Operação Meta 2 possui retiradas maiores na maioria dos tempos que a Operação Meta 1. 252 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Curva de Permanência – Retirada mensal (hm3) 7 Operação Meta 1 Operação Meta 2 6 Operação Padrão 5 Retirada (hm3) 4 3 2 1 0 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 Porcentagem do tempo em que o retirada é superada Gráfico 15 –  Curvas de permanência das retiradas mensais para as três operações 12.4.3.  Ações A Operação Meta 1 foi escolhida como cenário de operação do reservatório Jucazinho neste plano de seca. A Tabela 36 apresenta os níveis metas para os quatros estados de seca: Seca moderada, Seca severa, Seca extrema e Seca excepcional. A Tabela 35 expõe as metas de respostas definidas pelos planejadores para cada um desses esses estágios. Tabela 35 – Estágios de Seca, Gatilhos E Meta De Resposta Definidos No Plano Gatilhos de Seca Seca 261,6 284,9 296,4 299,0 297,0 289,8 282,0 274,1 266,2 258,5 250,8 243,5 Moderada Seca grave 196,2 219,7 231,5 234,3 232,5 225,7 218,2 210,6 203,0 195,7 188,3 181,2 Seca Extrema 130,8 154,6 166,6 169,7 168,2 161,7 154,6 147,4 140,2 133,2 126,2 119,4 Seca 114,5 138,3 150,3 153,5 152,1 145,8 138,7 131,6 124,5 117,6 110,7 104,0 Excepcional Fonte: Dados da pesquisa. Secas no Brasil: política e gestão proativas 253 Tabela 36 – Estágios de Seca, Gatilhos e Meta de Resposta definidos pelo Grupo de Trabalho Cenários de Seca Estado Gatilhos das Secas Metas de Resposta Seca moderada Abaixo nível Meta Alerta Redução de 10% no consumo Seca grave Abaixo nível Meta Seca Redução de 20% no consumo Seca extrema Abaixo nível Meta Seca grave Redução de 30% no consumo Seca excepcional Abaixo nível Meta Seca Extrema Redução de 50% no consumo Cada um desses estágios está associado a um conjunto de medidas de mitigação seca. Essas medidas foram classificadas em três grupos: operacionais, organizacionais e de acompanhamento. As primeiras têm o intuito de reduzir a demanda hídrica por meio de ações operacionais, como a redução da pressão noturna em redes urbanas. Como medidas organizacionais, podem-se citar: (1) a preparação e aprovação de decretos e resoluções necessárias para a eficácia das ações; (2) avaliação da quantidade dos recursos necessários para a utilização dos planos de abastecimento de água de emergencial e preparação da documentação necessária para solicitações de recursos; e (3) a elaboração de planos de abastecimento de alimentos para as localidades afetadas pela seca. Dentre as medidas de acompanhamento, citam-se: (1) o acompanhamento do volume do reservatório; (2) o acompanhamento de variáveis hidrometeorológicas; e (3) o acompanhamento da demanda hídrica. O conjunto dessas medidas foi incorporado em um sistema de suporte à decisão (SSD). Nesse sistema, com o volume do reservatório, o planejador identifica a vazão de retirada para alocação, o estado de seca e as medidas associadas a esse estado. 254 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Figura 29  –  Sistema de apoio a tomada de decisão 12.5. Plano Urbano de Preparação para a Seca 12.5.1.  Contexto Assim como na bacia hidrográfica e no hidrossistema apresentados nas Seções 12.3 e 12.4, respectivamente, a construção de um plano de seca urbano requer o desenvolvimento de um sistema de monitoramento e alerta precoce, a avaliação de impactos e vulnerabilidades e a elaboração de ações e/ou programas de preparação, mitigação e resposta à seca. Conforme indicado anteriormente, o monitoramento está associado ao uso de índices/indicadores apropriados e ligados a impactos e gatilhos e ao desenvolvimento de um sistema de suporte à decisão. Nesse contexto, a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) é o foco da aplicação de uma metodologia específica atinente à análise de vulnerabilidade (Pressão-Estado-Impacto-Resposta- PEIR). Esta região é composta por diversos municípios, incluindo: Aquiraz, Cascavel, Caucaia, Chorozinho, Eusébio, Fortaleza, Guaiuba, Horizonte, Itaitinga, Maracanaú, Pacatuba, Pacajus, Paracuru, Paraipaba, Pindoretama, São Gonçalo do Amarante, São Luis do Curu e Trairi. Juntos, esses Secas no Brasil: política e gestão proativas 255 municípios totalizam população de 3,7 milhões de habitantes, com mais de 60% dessa população concentrada em Fortaleza. Essa concentração populacional não é estática, ela tem aumentado ao longo dos anos, impulsionada por fatores como a urbanização e a industrialização, elevando a demanda por água que, na atualidade, figura como um bem escasso. Conforme dados da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Ceará (COGERH) do ano de 2015, 87,92% da demanda por água pela RMF é atendida pelo reservatório Castanhão. Esse fato evidencia uma significativa dependência de água drenada de uma região para outra para atender aos usos urbanos. A situação de crise hídrica é refletida no aporte dos reservatórios do Estado, os quais dispunham de apenas de 15,6%35 de volume armazenado em meados de 2015. Esses dados evidenciam a necessidade de elaboração de um plano de seca urbano capaz de antever a situação crítica, pautado no sistema de monitoramento e alerta precoce concebido com lógica proativa. A seguir serão apresentadas as etapas para a construção de um plano com essa finalidade aplicado em Fortaleza. 12.5.2.  Monitoramento e alerta precoce O monitoramento e alerta precoce das secas pode ser realizado por meio da construção de indicadores que sinalizem o estado de seca no ambiente urbano. Esses indicadores podem ser construídos conforme as metodologias já apresentadas neste capítulo e o tomador de decisão pode escolher utilizar em seu plano de seca apenas um indicador ou um conjunto deles. A sinalização do estado de seca ocorre por meio de faixas de ocorrência do indicador ou dos indicadores. Assim, cada vez que o limite superior de uma faixa é ultrapassado, define-se um estado de seca e aciona-se um conjunto de ações. O conjunto das ações associadas a um estado de seca tem por objetivo cumprir uma meta de ampliação da oferta, de redução da demanda, de adaptar a população e mitigar os impactos e conflitos. Além do monitoramento e alerta precoce, outro passo significativo no planejamento para as secas é a avaliação das vulnerabilidades existentes no ambiente urbano. Isso acontece porque essa avaliação é uma ferramenta capaz de identificar elementos que impulsionam o desenvolvimento de ações coordenadas de curto, médio e longo prazo no âmbito de uma lógica proativa. 35  Dados extraídos do Portal Hidrológico do Governo do Estado do Ceará. 256 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos 12.5.3.  Análise de vulnerabilidade Gallopín (2003) defende a tese de que a vulnerabilidade figura como uma função da capacidade de resposta e da sensibilidade do sistema frente a perturbações, não devendo ser conceitualmente associada apenas a questões negativas. Para o autor, há uma dimensão positiva quando a transformação sofrida é benéfica, embora reconheça que a maioria dos processos tem desencadeado vulnerabilidades decorrentes de impactos negativos sobre os sistemas e as populações, os quais não se dão com a mesma intensidade. A vulnerabilidade apresenta-se como um conceito que se associa ao termo resiliência, sendo esta fundamental para superar os impasses, problemas e impactos evidenciados pela vulnerabilidade. Entretanto, a percepção e compreensão da vulnerabilidade deve dar-se por meio de análises que possibilitem identificar o que a tem impulsionado e quais as suas consequências como parte de estratégia capaz de formular respostas condizentes com a situação diagnosticada. Daí decorre a importância de metodologias que garantam a realização de análises de vulnerabilidades. É nesse contexto que se insere a metodologia PEIR, que oportuniza a identificação dos fatores que exercem pressão em um determinado setor, modificando seu estado ao passo que ocasiona impactos que demandam respostas específicas. Essa metodologia foi concebida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e complementada pelo Pnuma em 2007. Com a adoção da metodologia PEIR36 buscou-se identificar os mecanismos e estratégias capazes de fortalecer a capacidade de adaptação do sistema de recursos hídricos frente às mudanças e alterações do clima que se materializam em escalas locais em função de situações provocadas por extremos climáticos, favorecendo a ligação entre o impacto sofrido ou potencial e a construção da política de adaptação, como nos lembra Pahl-Wostl (2007). Dessa forma, considerou-se a pressão como os fatores climáticos e ações de poluição que exercem pressão negativa sobre o setor de recursos hídricos, reduzindo-o e/ou provocando sua degradação. As pressões desenham estados que evidenciam situações críticas que geram impactos no referido sistema, demandando respostas que figuram como estratégias concebidas sob a lógica proativa no contexto da gestão adaptativa. Para efeito deste estudo, foi feita uma adaptação dessa metodologia para avaliação das vulnerabilidades da Estação de Tratamento de Água (ETA) da Região Metropolitana de Fortaleza, Estado do Ceará, cuja aplicação pode ser visualizada na Figura 30. A estação está localizada no reservatório Gavião 36  Essa metodologia é uma das variantes do Modelo Pressão-Estado- Resposta (PER). Outras metodologias, que incluem a força motriz como a FER (force-state-response) e a FPEIR (force-pressure-state-impact-response), também poderiam ter sido usadas. Secas no Brasil: política e gestão proativas 257 e apresenta demanda hídrica de 1,5m³/s. Ela foi inicialmente projetada para utilizar a tecnologia de tratamento convencional, porém esta tecnologia foi substituída, em 1995, pela filtração direta descendente. Esta mudança aumentou em 25% a capacidade de tratamento da ETA. O diagrama apresentado na Figura 30 sintetiza as dimensões do método de análise de vulnerabilidade para a ETA. Observa-se que a redução da afluência, a evaporação elevada, característica da região semiárida na qual está inserida a estação, e o lançamento de efluentes, cada vez mais crescente em virtude da instalação de novos empreendimentos industriais, são considerados como indicadores de pressão, pois eles podem ocasionar mudanças significativas no sistema de tratamento, com possíveis prejuízos econômicos e sociais. Essas pressões impostas sobre a ETA podem levar a um estado de redução dos estoques de água que, consequentemente, impõem uma redução das liberações para o consumo. Há uma maior concentração de constituintes conservativos (cloro, fósforo), causando aumento de salinidade na água e surgimento de algas filamentosas. Além disso, há aumento da demanda bioquímica de oxigênio (DBO), ocasionado pela maior quantidade de matéria orgânica presente na água que, em níveis extremos, pode provocar à eutrofização de reservatórios, tendo ligação direta com o aumento de cianobactérias e o aumento de turbidez da água, levando à depleção do oxigênio dissolvido e, consequentemente, ao aumento de processos anaeróbicos e ao surgimento de odor e toxinas. Frente a essa situação, a ETA oferece um volume menor de água, reduzindo a vida útil dos filtros - devido à redução de sua operação entre as limpezas e consequente entupimento – e pondo em risco a saúde pública. Isto aumenta a frequência das lavagens e, portanto, também os custos de tratamento, elevando o risco de contaminação devida à presença de cianobactérias e toxinas na água. A dimensão Resposta corresponde às ações tomadas pela companhia de abastecimento para atenuar os efeitos da seca. Em síntese, têm-se como respostas: (1) o aumento do monitoramento do consumo e da qualidade da água, a fim de inter-relacionar a disponibilidade hídrica com as peculiaridades socioeconômicas e geoambientais da região em estudo; (2) ajustes no processo de tratamento e purificação da água, que são as principais formas de reduzir as contaminações na água; e (3) criação de um fundo financeiro, pois em período de seca aumentam os gastos com gestão, monitoramento e tratamento de água e também com a redução de perdas aparentes e reais relacionadas ao consumo não autorizado de água (fraudes e omissões no cadastro), imprecisão dos hidrômetros ou vazamentos nas adutoras e redes de distribuição, respectivamente. 258 PRESSÃO ESTADO IMPACTO RESPOSTA Redução dos Escassez Monitoramento do consumo Redução da Redução dos e da qualidade da água estoques de de água Afluência liberações Risco para a água saúde pública Piora na imagem Campanha Piora na da companhia publicitária Aumento da qualidade Remoção Concentração salinidade Cianobactéria da água Evaporação dos constituintes de odor elevada conservativos Saída da faixa Ajustes no Aumentar Aumento da Eutrofização Aumento operacional tratamento coagulantes concentração CTO Aumento do filtro de fósforo Lançamento da concentração Aumento do custo de efluentes de DBO Aumento da cor de tratamento Pré-tratamento (carga orgânica) e da turbidez (condicionamento da água) Algas Colmatação filamentosas dos filtros Aumento das perdas Fundo financeiro Deplexão Processos na lavagem para a seca Odor/Toxina Aumento da de oxigênio anaeróbicos frequência de Redução de perdas lavagem dos filtros na ETA Figura 30  –  Aplicação da metodologia PEIR na Estação de Tratamento de Água de Fortaleza, estado do Ceará Fonte: Elaboração Própria. Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Secas no Brasil: política e gestão proativas 259 12.5.4.  Plano de Ação No plano de gestão de seca urbano, faz-se necessário o desenvolvimento de um conjunto de ações a serem deflagradas com vistas a mitigar os efeitos da seca e adaptar a população a esse evento. Tais ações envolvem medidas de caráter ambiental, social, institucional, melhoria do sistema, acompanhamento e garantia do cumprimento dos objetivos da modelo de gestão proposto, devendo ser resultado de discussões realizadas com as instituições responsáveis, direta ou indiretamente, pelo sistema de abastecimento urbano. Com o conjunto de ações sociais, por exemplo, busca-se reduzir a demanda hídrica e assegurar uma informação adequada e útil aos consumidores. Já as ações de caráter ambiental têm o intuito de reduzir os impactos significativos decorrentes do uso dos recursos hídricos. As ações de caráter institucional visam à integração das instituições e entidades com competência para lidar com a seca. É preciso observar algumas questões relativas à coordenação da equipe técnica em relação à distribuição de tarefas e as fronteiras existentes em cada uma delas. Isso se torna possível mediante um processo de comunicação horizontalizada, onde os diversos atores envolvidos no planejamento da seca tenham acesso e capacidade de processar as informações, a fim de que sejam capazes de acionar os gatilhos de forma eficiente, contribuindo para a redução dos impactos passíveis de atingir as cidades e suas populações. Na implementação do conjunto de ações, é importante observar três dimensões: (1) o arcabouço normativo; (2) aspectos gerenciais e (3) definição de uma agenda com a agência reguladora. Em relação ao arcabouço normativo, a implementação do plano de ação demanda a formação de uma equipe específica para executar e acompanhar sua efetivação. O arcabouço normativo deve facilitar a aplicação das regras de operação em todo o sistema de abastecimento urbano de água, a fim de apoiar a gestão do plano de preparação para a seca. No aspecto gerencial, busca-se constituir um grupo de gestão da seca, bem como as atribuições e as respectivas responsabilidades de cada membro desse grupo. Em cada fase, a equipe planejará, de forma mais detalhada, as ações para a próxima etapa, na medida em que se pretende ter um planejamento pensado e executado sob a ótica de ações proativas. Nessa dimensão, também se define uma agenda de tomada de decisão na qual se incluem a frequência de reuniões e as discussões a serem realizadas pelo grupo de gestão. O plano de ação foi concebido mediante a definição de um conjunto integrado de classes de ações; 260 Capítulo 12 – Planos de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos para cada uma foi feita uma tipologia, descrição, indicação da instituição responsável e nível de prioridade. Assim, por exemplo, interrupções noturnas figuram como um tipo de ação que se insere na classe de gestão e operação do sistema, tendo por finalidade reduzir o consumo de água e evitar a utilização de novas fontes de abastecimento que, muitas vezes, pode gerar prejuízos ambientais expressivos. Esta medida no estágio de seca assume prioridade 1, que significa ação necessária. É importante ressaltar que, para cada estágio do evento climático, há um conjunto de ações que podem ser mantidas, complementadas ou simplesmente não necessárias para aquela etapa específica. Essas ações eram classificadas como necessárias (prioridade 1), importantes (prioridade 2) e complementares (3). Evidentemente que o nível de prioridade também se altera em função de mudanças na situação de seca. Um exemplo desse plano pode ser observado na Tabela 37, referente ao estágio de seca. Tabela 37 – Classe de ações, com indicação da tipologia, descrição, responsável e nível de prioridade para o Estado de Seca Estado Classe Tipo de Ação Descrição Responsável Prioridade Avaliação periódica Avaliar o problema do consumo em do consumo cada localidade inter-relacionando das localidades: a disponibilidade hídrica com suas CAGECE/ 1 disponibilidade peculiaridades socioeconômicas e COGERH quantitativa e geoambientais (aumento/redução qualitativa tarifária e racionamento). A ação de monitoramento é uma Medidas de Monitoramento e preventivas Monitoramento da intensa atividade para acompanhar, qualidade de água vigiar e simultaneamente avaliar o COGERH 1 bruta ambiente com vistas a estabelecer diagnóstico de situação. Esta ação visa a monitorar SECA Monitoramento da constantemente a qualidade da água qualidade de água e avaliar o seu uso para consumo CAGECE 1 tratada humano evitando a disseminação de doenças de veiculação hídrica. Monitoramento Esta ação é necessária para avaliar a COGERH/ dos parâmetros 1 recarga dos reservatórios FUNCEME hidrometeorológicos O levantamento dessas fontes é Inventário das significativo para o suprimento SRH/ fontes alternativas hídrico da população, bem como para 1 COGERH de abastecimento maximizar a eficiência do sistema hídrico. Secas no Brasil: política e gestão proativas 261 12.5.5.  Sistema de Apoio à Decisão Para subsidiar os tomadores de decisão quanto ao alerta e monitoramento das secas, propõe-se, dentro do plano de gestão urbano, o desenvolvimento de um sistema de suporte à decisão (SSD). O SSD tem o intuito de dar suporte à gestão de águas urbanas, apresentando ao planejador uma visão do estado do reservatório e alternativas de ação a serem tomadas em uma situação de seca, devendo ser entendido como parte do abrangente processo de planejamento para a gestão das secas. O SSD divide-se em duas etapas: (1) monitoramento e alerta precoce e (2) resposta à seca. A primeira etapa baseia-se em inserir o volume do reservatório no sistema e observar o estado de seca identificado por ele. O estado de seca detectado está associado a um valor de retirada definido com base na simulação da operação e balanço de massa do reservatório e a um conjunto de ações a ser aplicadas pelos gestores, a fim de que a seca não alcance um estágio de maior severidade. Com isso, o SSD permite que planejadores acompanhem diariamente o estado do reservatório de abastecimento urbano e tome decisões para mitigar a seca. 12.6. Observações finais O aumento do número de eventos de seca, de sua severidade e de seus impactos, levou um número crescente de governos a adotarem uma abordagem mais proativa na gestão da seca, tentando reduzir os impactos no curto prazo e a vulnerabilidade no longo prazo. O desenvolvimento de políticas de seca que promovem a gestão de riscos e a elaboração de planos de contingência é exemplo de uma mudança filosófica dos governos em suas abordagens de gestão da seca. A preparação para a seca requer a definição dos vários estágios de severidade de seca e de um indicador. Esta preparação requer maior coordenação dentro e entre os níveis de governo, bem como a avaliação dos impactos e das estratégias de resposta e mitigação. Na construção do Plano de Preparação para as secas, deve-se observar as especificidades do sistema hídrico que se deseja planejar. O desenvolvimento de sistema de monitoramento, com a clara definição de indicadores de seca e os limiares entre os estados de seca, é passo fundamental para o desenvolvimento do plano de seca. A identificação das vulnerabilidades do sistema hídrico às secas contribui para a definição das medidas eficazes de mitigação do impacto das secas. Aliado a isso, o processo de planejamento deve incorporar todos os atores relevantes na concepção e implementação dos planos. Referências Referências AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. PRH Piranhas-Açu, Plano da Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu. Brasilia, DF: 2014. Disponível em: ______. Boletim diário de acompanhamento do Sistema Cantareira de 23/set/2015. Brasília, DF: 2015 AMANAJÁS, J.C. Uso do método de contingência para análise da eficácia de previsão da precipitação pluviométrica do modelo ETA para o município de Macapá-AP em 2007. Macapá: Federal University Amapá, Brasil. 2015. ANDERSEN, L.E.; BREISINGER, C.; MASON-D’CROZ, D.; JEMIO, L.C.; RINGLER, C.; ROBERTSON, R.; VERNER, D.; WIEBELT, M. An assessment of climate change impacts and household resilience for Brasil, Mexico, and Peru. IFPRI Discussion Paper, 01390, International Food Policy Research Institute, Washington, DC. 2014. ______. Agriculture, incomes, and gender in Latin America by 2050: An assessment of climate change impacts and household resilience for Brasil, Mexico, and Peru. IFPRI Food Policy Report Series, International Food Policy Research Institute, Washington, DC. 2015. ANDERSEN, L.E.; VERNER, D. Simulating the effects of climate change on poverty and inequality. Washington, DC: World Bank, 2010. ANDREU, J.; SOLERA, A.S. Methodology for the analysis of drought miti- gation measures in water resource systems. In: ANDREU, J.; ROSSI, G.; VAGLIASINDI, F.; MAYORGA, A.V. (eds.), Drought management and planning for water resources. Boca Raton, FL Taylor & Francis Group, 2005. p. 133-168. ANTWI-AGYEI, P.; FRASER, E.D.G.; DOUGILL, A.J.;STRINGER, L.C.; SIMELTON, E. Mapping the vulnerability of crop production to drought in Ghana using rainfall, yield and socioeconomic data. Applied Geography, v. 32, n. 2, p. 324–334. 2012. ASSAD, E.D.; MARTINS, S.C.; BELTRÃO, N.E. DE M.; PINTO, H.S. Impacts of climate change on the agricultural zoning of climate risk for cotton cultivation in Brasil. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 48, n. 1. 2013. Available from: . BALZAM, G. Rios Solimões e Amazonas têm maior seca da história. UOL Noticias, Oct 22. 2010. Disponível em:. Secas no Brasil: política e gestão proativas 263 BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos. Redimensionamento da Região Semiárida do Brasil. Fortaleza, Brasil: BNB/FUNCEME, 2005. BASTOS, P.; BUSSO, M.; MILLER, S. Adapting to climate change: Long-term effects of drought on local labor markets. IDB Working Paper No. IDB-WP-466, Washington, DC: World Bank, 2013. BAZZA, M. Inference of a drought mitigation action plan. Expert consultation and workshop on drought preparedness and mitigation in the near east and the Mediterranean. Aleppo, Syria, May 27–31, 2001, FAO, Regional Office for the Near East, Cairo, Egypt. 2001. Available from: . BHATTACHARYA, S.; DAS, A. Vulnerability to drought, cyclones and floods in India. The BASIC Project, Paper 9, Winrock International, India. 2007. BORDIEU, P. Razões práticas: Sobre a teoria da ação. Campinas, Brasil: Papirus, 1989. BRAGA, R. História da Comissão Científica de Exploração. Fortaleza, Brasil: Ed. Demócrito Rocha, 2004. BRANT, S. Assessing vulnerability to drought in Ceará, Northeast Brasil. (Master ’s Thesis) – University of Michigan, Ann Arbor, MI. 2007. BRASIL. Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais. Mapa Geodiversidade do Brasil, escala 1:2.500.000, Legenda Expandida, ilustrada, CD-ROM/SIG, Serviço Geológico do Brasil - CPRM, Secretaria de Geologia, 12 Mineração e Transformação Mineral - SGM, Brasília, Brasil: Ministério de Minas e Energia - MME, 2006. ______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Atlas Nacional do Brasil, Região Nordeste, Rio de Janeiro, Brasil: IBGE, 1985. ______. ______. IBGE releases previously unseen profile of food security in Brasil. Press Release, May 17, 2006. Available from: . ______. ______. Mapa de Unidades de Relevo do Brasil, escala 1:5.000.000, Rio de Janeiro, Brasil: IBGE, 2006. ______. Instituto Nacional de Meteorologia - INMET. Normais Climatológicas (1961–1990). Brasília, Brasil: 1992. ______. Ministério da Integração Nacional. www.integracao.gov.br. Brasília, Brasil: 2015 ______. Ministério do Meio Ambiente - MMA. Atlas das áreas suscetíveis à desertificação do Brasil. Brasília, Brasil: 2007. 264 Referências ______. Presidência da República. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). 1934a. ______. ______. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. ______. ______. Decreto Nº 24.643, de 10 de Julho de 1934, o Código de Águas. 1934b. ______. ______. Malha municipal digital do Brasil: situação em. Rio de Janeiro, Brasil. 2007. Disponível em: . Acesso em: nov., 2015. BRAZIL. Ministry of Planning and Budget. A Strategy for sustainable development in Brasil’s Northeast. Brasília, Brasil: Projeto Áridas, 1995. BURGESS, R.; DÊSCHENES, O.; DONALDSON, D.; GREENSTONE, M. Weather and death in India: Mechanisms and implications for climate change. Manuscript, Department of Economics, Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, MA. 2011. BURROUGH, P.A.; MCDONNELL, R.A. Principles of geographical information systems. New York. Oxford University Press, 1986. CALVOSA, C.; CHULUUNBAATAR, D.; FARA, K. Livestock and climate change. Livestock Thematic Papers. Tools for project design. The International Fund for Agricultural Development (IFAD), 2009. p. 1–20. Available from: . CAMPELLO, T.; NERI, M.C. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. 2013. CAMPOS, J.N.B. Lições em modelo e simulação hidrológica. Fortaleza, Brasil: ASTEF, 2009. ______. Secas e políticas públicas no semiárido: Ideias, pensadores e períodos. Estudos Avançados, v. 28, n. 82, p. 65–88. 2014. Instituto de Estudos Avançados, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. ______. Paradigms and public policies on drought in northeast Brasil: A historical perspective. Environmental Management, v. 55, n.5, p.1052–1063. 2015. CARVALHO, O. Estudos referentes ao diagnóstico da política nacional de secas no Brasil. Brasília, Brasil: Ministério da Integração Nacional, 2013. CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS - CGEE. Desertificação, degradação da terra e seca no semiárido Brasileiro. Brasília, Brasil: 2016. CHIMELI, A.B.; SOUZA FILHO, F. de A. de; HOLANDA, M.C.; PETTERINI, F.C. Forecasting the impacts of climate variability: Lessons from the rainfed corn market in Ceará, Brasil. Environment and Development Economics v. 13, n. 2, p. 201–227. 2008. Secas no Brasil: política e gestão proativas 265 CID, D.A.C.; SOUZA FILHO, F. de A. de; ARAÚJO JUNIOR, L.M. de; SILVA, S.M.O. da. Uso de simulação para definição de níveis metas de operação para o reservatório Jucazinho/PE. In SIMPÓSIO DE RECURSOS HÍDRICOS DO NORDESTE, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. 2014. COLORADO WATER CONSERVATION BOARD. Municipal drought management plan guidance document. Boulder, CO: AMEC Earth & Environmental, 2010. ______. The Colorado drought mitigation and response plan August. Boulder, CO: Department of Natural Resources and AMEC Environment and Infrastructure, 2013. CONFEDERACIÓN HIDROGRÁFICA DEL EBRO (CHE). Plan especial de actuación en situaciones de alerta y eventual sequia en la cuenca hidrográfica del ebro. Zaragoza: CHEMARM. 2007. CONFEDERACIÓN HIDROGRÁFICA DEL JÚCAR. Plan especial de alerta y eventual sequia en la Confederacion Hidrografica del Jucar. Valencia: Ministerio de Medioambiente. 2007. COOPER-JOHNSTON, R. El Niño. The weather phenomenon that changed the world. London, UK: Hodder & Stoughton, Coronet Books, 2000. CUNHA, R.L.A. Definição de cenários de referência para a avaliação dos impactos das secas. Masters’ Thesis, Mestrado Integrado(Engenharia Civil) - 2007/2008 - Departamento de Engenharia Civil, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, Portugal: 2008. DAVIS, M. Late victorian holocausts: el niño famines and the making of the third world. London, UK: Verso Books, 2000. DENVER WATER. Drought Response Plan. Denver, CO: 2014. 22 p. DESCHÊNES, O.; GREENSTONE, M. The economic impacts of climate change: Evidence from agricultural output and random fluctuations in weather. American Economic Review, v. 97, n. 1, p. 354-385. 2007. DING, Ya, HAYES, M.; WIDHALM, M. Measuring economic impacts of drought: A review and discussion. Disaster Prevention and Management, v. 20, n. 4, p. 434-446. 2011. DINKELMAN, T. Can spatial mobility insure families against long-term impacts of economic shocks? Evidence from drought and disability in South Africa. Hanover, NH: Dartmouth College, 2013. ENGLE, N.L. The role of drought preparedness in building and mobilizing adaptive capacity in states and their community water systems. Climatic Change. 2012. DOI: 10.1007/s10584-012-0657-4. ESPAÑA. Ministerio de Medio Ambiente. Plan especial de alerta y eventual sequía em la confederación hidrográfica del Júcar. 2007.185 p. 266 Referências ESTRELA, T.; FIDALGO, A.; PÉREZ, M.A. Droughts and the European water framework directive: Implications on Spanish river basin districts. In: ANDREU, J.; ROSSI, G.; VAGLIASINDI, F.; MAYORGA, A.V. (eds.), Drought management and planning for water resources. Boca Raton, FL: CRC Press, Taylor & Francis Group, 2006. Chapter 6, p. 169-191. FELSENTHAL, D.S. Applying the redundancy concept to administrative organizations. Public Administration Review, n. 40, p. 247-248. 1980. FERNANDES, E.C.M.; SOLIMAN, A.; CONFALONIERI, R.; DONATELLI, M.; TUBIELLO, F. Climate change and agriculture in Latin America, 2020–2050: projected impacts and response to adaptation strategies. Washington, DC: World Bank, 2012. FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION; NATIONAL DROUGHT MITIGATION CENTER. The Near East drought planning manual: guidelines for drought mitigation and preparedness planning. Lincoln, NE: University of Nebraska, 2008. Available from: < http://drought.unl.edu/portals/0/docs/ NearEastDroughtPlanningManual.pdf>. FUCHS, B.; SVOBODA, M.; NOTHWEHR, J.; POULSEN, C.; SORENSEN, W.; GUTTMAN, N. A New National drought risk atlas for the U.S. from the National Drought Mitigation Center. 2012. Available from: . GALLOPÍN, G.C. A systemic synthesis of the relations between vulnerability, hazard, exposure and impact, aimed at policy identification. In: ECONOMIC COMMISSION FOR LATIN AMERICAN AND THE CARIBBEAN (ECLAC) (ed.), Handbook for estimating the socio-economic and environmental effects of disasters. LC/ MEX/G.5, Washington, DC: ECLAC, 2003. ______. Linkages between vulnerability, resilience, and adaptive capacity. Global Environmental Change, n. 16, p.293-303. 2006. GIDDENS, A. O mundo na era da globalização. Lisbon, Portugal: Presença, 2000. GODOY, A.S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Uma revisão histórica dos principais autores e obras que refletem esta metodologia de pesquisa em Ciências Sociais. Revista de Administração de Empresas São Paulo, v.35, n.2, p.20–29. Mar./Abr. 1995. GONZÁLEZ, A. Regional strategic framework for climate risk management in the agricultural sector of the Central American Dry Corridor. Rome: Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO). 2012. Available from: . GONZÁLEZ, F.C.; MORCILLO, J. de C. Guía para la elaboración de planes de emergência por sequía em sistemas de abastecimiento urbano. Espanha: Ministerio de Medio Ambiente, Associación Española de abastecimentos de agua y saneamento, 2007. 83p. Secas no Brasil: política e gestão proativas 267 GRAY, C.; MUELLER, V. Drought and population mobility in rural Ethiopia. World Development, Elsevier, v. 40, n.1, p.134–145. 2012. GUTIÉRREZ, A.P.A.; ENGLE, N.L.; DE NYS, E.; MOLEJÓN, C.; MARTINS, E.S. Drought preparedness in Brasil. Weather and Climate Extremes, n. 3, p.95-106. June 2014. HALL, A.L. Drought and irrigation in North-East Brasil. Cambridge: Cambridge University Press, 1978. HASHIMOTO, T.; STEDINGER, J.R.; LOUCKS, D.P. Reliability, resilience and vulnerability criteria for water resource system performance evaluation. Water Resources Research, v.18, n.1, p.14-26. 1982. HEIM Jr., R.R. A review of twentieth-century drought indices used in the United States. Bulletin of the American Meteorological Society, n. 83, p.1149-1165. 2002. HIRSCHMAN, A.O. Journeys toward progress: studies of economic policy making from Latin America. New York: Twentieth Century Fund, 1963. INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE - IPCC. Climate change 2013: the physical science basis: working group I contribution to the 5th Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change, IPCC. Geneva, Switzerland: Cambridge University Press, Cambridge, UK. 2013. ______. Climate change 2014. Impacts, adaptation, and vulnerability. working group II contribution to the 5th Assessment of the Intergovernmental Panel on Climate Change, IPCC. Geneva, Switzerland: Cambridge University Press, Cambridge UK. 2014. JAYACHANDRAN, S. Selling labor low: Wage responses to productivity shocks in developing countries. Journal of Political Economy, v. 114, n. 3, p. 538–575. 2006. KEYANTASH, J.; DRACUP, J.A. The quantification of drought: An evalu- ation of drought indices. Bulletin of the American Meteorological Society, v. 83, n.8, p. 1167–1180, 2002. DOI: 10.1175/1520–0477. KHAN, A.S.; CRUZ, J.A.N. DA; SILVA, L.M.R.; LIMA, P.V.P.S. Efeito da seca sobre a produção, a renda e o emprego agrícola na microregião geográfica de Brejo Santo e no Estado do Ceara. Revista Economica do Nordeste, Fortaleza, v. 36, n. 2, p. 242–262. 2005. LACKSTROM, K.; BRENNAN, A.; FERGUSON, D.; CRIMMINS, M.; DARBY, L.; DOW, K.; INGRAM, K. et al. The missing piece: Drought impacts monitoring. National Drought Mitigation Center. 2013. Available from: . LANDAU, M. Redundancy, rationality, and the problem of duplication and overlap. Public Administration Review n. 29, p. 346–358. 1969. LARREGUY, H.A.; MONTEIRO, J.C.M. The role of media networks in compensating political biases: Evidence from radio networks in Brasil. Harvard: 2013. Mimeo. 268 Referências LEBEL, L.; NIKITINA, E.; KOTOV, V.; MANUTA, J. Assessing institutionalized capacities and practices to reduce the risks of flood disaster. In: BIRKMANN, J. (ed.), Measuring vulnerability to natural hazards: towards disaster resilient societies. Tokyo, Japan: United Nations University Press, 2006. p. 359-379. LEMOS, M.C. Drought, governance, and adaptive capacity in northeast Brasil: A case study of Ceará. Occasional paper for UNDP 2007/2008. New York: United Nations Development Program, Human Development Report Office, 2007. LERNER, A.W. There is more than one way to be redundant. Administration & Society, n. 3, p. 334–337. 1987. LORENZO-LACRUZ, J.; VICENTE-SERRANO, S.M.; LÓPEZ-MORENO, J.I.; BEGUERÍA, S.; GARCÍA-RUIZ, J.M.; CUADRAT, J.M. The impact of droughts and water management on various hydrological systems in the headwaters of the Tagus River (central Spain). Journal of Hydrology, v.386, p. 13-26. 2010. MAGALHÃES, A.R.; FILHO, H.C.; GARAGORRY, F.L.; GASQUES, J.G.; MOLION, L.C.B.; NETO, M. DA S.A.; NOBRE, C.A.; PORTO, E.R.; REBOUÇAS, O.E. The effects of climatic variations on agriculture in northeast Brasil. In: PARRY, M.L.; CARTER, T.R.; KONIJN, N.T. (eds.), The Impact of climatic variations on agriculture, v.2, Assessments in Semi-Arid Regions. Dordrecht, the Netherlands: UNEP, IIASA, Kluwer Academic Publishers, 1988. MAGALHÃES, A.R.; Glantz, M.H. Socioeconomic impacts of climate variations and policy responses in Brasil. Fortaleza, Ceará: UNEP-SEPLAN Brasília, Brasil: ESQUEL, 1992. MAGALHÃES, A.R.; MARTINS, E.S. Drought and drought policy in Brasil. In: SIVAKUMAR, M.V.K.; MOTHA, R.P.; WILHITE, D.A; QU, J.J. (eds.), Towards a compendium on national drought policy. proceedings of an expert meeting , Washington, DC: July, 2011. p. 57-67. MAGALHÃES, A.R.; NETO, E.B. Impactos sociais e econômicos de variações climáticas e respostas governamentais no Brasil. Fortaleza, Brasil:. Governo do Ceará- PNUMA. 1991. MAGALHÃES, A.R.; NETO, E.B.; PANAGIDES, S. Projeto Áridas: Políticas para o desenvolvimento sustentável no Nordeste. Brasília, Brasil: Seplan-IICA-Esquel, 1993. (Mimeo) MARENGO, J.A.; BERNASCONI, M. Regional differences in aridity/ drought conditions over Northeast Brasil: Present state and future projections. Climatic Change, v.129, p.103–115. 2015. MARTINS, E.S.P.R.; MAGALHÃES, A.R. A seca de 2012–2015 no Nordeste e seus impactos. Revista Parcerias Estratégicas, Brasília, Brasil, v. 20, n. 41, p. 107-128. 2015. MARTINS, E.S.P.R.; BRAGA, C.F.C.; NYS, E. de; SOUZA FILHO, F. de A. de; FREITAS, M.A. de S. Impacts of climate change and demand. projections on the process of water allocation in two basins in the semi-arid Northeast. v. 8, Série Água Brasil. Brasília, Brasil: World Bank, 2013. Secas no Brasil: política e gestão proativas 269 MEXICO. Ministerio de Medio Ambiente. PES-Plan especial de alerta y eventual Sequía em LA Confederación Hidrográfica del Júcar. 2007.185p. MCKEE, T.B.; DOESKEN, N.J.; KLEIST, J. Drought monitoring with multiple time scales. In: 9TH AMS CONFERENCE ON APPLIED CLIMATOLOGY. Boston, MA: American Meteorological Society, 1995. p. 233-236. ______. The relationship of drought frequency and duration to times scale. In: PROCEEDINGS OF THE 8TH CONFERENCE ON APPLIED CLIMATOLOGY, v. 17, n. 22, 1993. Boston, MA: American Meteorological Society, p. 179-184. (Preprints). MUELLER, V.A.; OSGOOD, D.E. Long-term impacts of droughts on labour markets in developing countries: Evidence from Brasil. Journal of Development Studies v. 45, n. 10, p.1651–1662. 2009. NATIONAL DROUGHT MITIGATION CENTER. Checklist of historical, current, and potential drought impacts. Available from: . NATIONAL DROUGHT POLICY COMMISSION. Final report: preparing for drought in the 21st century. Washington, DC: United States Department of Agriculture, 2000. NEVES, F. de C. Curral de Bárbaros—Os Campos de Concentração no Ceará, 1915 e 1932. Revista Brasileira de História, v. 14, n. 29, p. 93–122. 1995. ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT. Core set of indicators for environmental performance reviews—A synthesis report by the group on the state of the environment. Environmental Monographs. OECD, Paris, France. v. 83, 39p. 1993. PAHL-WOSTL, C. Transitions towards adaptive management of water facing climate and global change. Water Resources Management, n. 21, p. 49–62. 2007. PAINEL BRASILEIRO DE MUNDANÇAS CLIMÁTICAS. Impactos, vulnerabilidades e adaptação. contribuição do grupo de trabalho 2 ao primeiro relatório de avaliação nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Sumário Executivo do GT2. Rio de Janeiro, Brasil: 2013. PEREIRA, L.S.; PAULO, A.A. Indicadores de escassez de água: índices de secas. In: CONF. CONV. WORKSHOP INDICADORES Y TECNOLOGIAS DE USO DEL AGUA EM LAS TIERRAS SECAS DEIBEROAMÉRICA (Proyeto CYTEDXVII-1, Junho 2004) Mendoza, Argentina: CYTED, 2004. PERNAMBUCO. Secretaria de Recursos Hídricos – SRH. Plano hidro ambiental da bacia hidrográfica do rio Capibaribe, v. 01/3, Tomo I-Diagnóstico hidro ambiental. PROJETEC-BRLi. Projetos técnicos, Recife, Brasil: 2010. 389 p. 270 Referências PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE – PNUMA. Projeto geo cidades: relatório ambiental urbano integrado. Rio de Janeiro: PNUMA/MMA/IBAM/ISER/REDEH. 2007. REVISTA ÉPOCA. Vidas Secas: São Paulo vive a maior crise hídrica em 50 anos. Culpa do governo ou de São Pedro? Edição 886, São Paulo, Brasil: Globo, 1985. ROCKSTROM, J.; KARLBERG, L.; WANI, S.P.; BARRON, J.; HATIBU, N.; OWEIS, T.; BRUGGEMAN, A.; FARAHANI, J.; QIANG, Z. Managing water in rainfed agriculture - The need for a paradigm shift. Agricultural Water Management, n. 97, p. 543-550. 2010. ROSENDO, E.E.Q. Desenvolvimento de indicadores de vulnerabilidade à seca na região semiárida brasileira. (Masters’ Thesis)- Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana e Ambiental, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa-PB, Brasil. 2014. SAFI, A.S.; SMITH, W.J.; LIU, Z. Rural Nevada and climate change: Vulnerability, beliefs, and risk perception. Risk Analysis, v. 32, n. 6. 2012. DOI: 10.1111/j.1539-6924.2012.01836.x. SALVATI, L.; ZITTI, M.; CECCARELLI, T.; PERINI, L. Developing a synthetic index of land vulnerability to drought and desertification. Geographical Research, v. 47, n.3, p. 280–291. 2009. DOI: 10.1111/j.1745- 5871.2009. 00590.x. SARMENTO, F.J. Mudancas climáticas: Impactos sociais, econômicos e ambientais no semi-árido brasileiro. In: SIMPOSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HIDRICOS, 17., São Paulo, Brasil. 2007. Apresentação… São Paulo, Brasil. 2007. SCHAEFER, J.T. The critical success index as an indicator of warning skill. Weather and Forecasting , n. 5, p. 570–575. 1990. SCHEPER-HUGHES, N. Death without weeping: the violence of everyday life in Brasil. Berkeley, CA: University of California Press, 1992. SCOTT, W.R. Systems within systems. American Behavioral Scientist, n. 28, p. 601–618. 1985. SENTELHAS, P.C. Agricultural drought indices in current use in Brasil. In: SIVAKUMAR, M.V.K.; MOTHA, R.P.; WILHITE, D.A.; WOOD, D.A. (eds.), Agricultural drought indices. proceedings of an expert meeting , Murcia, Spain: 2010. p. 72-84. SHUKLA, S.; Wood, A.W. Use of a standardized runoff index for characterizing hydrologic drought. Geophysical Research Letters, n. 35: L02405, 7p. 2008. DOI: 10.1029/2007GL032487. SMITH, H.H. Brasil: The Amazons and the Coast. New York Forgotten Books, (originally published in 1879). 2012. Secas no Brasil: política e gestão proativas 271 SVOBODA, M. An introduction to the drought monitor. Drought Network News, v. 12, n. 1, p. 15–20. 2000. SVOBODA, M.; LeCOMTE, D.; HAYES, M.; HEIM, R.; GLEASON, K.; ANGEL, J.; RIPPEY, B. et al. The drought monitor. Bulletin of the American Meteorological Society, v. 83, n. 8, p. 1181–1190. 2002. TADDEI, R.; GAMBOGGI, A.L. Depois que a chuva nao veio. Respostas sociais às secas no Nordeste, na Amazonia e no sul do Brasil. Fortaleza, Brasil: FUNCEME/CIFAS, 2010. THOMAS, D.S.K.; WILHELMI, O.V.; FINNESSEY, T.N.; DEHEZA, V. A Comprehensive framework for tourism and recreation drought vulnerability reduction. Environmental Research Letters, n. 8, 044004. 2013. DOI: 10.1088/1748-9326/8/4/044004. TSEGAI, D.; ARDAKANIAN, R. Regional workshop on capacity development to support national drought management policies for Latin America and the Caribbean Countries. Proceedings… UN- Water Decade Programme on Capacity Development (UNW-DPC). 2014. TURNER II, B.L.; KASPERSON, R.E.; MATSON, P.A.; MCCARTHY, J.J.; CORELL, R.W.; CHRISTENSEN, L.; ECKLEY, N. et al. A framework for vulnerability analysis in sustainability science. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 100, n. 14, p. 8074-8079. 2003. UNITED NATIONS. INTERNATIONAL STRATEGY FOR DISASTER RISK REDUCTION. Living with risk: a global review of disaster reduction initiatives, v.1, Geneva, Switzerland: United Nations Publications, 2004. UNITED STATES GEOLOGICAL SURVEY. Shuttle Radar Topography Mission (SRTM). Projeto SRTM/ NASA. USGS. 2005. Available from: . Last accessed on: Nov. 15, 2015. VARVASOVSZKY, Z.; BRUGHA, R. How to do (or not to do)… A stake- holder analysis. Health Policy and Planning , v. 15, n. 3, p. 338-345. 2000. VERGARA, W.; SCHOLTZ, S.M. Assessment of the risk of Amazon dieback . Washington, DC:.World Bank. 2011. VERNER, D. Reducing poverty, protecting livelihoods, and building assets in a changing climate. Washington, DC: World Bank, 2010. VERNER, D.;TEBALDI, E. Drought, migration and social policies in Drylands of the Middle East and Latin America. New York. 2015. Mimeo. VICENTE-SERRANO, S.M.; BEGUERÍA, S.; LÓPEZ-MORENO, J.I. A multiscalar drought index sensitive to global warming: The standardized precipitation evapotranspiration index—SPEI. Journal of Climate, n. 23, p.1696-1718. 2010. 272 Referências VICENTE-SERRANO, S.M.; BEGUERÍA, S.; LORENZO-LACRUZ, J.; CAMARERO, J.J.; LÓPEZ-MORENO, J.I.; AZORIN-MOLINA, C.; REVUELTO, J.; MORÁN-TEJEDA, E.; SÁNCHEZ-LORENZO, A. Performance of drought indices for ecological, agricultural and hydrological applications. Earth Interactions, n. 16, p. 1-27. 2012. VOLTOLINI, R. Terceiro setor: Planejamento e gestão. São Paulo, Brasil: Editora Senac, 2004. WILHITE, D.A. ed. Planning for drought: A methodology. In: Drought assessment, management, and planning: theory and case studies. Boston, MA: Kluwer Academic Press, 1993. p. 87-108. ______. A methodology for drought preparedness. Natural Hazards, n.13, p. 229-252. 1996. ______. Drought as a natural hazard: Concepts and definitions. In: Drought: A global assessment, v. 1. London, UK: Routledge, 2000. p. 3-18. WILHITE, D.A.; BUCHANAN-SMITH, M. Drought as hazard: Understanding the natural and social context. In: Wilhite, D.A. (ed.), Drought and water crises: science, technology, and management issues. Boca Raton, FL: CRC Press, 2005. p. 3-29. WILHITE, D.A.; GLANTZ, M.H. Understanding the drought phenomenon: The role of definitions. Water International, v. 10; n. 3, p. 111-120. 1985. WILHITE, D.A.; HAYES, M.J.; KNUTSON, C.L. Drought preparedness planning: Building institutional capacity. In: Wilhite, D. A (ed.), Drought and water crises: science, technology, and management issues. Boca Raton, FL: CRC Press, 2005. p. 93-135. WILHITE, D.A.; SIVAKUMAR, M.V.K.; PULWARTY, R. Managing drought risk in a changing climate: The role of national drought policy. Weather and Climate Extremes. 2014a. Available from: . WILHITE, D.A.; WORLD METEOROLOGICAL ORGANIZATION (WMO); GLOBAL WATER PARTNERSHIP (GWP). National drought management policy guidelines: a template for action. Integrated Drought Management Programme (IDMP) Tools and Guidelines Series 1. Geneva, Switzerland, and GWP, Stockholm, Sweden: WMO, 2014b. WISNER, B. Self-assessment of coping capacity: Participatory, proactive and qualitative engagement of communities in their own risk management. In: BIRKMANN, J. (ed.), Measuring vulnerability to natural hazards: towards disaster resilient societies. United. Tokyo, Japan: Nations University Press, 2006. WORLD BANK. Development and climate change, World Development Report 2010. Washington, DC: World Bank, 2010. ______. Drought in the Amazon – scientific and social aspects. A World Bank Seminar, Brasília, Brasil: 2005. Secas no Brasil: política e gestão proativas 273 ______. Protocolo de preparação para a seca da Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu. Relatório Final (in press). 2015a. ______. Relatório geral do monitor. Brasília, Brasil: 2015b. ______. Shock waves: managing the impacts of climate change on poverty. Washington, DC: World Bank, 2015c. ______. Sustainable development in a dynamic world: transforming institutions, growth, and quality of life, World Development Report 2003. Washington, DC: World Bank, 2003. ______. The Sendai report: managing disaster risks for a resilient future. Washington, DC: World Bank, 2012. Available from: . ______. Turn Down the heat: confronting the new climate normal. Washington, DC: World Bank, 2014. WORLD METEOROLOGICAL ORGANIZATION (WMO). High level meeting on national drought policy (HMNDP), Geneva: 2013. Available from: . XIMENES, L.J.F.; LOPES, P.; MENDONCA, E. Efeito das secas sobre indicadores agropecuários do Nordeste. Escritorio Tecnico de Estudos Economicos do Nordeste, Banco do Nordeste, 2013. 274 Organizadores e Autores Organizadores e Autores Marcos Thadeu Abicalil é especialista sênior em recursos hídricos e saneamento do Banco Mundial em Brasília, Brasil. Tendo trabalhado extensamente nos portfolios integrados de recursos hídricos e desenvolvimento urbano, com ênfase na região nordeste do Brasil, Marcos liderou ou contribuiu em várias operações de empréstimos aos governos federal, estaduais e municipais objetivando o desenvolvimento de políticas públicas e investimentos. Joaquín Andreu é professor titular e diretor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidad Politécnica de Valencia (UPV), Espanha. Foi, ainda, diretor técnico da Agência Hidrográfica do Jucar (CHJ). Joaquín tem especialização em Planejamento e Gestão Integrada dos Recursos Hídricos (PGIRH), Sistemas de Apoio à Decisão em PGIRH, Avaliação e Gestão de Riscos de Secas e Resolução de Conflitos Hídricos. Diego Arias é economista agrícola sênior do Banco Mundial em Brasília, Brasil. Trabalha com operações de desenvolvimento agrícola no país e realiza trabalhos analíticos de gestão de riscos agrícolas em nível mundial. Diego tem PhD em Economia Agroalimentar e Ambiental na Universidad Politécnica de Valencia (UPV), mestrado em Desenvolvimento Internacional na Universidade de Harvard e MBA pela Universidade do Sagrado Coração, Luxemburgo. Felipe Arreguin Cortés é diretor-geral do Instituto Mexicano de Tecnologia da Água e professor do Departamento de Pós-Graduação da Faculdade de Engenharia, Universidade Nacional Autônoma do México (Unam). É também o vice-presidente da Associação de Engenheiros Civis do México e membro da Academia Pan-Americana de Engenharia. Sua pesquisa de PhD é na área de hidráulica. Francisco de Assis de Souza Filho é professor da Universidade Federal do Ceará e coordena o Programa de Recursos Hídricos e Hidráulica Ambiental do Departamento de Meio Ambiente. Antes, ele foi presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos e presidente da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). Paulo Bastos é economista sênior no Grupo de Pesquisa de Desenvolvimento do Banco Mundial em Washington D.C. Seus interesses de pesquisa são amplos, incluindo economia do desenvolvimento, comércio internacional, economia do trabalho e mudança climática. Ele tem PhD em Economia pela Universidade de Nottingham. Bruno Biazeto é sócio fundador da ARESTech, uma empresa de consultoria ambiental, e participa de diversos projetos e colaborações com o Laboratório Master/USP, onde costuma trabalhar com geociências, meteorologia em mesoescala, modelagem atmosférica e automação de sistemas de previsão. Bruno tem bacharelado e mestrado em Meteorologia pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP). Julia Cadaval Martins é doutoranda na Universidade de Georgetown, Washington D.C., com foco em governança comparativa de recursos hídricos e desenvolvimento. Trabalha como especialista em governança e instituições no Banco Mundial, tendo previamente atuado como consultora na área de regulação industrial e parcerias público-privadas no Brasil. Possui mestrado em Direito pela Harvard Law School, graduação em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e mestrado pela PUC-Rio. Secas no Brasil: política e gestão proativas 275 Daniel Antonio Camelo Cid é estudante de mestrado em Engenharia Civil, com ênfase em recursos hídricos, na Universidade Federal do Ceará, além de ser bacharel em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Ceará. Daniel é pesquisador no Grupo de Pesquisa em Gestão de Riscos Climáticos para a Sustentabilidade Hídrica – Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (DEHA/UFC). Samiria Maria Oliveira da Silva é doutoranda em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Ceará, com ênfase em gestão e economia de recursos hídricos e alocação de água. É, também, pesquisadora no Grupo de Pesquisa em Gestão de Riscos Climáticos e Sustentabilidade Hídrica. Luiz Martins de Araujo Júnior é doutorando em Engenharia Civil com ênfase em recursos hídricos na Universidade Federal do Ceará. Antes, trabalhou na Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) no Departamento de Meteorologia (DEMET). Luiz tem graduação em Física e mestrado em Ciências Físicas pela Universidade Estadual do Ceará. Sandra Helena Silva de Aquino é doutoranda em Sociologia na Universidade Federal do Ceará (UFC), tem mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente-PRODEMA da UFC e graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Ceará. Sandra é colaboradora da equipe de gestão de recursos hídricos e sustentabilidade hídrica (DEHA/DEHA). Erwin De Nys é líder de programa na área de desenvolvimento sustentável no Banco Mundial, com sede em Bogotá, Colômbia. Entre 2011 e 2015, coordenou o portfólio de trabalhos analíticos e projetos de investimento em gestão de recursos hídricos e adaptação às mudanças climáticas do Banco Mundial no Brasil. Erwin foi co-líder do programa de colaboração técnica "Preparação para Secas e Resiliência Climática", descrito neste livro. Ele tem PhD em Gerenciamento de Irrigação pela Universidade de Leuven-KU Leuven (Bélgica), e mestrado em Gestão dos Recursos Hídricos do Centro Internacional para a Educação Superior em Ciências Agrárias (Montpellier, França). Tem, também, mestrado em Agricultura Tropical pela Universidade de Leuven-KU, Leuven (Bélgica). Nathan Engle é especialista em mudanças climáticas no Banco Mundial em Washington D.C. Seu trabalho gira em torno da resiliência e adaptação à mudança climática, gestão e política de secas e recursos hídricos. Nathan também foi co-líder do programa de colaboração técnica "Preparação para Secas e Resiliência Climática". Obteve um PhD na Escola de Recursos Naturais e Meio Ambiente da Universidade de Michigan; mestrados em Políticas Públicas e em Recursos Naturais e Meio Ambiente, da Universidade de Michigan; e bacharelado em Ciências da Terra pela Universidade Estadual da Pensilvânia. Barbara Farinelli é economista agrícola no Banco Mundial em Brasília, Brasil. Ela co-gerencia as operações de investimento e estudos analíticos em temas de agricultura e mudança climática. Barbara tem mestrado em Economia Agrícola e Recursos Naturais da Universidade da Califórnia, Davis. Ana Cláudia Fernandes Medeiros Braga é professora assistente na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Brasil, onde trabalha em vários projetos relacionados com clima e recursos hídricos, com ênfase no nordeste do Brasil. Ana Cláudia tem mestrado em Engenharia Civil (UFPB) e doutorado em Recursos Naturais (UFCG). Gisela Damm Forattini é especialista em recursos hídricos e diretora da Agência Nacional de Águas (ANA) do Brasil. Anteriormente, foi diretora de licenciamento no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e presidiu a Parceria Global pela Água - Brasil e a Parceria Global pela Água - América do Sul. Gisela tem mestrado em Recursos Hídricos e Saneamento. 276 Organizadores e Autores Brian Fuchs é climatologista e docente do Centro Nacional de Mitigação de Secas (National Drought MItigation Center - NDMC) da Escola de Recursos Naturais da Universidade de Nebraska - Lincoln. Trabalha com projetos de pesquisa aplicada no Centro e é coautor do Monitor de Secas dos Estados Unidos e do Monitor de Secas Norte Americano. Cybelle Frazão Costa Braga é professora assistente de Educação, Ciência e Tecnologia no Instituto Federal da Paraíba (IFPB), Brasil, desde 2013. Ela é pesquisadora em diversos projetos relacionados à gestão de recursos hídricos, incluindo projetos sobre água e mudança climática, financiados pelo Banco Mundial. É engenheira civil e bacharel em Direito, além de ter mestrado em Engenharia Civil (UFPB) e doutorado em Recursos Naturais (UFCG). Paula Pedreira de Freitas de Oliveira é especialista sênior em recursos hídricos com atuação no Brasil. Ingressou no Banco Mundial em 1997 e, desde então, vem trabalhando no portfólio de recursos hídricos e irrigação, liderando ou contribuindo com estudos, assistência técnica e operações de crédito e investimentos em políticas de desenvolvimento do Governo Federal e governos estaduais. Paula trabalha em estreita colaboração com contrapartes brasileiras, participando ativamente do diálogo setorial com o país. Michael Hayes é diretor do Centro Nacional de Mitigação de Secas (National Drought MItigation Center -NDMC) da Escola de Recursos Naturais da Universidade de Nebraska–Lincoln. Seus principais interesses são monitoramento, planejamento e estratégias de mitigação de secas. Michael tem bacharelado em Meteorologia pela Universidade de Wisconsin-Madison, além de mestrado e doutorado em Ciências Atmosféricas da Universidade de Missouri-Columbia. Mario López Pérez é coordenador de hidrologia no Instituto Mexicano de Tecnologia da Água. Passou os últimos 34 anos trabalhando no setor público do México na área de recursos hídricos e, recentemente, assumiu a função de gestor de questões de engenharia e águas binacionais na Comissão Nacional de Água do México. Mario é engenheiro agrônomo formado na Universidade Autônoma Metropolitana e tem mestrado em Pedologia e Pesquisa do Solo pela Universidade de Reading no Reino Unido, além de ter se formado com honra em Administração Pública pela Universidade La Salle do México. João Gilberto Lotufo Conejo é diretor de regulação da Agência Nacional de Águas do Brasil (ANA) e professor assistente na Universidade de São Paulo. Antes disso foi encarregado do setor de planejamento de recursos hídricos da ANA. Foi, também, chefe do Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo (DAEE/ SP), secretário adjunto para recursos hídricos, saneamento e obras do Estado de São Paulo, diretor técnico da Empresa Municipal de Saneamento de Campinas e engenheiro do DAEE/SP. João Gilberto é engenheiro civil com mestrado em Recursos Hídricos pela Universidade de São Paulo e tem um diploma de membro em Engenharia Hidráulica do Imperial College da Universidade de Londres. José Machado é economista e assessor especial do presidente da CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba). Antes, foi presidente da Agência Nacional de Águas do Brasil (ANA), secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e assessor especial do Ministro da Integração Nacional. Antônio Rocha Magalhães é assessor no Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) em Brasília, Brasil, onde lida, principalmente, com questões relacionadas a secas na região Nordeste, ciência e tecnologia, água e adaptação à mudança climática. Anteriormente, foi secretário de planejamento do Estado do Ceará e secretário executivo do Ministério do Planejamento, além de presidente do Comitê de Ciência e Tecnologia Secas no Brasil: política e gestão proativas 277 da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (United Nations Convention to Combat Desertification – UNCCD) e oficial principal do Banco Mundial no Brasil. Magalhães tem doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo. Eduardo Sávio P.R. Martins é professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e presidente da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME). Seu campo de pesquisa consiste em extremos hidrológicos, uso de informação meteorológica/climática em recursos hídricos, estatísticas hidrológicas, e avaliações de impacto de mudanças climáticas no setor agrícola e no setor hídrico. Eduardo tem PhD em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade de Cornell, mestrado em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Ceará. Carmen Molejón Quintana é especialista em recursos hídricos do Banco Mundial baseada em Brasília, Brasil. Participa de diversos projetos do Governo Federal e da região Nordeste e possui experiência em recursos hídricos, abastecimento de água em áreas rurais, sistemas de informação geográfica e áreas de desenvolvimento internacional. Carmen tem diploma em Engenharia Civil pela Universidade de Coruña, Espanha. Antonio Divino Moura é o diretor do Instituto de Meteorologia do Brasil (INMET) e o primeiro vice- presidente da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Foi pesquisador e professor de meteorologia no Instituto de Pesquisa Espacial do Brasil (INPE). Divino tem PhD em Meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e realizou estudos de pós-doutorado no Centro de Voo Espacial Goddard da NASA sobre as secas no Nordeste brasileiro e o papel dos oceanos. É também membro honorário da Royal Meteorological Society e membro da World Academy of Sciences em Trieste, na Itália. John Redwood III é consultor internacional independente para questões ambientais, mudança climática e desenvolvimento sustentável. John foi funcionário de carreira do Banco Mundial e diretor de setor, além de ter trabalhado em vários locais do Brasil para o US Peace Corps, duas universidades federais, a Organização de Estados Americanos e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. É bacharel pela Universidade de Harvard e tem um MCP e PhD pela Universidade da Califórnia, Berkeley. Maria Assunção F. Silva Dias é professora da Universidade de São Paulo, onde pesquisa eventos de precipitação extrema, tempestades elétricas, interações biosfera-atmosfera na Amazônia, circulações locais em áreas urbanas e interações entre aerossóis e precipitação. Maria Assunção foi diretora do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Brasil e diretora-adjunta do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo. Robson Franklin Vieira Silva é especialista em TI na Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME), onde trabalha com sistemas hidrológicos, bancos de dados, meteorologia por radar, sensoriamento remoto, previsão do tempo/clima e aplicativos de monitoramento. Robson tem mestrado em Ciências Físicas Aplicadas da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Mark Svoboda é climatologista e líder de área do programa de monitoramento do Centro Nacional de Mitigação de Secas (NDMC). Foi cofundador do desenvolvimento do Monitor de Secas dos Estados Unidos (USDM) em 1999 e é um dos principais autores tanto dos boletins semanais do USDM quanto dos mensais do Monitor de Secas Norte dos Estados Unidos. Mark tem bacharelado em Geografia e mestrado em Geografia com especialização em sensoriamento remoto, climatologia e SIG pela Universidade de Nebraska-Lincoln. 278 Organizadores e Autores Francisco José Coelho Teixeira é Secretário de Recursos Hídricos do Estado do Ceará. Anteriormente, foi Ministro da Integração Nacional, Secretário de Infraestrutura do mesmo Ministério e diretor das várias instituições de recursos hídricos do Ceará (SOHIDRA e COGERH). Teixeira é engenheiro civil e tem mestrado em Recursos Hídricos. Pablo Valdivia é consultor de seguros agrícolas no Banco Mundial, com atuação, sobretudo, na América Latina e no Caribe. Sua experiência inclui trabalhos na área do setor público de seguros na Nicarágua e como empreendedor de agronegócios. Pablo tem bacharelado em Agronomia pela Universidade EARTH e empenha-se em obter um MBA pela Universidade de Liverpool no Reino Unido. Dorte Verner é economista-chefe do setor agrícola do Banco Mundial em Washington D.C. Dorte tem livros e documentos publicados nas áreas de mudança climática, redução da pobreza e desenvolvimento socioeconômico. Ela tem PhD em macroeconomia e econometria pelo Instituto Universitário Europeu, na Itália, e pós-graduação em Economia pela Universidade de Aarhus, Dinamarca. Secas no Brasil: política e gestão proativas 279 Listas Listas Lista de figuras Capítulo 1 Vida e seca no Brasil Figura 1  –  Mapa do Brasil e estados da região Nordeste. (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos – FUNCEME, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2015. Com base em IBGE, 2007; MMA, 2007) 20 Figura 2  – Principais ecorregiões do Nordeste brasileiro 21 Capítulo 2 A crise, a oportunidade e a liderança Figura 3  – Instituições envolvidas na gestão das secas no Brasil 44 Capítulo 3 Marco e poder de mobilização Figura 4  – O ciclo de gestão de risco de desastres 52 Figura 5  – Mapa do nordeste do Brasil e do mundo, mostrando os parceiros internacionais envolvidos no programa de preparação para a seca e resiliência climática 55 Figura 6  – Os "três pilares da preparação para a seca" que proporcionam um marco de referência para o programa de colaboração técnica entre o Banco Mundial e o Ministério da Integração, para apoiar uma mudança de paradigma da gestão reativa de crise para abordagens mais proativas de gestão de eventos de seca 56 Secas no Brasil: política e gestão proativas 283 Capítulo 4 O caso técnico e institucional – Monitor de Secas do Nordeste como âncora e facilitador da colaboração Figura 7  – Mapa experimental do Monitor de Secas do Nordeste do mês de julho de 2015. As categorias de seca são codificadas por severidade, similares às que aparecem na Tabela 2. As áreas indicadas em seca de curto prazo aparecem marcadas com “C”, enquanto que as indicadas em seca de longo prazo são identificadas com “L”. Algumas áreas aparecem tanto em curto, quanto em longo prazo, e são ressaltadas com a designação, “CL”. Duração do Impacto: C = Curto prazo (ex: agricultura, pastagens); L = Longo prazo (ex: hidrológico, ecológico). 68 Capítulo 5 Gestão e abastecimento hídrico: planos de preparação para a seca Figura 8  – Planejamento para a seca em vários níveis e anotações dentro das engrenagens (de cima para baixo) referentes ao plano de seca para concessionárias urbanas de água, plano de seca para sistemas de recursos hídricos e plano de seca para a bacia hidrográfica, descritos neste Capítulo 79 Figura 9  – Processo de planejamento da preparação para a seca na bacia do rio Piranhas-Açu 83 Figura 10  – Planejamento da preparação para a seca como um processo evolutivo 89 Figura 11  – Etapas metodológicas para a elaboração de um plano de secas em cidades (Adaptado da Colorado Water Conservation Board, Municipal Drought Management Plan Guidance Document, Colorado Water Conservation Board, Denver, CO, 2010.) 89 Capítulo 6 Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca Figura 12  – Cronograma para a formulação do Plano Agropecuário Municipal de Preparação e Resposta à Seca de Piquet Carneiro 98 Figura 13  – Árvore de análise de problemas definida pelos atores envolvidos de Piquet Carneiro durante o processo de planejamento para secas, visando à redução da vulnerabilidade dos produtores rurais aos efeitos de secas extremas 102 284 Listas Capítulo 11 Monitor de Secas do Nordeste – O processo Figura 14  – Exemplo de níveis de intensidade de secas segundo os indicadores SPI e SPEI para 3 e 4 meses 197 Figura 15  – Exemplo do Indicador Hidrológico para o trimestre janeiro-fevereiro-março de 2012. As cores representam a intensidade da seca de acordo com as categorias do Monitor de Secas. As áreas em branco representam a situação sem seca e a área cinza com listras representa ausência de informação. 200 Figura 16  –  Representação de produtos utilizados no traçado do Mapa do Monitor de Secas, indicadores e produtos auxiliares baseados em sensoriamento remoto 201 Figura 17  –  Classificação da severidade da seca em relação aos usos da água dos reservatórios (abastecimento à esquerda e irrigação à direita). Branco representa ausência de seca; a escala de cinza representa o nível de criticidade associado às cores do Monitor; as linhas horizontais representam restrição total e as linhas diagonais referem-se à falta de informação 203 Figura 18  –  Esquema operacional do Monitor de Secas do Nordeste 208 Figura 19  –  Rascunhos R1(a) e R2(b) 2 do Mapa do Monitor (Funceme) 209 Figura 20  –  Mapa Final do Monitor de Secas publicado em julho em referência ao monitoramento de junho de 2015 (Funceme) 211 Figura 21  –  Layout do site do Monitor. Mapa do Monitor com a seca física e Narrativa. A Narrativa está separada em uma parte geral e outra detalhada por estado (http:// monitordesecas.ana.gov.br) 211 Figura 22  –  Evolução do percentual de áreas em diferentes faixas de severidade de seca (S0-S4; S1-S4; S2-S4; S3-S4 e S4) desde julho/2014 até julho/2015 para o Nordeste. Também serão disponibilizados por estado 212 Figura 23  –  Mapa de mudança de categorias de seca de maio para junho/2015. Serão disponibilizados mapas de mudança para 1, 2, 3, 6 e 12 meses, assim como para os períodos de referência correspondentes ao início do ano juliano (1o de janeiro) e ao ano hidrológico (1º de outubro) 213 Secas no Brasil: política e gestão proativas 285 Capítulo 12 Plano de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Figura 24  –  Relação entre o Plano de Bacia e o Protocolo de Preparação para a Seca da Bacia do Rio Piranhas-Açu 230 Figura 25  –  Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu 231 Figura 26  –  Atividades de Elaboração do Plano de Preparação para a Seca da Bacia do Rio Piranhas-Açu 232 Figura 27  –  Indicadores de Vulnerabilidade à Seca 240 Figura 28  –  Preparação para secas 241 Figura 29  –  Sistema de apoio a tomada de decisão 255 Figura 30  –  Aplicação da metodologia PEIR na Estação de Tratamento de Água de Fortaleza, estado do Ceará 259 286 Listas Lista de gráficos Capítulo 2 A crise, a oportunidade e a liderança Gráfico 1 – Descargas médias mensais (m3/s) para os principais reservatórios do sistema Cantareira; média histórica, anos mais recentes (2014/2015) e o ano anterior mais crítico (1953). 40 Capítulo 4 O caso técnico e institucional – Monitor de Secas do Nordeste como âncora e facilitador da colaboração Gráfico 2 – Distribuição intra- e interanual das chuvas para o estado do Ceará para o período 2008 - 2015. Os meses de cada ano são apresentados de janeiro a dezembro (da esquerda para a direita). Em beje e cinza estão apresentados os anos para os quais a estação chuvosa ficou enquadrada abaixo e acima da média, respectivamente. O ano médio (climatologia mensal) e a distribuição são apresentados em preto, à direita da figura. 62 Capítulo 5 Gestão e abastecimento hídrico: planos de preparação para a seca Gráfico 3 – Evolução da capacidade de armazenamento de água em reservatórios no Estado do Ceará 76 Secas no Brasil: política e gestão proativas 287 Capítulo 12 Plano de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Gráfico 4 –  SPIs Relativos a UPH do Seridó 234 Gráfico 5 –  SRI-6 no Mês de Junho para a UPH de Médio Piranhas Paraibano entre os Anos de 1990 e 2014 236 Gráfico 6 –  Índice de Estado (IE) para o reservatório de Coremas-Mãe d’Água, UPH de Piancó 237 Gráfico 7 –  Volumes Metas estabelecidos a partir da utilização da metodologia proposta: (a) Operação meta 1 (de junho a maio) 247 Gráfico 8 –  Volumes Metas estabelecidos a partir da utilização da metodologia proposta: (b) Operação meta 2 (de junho a maio) 248 Gráfico 9 –  Operação Meta 1: Histograma da quantidade de falhas no Nível Meta 1. Neste nível ocorreram falhas em 796 meses, tendo uma falha de duração máxima de 217 meses e mínima de 3 meses. 249 Gráfico 10 –  Operação Meta 2: Histograma da quantidade de falhas no Nível Meta 2. Neste nível ocorreram falhas em 501 meses, tendo a máxima duração de falhas de 91 meses e mínima de 2 meses de duração. 249 Gráfico 11 –  Operação Padrão. Esta operação apresentou 92 falhas de colapso do reservatório, tendo uma falha que apresentou duração máxima de 20 meses e mínima de um mês. 250 Gráfico 12 –  Histograma de severidade das operações: (a) Meta 1 250 Gráfico 13 –  Histograma de severidade das operações: (b) Meta 2 251 Gráfico 14 –  Curva de permanência do volume acumulado para as três operações 252 Gráfico 15 –  Curvas de permanência das retiradas mensais para as três operações 253 288 Listas Lista de tabelas Capítulo 4 O caso técnico e institucional – Monitor de Secas do Nordeste como âncora e facilitador da colaboração Tabela 1 – Exemplos de categorias de secas e dos impactos associados rastreados pelo Monitor de Secas 67 Capítulo 5 Gestão e abastecimento hídrico: planos de preparação para a seca Tabela 2 – Escalas do planejamento de seca 81 Tabela 3 – Cenários de seca 83 Tabela 4 – Eixo temático: outorgas de alocação e uso da água 85 Capítulo 10 Impactos da seca e análise de custos para o Nordeste do Brasil Tabela 5 – Médias anuais do indicador de seca composto de longo prazo, 2000-2014 174 Tabela 6 – Médias anuais do indicador de seca composto de curto prazo, 2000-2014 175 Tabela 7 – Evolução dos volumes dos reservatórios, outubro de 2006 a outubro de 2014 176 Tabela 8 – Alteração percentual anual no valor real bruto da produção agrícola, culturas temporárias e perenes, 2001-2013 177 Tabela 9 – Alteração percentual anual no valor real bruto da produção agrícola, culturas temporárias, 2001-2013 178 Tabela 10 – Alteração percentual anual no valor real bruto da produção agrícola, culturas perenes, 2001-2013 179 Tabela 11 – Alteração percentual anual no valor agregado real da agricultura, 2001-2013 180 Secas no Brasil: política e gestão proativas 289 Tabela 12 – Alteração percentual anual no valor real do produto interno bruto, 2001-2013 180 Tabela 13 – Valor bruto da produção agrícola (log), 2000-2013 182 Tabela 14 – Efetivos de gado (log), 2000–2013 183 Tabela 15 – Valor bruto da produção de origem animal (log), 2000-2013 184 Tabela 16 – Valor agregado da agricultura e PIB (log), 2000-2012 185 Tabela 17 – Recursos alocados ao pacote renovado de políticas de combate à seca, a partir de abril 2013 187 Capítulo 11 Monitor de Secas do Nordeste – O processo Tabela 18 – Estágios ou categorias de seca, que definem a intensidade da seca no Mapa do Monitor associada aos valores dos indicadores SPI/SPEI 197 Capítulo 12 Plano de Preparação para a Seca: ferramentas e estudos de casos Tabela 19 – Limiares dos índices com as devidas classificações, categorias e estados 221 Tabela 20 – Categorização dos Índices de IE, IS e Nível Meta 222 Tabela 21 – Síntese do Método de Análise de Contingência, com Indicativo dos Cálculos de POD e FAR 224 Tabela 22 – Relação entre os Agrupamentos de Estado e Grau de Severidade da Seca 224 Tabela 23 – Valores Ano a Ano dos Índices SPI, SPEI, SRI, IE, IS e Níveis Meta para as Escalas de Tempo de 12, 24 e 36 Meses Relacionados aos Primeiros três Índices, e Classificação de Estado de Seca, em que Amarelo, Laranja, Vermelho e Vermelho Escuro representam os Estados de Pré-Alerta, Alerta, Emergência I e Emergência II, respectivamente 226 Tabela 24 – Valores de FAR e POD resultantes da comparação entre o IS e o SPI, SPEI e o SRI nas escalas de tempo de 12, 24 e 36 meses para o Complexo Hídrico Jucazinho. 229 Tabela 25 – Valores de FAR e POD, resultante da comparação entre os Níveis Meta e o SPI, SPEI e o SRI nas escalas de tempo de 12, 24 e 36 meses para o Complexo Hídrico Jucazinho. 230 290 Listas Tabela 26 – Categorias de Secas, Classificação e Respectivos Limiares para SPI e SRI 233 Tabela 27 – SPIs das UPHs Peixe e Seridó e Volume Percentual dos Reservatórios Lagoa do Arroz e Itans 235 Tabela 28 – Categorias de Secas, Classificação e os Respectivos Limiares para IE para a Bacia do Rio Piranhas-Açu 237 Tabela 29 – Monitor de Secas da Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu: Junho/14 238 Tabela 30 – Indicadores de Exposição, Sensibilidade, Capacidade Adaptativa e Vulnerabilidade para a Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu 241 Tabela 31 – Protocolo de Preparação para a Seca na Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu 242 Tabela 32 – Ações de Gestão de Secas na Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu 243 Tabela 33 – Níveis e garantias encontradas para o Reservatório Jucazinho para as Operações Meta 1 e 2 248 Tabela 34 – O tempo de resiliência das operações Meta 1, Meta 2 e Padrão. 251 Tabela 35 – Estágios de seca, gatilhos e meta de resposta definidos no plano 253 Tabela 36 – Estágios de Seca, Gatilhos e Meta de Resposta definidos pelo Grupo de Trabalho 254 Tabela 37 – Classe de ações, com indicação da tipologia, descrição, responsável e nível de prioridade para o Estado de Seca 261 Secas no Brasil: política e gestão proativas 291 Seca no Brasil: política e gestão proativas Como em vários países, no Brasil as secas são muitas vezes gerenciadas como crises, ao invés de serem vistas como eventos para os quais as autoridades e comunidades devem se preparar de forma proativa. Embora as secas não sejam novidade no Brasil, a recente onda de secas no semiárido empobrecido do Nordeste e no polo industrial de São Paulo (no Sudeste) forçou o país a pensar mais seriamente sobre, finalmente, mudar suas políticas de enfrentamento da seca e suas abordagens de gestão. O livro é contado a partir das perspectivas de ministros e secretários, autoridades técnicas e formuladores de políticas estaduais, organizações da sociedade civil e profissionais de desenvolvimento, que ajudaram a facilitar a mudança de paradigma no Brasil, passando da gestão de crises para a gestão proativa das secas. É escrito em estilo adequado para leitores técnicos e não técnicos e visa proporcionar um marco estrutural e um conjunto de lições para outros países levarem em conta ao empreender esforços semelhantes para aprimorar seus próprios sistemas de políticas e gestão da seca. "Ao longo dos capítulos, diferentes abordagens interdisciplinares e uma combinação de análises acadêmicas e pragmáticas compõem um retrato convincente da necessidade de novas e inovadoras intervenções nesse contexto de mudança. Eu recomendo o livro não apenas àqueles que estão começando a compreender o impacto da seca e da resposta à seca no Nordeste do Brasil, mas também a leitores em busca de uma análise mais profunda do problema e de como essa análise pode informar as decisões no Brasil e em outros países." —Maria Carmen Lemos, Universidade de Michigan, EUA "Este livro, com doze artigos muito úteis sobre a gestão proativa e a política de secas no Brasil, é uma fonte de informação valiosa para todos os países interessados na preparação e gestão eficiente de secas." —Mannava Sivakumar, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, Organização Meteo- rológica Mundial, Genebra, Suíça "Os profissionais e pesquisadores envolvidos na gestão de secas vão adorar este livro, pois ele proporciona uma visão abrangente das estratégias e mecanismos que o Brasil vem adotando para minimizar os impactos e aumentar a resiliência contra secas extremas no semiárido do Nordeste." —Rosa Maria Formiga Johnsson, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil O CGEE, consciente das questões ambientais e sociais, utiliza papéis com certificação (Forest Stewartdship Council®) na impressão deste material. A certificação FSC® garante que a matéria-prima é proveniente de florestas manejadas de forma ecologicamente correta, socialmente justa e economicamente viável, e outras fontes controladas. Impresso na Gráfica Coronário - Certificada na Cadeia de Custódia - FSC Acesse www.cgee.org.br e siga-nos no Twitter @CGEE_oficial ISBN 978-85-5569-115-7 (impresso) ISBN 978-85-5569-116-4 (eletrônico) Centro de Gestão e Estudos Estratégicos Ciência, Tecnologia e Inovação