Relatório No: 47876-MZ Desenvolvimento Municipal em Moçambique: As Lições da Primeira Década (Em dois volumes) Volume II: Relatório Completo Maio 2009 AFTU1 Região de Africa Documento do Banco Mundial 1 Correspondência monetária Taxa de câmbio efectiva em vigor em Junho de 2009 Unidade monetária = Metical (MTN) US$1,00 = MTN 27,1 Vice-presidente: Obiageli K. Ezekwesili Director do País: Peter Nicholas (Interino) Director Sectorial: Inger Andersen Gestor Sectorial: Jaime Biderman Chefe da Equipa do Projecto: Uri Raich 2 Índice 1.1 Objectivo ........................................................................................................23 1.2 População “Urbana” e “Municipal” em Moçambique ...................................23 1.3 Breve Perfil Socioeconómico dos Municípios de Moçambique ....................27 1.4 Análise da Situação e Questões-Chave do Estudo .........................................29 1.5 Estrutura do Estudo ........................................................................................31 1.6 Concepção do Estudo .....................................................................................34 Anexo 1.1 Definição de “Urbano” e “Municipal” em Moçambique ...............................36 Anexo 1.2 População por Município em Moçambique. Estimativas 1997 e 2007 ..........39 2.1 O Contexto Jurídico e Institucional da Governação Urbana em Moçambique42 2.2 O Enquadramento Jurídico e Político para a Organização dos Serviços Urbanos ..........................................................................................................49 2.3 Análise e Recomendações para Melhorar o Desempenho da Governação Urbana e das Instituições de Gestão em Moçambique ..................................68 3.1 Introdução: Objectivos e Metodologia...........................................................82 3.2 Principais Conclusões e Desafios ..................................................................83 3.3 Recomendações..............................................................................................94 4.1 Introdução ....................................................................................................112 4.2 Principais Conclusões ..................................................................................113 4.3 Principais Desafios.......................................................................................130 4.4 Recomendações............................................................................................134 5.1 Introdução: Objectivo e Metodologia ..........................................................144 5.2 Principais Conclusões ..................................................................................146 5.3 Principais Desafios.......................................................................................168 5.4 Recomendações............................................................................................170 6.1 Introdução ....................................................................................................175 3 6.2 Principais Conclusões ..................................................................................175 6.3 Principais Desafios.......................................................................................187 6.4 Recomendações............................................................................................198 7.1 Objectivos e Metodologia ............................................................................204 7.2 Algumas Definições Básicas........................................................................204 7.3 Escolha de Tecnologia .................................................................................205 7.4 Acesso Actual e Futuro ao Abastecimento ..................................................206 7.5 Enquadramento Jurídico ..............................................................................208 7.6 Estrutura Institucional Existente — Abastecimento de água .......................210 7.7 Estrutura Institucional Existente — Saneamento ........................................217 7.8 Novos Desenvolvimentos Institucionais ......................................................219 7.9 Análise Financeira .......................................................................................224 7.10 Principais Desafios.......................................................................................235 7.11 Operações Actuais .......................................................................................244 7.12 Conclusão .....................................................................................................246 8.1 Introdução, Conceitos e Metodologia ..........................................................250 8.2 Principais Conclusões e Desafios ................................................................253 8.3 Recomendações............................................................................................265 8.4 Boas Práticas ................................................................................................270 9.1 Introdução: Objectivos e Metodologia.........................................................279 9.2 Principais Conclusões ..................................................................................281 9.3 Principais Desafios.......................................................................................307 9.4 Recomendações............................................................................................314 Anexo 9.1 Lições-chave aprendidas em dez anos de experiências municipais — Qualidade das práticas por sectores e sub-sectores analisados of practices by sectors and sub-sectors considered ..............................................................319 Anexo 9.2 Lições-chave aprendidas em dez anos de experiências municipais — Boas práticas .........................................................................................................322 10.1 Um País em Urbanização .............................................................................327 10.2 O Papel das Autarquias na Boa Governação e no Desenvolvimento Local 328 10.3 Os Constrangimentos Subjacentes que as Autarquias Enfrentam ...............330 10.4 Prestação de Serviços Integrados .................................................................355 10.5 Funções e Responsabilidades Propostas: O Caminho a Seguir ...................362 Anexo 10.1 O Papel dos Actores: o sistema municipal subjacente ...............................364 Anexo 10.2 O Papel dos Actores: A Prestação de Serviços Integrados. .......................370 4 List of Quadros Quadro 1.1 Estimativas de População por Área de Residência, 1997 e 2007 ...............25 Quadro A1.1 Classificação das Cidades com Base em Critérios do MAE .......................36 Quadro A1.2 Classificação de Áreas Urbanas com Base em Critérios do INE................38 Quadro 4.1 Evolução das Transferências Autárquicas em Proporção da Receita Fiscal e Total (Milhares de Mt. Termos Nominais). ..............120 Quadro 4.2 Dotação Horizontal de Transferências......................................................122 Quadro 4.3 Composição do Orçamento, Todas as Autarquias, 2007–08 ....................127 Quadro 5.1 População e Pobreza em Autarquias Seleccionadas e suas Províncias ....147 Quadro 6.1 Acesso a Terrenos em Quatro Bairros de Maputo ....................................181 Quadro 6.2 Acesso a Terrenos em Maputo e Matola ..................................................182 Quadro 6.3 Acesso a Terrenos no Moçambique Urbano .............................................182 Quadro 6.4 Projectos Inovadores a Partir de 2000 ......................................................186 Quadro 6.5 Situação do Planeamento de Estruturas ....................................................194 Quadro 7.1 Resumo do Actual Acesso aos Serviços (2006) .......................................207 Quadro 7.2 Repartição da População Servida por Diferentes Tipos de Operadores ...213 Quadro 7.3 Repartição das Responsabilidades da Gestão do Investimento ................213 Quadro 7.4 Resumo Institucional e Operacional de 6 Sistemas Explorados por Conselhos Municipais ...............................................................................216 Quadro 7.5 Funções das Instituições Intervenientes no Saneamento Urbano .............219 Quadro 7.6 Aumento de potenciais ligações para 5 cidades ao abrigo do FIPAG ......223 Quadro 7.7 Investimento Necessário para o Abastecimento de Água (USD) .............224 Quadro 7.8 Principais Estatísticas Operacionais para uma Amostra de Municípios ...225 Quadro 7.9 Estimativas de Capital Necessário para Saneamento — 2006 a 2015......230 Quadro 8.1 Serviços de Gestão de Limpeza Urbana Disponibilizados pelos Municípios e Entidade Responsável .........................................................254 Quadro 8.2 Síntese do Diagnóstico da Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos.............256 Quadro 8.3 Categorias de Aterros ...............................................................................262 5 Lista of Figuras Figura 1.1 Hierarquia Urbana de Moçambique ...............................................................26 Figura 5.1 Contagem de Pobreza e Acesso a Serviços nas Autarquias da Amostra, em Diversos Anos ........................................................................................148 Figura 8.1 Etapas do PGIRSU .......................................................................................269 Lista of Caixa Caixa 4.1 Finanças Públicas no Município de Maputo ................................................117 Caixa 6.1 Fundo de Fomento de Habitação (FFH) ......................................................188 Caixa 6.2 Responsabilidade Ministerial sobre Questões de Urbanismo ......................197 Caixa 9.1 Conceitos Chave ..........................................................................................280 Caixa 9.2 De Legalidade Política a Legitimidade Social em 10 Anos ........................283 Caixa 9.3 Municípios e Adminstração Distrital Trabalhando em Conjunto ................284 Caixa 9.4 Promover uma Gestão Autárquica Transparente (USAID/ARD-PROGOV e CIP) .................................................................287 Caixa 9.5 Curso Prático sobre Contas de Gerência ......................................................289 Caixa 9.6 Monitorização de Formação no Local de Trabalho (Experiência do Projecto de Desenvolvimento Municipal/Capacitação Autárquica) .......293 6 Siglas e Abreviaturas Siglas Inglês Português ADA Austrian Development Agency Agência Austríaca de Desenvolvimento ADC Austrian Development Cooperation Cooperação Austríaca para o Desenvolvimento AECI Spanish Agency for International Agência Espanhola de Cooperação Cooperation Internacional AGRESU Support to Sustainable Apoio à Gestão Sustentável de Management of Urban Solid Waste Resíduos Sólidos Urbanos AM Municipal Assembly Assembleia Municipal AAIM Association of Friends of Ilha de Associação dos Amigos da Ilha de Moçambique Moçambique AMU Asset Management Unit Unidade de Gestão de Activos ANAMM National Association of Associação Nacional dos Municípios Municipalities of Mozambique de Moçambique ANE National Roads Administration Autoridade Nacional de Estradas ANFP National Authority for Public Autoridade Nacional da Função Administration Pública APIE Administration of State Properties Administração do Parque Imobiliário do Estado AWEPA Association of European Associação dos Parlamentares Parliamentarians for Africa Europeus para África BAUS “one stop shop” Balcões de Atendimento Único BR Bulletin of the Republic Boletim da República CBO Community Based Organization Organização Baseada na Comunidade CMM Maputo Municipal Council Conselho Municipal de Maputo CDS City Development Strategy Estratégia de Desenvolvimento Citadino CEFPAS Centre for Training in Water and Centro de Formação Profissional de Sanitation Água e Saneamento CFM National Railroad Company Caminhos de Ferro de Moçambique CM Municipal Council Conselho Municipal CRA Water Regulatory Council Conselho Regulador das Águas CSO Civil Society Organization Organização da Sociedade Civil DANIDA Danish Agency for International Agência Dinamarquesa de Development Desenvolvimento Internacional DAU Urban Water Department Depertamento de Água Urbana DEL Local Economic Development Desenvolvimento Económico Local 7 Siglas Inglês Português DINAPOT National Directorate of Planning Direcção Nacional de Planeamento e and Territorial Development Ordenamento Territorial DMSS Municipal Health and Sanitation Direcção Municipal de Saúde e Service Directorate Salubridade DNA National Water Directorate Direcção Nacional de Águas DNDA National Directorate for Municipal Direcção Nacional do Development Desenvolvimento Autárquico DUAT Right to Use and Employ Land Direito de Uso e Aproveitamento da Terra EDM Electricity of Mozambique Electricidade de Moçambique E.P EMUSA Municipal Sanitation Company Empresa Municipal de Saneamento (Quelimane) de Quelimane EU European Union União Europeia FCA Municipal Compensation Fund Fundo de Compensação Autárquica FCGD Coordinating Forum for Delegated Fórum Coordenador da Gestão Management Delegada FDI Foreign Direct Investment Inversão Directa Estrangeira FFH Housing Fund Fundo de Fomento de Habitação FIIL Investment Fund for Local Fundo de Investimento de Iniciativa Initiatives Local FIPAG Fund for Investment and Assets for Fundo de Investimento e Património Water Supply de Abastecimento de Água FRELIMO Liberation Front of Mozambique Frente de Libertação de Moçambique FUNAB Environment Fund Fundo Nacional do Ambiente GCM Office for Municipal Capacity Gabinete de Capacitação Municipal Building GDP Gross Domestic Product Produto Interno Bruto/PIB GoM Government of Mozambique Governo de Moçambique GTZ German Technical Cooperation Cooperação Técnica Alemã IAF National Household Survey of Inquérito aos Agregados Familiares Living Conditions Sobre as Condições de Vida IFAPA Training Institute for Public and Instituto de Formação em Municipal Administration Administração Pública e Autárquica IGF General Finance Inspection Inspecção Geral de Finanças INE National Institute of Statistics Instituto Nacional de Estatística INPF National Institute for Physical Instituto Nacional de Planeamento Planning Físico INGC National Institute for Management Instituto Nacional de Gestão das of Calamities Calamidades 8 Siglas Inglês Português IPA Municipal Poll Tax Imposto Pessoal Autárquico IPRA Municipal Property Tax Imposto Predial Autárquico LOLE Law on Local State Bodies Lei dos Órgãos Locais do Estado MAE Ministry for State Administration Ministério da Administração Estatal MCC Millennium Challenge Corporation MDGs Millennium Development Goals Metas de Desenvolvimento do Milénio MDP-ESA Municipal Development Parceria para o Desenvolvimento Partnership — Eastern and Municipal — Região da África Southern Africa Region Oriental e Austral MEC Ministry of Education and Culture Ministério de Educação e Cultura MF Ministry of Finance Ministério das Finanças MFP Ministry of Public Service Ministério da Função Pública MICOA Ministry for Coordination of Ministério para a Coordenação da Environmental Affairs Acção Ambiental MISAU Ministry of Health Ministério de Saúde MMAS Ministry of Woman and Social Ministério da Mulher e Acção Action Social MOPH Ministry of Public Works and Ministério das Obras Públicas e Housing Habitação MPD Ministry of Planning and Ministério do Plano e Desenvolvimento Development MT Metical Metical MTn New Metical Metical novo NGO Non-Governmental Organization Organização Não Governamental/ONG OLE Local Organs of State Órgãos Locais do Estado PACT Programme for Accountability and Programa de Responsabilização Transparency e Transparência PADEM Programme for Support to Programa de Apoio à Decentralization and Descentralização e Municipalização Municipalisation (SDC) PADM Programme for Support to Programa de Apoio aos Distritos Municipalities and Districts, ADA e Municípios, ADA PARPA Action Plan for the Reduction of Plano de Acção para a Redução da Absolute Poverty Pobreza Absoluta PB Participatory Budgeting Orçamento Participativo PDDM Decentralization and Municipal Projecto de Descentralização e Development Project (GTZ) Desenvolvimento Municipal PDM Municipal Development Project Projecto de Desenvolvimento (WB) Municipal (WB) 9 Siglas Inglês Português PDRS Solid Waste Director Plan Plano Director de Resíduos Sólidos PES Economic and Social Plan Plano Económico e Social PGIRSU Integrated Urban Solid Waste Plano de Gestão Integrada de Management Plan Resíduos Sólidos Urbanos PLDP Participatory Local Planos Locais de Desenvolvimento Development Plans Participativo PNSBC National Programme for Low Cost Programa Nacional de Saneamento a Sanitation Baixo Custo PPFD Decentralized Planning and Programa de Planificação e Finanças Finance Programme Descentralizadas PPP Public Private Partnership Parcerias Público Privadas PRM Police of the Republic of Polícia da República de Moçambique Mozambique PRODER Rural Development Programme Programa de Desenvolvimento Rural (GTZ) (GTZ) PROGOV Project for Democratic Municipal Projecto de Governação Municipal Government (USAID) Democrática (USAID) PROMAPUTO Maputo Municipal Development Programa de Desenvolvimento Program Municipal de Maputo PRSP Poverty Reduction Strategy Paper Processo de Estratégia de Redução da Pobreza RENAMO Mozambique National Resistance Resistência Nacional Moçambicana SDC Swiss Agency for Development Agência Suíça para o and Cooperation Desenvolvimento e Cooperação SIFAP System of Training in Public Sistema de Formação em Administration Administração Pública SISTAFE System for State Finance Sistema de Administração Financeira Administration do Estado TA Administrative Tribunal (National Tribunal Administrativo Audit Offcie) TAE Municipal Tax on Economic Taxa de Actividade Económica Activities UEM Eduardo Mondlane UNiversity Universidade Eduardo Mondlane UNDP United Nations Development Programa das Nações Unidas para Program o Desenvolvimento UNESCO United Nations Educational, Organização das Nações Unidas Scientific and Cultural para a Educação, Ciência e Organization Cultura UN-HABITAT United Nations Human Settlements Programa das Nações Unidas para Programme Habitação 10 Siglas Inglês Português USAID United States Agency for Agência dos Estados Unidos para o International Development Desenvolvimento Internacional WB World Bank Banco Mundial 11 Resumo Executivo Os municípios foram instituídos por lei, em Moçambique, em 1997 e as eleições locais decorreram pela primeira vez em 1998. Este processo decorreu no quadro das transformações políticas assistidas depois da assinatura dos acordos de paz. A maioria dos municípios herdou do colonialismo e do governo central estruturas frágeis e disfuncionais de sistemas. Decorrente deste contexto, o primeiro mandato (1998-2002) registou pouco progresso na sua transformação da gestão municipais. No entanto, durante o segundo mandato (2003-2008), verificaram-se consideráveis melhorias, à medida em que os municípios começaram a aprender a lidar com os desafios da governação local e com alguns dos esforços para alargamento das oportunidades para prestação de serviços. No fim da primeira década de municipalização, a maioria das autarquias conseguiu, em certa medida, reorganizar-se e algumas empreenderam iniciativas que começaram a dar resultados. Há no entanto ainda um longo caminho a percorrer, antes de as autarquias se consolidarem ao ponto de conseguirem fornecer serviços locais de qualidade em resposta a uma procura crescente. Há o risco de que o ritmo de desenvolvimento das capacidades técnicas e financeiras municipais venha a ser ultrapassada pelo crescimento da população municipal e pela transferência de responsabilidades acrescidas. As instituições do governo central e a Associação Nacional de Municípios de Moçambique (ANAMM) precisam de reforçar a capacidade dos municípios assegurando que estes desempenharem o seu papel potencialmente decisivo para melhorar as condições de vida, estimular o crescimento e consolidar uma democracia em Moçambique. De 1997 a 2008: Resultados Os municípios estão a crescer em número e dimensão. De acordo com as Nações Unidas, Moçambique tem uma das maiores populações urbanas na África Oriental, com 36% e prevê-se que venha a crescer para 60% até 2030. De acordo com dados do Recenseamento Geral da População e Habitação de 2007, Moçambique regista um rápido crescimento urbano (3,03%) e um rápido crescimento autárquico (2,84%). Estes níveis de crescimento superam o crescimento nacional e rural. Além disso, os dados deste crescimento negam uma variabilidade substancial, pois 07 municípios cresceram mais de 10% e outros 5 entre 5-10%. Contudo, pelo menos 03 municípios apresentaram um crescimento de menos de 0,5% (ver Figura 1). O número de municípios aumentou de 33 em 1997 para 43 em 2008. Na ausência de um planeamento urbano adequado, este ritmo acelerado de crescimento terá como resultado, em certas autarquias, a expansão de bairros informais. 12 Figura 1. Taxa de crescimento anual da população municipal 1997-2007 16 14 12 Taxa média de crescimento anual (%) 10 8 6 4 2 0 Alto Molocue Ilha de Moçambique Gorongosa Tete City Lichinga City Maxixe City Inhambane City Quelimane City Gondola Angoche Montepuez Matola City Chimoio City Moatize Milange Chokwé Bilene-Macia Pemba City Vilankulo Nampula City Nacala-Porto Beira City Maputo City Gurue Marromeu Monapo Xai-Xai City Dondo Mandlakazi Mocimboa da Praia Massinga Mocuba Mueda Ribáue Chibuto Marupa Cuamba Manhiça Namaacha Manica Municípios Fonte: Estimativas do autor com base em dados dos Recenseamentos de 1997 e 2007. As responsabilidades autárquicas estão a aumentar e o país está a atravessar um processo assimétrico de descentralização. As atribuições das autarquias estão a aumentar passando, de fornecedores de serviços locais, como os parques, estradas, segurança pública, iluminação pública, policiamento municipal e resíduos sólidos, entre outros, a assumir a responsabilidade de complexos serviços sociais, incluindo alguns aspectos da educação e da saúde – tal como determina o Decreto 33/3006. No entanto, o aumento da procura de serviços não tem sido acompanhado por uma expansão do emprego, das actividades da economia formal e das receitas. Em Moçambique, cerca de 70% do PIB são produzidos pelos sectores da indústrias e dos serviços, na sua maioria localizados em zonas urbanas, mas a pobreza urbana mantém-se elevada e no período 1996/97 a 2002/03 (aquele para o qual existem dados mais recentes), não decresceu tão rapidamente como a pobreza rural. Há também uma considerável variação de crescimento e pobreza dentro dos limites municipais e entre as zonas urbanas, periurbanas e rurais. Os municípios têm um papel a desempenhar na redução da pobreza e na promoção do investimento. Entre outros factores, redução da pobreza urbana está relacionada, com o acesso a terra, serviços, empregos e alimentação. Às autarquias cabe o papel principal na regularização da posse da terra e na sistematização dos mercados de terra, em grande medida corruptos, factores que são reconhecidos internacionalmente como fundamentais para a canalização de investimentos e poupanças para que os pobres acedam a bens. Iniciativas agrícolas, urbanas e periurbanas, para que haja garantia de alimentos e criação 13 de emprego, podem ser apoiadas por um eficaz planeamento urbano e direitos de uso da terra, bem como para alguns serviços de apoio específicos. As autarquias podem contribuir para um clima de investimento mais atraente e para a criação de emprego, através de uma gama de instrumentos, incluindo investimentos em infra-estruturas físicas de importância crucial (p. ex. estradas urbanas), redução da burocracia (p. ex. licenças para funcionamento de negócios) e a prestação de serviços públicos através de parcerias público-privadas. As autarquias são importantes para a consolidação da democracia. As autarquias são a única forma de governo local eleito em Moçambique e, como tal, a sua credibilidade junto dos cidadãos é fundamental para a consolidação e institucionalização de uma boa governação e democracia no país. Elas têm também um papel a desempenhar, quer assumindo e aprofundando o empenhamento nos processos formais da governação, quer dando aos pobres maior capacidade de representação, para terem voz e oportunidades de acesso através de uma maior participação em actividades de planeamento e orçamento. As Lições dos Primeiros Dez Anos. Os municípios criados em 1998 herdaram uma estrutura organizativa extremamente fraca e infra-estruturas que na generalidade não tinham recebido manutenção ou melhoramentos desde a era colonial. Herdaram também uma base de tributação autárquica muito limitada, com registos de propriedade desactualizados ou inexistentes e sem que existisse uma cultura de pagamento de taxas, impostos e multas. Não obstante este ponto de partida negativo, várias autarquias têm conseguido ultrapassar alguns dos seus desafios organizacionais e alcançado resultados positivos na prestação de serviços, particularmente no mais recente mandato. Há no entanto grandes limitações em todas as áreas da prestação de serviços, conjugado com o rápido aumento da procura que resulta de uma crescente população urbana. “Urbano” e “municipal” não são sinónimos em Moçambique e os limites municipais englobam frequentemente uma mescla de densas zonas urbanas, áreas periurbanas e espaços rurais. Esta situação levanta ainda mais desafios às equipas de gestão autárquica, pois os serviços prioritários e os modelos da prestação de serviços, podem variar consideravelmente nestes diversos espaços. Entretanto, têm-se verificado alguns notáveis esforços e êxitos ao longo destes primeiros dez anos. Caixa 1. Alguns Exemplos de Boas Práticas Municipais nos Primeiros 10 anos 1. Melhoramentos na Gestão Financeira O Município da Cidade da Beira instituiu um sistema simplificado de gestão financeira. Melhorou também a colecta de receitas dos mercados, tal como acontece também com Montepuez. A Cidade de Maputo aumentou as receitas próprias 55%, em 2 anos. Pelo menos 20 autarquias participaram em programas de formação apoiados pelo TA, IGF e parceiros de desenvolvimento, sobre gestão financeira e contas, incluindo a preparação dos relatórios financeiros anuais autárquicos que são exigidos pelo TA. 2. Planeamento e Orçamentos Participativos e Fiscalização pelos Cidadãos Dondo, Maputo e Montepuez têm tido algumas experiências positivas em planeamento e orçamentos participativos, com apoio de parceiros externos. Há também algumas excelentes iniciativas que podem ser vistas no município da Cidade de Maputo, Nacala, Gurué, Chimoio e Vilanculos, destinadas a aumentar a transparência e combater a corrupção. Em Montepuez e Dondo, a rádio comunitária tem sido utilizada para educação cívica e para divulgar as actividades municipais. A maioria destas iniciativas são muito recentes, dai não devem serem consideradas como institucionalizadas. A Cidade de Maputo está actualmente a implementar a sua terceira “Avaliação pelos Cidadãos” ( Citizen Report Cards) efectuada por 14 investigadores independentes e lançou também o seu programa de orçamento participativo. 3. Requalificação Urbana Têm sido empreendidos com sucesso projectos-piloto no Bairro Josina Machel em Manica, Bairro Mafariha no Dondo e em Marromeu, desenvolvendo boas práticas já iniciadas nos municípios de Maputo (Maxaquene) e Nacala, mas torna-se agora necessário incrementar estas experiências. 4. Gestão de Resíduos Sólidos A cidade de Maputo introduziu, com sucesso, contratos de recolha primária de resíduos sólidos, que consiste na recolha porta-a-porta ou em pontos pré-seleccionados num bairro, utilizando carroças ou tractores. Recentemente foram assinados contratos de recolha secundária com operadores privados. A taxa de recolha de resíduos sólidos, que é debitada na forma de sobretaxa na factura da electricidade, administrada pela Empresa de Electricidade (EdM), tem tido bastante sucesso e outras cidades estão a seguir este exemplo. Maputo considera que o seu sistema de recolha de resíduos sólidos será totalmente sustentável em 2012. 5. PPPs e modelos alternativas de prestação de serviços As autarquias têm estabelecido parcerias para projectos sociais com empresas locais, incluindo uma fábrica de açúcar na Manhiça, empresas de processamento de óleo de coco em Maxixe, de águas minerais em Manica e uma empresa de cimento no Dondo. O Município de Maputo instituiu um departamento para Parcerias Público-Privadas e já assinou 12 contratos no total de mais de 7 milhões de dólares em investimentos, e estão a ser negociados novos contratos num valor de mais de 50 milhões de dólares. 6. Melhoramento de infra-estruturas de mercados Até à data, um dos investimentos mais visíveis feitos pelos municípios tem sido em infra-estruturas de mercados, incluindo Marromeu, Beira, Manica, Montepuez, Ilha de Moçambique, Dondo e Chókwè, entre outros. 7. Ambiente Montepuez tem feito intervenções para proteger as zonas mais sujeitas a inundações e para evitar a erosão das colinas, através do plantio de árvores e da construção de uma grande vala para escoar as águas pluviais, envolvendo directamente as comunidades potencialmente afectadas. Maputo construiu uma nova Avenida Sebastião Mabote com um elevado nível de precauções ambientais e sociais, seguindo uma estratégia muito rigorosa de consulta e participação das comunidades afectadas e beneficiárias. Lições da Primeira Década: Desafios Uma das principais dificuldades com que os municípios se defrontam é o imperfeito enquadramento político, jurídico e legal (i) As responsabilidades funcionais continuam pouco claras em algumas áreas. O enquadramento jurídico global dos municípios está definido no Pacote de Legislação Autárquica promulgado em 1997 e reformulado em 2007 e 2008. Algumas destas leis estão ainda a ser revistas. Embora tenham sido tomadas algumas medidas para esclarecer ambiguidades no pacote original, continuar a haver falta de clareza quanto às actuais responsabilidades das autarquias e em particular no que diz respeito às atribuições, que são, ou pouco claras, ou criam responsabilidades paralelas. Uma segunda categoria de responsabilidades autárquicas inclui as que estão em processo de serem transferidas para os municípios ao abrigo do Decreto n.º 33/06, abrangendo principalmente os serviços de saúde e educação primária. Prevê-se que, no decurso dos próximos anos, este seja um dos principais enfoques da política e das reformas autárquicas. No entanto, não está ainda totalmente elaborada uma estratégia com critérios e metodologias claras para a 15 transferência de funções do Estado para as autarquias, incluindo a transferência ou a criação dos recursos financeiros, humanos e materiais necessários para garantir a viabilidade dos serviços, uma vez assumidos pelos municípios. Esta situação é ainda agravada pela tendência de Moçambique para uma elevada centralização do sistema político e ausência de um veículo que expresse os desafios das autarquias de forma coordenada, assim como, do limitado papel que os municípios têm desempenhar nos debates nacionais sobre a reforma do sector pública e sobre a pobreza, entre outros. Os ministérios do governo central estão mais habituados a lidar com os governos provinciais e distritais, que política e estruturalmente lhes são mais próximos. Muitos outros aspectos da estratégia política para a descentralização continuam pouco claros e resta saber se serão adequadamente resolvidos através da política e estratégia de descentralização cuja conclusão está prevista para meados de 2009. (ii) Apesar do gradualismo ser um princípio essencial da reforma autárquica, tem havido escassa transparência no processo para a selecção de novos municípios. A base técnica para selecção de novas autarquias e expansão do sistema de poder local não está definida numa metodologia clara e replicável, que estabeleceria normas e objectivos para a criação de novos municípios. Do mesmo modo, as bases técnicas, os critérios e os procedimentos para a alteração dos limites municipais, também não estão claros. Além disso, a falta de uma dimensão territorial para eleição e representação dos membros das Assembleias Municipais, parece enfraquecer a responsividade e o sentido de responsabilização dentro da municipalidade. Há constrangimentos sistémicos subjacentes que continuam a limitar as capacidades das autarquias para transformarem o espaço urbano. Os municípios são organizações complexas multissectoriais e a sua capacidade de agir, em qualquer sector, é fortemente influenciada pelo peso de uma série de elementos ligados a dinâmica e natureza do sistema. Estes constrangimentos manifestam-se particularmente nas seguintes áreas: governação, planeamento, finanças, desenvolvimento organizacional e recursos humanos. (i) No Índice de Governação das Nações Unidas, os municípios de Moçambique têm pontuação de média a baixa. Este índice combina 25 variáveis em 4 dimensões para medir eficácia, equidade, participação e responsabilização. Embora os municípios avaliados tenham tido bons resultados em eficácia, o que indica que geriam os seus tão limitados recursos relativamente bem, a pontuação nas restantes três dimensões foi baixa, mas com tendência para melhorar. A limitada presença de mulheres em posições de destaque nas autarquias, a limitada adopção de políticas pró-pobres, a baixa participação nas eleições autárquicas, os reduzidos mecanismos de participação pública e a fraca interligação com organizações da sociedade civil (OSC), resultaram em pontuações baixas ou médias, respectivamente para equidade e participação. Contudo se verifica algumas melhorias e iniciativas notáveis. Do mesmo modo, a responsabilização tem nota baixa mas está a melhorar, com a publicação de propostas, orçamentos, contas públicas não regulares e um uso limitado de mecanismos instituídos anti-corrupção. 16 (ii) O planeamento estratégico, territorial e operacional está entre as áreas mais importantes e simultaneamente das mais difíceis áreas que as autarquias devem aprofundar, desenvolver e implementar. Até ao presente, tem havido uma visão limitada de estratégia de ordenamento de espaço para o desenvolvimento urbano e prestação de serviços na maioria dos municípios, em particular entre áreas urbanas e periurbanas. Este factor tem sido agravado pela falta de coordenação entre autarquias e distritos, e entre o governo central, as autarquias e os departamentos sectoriais provinciais. O Plano Anual tem sido geralmente baseado nos orçamentos de anos anteriores, utilizando como orientação as plataformas eleitorais, ao em vez de serem elaborados com base num processo de planeamento estratégico, financeiro e territorial mais metodológico. A nova Lei de Ordenamento do Território (Lei 19/2007) atribui a principal responsabilidade do ordenamento às autarquias e cria oportunidades para acelerar o desenvolvimento do espaço urbano através de investimentos estruturantes e de uma maior segurança nas concessões e Direitos de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT). No entanto, a maioria das autarquias não está actualmente preparada para implementar plenamente os Planos de Estrutura Urbana, incluindo a concessão de Direitos de Uso e Aproveitamento da Terra com base num planeamento espacial. (iii) As finanças municipais são débeis e condicionadas pela lei. Entretanto, para os próximos momentos, existem oportunidades para as autarquias aumentarem significativamente as suas receitas. Os orçamentos municipais orçam os 12 dólares per capita (em comparação com 23 dólares na Tanzânia, por exemplo). As receitas próprias estão subaproveitadas, especialmente no que respeita ao imposto predial autárquico (IPRA), nas autarquias de maiores dimensões, não obstante as limitações legais relacionadas com o alargamento da base de tributária. (p. ex. isenções para novas propriedades por períodos de 5 anos). Todas as autarquias podem aumentar as suas receitas derivadas de taxas internas, e algumas delas deram grandes progressos resultantes das taxas de gestão de mercados e de resíduos sólidos. A nova lei fiscal (Lei 01/08) dá às autarquias um controlo total sobre taxas de transferência de propriedade e taxas sobre veículos, embora as implicações financeiras e administrativas sejam onerosas. As transferências intergovernamentais são muito limitadas. No seu conjunto, somam menos de 1 por cento do total da receita do país (e com um limite de 1,5%) e a criação de novos municípios reduzirá os montantes ainda mais. Por outro lado, ainda que a ajuda ao desenvolvimento seja importante para as autarquias, esta não é uma fonte estável ou sustentável de financiamento e as autarquias não são geralmente chamadas a participar ou devidamente consultadas sobre projectos financiados pela ajuda, quando não são elas a agência implementadora. Há que notar também que os sistemas de gestão financeira são geralmente fracos e fragmentados e dificultam os esforços das autarquias para planear, executar e controlar os seus orçamentos de um modo eficaz e integrado. (iv) As estruturas organizativas e o pessoal municipal têm melhorado mas, as suas lógicas de actuação continuam desajustadas às actuais e iminentes responsabilidades autárquicas em governação, gestão e prestação de serviços. O governo central limita a autonomia das autarquias através de vários mecanismos institucionalizados de fiscalização, que visam assegurar o cumprimento de procedimentos e normas da gestão do sector público. No entanto, a legislação autárquica concede ainda assim alguma 17 autonomia para que os municípios definam as suas próprias estruturas organizativas, incluindo a revisão das responsabilidades dos departamentos, sistematização e processos de trabalho, quadros de pessoal e descrição de funções. Algumas autarquias já o fazem mas a maioria ainda não põe em prática esta prerrogativa. Tem-se também verificado um uso limitado de modelos diferentes de prestação de serviços, ainda que algumas autarquias tenham utilizado empresas municipais (p. ex. Quelimane) e parcerias público- privadas (p. ex. Maputo). Os cidadãos avaliam o desempenho com base na efectiva prestação de serviços, mas as competências dos municípios vão desde o que é claramente definido (p. e. resíduos sólidos, saneamento) a responsabilidades paralelas e indefinidas (terras, saúde, água, educação). Os municípios verificam desequilíbrio nos padrões de acesso a serviços essenciais, sendo que regista-se maior acesso no centro que nas áreas periurbanas do que nas áreas rurais. A eficiente prestação de serviços é condição essencial para resolver muitos dos constrangimentos sistémicos fundamentais acima referidos, limitando a utilidade de uma abordagem puramente sectorial. No entanto, os sucessos de grande visibilidade, em sectores específicos, podem acontecer e serem muito úteis. Na gestão da térrea urbana, por exemplo, há uma urgente necessidade de garantir os direitos de utilização e de reduzir a crescente informalidade nos mercados fundiários e a generalizada corrupção que lhes está associada. A gestão dos resíduos sólidos tem-se deparado com sérios problemas de O&M, reduzida capacidade técnica e fracas contribuições do sector privado. O saneamento é, claramente, uma responsabilidade municipal, mas os recursos são restritos, mesmo para melhoramentos locais de saneamento (calcula-se que seriam necessários 182 milhões de dólares para cumprir com as MDG/MDM). O abastecimento de água potável tem registado sucessos com o modelo FIPAG, mas o avanço para uma cobertura total vai requerer tempo e as autarquias estão a ser empurradas para o sector sem que as suas competências sejam claramente definidas. Próximos passos Os desafios mencionados deverem ser enfrentados pelas autarquias. Mas elas não o devem fazer sozinhas. As responsabilidades de um desempenho municipal eficaz não cabem apenas no âmbito das autarquias mas requerem a conjugação de sinergias e um esforço abrangente envolvendo o governo central, as autarquias, a ANAMM, uma sociedade civil organizada e os parceiros de desenvolvimento no sentido de resolver as imperfeições no enquadramento jurídico e os constrangimentos anteriormente referidos. Caixa 2. As 5 Principais Recomendações por Interveniente Governo Central  Mesmo que existe consagrado na constituição da República aspectos da política de descentralização, é preciso priduzir uma política e estratégia específicas com um plano a 10- 15anos e definir a abordagem ao gradualismo.  Clarificar o enquadramento legal relacionado com as responsabilidades autárquicas, em particular nas “áreas cinzentas” de responsabilidades concomitantes, de sectores e órgãos do estado (OLE).  Desenvolver critérios claros de “preparação” para a transferência de funções nos termos do Decreto 33/2006, incluindo as condições e orientações dos ministérios sectoriais.  Estabelecer uma estratégia de serviços públicos autárquicos e reduzir a burocracia e regulamentação relativa à gestão do pessoal autárquico.  Fortalecer o Tribunal Administrativo para melhorar a apresentação de contas dos municípios 18 Municípios  Publicar planos, orçamentos, contas, contratos, propostas, códigos de conduta e facilitar o fluxo de informação para e dos cidadãos, através de instrumentos como os orçamentos participativos e os mecanismos para reclamações.  Criar ou consolidar unidades de planeamento municipal que produzam planos interligados aos planos estratégicos consultivos e aos planos e orçamentos anuais de ordenamento e sectoriais.  Estabelecer planos de urbanização o mais realistas possíveis e de fácil implementação. Desenvolver cadastros para a emissão de direitos de uso e aproveitamento de terra ( DUAT) e alargar o número de propriedades tributáveis.  Aumentar a receita própria através de vários instrumentos, fiscais e não fiscais e instituir sistemas simplificados integrados de gestão financeira.  Assumir, caso necessário, uma revisão geral da estrutura organizativa, incluindo procedimentos e reformas da orgânica do trabalho, transferências, racionalização e recrutamento, modelos alternativos de prestação de serviços e revisão das responsabilidades dos departamentos. ANAMM/ Parceiros de Desenvolvimento  Reforçar a capacidade da ANAMM para empreender, com o governo central, reformas jurídicas e políticas em nome das autarquias, incluindo a política e estratégia de descentralização e os critérios para a transferência de funções.  Documentar e difundir conhecimentos e boas práticas, de Moçambique e de outros países.  Coordenar a troca de experiências utilizando mecanismos de aprendizagem através dos pares.  Oferecer programas de formação em áreas de necessidade comum das autarquias.  Mobilizar apoio para a assistência técnica partilhada do governo central e dos parceiros. É necessário clarificar as actuais atribuições das autarquias. As autarquias deveriam concentrar-se em alcançar sucesso nas áreas que são claramente de jurisdição municipal, com o apoio de outros actores. A prioridade deve ser dada à provisão dos bens e serviços locais mais simples, deixando para outros níveis do governo e empresas fornecedoras de serviços os mais complexos, tais como alguns aspectos de saúde e educação, para os quais lhes falta capacidade. Além disso, os municípios devem concentar-se principalmente na provisão de serviços, para os quais têm mandatos claros, receitas suficientes e capacidade de executar. Ao mesmo tempo, é importante que os ministérios do governo central, o governo provincial, as empresas fornecedoras de serviços, e os municípios trabalhem em estreita colaboração, para chegarem a um consenso e estabelecerem as competências específicas, em relação às atribuições que são pouco claras ou que requerem responsabilidades conjugada. E isto deveria também ser incluído numa estratégia de descentralização a médio a longo prazo. Estabelecer critérios de calendário, metodologia e de “preparação” para a transferência de quaisquer novas competências para as autarquias. É recomendável que o governo central e as autarquias estabeleçam um critério para garantir que a transferência de novas competências para as autarquias sejam limitadas àquelas autarquias que efectivamente estão preparadas para o assumir. O governo deve desenvolver linhas de orientação claras e exequíveis para o envolvimento de ministérios chave de acção transversal, como Planificação e Desenvolvimento, Finanças, Administração Estatal, Obras Públicas e Habitação, bem como outros ministérios sectoriais relevantes, para garantir o sucesso de qualquer eventual processo de 19 transferência de competências para os municípios. A ANAMM deve criar uma comissão ad-hoc de presidentes dos conselhos municipais para colaborar com o governo central. Este processo deve ser encarado como parte da componente de descentralização do programa de reforma do sector público nacional, e a preparação e o apoio à prestação de serviços pelas autarquias deveria ser plenamente incorporado nas estratégias e planos de reforma que estão a ser formulados por cada ministério e correlacionados com as políticas fiscais. Esta iniciativa será provavelmente a mais significativa dimensão da descentralização e da reforma municipal nos próximos cinco a dez anos. Estabelecer critérios transparentes e calendários para acompanhar o gradualismo no processo de municipalização. Em Moçambique, tanto as políticas de democratização como as de descentralização, são prejudicadas pelo conceito de gradualismo e mais particularmente pela sua falta de clareza para monitoramento do processo. Os benefícios da reforma autárquica serão alargados e aprofundados se o governo central assumir uma expansão sistemática de governação descentralizada num período a definir (p. ex. 10-15 anos) com objectivos muito claros quanto à expansão do seu âmbito geográfico, de modo a incluir todas as pequenas cidades rurais e os distritos rurais no processo da autarcização e dai se poder atingir uma dimensão minimamente viável. Deveriam também ser definidos e divulgados critérios mais claros para as cidades ou vilas e outras povoações se virem a tornar municípios e deveria ser criado um processo transparente de avaliação das “candidatas” a municípios. Poder-se-ia alcançar uma maior responsividade e responsabilização nas Assembleias Municipais, alterando a lei eleitoral autárquica de modo a que inclua alguma proporção de representação das várias áreas. Deste modo, os representantes das zonas rurais e mais distantes dentro do território do município, com menos ligações à política, conseguiriam ter mais voz e possibilidade de influenciar decisões a nível local. Esta é uma proposta a longo prazo, que necessitaria de uma reforma legislativa, mas que teria um impacto significativo na natureza da governação e da responsabilização a nível municipal. O aumento da responsabilização a nível autárquico é uma área de grande importância que introduziria alterações cruciais na governação urbana. Há medidas que é importante destacar, como a publicação e divulgação alargada de documentos públicos como contratos, propostas, orçamentos, planos, relatórios financeiros, auditorias e códigos de conduta para políticos e funcionários autárquicos. Deveria ser também prática comum a avaliação feita pelos cidadãos e a criação de Cartas dos direitos e responsabilidades dos cidadãos, com a criação de canais transparentes onde se receberiam as queixas/reclamações dos cidadãos, bem como a instalação de sistemas de controlo da má administração e da corrupção. Importante também, seria criar mais canais de participação pública, incluindo os orçamentos e planeamento participativos, assim como uma maior representação das mulheres e dos segmentos mais pobres do município. Todas estas iniciativas requerem uma liderança forte por parte dos Presidentes, dos Conselhos e das Assembleias Municipais. Contudo, o governo central, a ANAMM e os parceiros do desenvolvimento têm um papel muito importante a desempenhar na criação de 20 estratégias, orientações e assistência técnica para apoio a uma melhor governação e responsabilização, e na divulgação de boas práticas. A criação de equipas municipais de planeamento e uma planificação eficaz, são essenciais ao desenvolvimento urbano. Em grandes municípios, como Maputo ou Beira, faz sentido criar uma equipa de Planeamento Estratégico, localizada no gabinete do próprio Presidente do Conselho Municipal ou sob a sua alçada, incumbida da tarefa de coordenar o planeamento global. Em autarquias mais pequenas este seria um processo incremental e poderia ser o departamento de planeamento urbano a liderá-lo. Com base em consultas à cidade, a equipa de planeamento estratégico ajudaria o Presidente do CM a desenvolver um plano estratégico abrangendo toda a cidade, o qual seria depois operacionalizado. As equipas de planeamento teriam de coordenar os vários sectores no âmbito do município, entre o município e outros ramos do governo (distrito, província, ministérios de tutela), para o que o ordenamento e o mapeamento seriam essenciais. Com base nestas actividades, seria definido um programa prioritário de acção para o ano seguinte, e interligado depois ao exercício orçamental anual. As finanças autárquicas terão de crescer exponencialmente para poderem responder às necessidades resultantes do crescimento populacional urbana dentro dos seus limites territoriais. O sistema nacional de transferências precisa de ser alargado e baseado em fórmulas, e novos instrumentos fiscais introduzidos para apoiar a implementação da nova lei fiscal. É necessário que o governo garanta que as autarquias cumprem a legislação do SISTAFE e forneça a consequente assistência técnica para esse fim. As autarquias devem alargar o número de propriedades tributáveis e actualizar o seu valor na matriz, como está a ser feito em Maputo, e funcionar com sistemas simples de gestão financeira integrada (p. ex. Beira), e em conformidade com a legislação nacional. Os municípios têm um papel importante a desempenhar na redução da pobreza e na estimulação de investimento. Iniciativas de agricultura urbana e “peri-urbana” para segurança de alimento e criação de trabalho podem ser apoiadas por um planeamento urbano eficiente e direitos de uso de terra. Os municípios desempenham um papel crítico em fornecer infraestrutura para facilitar as ligações urbano-rurais, tais como mercados, e promover o estabelecimento de serviços de extensão para fortalecer a agricultura e gerar cadeias de processamento de produtos agrícolas. Os municípios também têm capacidade de melhorar o bem-estar dos cidadãos através dum governo participativo que promova uma participação política mais abrangente entre os pobres. Finalmente, os municípios contribuem para um ambiente mais conducente ao investimento e emprego, investindo em infraestrutura (p. ex. estradas urbanas), reduzindo burocracia (p. ex. na concessão de licenças) e fornecendo serviços através de parcerias públicas-privadas. A reestruturação municipal e o investimento em recursos humanos podem trazer consideráveis melhorias à eficácia das autarquias. O governo central deveria criar um enquadramento nacional para carreiras de serviço autárquico e aumentar a flexibilidade do recrutamento e da gestão do pessoal das autarquias. Deveria também aumentar a consciência, a nível da autarquia, do potencial para reestruturação e das opções para 21 aumentar as capacidades (quadros de pessoal, salários, transferências internas, racionalização, recrutamento, parcerias público-privadas/PPP e outros modelos de prestação de serviços. A nível municipal há muitas oportunidades para reformar sistemas e redefinir procedimentos e fluxos de trabalho. Os municípios podem também ligar o progresso nas carreiras à formação e ao desempenho, como já foi feito em Maputo ao abrigo do plano de reforço de competências do pessoal. Apesar das dificuldades subjacentes, há oportunidades para melhoramentos na prestação de serviços integrados, a curto e médio prazo. Há necessidade de efectuar um mapeamento de baixo custo e de desenvolver cadastros para melhorar a segurança da posse de terra e alargar a base de tributação. O governo central (através do MICOA) e dos parceiros de desenvolvimento, devem trabalhar, em colaboração com as universidades, para desenvolverem um núcleo de especialistas para um SIG/GIS e um planeamento de utilização dos terrenos para alcançar estes resultados. Outra área que é claramente da competência dos municípios é a gestão de resíduos sólidos onde muito se aprendeu durante a primeira década. São necessários planos integrados de gestão de resíduos sólidos para adquirir a tecnologia apropriada e alcançar uma capacidade operacional, estabelecer a sustentabilidade financeira e económica através da obtenção de receitas e de campanhas junto dos cidadãos para criar um sentido de responsabilidade pública. Na área do abastecimento de água, as autarquias e as agências centrais devem conjugar sinergias e esforços para esclarecer o papel e as responsabilidades das autarquias e colaborar mais estreitamente em questões de governação, incluindo a partilha de informação sobre o modo como os recursos são canalizados e planeados ao abrigo de programas, para permitir que, ao mesmo tempo, as famílias tenham acesso às redes de abastecimento de água. As autarquias têm uma particular responsabilidade na área do saneamento, mas sem liderança e sem recursos adicionais do governo central, há escassas possibilidades de cumprir as MDG/MDM, considerando os recursos necessários. 22 Capítulo 1. Introdução à Urbanização e ao Desenvolvimento Municipal em Moçambique 1.1 Objectivo O objectivo deste estudo é proporcionar a quem faz as políticas e às autoridades municipais em Moçambique, uma análise dos desafios e oportunidades de desenvolvimento municipal em Moçambique, com base na experiência dos primeiros dez anos. As principais audiências deste estudo serão os Conselhos e Assembleias Municipais de Moçambique. E em segunda linha, o Governo nacional, a Associação de Municípios (ANAMM) e os parceiros de desenvolvimento, os quais têm todos um papel relevante a desempenhar no apoio a um efectivo desenvolvimento municipal em Moçambique. Este estudo constitui a primeira avaliação integrada dos desafios ao desenvolvimento local e à prestação de serviços, numa óptica municipal. Apresenta um diagnóstico dos constrangimentos sistémicos subjacentes que os municípios enfrentam, aborda algumas das dificuldades específicas dos municípios na prestação de serviços e faz algumas recomendações aos Governos, tanto central como municipais, para atacarem algumas destas dificuldades no âmbito de um enquadramento integrado e sistémico. É importante notar que o processo de abordagem utilizado na preparação do estudo, concertando presidentes de Conselhos Municipais, autarcas, profissionais ligados ao desenvolvimento, consultores e académicos foi, em si mesmo, um dos objectivos do estudo. Criou oportunidades para discutir e debater questões, de modo a que se chegasse a um entendimento globalmente consistente das prioridades municipais, das dificuldades subjacentes que limitam a capacidade de respostas, e possíveis orientações para acção a nível local e central, para ultrapassar, a prazo, esses constrangimentos. 1.2 População “Urbana” e “Municipal” em Moçambique De acordo com as Nações Unidas, Moçambique tem (em 2007) uma das mais elevadas proporções de população urbana na África Oriental, cifrada em 36% (UNFAPA 2007) e 23 que se prevê que cresça para 60% até 2030 (UN 2006).1 De acordo com esta projecção, poderá haver até 17 milhões de pessoas nas áreas urbanas de Moçambique em 2030. Ainda que as Nações Unidas sejam a fonte de projecções demográficas mais geralmente utilizada, os resultados provisórios do recenseamento recentemente efectuado (2007) sugerem que o aumento da população urbana poderá não ser tão drástico. Como mostra a tabela 1.1, de 1997 para 2007 o crescimento médio anual da população foi de 2,5%, enquanto o crescimento da população urbana foi de 3,0% ao ano e a população municipal cresceu 2,8% ao ano. As taxas de crescimento, tanto urbana como municipal foram superiores às taxas nacional e rural (2,3%), mas a diferença não é grande, pois o regresso às zonas rurais no pós-guerra continuou a manter-se elevado no final da década de 1990. Isto significa que, nos últimos dez anos, as populações, urbana e municipal, tiveram um crescimento absoluto de 1,6 e 1,3 milhões de pessoas, respectivamente. A urbanização de populações pode ocorrer devido a três factores: uma migração líquida positiva para áreas urbanas, o aumento natural da população (excedente de nascimentos em relação a mortes) em zonas urbanas, num valor mais elevado que no resto da população, e a reclassificação de povoados rurais como povoações urbanas. Algumas das diferenças, em termos de taxas médias anuais de crescimento da população entre áreas urbanas e rurais, que se verificaram em Moçambique, podem ser atribuídas a alterações na cartografia do Censo 2007 em relação ao de 1997, que pode ter conduzido à reclassificação de algumas áreas de enumeração, no decorrer do III Recenseamento Geral da População. Além disso, a migração rural-urbana e a elevada taxa de mortalidade em zonas rurais (24 por 1000) em comparação com a de zonas urbanas (14,3 por 1000) podem também ter contribuído para estas diferenças. Uma vez que o censo esteja completado ter-se-á uma ideia mais clara do peso da migração no nível de urbanização em Moçambique. Usando as taxas de crescimento da população no intervalo entre os censos 1997–2007, as populações urbanas e municipais deverão crescer para quase 12 e 10 milhões de indivíduos, respectivamente. Isto significa que entre o presente e o ano 2030 as áreas urbanas e os municípios terão cerca de de 250 000 e 200 000 novos residentes em cada 24 ano. Estabelecer o crescimento exacto das populações urbanas é menos importante que compreender a inevitabilizade e a magnitude da tendência para a urbanização em Moçambique. Estes números implicam desafios substantivos à criação de infra-estruturas sociais e económicas, bem como oportunidades de emprego e produtividade nos centros urbanos em crescimento. Quadro 1.1 Estimativas de População por Área de Residência, 1997 e 2007 Crescimento Taxa Média de Projecção Censo 1997 Censo 2007* Absoluto Crescim. Anual (%) 2007–2030** Nacional 16 075 708 20 530 714 4 455 006 2,48 35 193 675 Urbano 4 601 100 6 203 035 1 601 935 3,03 11 962 050 Rural 11 474 608 14 327 679 2 853 071 2,25 23 375 925 Municípios 4 052 274 5 361 819 1 309 545 2,84 9 928 363 Fonte: Censo 1997 e Censo 2007. Notas: *Resultados preliminares. **Estimativas do Autor. Embora estas populações, urbanas e municipais, tenham crescido acima da média nacional, estas médias escondem a natureza muito heterogénea dos municípios de Moçambique. Como se pode ver no anexo 1.2, 7 municípios acusavam um crescimento superior a 10% no período 1997–2007, 5 indicavam entre 5–10% e 9 registavam um crescimento entre 3–5%. O crescimento ultrapassou uma média anual de 10% no Alto- Molócue (10,9%), Gorongosa (15,4%), Marupa (10,6%), Marromeu (14,5%), Massinga (13,5%), Manhiça (12,9%), e Mocuba (10,4%). Por contraste, os municípios com as mais baixas taxas de crescimento de população são Nacala-Porto (0,3%), Mandlakazi (0,4%) e Beira (0,3%). Mas nenhum município apresenta crescimento negativo. Em termos absolutos, a cidade de Maputo é o município mais populoso do país com mais de 1 milhão de habitantes. Com o passar do tempo, é óbvio que algumas cidades irão transformar-se em região metropolitana (e.g. Maputo-Matola) enquanto outras terão um papel destacado ao longo de corredores regionais, como a Beira, Dondo, Nacala e Tete. Embora Maputo seja o município mais populoso do país e o único com mais de 1 milhão de habitantes, o seu nível de supremacia não é muito elevado (ver figura 1.1)2. Em 2007 tem menos do dobro da população da segunda maior cidade (Matola), embora Maputo forneça muito do emprego e serviços a Matola, pelos que as duas estão na verdade mais perto de formar uma conurbação única. No entanto, em relação ao mais pequeno 25 município (Namaacha) Maputo tem mais de oitenta vezes a sua dimensão é também, em média, oito vezes maior que a média das populações municipais. Figura 1.1 Hierarquia Urbana de Moçambique 1,200,000 1,000,000 800,000 Population (2007) 600,000 400,000 200,000 0 Maxixe City Xai-Xai City Moatize Mandlakazi Maputo City Matola City Montepuez Mocuba Chokwé Manhiça Massingaa Manica Bilene-Maciaa Monapo Milange Muedaa Marupaa Alto Molocuea Beira City Tete City Gurue Marromeu Dondo Gondolaa Lichinga City Chibuto Ribáuea Nacala-Porto Angoche Gorongosaa Ilha de Moçambique Vilankulo Mocimboa da Praia Nampula City Chimoio City Pemba City Cuamba Quelimane City Inhambane City Namaachaa Municipalities Fonte: Estimativa do Autor com base em dados do censo de 2007. Population (2007) – População (2007) Municipalities – Municípios Os números apresentados na análise anterior, provêm do censo, que utiliza uma definição estatística de áreas urbanas e rurais. No entanto, as definições de “urbana” variam consideravelmente em todo o mundo, incluindo Moçambique, onde há pelo menos 3 definições usadas, diferindo essencialmente na unidade espacial de análise e níveis de desenvolvimento económico das áreas em apreciação. O Ministério da Administração Estatal (MAE) aplica a sua própria definição de áreas “urbanas” a entidades político- administrativas com base nos seus níveis de desenvolvimento económico, social e cultural; a definição de áreas urbanas do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA) baseia-se no grau de utilização urbana de terrenos e inclui os municípios, aldeias e sedes dos postos administrativos e localidades instituídos por lei. 26 Por fim, a definição usada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), é baseada nas áreas de enumeração urbanas, que são a mais pequena unidade estatística de análise do recenseamento. No entanto, nenhuma destas definições considera a densidade populacional, que é o critério geralmente utilizado para definir áreas urbanas. (Ver anexo 1.1). Partindo destas definições, este estudo utiliza a definição jurídico-administrativa de municípios como unidade da análise. Embora urbanização e espaço urbano influenciem claramente muito da discussão e análise, o uso da definição administrativa foi escolhido de acordo com o objectivo do estudo de fornecer linhas práticas de orientação aos presidentes dos Conselhos Municipais e suas equipas, os quais são responsáveis pela gestão dentro dos limites administrativos dos municípios. O uso da definição administrativa requer também um conhecimento mais integrado do espaço municipal em Moçambique, que varia consideravelmente entre e no seio das autarquias. As fronteiras municipais podem abranger uma combinação de áreas urbanas densamente populadas (tanto centros de “cimento” históricos como povoados informais), assim como povoações periurbanas e espaço rural utilizado sobretudo para agricultura, incluindo silvicultura, em certos casos. Só na Cidade de Maputo existem os distritos urbanos amplamente diferentes da Polana (a cidade de cimento central) e Inhaca (essencialmente rural, com baixa densidade). Há uma série de municípios de carácter fortemente rural. Esta gama de “espaços municipais” torna a dicotomia frequentemente enunciada entre rural e urbano muito desvantajosa para efeitos de gestão e para uma compreensão da dinâmica da pobreza, pois as famílias geralmente obtêm o seu sustento simultaneamento do espaço rural e do urbano. 1.3 Breve Perfil Socioeconómico dos Municípios de Moçambique A pesquisa para este estudo centra-se nos 33 municípios estabelecidos em 1998 e considera também a criação recente de dez novos municípios em 2008. O “espaço” municipal em Moçambique é muito difícil de quantificar em termos das suas características socioeconómicas, em resultado das diferenças de definições acima 27 referidas, e do facto de não existirem estudos recentes abrangentes e suficientemente desagregados. Os dados do censo deverão fornecer informações muito úteis sobre municipalidades, mas os necessários detalhes e análises só estarão disponíveis em finais de 2009 ou princípio de 2010. Por esse motivo, alguma parte da análise para este estudo foi efectuada utilizando o censo de 1997 e o Inquérito aos Agregados Familiares (IAF) 2003–2004, mas os dados não são muito fiáveis e apenas se podem estabeler tendências e aproximações gerais. De acordo com esta análise, a nível municipal, entre 1997 e 2003 a dimensão dos agregados familiares aumentou de 5,7 para 6,1 indivíduos, e este número situa-se acima da média nacional de 4,8 indivíduos por agregado. De acordo também com o IAF, mais de 55% dos que vivem em municípios tem menos de 20 anos de idade. Entre as municipalidades, tem havido ganhos em taxas de literacia de cerca de 20 pontos percentuais no período 1997–003 e a frequência escolar quase dobrou, durante o mesmo período, de 49% em 1997, para 87% em 2003. As tendências de emprego também têm melhorado ainda que não significativamente, com a proporção de população urbana activa a subir de 49,1% em 1997, para 59,2% em 2003 (INE 2006)3. Tem havido alguma melhoria nas condições de habitação e na prestação de serviços de infra-estruturas básicas, mas as condições são ainda precárias. De acordo com o IAF, a proporção de casas com telhados de colmo reduziu para metade ao passo que os telhados de zinco duplicaram. Do mesmo modo, a proporção de habitações com paredes de blocos de cimento aumentou, verificando-se uma acentuada redução no número de habitações feitas com palha. Apesar destes progressos, cerca de 70% das populações urbanas vivem ainda em povoações com características de bairros de lata, incluindo um crescimento intenso e desregulado, a falta de infra-estruturas de serviços comuns como a água, saneamento, remoção de resíduos sólidos, esgotos, electricidade, e onde os lares são feitos em materiais precários. Por exemplo, a proporção de lares com acesso a electricidade era de cerca de 28,2% em 2003. O acesso a água potável a preço acessível continua a ser um grave problema para a maioria da população municipal, e as instalações sanitárias das autarquias estão muito pouco desenvolvidas, recorrendo a 28 maioria das famílias a latrinas. De acordo com o estudo de pobreza apresentado no capítulo 5 e efectuado em 6 municipalidades, o acesso à água pode em certos casos ser de apenas 9% (Maxixe), a latrinas de apenas 10% (Ilha de Moçambique) e a electricidade chegar apenas a 4% (Manhiça). Quanto aos materiais para construção de habitações, embora o uso de blocos de cimento chegue a ser de mais de 15%, a grande maioria usa ainda palha e adobe. Além disso, estas povoações espontâneas são frequentemente construídas em terrenos inapropriados, com tendência para inundações, erosão e acumulação de resíduos sólidos. As elevadas taxas de malária em localidades como a Cidade de Maputo (170 265 casos e 99 mortes em 2007), prevalência de disenteria (6 911 casos em 2007) e surtos de cólera (909 casos em 2007) são o resultado desta falta das infra-estruturas necessárias para melhores resultados na saúde. 1.4 Análise da Situação e Questões-Chave do Estudo Ainda que em Moçambique 36% da população viva em áreas urbanas, não tem havido grande debate sobre o papel que as autarquias podem desempenhar na redução da pobreza e no crescimento. Este dado reflecte-se nos documentos principais da agenda nacional, incluindo o Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA) I e II, no Plano Económico e Social (PES) anual, e no Plano Quinquenal do Governo, onde as municipalidades não são praticamente abordadas e os indicadores escassos e debilmente formulados. O PARPA teve início como estratégia específica para alívio da pobreza rural, orientada para a necessidade de acção em zonas rurais após o acordo de paz, quando as pessoas começaram a voltar aos seus lares, deixando as cidades. Estudos recentes mostram que, embora a pobreza urbana seja um pouco menor (52%) que nas áreas rurais (55%), a diferença é surpreendentemente pequena. É de notar que a pobreza baixou mais rapidamente nas zonas rurais que nas urbanas — em 22,3 por cento e em 16,5 por cento respectivamente no período entre 1996–1997 e 2002–2003 (Fox et al. 2005).4 Para piorar as coisas, as projecções para o mercado de trabalho urbano nos próximos dez anos, não são optimistas. De acordo com o Banco Mundial (CEM 2005), com a migração rural-urbana a população urbana em idade activa irá crescer, entre 2005 e 2015, a uma taxa elevada, talvez 4,1 por cento ao ano, enquanto, na melhor hipótese, o emprego assalariado no sector formal poderá crescer 1,5 por cento ao ano. O substancial 29 diferencial entre o crescimento da população trabalhadora urbana e do emprego implica simultaneamento que o sector informal continuará a crescer e que os níveis de salários no sector formal (com excepção do funcionalismo público) irão provavelmente estagnar. Os motivos desta situação são múltiplos e incluem uma falta de voz activa/organização nas autarquias, uma escassez de dados desagregados a nível municipal e uma tradição e historial de governação do topo para baixo que vem dos tempos coloniais e recentemente se veio combinar com tensões e preocupações políticas quanto ou impacto do “poder local” fora das estruturas políticas de partido. O actual discurso sobre a municipalidade, em Moçambique, é consideravelmente constrangido por estes factores. Um dos objectivos deste estudo é, consequentemente, fornecer, numa óptica territorial, algumas estratégias e perspectivas integradas sobre a municipalidade, que possam ser úteis para infundir no futuro uma visão geográfica mais alargada nos debates nacionais. À medida que cresce a agenda da governação, torna-se mais importante uma abordagem territorial integrada. Muitas agências para o desenvolvimento estão agora a interligar as suas ajudas a indicadores de governação. O desenvolvimento municipal prende-se essencialmente com governação e gestão e oferece um microcosmo de demonstração dos desafios e do potencial de programas de prestação de serviços integrados. Para além dos mandatos da ANAMM e do MAE, há uma série de parceiros de desenvolvimento em Moçambique que têm apoiado os municípios, embora isto constitua uma pequena proporção do total da ajuda ao desenvolvimento.5 Tem no entanto havido experiências e lições aprendidas que dão um útil contributo às várias agências que procuram adaptar os seus programas já existentes, ou conceber novos, com base nas suas constatações. Os principais destinatários deste estudo são os presidentes dos Conselhos Municipais e suas equipas, em particular aqueles que assumirão funções nos princípios de 2009, para o terceiro mandato municipal. Por esse motivo, o estudo é principalmente um trabalho destinado a funcionários locais, fazedores de políticas a nível local e do Governo central, ANAMM e aqueles que trabalham para o desenvolvimento. Face às limitações de dados e recursos, o estudo não pode pretender dar respostas abrangentes à importante questão de estabelecer até que ponto os municípios podem 30 contribuir para aliviar a pobreza em Moçambique, nem fornecer dados quantitativos sobre a natureza da pobreza urbana ou das interligações rurais-urbanas. Isto deve-se sobretudo ao facto de não existerem dados a um nível suficientemente desagregado para permitir tirar conclusões a nível municipal, e também da migração não estar ainda eficazmente avaliada e investigada em Moçambique. No entanto, a situação vai mudar quando forem publicados os resultados do censo. Os estudos e a pesquisa estão limitados em relação à escala da urbanização e à multiplicidade de questões a serem analisadas. Ainda assim, este estudo faz uma modesta primeira tentativa para lidar com esta falta de análise e compreensão, nos vários capítulos em que uma série de elementos são discutidos, sob diversos ângulos, para contribuir para uma compreensão da complexidade do desenvolvimento municipal. As principais questões que este estudo pretende analisar e melhor compreender são as seguintes:  Qual tem sido o impacto da urbanização em Moçambique e qual será o seu provável impacto no futuro?  Quais são os principais desafios enfrentados pelos municípios e quais os constrangimentos subjacentes para solucionar estes desafios e agarrar as oportunidades?  Qual a melhor maneira para os municípios darem resposta a estes desafios e em que medida o fizeram nestes primeiros dez anos de existência?  Qual o papel do Governo central na criação de um clima mais propício a que os municípios funcionem com eficácia?  Qual o papel apropriado e de maior valor acrescentado para a ANAMM, como associação que representa os municípios seus membros?  Como podem as agências de ajuda ao desenvolvimento dar melhor apoio ao desenvolvimento autárquico e quais as lições aprendidas até ao presente? 1.5 Estrutura do Estudo O carácter distintivo deste estudo é a sua abordagem sistémica aos desafios que confrontam os municípios e a gama de intervenções necessárias para os resolver. Isto 31 deriva do processo e metodologia específicos usados para o estudo, nomeadamente o trabalho com os autarcas e a ANAMM, de modo a compreender as suas prioridades e dificuldades numa perspectiva local e a dar-lhes ajuda no diagnóstico das causas subjacentes, como base para uma plataforma de acção. O estudo foi coordenado pelo Banco e Mundial e a ANAMM, trabalhando em comité composto pela ANAMM, o MAE e os vários parceiros financiadores: a Agência Austríaca de Desenvolvimento (ADA)6, a Agência Dinamarquesa de Desenvolvimento Internacional (DANIDA), a Cooperação Técnica Alemã (GTZ), a Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação (SDC), o UN-HABITAT e o Banco Mundial. A Unidade de Planeamento do Desenvolvimento do University College London foi chamada para ajudar no planeamento geral e coordenação do trabalho. Dado o número de agências envolvidas e o processo de fazer aceitar e validar os resultados pelos próprios autarcas, nem o estudo, nem qualquer dos seus capítulos em particular, pode considerar-se como representando os pontos de vista de todas ou de qualquer uma das agências envolvidas. O trabalho foi orientado por uma série de equipas, congregando consultores, académicos e profissionais de diversas áreas. Cada equipa incluía elementos locais e internacionais. Os capítulos variam assim em termos de enfoque, o que reflecte a riqueza do processo e as múltiplas perspectivas que foram introduzidas nas questões em análise. Dada a diversidade de tópicos que poderiam ser incluídos num estudo sobre municípios, acordou-se que se privilegiariam as questões transversais e sistémicas subjacentes a muitos dos desafios mais evidentes que confrontam as municipalidades. Como tal, cinco dos oito capítulos temáticos cobrem estas questões sistémicas (jurídica e política, governação e planeamento, finanças, pobreza e interligação rural-urbana, e lições aprendidas). Foram originalmente considerados diversos estudos sectoriais que abordam certos desafios específicos de prestação de serviços pelos municípios mas, finalmente, foram escolhidos o abastecimento de água e saneamento, terreno urbano, e gestão de resíduos sólidos, com base no interesse, relevância e financimanto disponível. Estes sectores ilustram também as questões transversais em sectores que claramente estão no âmbito das competências municipais (resíduos sólidos, terrenos e saneamento) e naqueles 32 onde existem áreas “cinzentas” paralelas em termos de responsabilidades e recursos (abastecimento de água). No decorrer do processo, foram realizados três importantes workshops consultivos. O primeiro teve lugar em Agosto 2007, com o Comité e as equipas de pesquisa, para discutir os relatórios de abertura e acordar mecanismos de coordenação, e cidades e vilas a serem visitadas pelas várias equipas. Todas as visitas foram facilitadas pela ANAMM e as equipas tiveram excelentes facilidades de acesso e apoio de todos os municípios. Houve ainda uma outra oportunidade para apresentar uma actualização do progresso do estudo aos autarcas, durante o Congresso Anual da ANAMM em Novembro 2007. Em Junho 2007 realizou-se em Maputo um workshop no qual estiveram presentes 15 presidentes de Conselhos Municipais, para além de outros interessados, para discutir e validar as conclusões e recomendações do relatório. O último capítulo foi escrito na sequência desse workshop. Foram também recebidos comentários escritos dos parceiros de desenvolvimento, Governo e autarcas. O estudo final será distribuído aos novos presidentes dos Conselhos Municipais em 2009 e debatido num novo workshop. As equipas visitaram um total de 19 municipalidades, representando 58% das existentes e cerca de 90% do total da população municipal e 20% do total da população do país. Embora inicialmente se tivesse proposto ter uma amostra representativa de municípios em termos de localização e dimensão de população, surgiram vários impedimentos à sua concretização. O conjunto final de municípios incluiu uma combinação bastante representativa em termos de dimensão e região, mas também autarquias com maior facilidade de acesso para os investigadores e que ofereciam experiências inovadoras e boas práticas em áreas específicas. Cada capítulo segue metodologias específicas mas, na generalidade, todos utilizam uma combinação de pesquisa bibliográfica, e ainda alguma pesquisa básica incluindo questionários, entrevistas e levantamentos. Alguns apresentam também análises estatísticas e económicas. Devido às limitações de dados a nível municipal, o estudo não apresenta uma análise global, abrangendo todas as autarquias. Em vez disso, apoia-se em grande parte em informações provenientes de estudos de caso que não podem ser 33 fiavelmente extrapolados para outros municípios. Alguns capítulos, como os jurídicos e financeiros, apresentam realmente informações sobre todos os municípios, pelo que deles se podem inferir conclusões mais generalizadas. No entanto, a qualidade e abrangência dos dados são limitadas na maioria dos capítulos, pelo que devem ser interpretados como uma documentação genérica das condições dos municípios em Moçambique e não como um retrato exacto e definitivo. Para aprofundar uma compreensão das municipalidades de Moçambique será necessário efectuar mais investigação a nível nacional, para reunir dados representativos a nível municipal. Se isso não for possível por condicionalismos de recursos, deverão ser efectuados inquéritos municipais específicos para reunir a necessária informação demográfica e socioeconómica.7 1.6 Concepção do Estudo Cada capítulo é baseado num relatório mais alongado, preparado pelas equipas de pesquisa e apresentado a cada uma das agências financiadoras como peça independente. Os relatórios mais longos estão incluídos no CD-ROM. As versões editadas de cada relatório incluídas no estudo foram aprovadas pelos autores. Cada capítulo tem secções que focam objectivos e metodologia; principais conclusões e desafios; e recomendações ao Governo central e aos municípios. Os capítulos 2 a 4 do relatório dão uma apreciação geral dos constrangimentos sistémicos transversais que limitam a capacidade de resposta dos municípios de Moçambique. O capítulo 2 aborda as bases jurídicas e institucionais dos municípios de Moçambique e identifica possíveis lacunas e áreas a melhorar. O capítulo 3 introduz uma discussão sobre governação e planeamento, utilizando o Índice de Governação Urbana concebido como parte da Campanha Global de Governação das Nações Unidas e aprofunda aspectos da participação dos cidadãos no planeamento, desde o estratégico ao operacional, e do planeamento urbano pelos Conselhos Municipais. O capítulo 4 dá uma visão geral da situação relativamente ao financiamento municipal em Moçambique, analisando as condições de receita e despesa e identificando lacunas e oportunidades para melhorar esta crítica área sistémica. 34 O capítulo 5 concentra-se na pobreza urbana e procura coligir alguns dados novos e processá-los, junto com outros já existentes, para obter uma nova compreensão da natureza da pobreza urbana. Introduz também alguma discussão sobre interligações rurais-urbanas e como, tanto dentro das municipalidades como para além das suas fronteiras, as estratégias de sobrevivência das famílias se socorrem do espaço urbano e periurbano para obter meios de sustento tanto rurais como urbanos. O capítulo 6 fornece a primeira perspectiva de sector, focando a gestão de terreno urbano em Moçambique. O capítulo 7 segue com uma abordagem ao panorama do abastecimento de água e saneamento básico e a sua relevância para os municípios e suscita algumas questões importantes sobre o papel das autarquias na prestação de serviços. Por fim, é discutida uma área de serviços que claramente se situa no âmbito dos municípios — a Gestão de Resíduos Sólidos — com recomendações apresentadas no capítulo 8. O Capítulo 9 elabora algumas das lições aprendidas em 10 anos de desenvolvimento municipal em Moçambique, passando em revista as dimensões das áreas jurídica, governação, planeamento, gestão, finanças, prestação de serviços e uma série de questões transversais como género, ambiente e VIH/SIDA. O capítulo final inicia-se com algumas reflexões sobre o papel dos municípios na agenda de crescimeento e redução da pobreza em Moçambique. Incide depois especificamente sobre as principais conclusões do estudo e como estas demonstram as dificuldades e desafios subjacentes que os municípios têm de enfrentar. O capítulo aborda a necessidade de encarar o desenvolvimento municipal de uma forma integrada e sistémica, e propõe um modelo de estrutura para o fazer. O corpo principal do capítulo é dedicado a recomendações para acção por parte Governo central e municípios bem como pela ANAMM e pelos parceiros de desenvolvimento. 35 Anexo 1.1 Definição de “Urbano” e “Municipal” em Moçambique Definição Administrativa: De acordo com o Boletim da República (BR), I Série, Nº 16 de 1987, o Ministério da Administração Estatal classifica as áreas urbanas com base no desenvolvimento económico dos principais centros urbanos do país. Esta definição leva em consideração aspectos políticos, económicos, sociais, culturais, densidade de população, número e tipo de indústrias, grau de desenvolvimento de actividades de comércio, educação e saneamento. O MAE classifica as cidades e vilas urbanas em tipos A, B, C e D. O Tipo “A” inclui a capital do país, Maputo, o tipo “B” as capitais de província de Nampula e Beira e mais recentemente Matola, e o tipo “C” inclui todas as outras capitais de província bem como outras cidades. Os municípios do Tipo “D” são aqueles que desempenham um papel importante para o desenvolvimento local na qualidade de pequenas cidades. O mesmo decreto cria ainda 66 vilas, das quais 10 (uma em cada província) foram escolhidas para se tornarem municipalidades. Finalmente, a 2 de Maio 2008, esses novos municípios foram criados, um em cada província. A Quadro A1.1 mostra a classificação das entidades urbanas com base nos critérios do MAE. Quadro A1.1 Classificação das Cidades com Base em Critérios do MAE Tipe de Cidade Vilas que se tornaram Novos municípios Cidade municípios 2008 “A” Maputo Metangula Marupa “B” Beira Mocímboa da Praia Mueda Nampula Monapo Alto Molocué Matola Milange Ribáuè “C” Chimoio Moatize Ulongue Nacala Catandica Gondola Quelimane Marromeu Gorongosa Inhambane Vilanculoss Massinga Lichinga Mandlakazi Bilene-Macia Pemba Manhiça Namaacha Tete Xai-Xai Ilha de Moçambique 36 Tipe de Cidade Vilas que se tornaram Novos municípios Cidade municípios 2008 “D” Angoche Cuamba Chibuto Chókwè Dondo Gurué Manica Maxixe Mocuba Montepuez Fontes: BR, 1987 — Iª Série, Número 16. BR, 2008 — Iª Série, Número 18 Definição do Uso da Terra O Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA) define as áreas urbanas com base numa definição territorial relacionada com o uso urbano da terra. O terreno “urbano” corresponde à área dentro de municipalidades, aldeias e sedes dos Postos Administrativos e localidades instituídas por lei (BR, 2007 de 18 Julho). De acordo com a “Política de Ordenamento do Território” no BR, 2007 de 30 Maio 2007, o MICOA classifica as áreas urbanas tendo em consideração a sustentabilidade de centros urbanos em termos de uso de solo urbano, saneamento e ambiente, desenvolvimento de infra- estruturas de transportes e comunicações, e condições de alojamento. Esta classificação procura: (i) promover a sustentabilidade de áreas urbanas; (ii) melhorar a gestão de terrenos urbanos entre as municipalidades e a administração central; (iii) garantir um melhor planeamento para o desenvolvimento das cidades urbanas. Definição Estatística A definição de urbano do Instituto Nacional de Estatística (INE), está interligada às áreas de enumeração, que são as mais pequenas unidades de estratificação da amostra do recenseamento. De acordo com o INE (1997), e para fins de definição de áreas urbanas ou estratos urbanos na amostra mestra de cada província, foram considerados três subestratos: (i) cidades capitais, (ii) cidades com mais de 20 000 agregados familiares, 37 (iii) e as restantes áreas urbanas da província. Em 1986, a Lei estabeleceu 91 áreas urbanas e todas as respectivas áreas de enumeração são consideradas como tal. As áreas urbanas de enumeração têm entre 100 e 150 agregados familiares, ao contrário das rurais, que têm entre 80 e 100 agregados. Esta definição não toma em consideração a dimensão do território, pelo que a densidade populacional de cada área de enumeração pode variar consideravelmente.8 É também importante referir que a definição de áreas urbanas de 1997 não é consistente com a do Inquérito aos Agregados Familiares (IAF) de 2002– 2003, no sentido em este que tendia a sobrestimar a proporção de população vivendo em áreas urbanas, ao incluir aldeias e localidades não conformes com alguns dos critérios acima referidos. Consequentemente, com base no mapeamento do censo 2007, podemos verificar que, da lista de potênciais áreas urbanas em Moçambique (23 cidades e 68 vilas), só 59 das 68 vilas cumprem os critérios de áreas urbanas. A lista de áreas urbanas com base no mapeamento do censo é apresentada na seguinte quadro A1.2: Quadro A1.2 Classificação de Áreas Urbanas com Base em Critérios do INE 23 cidades 68 Vilas 1. Cidade de Maputo 1. Lago 24. Maganja da Costa 47. Inharrime 2. Matola 2. Mandimba 25. Milange 48. Inhassoro 3. Beira 3. Marrupa 26. Morrumbala 49. Jangamo 4. Nampula 4. Mecanhelas 27. Namacurra 50. Mabote 5. Chimoio 5. Sanga 28. Namarroi 51. Massinga 6. Nacala-Porto 6. Chiure 29. Pebane 52. Morrumbene 7. Quelimane 7. Ibo 30. Angónia 53. Vilanculoss 8. Tete 8. Macomia 31. Cahora-Bassa 54. Zavala 9. Xai-Xai 9. Mocímboa da Praia 32. Moatize 55. Bilene Macia 10. Gurué 10. Mueda 33. Vila Nova da 56. Vila Praia do Fronteira Bilene 11. Maxixe 11. Namapa-Erati 34. Mutarara 57. Chicualacuala 12. Lichinga 12. Malema 35. Barué 58. Vila de Xilembene 13. Pemba 13. Meconta 36. Gondola 59. Guija 14. Dondo 14. Mogovolas 37. Machipanda 60. Mandlacaze 15. Angoche 15. Moma 38. Messica 61. Boane 16. Cuamba 16. Monapo 39. Búzi 62. Magude 17. Montepuez 17. Mossuril 40. Caia 63. Manhiça 18. Mocuba 18. Murrupula 41. Cheringoma 64. Vila de Xinavane 19. Inhambane 19. Nacala-Velha 42. Gorongosa 65. Marracuene 20. Chókwè 20. Ribaué 43. Marromeu 66. Matutuíne 38 23 cidades 68 Vilas 21. Chibuto 21. Alto Molocué 44.Nhamatanda 67. Moamba 22. Ilha de 22. Chinde 45. Govuro 68. Namaacha Moçambique 23. Manica 23. Lugela 46. Homoíne Fonte: INE, 1997, 2007. Outras Definições: A densidade populacional é uma importante vertente para definir áreas urbanas, uma vez que engloba as economias de aglomeração as quais são características que definem os centros urbanos. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) utiliza uma definição de “urbano” baseada em densidade que tem um ponto de corte ou limiar de 150 pessoas por quilómetro quadrado para todos os países da OCDE (com excepção do Japão). Todas as povoações com uma densidade populacional acima desse limiar são consideradas “urbanas” (OCDE 1994). Se Moçambique tivesse de usar esta definição baseada em densidade, o resultado seria que muito poucas “cidades” teriam a classificação de áreas urbanas. Apenas as cidades de Maputo, Matola, Maxixe, Beira, Chimoio, Tete, Quelimane, Nampula, Nacala-Porto e Pemba corresponderiam à categoria de área “urbana”. Este dado é importante pois é mais um factor que contesta a utilidade da dicotomia rural-urbano no contexto de Moçambique. Anexo 1.2 População por Município em Moçambique. Estimativas 1997 e 2007 1997 2007 c Taxa média Província Municípios cresc.anual (%) Niassa Cuamba 58 594 72 056 2,09 Marupaa 6 525 17 908 10,62 b b b Metangula Cidade de Lichinga 87 025 139 471 4,83 Cabo Delgado Mocímboa da Praia 26 132 37 633 3,71 Montepuez 57 408 65 659 1,35 Muedaa 15 927 24 140 4,25 Cidade de Pemba 87 662 125 635 3,66 Nampula Angoche 59 778 77 794 2,67 Ilha de Moçambique 43188 48 839 1,24 Monapo 20 721 43 065 7,59 Nacala-Porto 161 460 167 038 0,34 Ribáuèa 16 075 20 859 2,64 Cidade de Nampula 310 955 414 958 2,93 39 1997 2007 c Taxa média Província Municípios cresc.anual (%) Zambézia Alto Molocuéa 13 845 38 956 10,90 Gurué 100 319 140 025 3,39 Milange 17 123 29 534 5,60 Mocuba 57 584 154 704 10,39 Cidade de Quelimane 153 501 191 476 2,24 Tete Moatize 26 963 52 205 6,83 Cidade de Tete 103 550 151 981 3,91 b b Ulónguèa b Manica Gondolaa 26 909 37 714 3,43 Manica 53 767 61 598 1,37 Cidade de Chimoio 175 006 224 088 2,50 b b b Catandica Sofala Dondo 62 424 70 436 1,21 Gorongosaa 12 295 51 394 15,38 Marromeu 18 827 72 822 14,48 Cidade da Beira 405 040 418 141 0,32 Inhambane Massingaa 18 214 64 592 13,50 Vilanculoss 20 644 38 271 6,37 Cidade de Maxixe 96 193 107 047 1,07 Cidade de Inhambane 53 932 68 285 2,39 Gaza Bilene-Maciaa 27 187 45 668 5,32 Chibuto 47 330 62 759 2,86 Chókwè 57 585 89 633 4,52 Mandlakazi 24 133 25 067 0,38 Cidade de Xai-Xai 102 053 115 831 1,27 Província de Manhiça 19 449 65 341 12,88 Maputo Namaachaa 10 251 12 564 2,06 Cidade da Matola 430 700 648 025 4,17 Maputo City Cidade de Maputo 966 000 1 068 607 1,01 Fonte: INE: Censo da População 1997 e Censo 2007. Notas: a novos municípios propostos em 2008. b: Dados não disponíveis. c: Resultados provisórios Notas Finais: 1 Outras estimativas são ainda mais elevadas. As projecções de Bocquier (2005) por exemplo, calculam que até 2030 63,6 por cento da população de Moçambique viverá em áreas urbanas. No entanto, é de notar que esta proporção resulta da definição urbana/rural do censo que não considera densidade. 2 De acordo com a literatura existente, supremacia significa que a dimensão da principal cidade de um país é desproporcionadamente grande em relação à segunda cidade. Geralmente, quando o rácio da primeira em relação à segunda cidade excede dois, a dimensão da cidade é designada por “primate” (principal) (Mutlu 1989, 611). 40 3 População económica activa é a proporção de população com 15 ou mais anos de idade, excepto aqueles que, na altura do inquérito, eram estudantes a tempo completo, incapacitados ou reformados. População empregada é a proporção da população economicamente activa que se declarou empregada nos sete dias anteriores ao inquérito ou que, não tendo trabalhado, tinha no entanto emprego permanente. 4 Esta situação é em parte devida à depreciação do câmbio durante o período de 1996/7 -2002/3 que favoreceu os agricultores. Não existem dados desde 2002/3 pelo que não é claro se a tendência se manteve. É de notar também que estes agregados escondem uma variação interessante entre áreas urbanas e rurais. Enquanto algumas áreas urbanas em províncias como Nampula e Sofala registaram declínios da pobreza de quase 45% (medidos por consumo per capita) outras, como Inhambane e Maputo tiveram um crescimento de 15 e 28 por cento respectivamente. Nas áreas rurais, todas as províncias, excepto Cabo Delgado, tiveram redução dos níveis de pobreza (ver Fox et al. 2008). 5 De acordo com a OdaMoz, são gastos menos de 100 milhões de dólares US por ano, do dinheiro da ajuda, a nível municipal. 6 A Agência Austríaca de Desenvolvimento (ADA) é a unidade operacional da Cooperação Austríaca para o Desenvolvimento (ADC). Em Moçambique a Agência Austríaca de Desenvolvimento (ADA) é representada pelo Gabinete de Coordenação para a Cooperação para o Desenvolvimento, Embaixada da Áustria, Maputo. 7 Alguns parceiros de desenvolvimento (SDC e GTZ) iniciaram já uma tentativa para desenvolver uma linha-base municipal para uma série de variáveis sociais, económicas e de prestação de serviços. 8 Entrevista com o Director de Estatísticas Demográficas Vitais e Sociais do INE (4 de Abril, 2007, Maputo). 41 Capítulo 2. O Contexto Jurídico e Institucional para o Desenvolvimento Urbano e Municipal 2.1 O Contexto Jurídico e Institucional da Governação Urbana em Moçambique Breve Historial da Organização do Sector Público no Moçambique Urbano Até finais da década de 90, as áreas urbanas de Moçambique estiveram sob a autoridade política e administrativa do Estado centralizado, tanto até ao final do governo colonial em 1975 como durante o período do governo de partido único que formalmente terminou com a revisão constitucional de 1990. O modelo administrativo colonial determinava a existência de executivos políticos nas cidades (administradores) que presidiam a câmaras municipais. Estas câmaras não tinham poderes vinculativos; os seus membros eram antes escolhidos pelas autoridades governantes portuguesas para darem apoio ao executivo hierárquico unitário, na coordenação e implementação, através do administrador da sua cidade, numa hierarquia que culminava no governador colonial da “Província Ultramarina de Moçambique”. A consulta a elites urbanas, económicas e culturais, pelas autoridades da câmara local, constituíam os canais através dos quais a sociedade civil, ainda que só os elementos considerados aceitáveis pelo regime colonial, participava na governação urbana. Após a independência, em 1975, o partido de Estado FRELIMO estabeleceu novos sistemas de governação e gestão urbanas. Ainda que o aparelho formal do sector público, apesar da designação alterada para “conselhos executivos”, tenha continuado bastante similar, em estrutura e funções, às câmaras do período colonial, o seu papel e o seu relacionamento com um leque mais alargado de instituições sócio-políticas tornaram-se consideravelmente diferentes. As estruturas partidárias foram fundidas com as governativas: após a independência, o primeiro secretário nomeado pela FRELIMO em cada cidade, era também o administrador, e as assembleias do povo eram escolhidas por processos internos do partido como seu correspondente corpo representivo/deliberativo a nível local. Uma organização social, baseada em grupos dinamizadores populares, iniciada pela FRELIMO durante a luta pela independência como base do socialismo 42 popular, fornecia a base para a criação de estruturas do partido a nível do bairro, do quarteirão e núcleo residencial (grupo de dez casas). Outros canais para mobilização e participação popular eram proporcionados por outras “organizações de massas” ligadas à FRELIMO, como a Organização da Mulher Moçambicana (OMM) e a Organização da Juventude Moçambicana (OJM). Estas estruturas mobilizadoras e centradas no partido, desenvolvidas em torno dos secretários de bairro e das assembleias do povo de maior ou menor escala, eram complementadas por mecanismos corporativistas planeados pelo Estado, em interligação com organizações económicas — incluindo aquelas que eram responsáveis pela prestação de serviços públicos básicos, alojamento e bens essenciais de consumo — e com o executivo local do partido. À medida que a crise económica dos anos 80 se generalizou, este “centralismo democrático” começou a enfraquecer; em 1986–7, o partido único FRELIMO começou a relaxar o controlo não só sobre a produção e distribuição de bens de consumo, mas também sobre a administração dos serviços urbanos que por volta de 1990 era cada vez mais delegado nos administradores e nos directores especializados nomeados pelos ministérios sectoriais, que faziam parte dos seus conselhos executivos. O processo de liberalização económica e política, contemplado na constituição de 1990, e impulsionado também pelas disposições do Acordo de Paz de Roma de 1992 relativamente à governação local, resultou na formulação, pelo Ministério da Administração Estatal (MAE), de uma estratégia para a introdução de governação local descentralizada em Moçambique. A Lei do Quadro Institucional dos Distritos Municipais, aprovada pelo Governo e submetida ao legislativo em 1994, previa a introdução gradual de autarquias estatutariamente eleitas em todo o território nacional, incluindo eventualmente todas as 23 cidades e 121 distritos. Esta lei prevê um enquadramento legal único, com pequenas variações em estrutura e funções adequadas às especificidades dos contextos urbano e rural. A Lei do Quadro Institucional dos Distritos Municipais foi a última lei aprovada pela Assembleia Nacional monopartidária antes das primeiras eleições gerais multipartidárias de Outubro 1994 e marcou um ponto significativo na transição do país para uma democracia liberal. 43 Poder Local: Governo Autárquico e Auto-Governo Urbano Base Jurídica para a Criação de Governos Locais: Constituição e Leis Depois da tomada de posse do governo recém-eleito, no princípio de 1995, foram suscitadas questões, formais e substantivas, por parte de especialistas jurídicos e políticos, quanto à legalidade e viabilidade da Lei do Quadro Institucional dos Distritos Municipais de1994. Em resultado de discussões entre o Governo, a maioria parlamentar da FRELIMO e a representação parlamentar da oposição RENAMO, foi acordada uma revisão da constituição destinada a clarificar a base jurídica para a criação de governos democráticos locais estatutários. Em fins de 1996, foram aprovadas várias emendas à constituição por uma larga maioria bipartidária na Assembleia da República, que incluíam a revisão de artigos constitucionais relacionados com a natureza e o papel de uma administração territorial descentralizada por OLE (Órgãos Locais do Estado) incluindo províncias, distritos, postos administrativos e localidades, bem como em relação ao estatuto constitucional e poderes das autarquias, sob a designação de Poder Local. Estas emendas foram consideradas por muitos como tendo tornado inconsistente a Lei do Quadro Institucional dos Distritos Municipais de1994, necessitando nova legislação antes da criação das primeiras autarquias de Moçambique. Em resultado destas emendas constitucionais de 1996, no início de 1997 o Governo apresentou à Assembleia Nacional uma proposta de lei-quadro do governo local. A falta de acordo entre os grupos parlamentares da FRELIMO e da RENAMO quanto às implicações da proposta do Governo, em particular em relação ao número e selecção das primeiras autarquias e ao que consideravam como uma limitação das suas funções e poderes, levou a que a oposição se retirasse do debate legislativo e da votação. Durante a sua primeira sessão de 1997 a maioria FRELIMO na assembleia aprovou sozinha a nova Lei-quadro do Governo Local, seguida de legislação específica incluindo a legislação que estruturava a criação das primeiras autarquias, eleições autárquicas, finanças municipais, tutela, autarcas e outras especificidades dos funcionários da municipalidade de Maputo. A legislação municipal de Moçambique foi implementada em princípios de 1997, tendo como resultado as primeiras eleições autárquicas em finais desse ano. Os primeiros 23 governos municipais eleitos entraram em funções em Janeiro 1998. 44 Categorias de Governos Locais e sua Criação A Lei 2/97 que apresenta o quadro legal das municipalidades especifica duas categorias de autarquias: municípios e pequenos centros rurais (povoações). Estas categorias foram estabelecidas com base na definição administrativa existente de povoados e não em quaisquer características intrínsecas, como a sua geografia, demografia e perfil económico. A Lei 2/97 especifica ainda que os seguintes dados devem ser considerados na criação de autarquias: a) factores geográficos, demográficos, económicos, sociais, culturais e administrativos; b) interesses nacionais ou locais que possam ser postos em risco; c) razões históricas e culturais; e d) avaliação da capacidade financeira para assumir as responsabilidades que lhes são cometidas. Não são descriminados legalmente quaisquer outros critérios específicos que orientem o governo na selecção de vilas e povoações a propor como autarquias e/ou ajudem a Assembleia a decidir se as propostas devem ou não ser aprovadas. Na altura da aprovação das leis municipais, havia 23 cidades classificadas, incluindo Maputo, as 10 capitais de província e outras doze. Todas estas cidades se tornaram municipalidades em 1997. Além disso, o Governo propôs que uma vila (i.e. uma sede de distrito) em cada província, se tornasse “vila municipal”. Estas dez completaram o primeiro grupo de 33 municipalidades. Embora a lei não seja explícita, todas as sedes de distrito, independentemente das suas características, são consideradas como cidades. Assim existem ainda aproximadamente 111 potenciais municipalidades. Além disso, há cerca de 346 postos administrativos que são potenciais povoações. É de referir que ao longo de 2007, o governo preparou uma proposta de revisão da divisão territorial do país, que potencialmente inclui ajustamentos no número e delimitação dos distritos e postos administrativos bem como a potencial reclassificação de cidades e vilas.1 Caso esta proposta seja aprovada pela Assembleia Nacional, o número e natureza de pequenas vilas e cidades que poderão vir a ser autarquias, poderá mudar. 45 A Natureza do Mandato do Poder Local As autarquias têm por missão “promover os interesses das suas respectivas populações sem prejuízo dos interesses nacionais e da intervenção do Estado”.Têm as suas próprias estruturas políticas, legitimadas por eleições directas e dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial. O quadro geral de supervisão das autarquias pelo Estado é delineado na Lei de Tutela. As autarquias têm, por lei, responsabilidade nas seguintes áreas: desenvolvimento económico e social local; ambiente, saneamento básico e qualidade de vida; “provisão” pública; saúde; educação; cultura, lazer e desporto; policiamento municipal; e desenvolvimento espacial, construção e habitação. No entanto, o exercício de responsabilidades pelo poder local nestas áreas, não exclui o papel de estruturas do Estado nas mesmas áreas, em certos casos com objectivos que são os mesmos ou muito semelhantes. Algumas responsabilidades específicas da provisão de serviço público estão bem detalhadas na Lei-quadro como competindo sobretudo ao governo local, em especial as que se relacionam com a gestão do espaço urbano e ambiente e as que se prendem com assuntos sociais em geral e o bem-estar da comunidade, enquanto outras responsabilidades são apenas genericamente referidas na legislação municipal básica (Decreto 33/06). No entanto, legislação posterior especifica outras responsabilidades funcionais que poderão ser transferidas de órgãos do Estado para as autarquias, incluindo: infra-estruturas e instalações rurais e urbanas; transportes e comunicações; estradas; educação; cultura e bem-estar social; saúde; ambiente e saneamento básico; indústria e comércio. É importante notar, no entanto, que em algumas destas áreas as funções potencialmente susceptíveis de transferência são muito limitadas, enquanto noutras são bastante latas. O Decreto 33/06 define também os procedimentos através dos quais podem ser efectuadas tais transferência de órgãos do Estado para as autarquias. Estes procedimentos devem ser implementados caso-a-caso, com a selecção de funções e a escolha do momento feita especificamente para cada autarquia. A principal provisão para este enquadramento de transferência de competências é a obrigatoriedade de um acordo 46 voluntário, a ser assinado entre os órgãos executivos do poder local e o governo provincial, que é o órgão local do Estado que transfere as competências e recursos. Ao obrigar a que haja consenso quanto à especificação dos recursos que o Estado, através do governo provincial, terá que outorgar ao poder local que assume responsabilidades acrescidas, o quadro jurídico que alarga as competências municipais cria um mecanismo transparente para garantir que existe uma base adequada de recursos para a continuada prestação dos serviços após a transferência de funções do Estado descentralizado para as autarquias. Constrangimentos Institucionais à Autonomia do Poder Local Os municípios em Moçambique são condicionados pelo Estado e pelo Governo central. O Estado restringe a autonomia das autarquias através da imposição de mecanismos institucionalizados de supervisão que procuram garantir a obediência municipal às regras e normas formais e processuais da gestão do sector público. O governo restringe a autonomia das autarquias através de mecanismos que procuram assegurar a conformidade municipal com as prioridades e práticas políticas substantivas preferidas pelo regime nacional no poder. Entre as principais instituições que fomentam esta conformidade incluem-se o Tribunal Administrativo, a Inspecção Geral de Finanças e a Inspecção Geral Administrativa do Estado. Para além destes mecanismos de controlo regulatório por parte do Estado, o Governo central exerce também considerável influência nos municípios de Moçambique. As políticas nacionais de desenvolvimento urbano e investimento sectorial e prestação de serviços em áreas urbanas são poderosas alavancas através das quais o Governo central pode criar incentivos para influenciar as políticas e iniciativas municipais. Há outros meios menos formais que são igualmente importantes. Os canais que interligam o Governos central, autoridades provinciais e conselhos municipais incluem redes de compadrio baseadas em relações profissionais de longa data no seio do sector público e, na vasta maioria das autarquias, relações formais e informais com as estruturas governativas da FRELIMO. Através destes mecanismos induz-se, a nível local, um substancial alinhamento de prioridades e planos políticos e coordenação da acção municipal e do Estado. 47 A Presente Base Política para o Desenvolvimento Urbano e Municipal A implementação da estrutura municipal de Moçambique e a melhoria da governação e do desenvolvimento urbanos dependem não apenas da Constituição e da legislação estruturante que estabelecem as bases do governo local, mas também de políticas e acções simultâneas, adoptadas pelo Governo central. O instrumento estratégico chave para a coordenação da política nacional e do planeamento para o desenvolvimento é o Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta, PARPA II (2006–2009). Os indicadores de desempenho do PARPA II incluem dois tipos relevantes para a presente análise: indicadores explicitamente relacionados com a descentralização e a reforma municipal e indicadores relativos a desenvolvimento urbano e a prestação de serviços urbanos. A utilidade dos indicadores do PARPA parece, no entanto, ser algo limitada: não obrigam a prioridades de política municipal e urbana, como a melhoria do acesso à posse de terras, a habitação condigna em bairros periurbanos, a serviços de transportes públicos urbanos e à cobertura e qualidade da gestão de resíduos sólidos. Um dos grandes princípios orientadores da progressiva política de descentralização de Moçambique é o gradualismo, que se pode verificar em duas áreas de princípios: o gradualismo territorial e o gradualismo funcional. O primeiro, o gradualismo territorial, refere-se ao alargamento gradual da governação municipal a um número crescente de cidades em todo o país (i.e. em 2008 10 novas cidades foram acrescentadas às 33 municipalidades existentes). A outra área importante é o gradualismo funcional, que reflecte o incremento na transferência de competências de um Estado desconcentrado para as municipalidades, conforme expresso na Lei 2/97 e no Decreto 33/06. A progressão do gradualismo funcional reflectirá a descentralização generalizada da gestão do sector público nas zonas urbanas. Em resumo, uma mais clara especificação das estratégias de implementação de reforma do PARPA e do sector público, em relação aos indicadores de progresso territoriais, funcionais e fiscais, na implementação da reforma municipal e estratégias de 48 desenvolvimento, proporcionará bases mais claras para a gestão e monitorização das várias dimensões do gradualismo nas políticas e estratégias da descentralização. O Estado a Nível Local: Órgãos Sub-nacionais do Estado e Governação Urbana Base Jurídica do Estado Local: Constituição e LOLE Conforme acima referido, as emendas constitucionais de 1997 definiram não só o quadro jurídico para o governo local, como também reviram a base legal para a organização e acção do Estado a nível local. A reforma Constitucional de 2004 daí resultante cria órgãos locais do Estado (OLE) a um tempo descentralizados e desconcentrados, com poderes para representarem a autoridade unitária do Estado sob a direcção do Governo. De forma a implementar o princípio constitucionalmente estabelecido da representação do Estado nas áreas de governo local, o Governo decretou que cada tipo de governo local será representado por uma autoridade específica (por exemplo, nas autarquias de pequenas cidades rurais, o Estado será representado pelo Chefe de Posto Administrativo). As relações políticas e funcionais entre estes vários representantes do Estado e os respectivos órgãos e funcionários do governo local com os quais partilham o espaço geográfico, é variado, complexo e evolutivo. Várias funções públicas requerem uma coordenação técnica entre directorias sectoriais desconcentradas dirigidas pelos OLE e departamentos municipais regidos pelas autarquias. A existência de uma sobreposição de autoridades políticas requer canais eficazes de coordenação e colaboração entre autoridades municipais e autoridades do Estado a nível local. 2.2 O Enquadramento Jurídico e Político para a Organização dos Serviços Urbanos Introdução: Serviços Urbanos numa Perspectiva Intergovernamental As secções seguintes contêm uma análise funcional da prestação de serviços públicos em zonas urbanas, com destaque para o papel dos municípios. Uma discussão mais alargada e aprofundada sobre as relações jurídicas e políticas entre municipalidades e estruturas estatais está incluída no CD-ROM. 49 Os sectores apresentados estão organizados em três secções: aqueles que fornecem infra- estruturas urbanas, os que prestam serviços económicos e sociais e os que promovem e regulam actividades do sector privado. Funções Municipais e Funções Desconcentradas do Estado no Fornecimento de Infra-estruturas Urbanas Estradas Urbanas A rede de estradas de Moçambique é regulamentada e gerida pela Autoridade Nacional de Estradas (ANE) sob supervisão do Ministério das Obras Públicas e Habitação (MOPH). As autarquias são responsáveis pela manutenção da rede de estradas, ruas e caminhos dentro dos seus limites geográficos, excepto no caso de estradas primárias e secundárias, conforme definido no âmbito da política e no sistema de classificação das estradas nacionais. As estradas de Moçambique estão divididas em quatro categorias: primárias (nacionais), secundárias (regionais ou provinciais), terciárias (inter-distritais ou sub-regionais), e locais (também designadas por vicinais). Estas estradas vicinais são sobretudo estradas rurais que anteriormente eram consideradas como “não classificadas”, ou ainda ruas e caminhos que permitem exclusivamente ligações de transporte local. A manutenção das estradas primárias e secundárias dentro dos limites municipais, muitas das quais coincidem com avenidas e ruas urbanas, são responsabilidade da ANE em colaboração com as autoridades municipais. Deste modo, a construção e manutenção de algumas estradas terciárias, de todas as vicinais e das ruas e caminhos que são estritamente municipais, situados dentro dos seus limites territoriais, são da responsabilidade dos municípios. A legislação do governo local define as competências municipais rodoviárias como incluindo: gestão e manutenção de estradas que fazem parte das redes urbanas e rurais, com excepção das estradas primárias e secundárias; coordenação com a ANE relativamente a estradas primárias e secundárias que cruzam a área municipal; financiamento de estradas e infra-estruturas de estradas urbanas conexas; introdução de 50 portagens para utilização de estradas e infra-estruturas conexas dentro da sua jurisdição; e concessões de exploração de estradas sob a sua jurisdição. Um aspecto importante do sector de estradas é o financiamento, legalmente mandatado, que é fornecido pelo Fundo Nacional de Estradas (FE), para a manutenção de estradas municipais, um fundo específico estatal que é financiado directamente pelos impostos sobre combustíveis. A legislação relativa ao FE obriga a que 10% das receitas dos impostos sobre combustíveis sejam transferidos para os municípios para financiar a manutenção de estradas e infra-estruturas municipais relacionadas (ver capítulo 4 sobre financiamento). A utilização do FE fica, em princípio, à discrição dos municípios, mas na prática o FE tem obrigado os municípios a apresentar planos e orçamentos como condição prévia para o desembolso e por vezes “solicita” mesmo certos ajustamentos em relação a prioridades e qualidade. Abastecimento de Água A Direcção Nacional de Águas (DNA) é a entidade do MOPH a quem está cometida a gestão estratégica e integrada dos recursos de água, bem como o abastecimento à população de água potável e saneamento. A DNA é assim a entidade estatal responsável pelas políticas de abastecimento de água e pela criação dos mecanismos através dos quais essas políticas são implementadas e os serviços de abastecimento de água são fornecidos. A lei-quadro municipal estabelece apenas que as autarquias estão incumbidas do investimento público nos sistemas municipais de abastecimento de água. No entanto, e em contraste, a legislação específica do sector da água, aprovada no contexto da reforma e restruturação política para permitir a delegação da gestão dos sistemas públicos de abastecimento de água ao sector privado, estabelece a transferência da gestão dos sistemas de abastecimento de água em benefício dos municípios. No entanto, esta transferência de sistemas geridos por particulares ainda não teve lugar e os municípios não estão ainda a exercer os poderes correspondentes. Na verdade, o abastecimento de água (que é diferente do sistema de esgotos) está notoriamente ausente da lista de 51 competências a serem assumidas pelas municipalidades no curso dos próximos três a cinco anos, conforme expresso no Decreto 33/06. Para além da agência reguladora CRA, estão também incluídos, na entidade sectorial coordenadora dos recursos de água, o Fundo de Investimento e Património de Abastecimento de Água (FIPAG), a DNA, as Administrações Regionais da Água (ARA) e o Fórum Coordenador da Gestão Delegada (FCGD). O FCGD é uma entidade consultiva que integra representantes das principais entidades envolvidas no processo de gestão delegada e trabalha para harmonizar os seus respectivos interesses. Os seus membros incluem um representante de cada autarquia, por forma a garantir a sua participação em questões relacionadas com a gestão delegada do abastecimento de água. Em termos legais, a gestão dos sistemas de abastecimento de água dos 13 (treze) sistemas urbanos dirigidos pelo Estado, está presentemente atribuída ao FIPAG, cuja responsabilidade inclui o abastecimento de água a Maputo2, Xai-Xai, Chókwè, Inhambane, Maxixe, Beira, Chimoio, Quelimane, Tete, Nampula, Nacala, Pemba e Lichinga. A nível interinstitucional, as autarquias são representadas nos Conselhos de Direcção do FIPAG e FCGD, participando em deliberações estratégicas e em decisões relacionadas com o financiamento de projectos específicos. Simultaneamente, existem dentro das fronteiras municipais muitas fontes de água independentes, incluindo pontos de água (poços e furos) e pequenos sistemas canalizados que em muitos casos são de iniciativa e gestão privada, para fornecer água a agregados familiares e empresas em áreas periurbanas, onde as redes de distribuição municipais e/ou de empresas públicas não dão cobertura. Tanto os Departamentos Provinciais de Água (cuja autoridade deriva da DNA) como as autoridades municipais, participam na supervisão dos fornecedores independentes de água; é no entanto necessário que haja uma regulamentação e mecanismos institucionais mais claros para definir os seus respectivos papéis e responsabilidades. Estão também previstos esforços para regular o relacionamento entre o FIPAG e os fornecedores de água privados urbanos, através de acordos de concessão limitados, que especifiquem níveis de qualidade (ver capítulo 7 sobre abastecimento de água e saneamento). 52 Drenagem (Esgotos Sanitários e Drenagem de Águas de Superfície) A rede pública de esgotos pode definir-se como um conjunto de instalações de drenagem de águas domésticas e industriais, assim como águas pluviais , includindo a rede de colectores, canos, sarjetas, canais e equipamentos /instalações complementares. A nível nacional, a responsabilidade pela drenagem das águas de superfície, incluindo a gestão administrativa e financeira dos serviços e a manutenção e funcionamento das infra- estruturas, está cometida ao Estado ou às autarquias e pode ser delegada em terceiros. O Decreto 33/06 estabelece a transferência para as autarquias das competências relacionadas com o planeamento e implementação de investimentos e a gestão de equipamentos de suporte dos sistemas municipais de drenagem e o tratamento de resíduos líquidos urbanos e águas de superfície. Não obstante este instrumento legal e a política implícita de descentralização das funções de recolha de esgotos para as autarquias, continua a ser comum, nesta altura de 2008, que instituições estatais, nomeadamente o MOPH e as suas direcções provinciais, continuem a intervir directamente na resolução dos problemas do saneamento básico urbano (ver capítulo 7 sobre abastecimento de água e saneamento). Abastecimento de Electricidade e Iluminação Pública Em Moçambique, a produção, transporte, distribuição e comercialização da energia eléctrica estão sob a responsabilidade da empresa pública Electricidade de Moçambique , (EDM) sob a supervisão do Ministério da Energia. No campo da energia, a legislação municipal refere-se apenas a assuntos relacionados com o investimento na distribuição da energia eléctrica e a iluminação pública. A nível interinstitucional não há um instrumento legal que reja as relações entre os municípios e a EDM, as quais são conduzidas pelas diferentes autarquias casuisticamente. Geralmente os municípios pedem à EDM para alargar a rede de distribuição e fornecer iluminação pública em áreas onde se verificam deficiências e em zonas de expansão urbana; no entanto, não há qualquer obrigatoriedade de cumprimento destas solicitações por parte da EDM ou de que esta respeite os planos de desenvolvimento urbano aprovados pelos municípios. Assim, a colaboração entre a 53 EDM e os municípios tem carácter voluntário, embora os municípios possam usar os seus próprios recursos para financiar a expansão de serviços geridos pela EDM.3 É de notar que a Política Nacional de Energia declara uma política de descentralização e a abolição de monopólios na produção e distribuição de energia eléctrica através da participação tanto do sector privado como das autoridades locais, de modo a garantir maior eficiência e competitividade. Esta política deveria, em princípio, implicar alguma transferência do fornecimento de electricidade para as autoridades locais. No entanto, e pelo contrário, a electricidade está notoriamente ausente da lista de competências a serem assumidas pelos municípios nos próximos três a cinco anos, conforme determinado pelo Decreto 33/06. Implicitamente, parece assim haver uma decisão política de não transferir para os municípios quer o abastecimento de electricidade comercial quer o da iluminaçãso pública num futuro previsível. Instalações para Mercados Uma das principais competências municipais em matéria de infra-estruturas, é o investimento público em mercados e feiras. Esta competência cabe exclusivamente às autarquias e não é partilhada com qualquer outra entidade pública. A maioria dos regulamentos relativos a mercados consta, ou deve constar, de posturas municipais. As autarquias constroem e são responsáveis pela manutenção e funcionamento dos mercados, geralmente recuperando os custos de funcionamento através de taxas pagas pelos vendedores, com base em tarifas aprovadas a nível local. Os mercados municipais são divididos em três categorias: Mercados Grossistas; Mercados de Bairro e Mercados Rurais ou Provisórios. Os Mercados de Grossistas, que são estabelecidos pelo Conselho Municipal, têm por objectivo concentrar todos os produtos que serão distribuídos por outros mercados ou vendidos por grosso. Os Mercados de Bairro são aqueles que em instalações específicas e organizadas procuram fornecer produtos e bens a certas zonas da cidade. Os Mercados Provisórios são mercados autorizados em qualquer local público ou em edifícios pertencentes a privados, numa base provisória, até que os respectivos 54 Mercados de Bairro sejam construídos e entrem em funcionamento. Estão neste caso as bancas de venda que se encontram nas ruas principais de muitas cidades. Para além das competências acima descritas, relacionadas com os mercados formais, os municípios têm vindo a efectuar o licenciamento e inspecção de actividades comerciais praticadas em bancas de rua e por vendedores ambulantes. Essas competências estão designadas para serem formalmente transferidas para os municípios, de acordo com o Decreto 33/06. É de notar que o licenciamento e regulamentação de pequenas lojas, estabelecimentos comerciais, restaurantes e outros estabelecimentos de serviços aos consumidores dentro das áreas urbanas, não estão abrangidos por essa intenção de transferência para os municípios; assim, ao abrigo do actual regime jurídico, a maior parte dos estabelecimentos de carácter económico no sector formal, e qualquer que seja a sua dimensão, manter-se-ão provavelmente sob a autoridade das entidades provinciais e distritais. Parques e Espaços Verdes O investimento público e a gestão de parques, jardins e zonas botânicas, são uma das competências básicas dos municípios. Os espaços verdes incluem parques, jardins, praças, alamedas, avenidas relvadas, bordaduras, jardins zoológicos, jardins botânicos e taludes, sujeitos a regras de utilização e função aprovadas pelo próprio município, bem como regras de conduta a serem respeitadas por utilizadores privados. Cemitérios De acordo com o quadro legal, o planeamento, investimento e gestão de cemitérios públicos é uma competência municipal básica. Neste contexto, o sepultamento de defuntos só é permitido em cemitérios constituídos e autorizados pela autarquia. Para além de garantir que os cemitérios municipais obedeçam a padrões estabelecidos em termos de saúde pública e segurança, não há uma base concreta de intervenção por parte de entidades do Estado, a nível central ou local, na organização e funcionamento dos cemitérios locais. 55 Funções Municipais e Desconcentradas do Estado na Prestação de Serviços Económicos e Sociais Segurança Pública A Polícia da República de Moçambique (PRM) é uma entidade pública e uma força paramilitar organizada a nível central, provincial e distrital, de posto administrativo e de localidade, inclusive dentro das áreas municipais. Dentro (e também fora) dos limites geográficos municipais, a PRM é responsável principalmente pela manutenção da ordem e da segurança pública. Nesse mesmo espaço urbano, a Polícia Municipal é um serviço autárquico que exerce exclusivamente funções de polícia administrativa, actuando apenas dentro do território municipal e subordinada ao seu respectivo conselho municipal. As competências da Polícia Municipal incluem a fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais e a aplicação da regulamentação legal em áreas urbanas como a construção e uso da terra, tráfego e fluxos de trânsito, segurança no transporte urbano e obediência aos percursos autorizados, estacionamento de veículos, regulamentos de mercados e actividade comercial, saneamento ambiental, defesa dos recursos naturais e bens ambientais, controlo da poluição sonora e protecção dos recursos e bens culturais da comunidade. É de notar que a polícia municipal tem poderes para garantir, se necessário através de medidas coercivas, o cumprimento dos regulamentos municipais e seus actos administrativos. Em termos de relações interinstitucionais, a Polícia Municipal e a PRM devem assegurar, no âmbito do território municipal, uma coordenação entre si no que respeita a actividades de policiamento de rotina. No entanto, em caso de alteração da ordem pública, a Polícia Municipal estará subordinada à PRM, imediatamente e nas condições estabelecidas por esta, dentro do respectivo território municipal. Recolha de Resíduos Sólidos A intervenção de entidades do Estado na área da gestão dos resíduos sólidos é da responsabilidade do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA) e é dirigida, entre outros aspectos, à preparação e publicação de regulamentos, licenciamento 56 de instalações ou locais de armazenagem ou eliminação de lixos e fiscalização do cumprimento com os regulamentos. Em geral, o quadro legal do saneamento básico, e em particular no que se refere à gestão de resíduos sólidos urbanos, remete para as autarquias as atribuições e competências relacionadas com a remoção de lixo, limpeza pública e investimentos associados ao tratamento e eliminação de lixos. Consequentemente, os municípios são responsáveis pela recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos não perigosos, utilizando para tal os meios, métodos e processos de recolha apropriados, com base nas necessidades técnicas de cada situação, de modo a garantir condições de higiene para que não sejam postos em risco a saúde pública e o ambiente. É também importante referir a competência regulatória do Estado, e o que é reservado às autarquias em relação à gestão de resíduos sólidos nas áreas sob a sua jurisdição, nomeadamente a aprovação de disposições específicas quanto a gestão dos resíduos, processos de recolha, tratamento e depósito de resíduos sólidos e outros (ver capítulo 8 sobre gestão de resíduos sólidos). Saúde A nível nacional, o Ministério da Saúde (MISAU) é a entidade responsável pelo sector da saúde. A legislação municipal em si refere-se aos assuntos da saúde apenas na medida em que as autarquias têm competência para o investimento público em unidades de saúde de cuidados primários. Mas não ficam claramente explicitados os limites das competências das autarquias neste sector. O Decreto 33/06 vai muito mais longe na pormenorização das responsabilidades a serem transferidas para os municípios. Estabelece que, desde que sejam respeitados os regulamentos, códigos e padrões de qualidade definidos pelo MISAU, serão confiadas às autarquias funções no sector de saúde, incluindo: prevenção da doença através da higiene individual e comunitária; gestão operacional de unidades de saúde de nível primário; programas de saneamento ambiental e fiscalização; assegurar a manutenção preventiva e a reabilitação de unidades de saúde de Nível Primário, Centros de Higiene e outras unidades similares; a gestão corrente de cemitérios, crematórios, 57 morgues, e salas para cerimónias fúnebres; organizar sistemas de transporte de doentes; e emitir pareceres e elaborar propostas para o desenvolvimento da rede primária de saúde dentro da área geográfica do município. Entre os profissionais de saúde e no próprio MISAU existem consideráveis dúvidas quanto à transferência do nível primário dos cuidados e unidades de saúde para os municípios. As unidades são consideradas como a base do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Muitos pensam que a sua entrega aos municípios poderia aumentar os custos e comprometer a qualidade dos serviços prestados, comprometendo também a coordenação entre as diversas unidades do sector de saúde.4 Educação O Ministério de Educação e Cultura (MEC) é a entidade central do Estado que conduz e desenvolve as actividades educativas e culturais, contribuindo para elevar a consciência patriótica e reforçar a unidade nacional e a cultura moçambicanas. Tendo em conta os interesses locais, comuns e específicos da população, as autarquias receberam atribuições na área da educação. Neste contexto, as autarquias podem investir em: criação e administração de escolas primárias e internatos; gestão do pessoal administrativo das escolas primárias e de internatos; gestão do ensino privado a nível primário; participação na definição dos currículos locais; aquisição e gestão de transportes escolares; criação, equipamento e administração de centros de educação para adultos; supervisão de centros de educação pré-escolar; e a criação e administração de unidades sociais, como creches e instituições similares. Estas competências municipais na educação deverão ser transferidas de acordo com o Decreto 33/06, conforme descrito acima. Isto permitirá que cada autarquia desenvolva as suas actividades com alguma autonomia, numa relação coordenada com o MEC, e não necessariamente subordinadas a instruções ministeriais, excepto em algumas poucas matérias específicas, como os currículos e a política de ensino. 58 Criação de Habitação As atribuições relacionadas com a criação de habitação incluem dois aspectos, nomeadamente os que são consignados às autarquias e os dos OLE. Relativamente à intervenção estatal e pelo facto do Estado se ter tornado proprietário de quase toda a propriedade imobiliária do país, por via das nacionalizações, o Governo criou uma agência para a administração das propriedados do Estado (APIE), para gerir os seus bens imobiliários. Compete também ao Estado construir imóveis para venda ou arrendamento, bem como empreender outras actividades relacionadas com direitos imobiliários. Por outro lado, o Governo criou o Fundo de Fomento de Habitação (FFH), cuja função é assegurar apoio financeiro para programas de habitação do Governo, destinados a famílias de baixos rendimentos, trabalhadores qualificados e jovens casais. A maioria das intervenções do FFH desenvolve-se dentro dos espaços municipais. Nesses casos, o princípio de acordo prévio entre o FFH e as autarquias deve estar subjacente à intervenção. Simultaneamente, as competências dos municípios incluem urbanização, construção e habitação. Neste contexto, as autarquias são responsáveis, paralelamente com o FFH, pelo investimento público na área da habitação económica e social. No entanto, nem a legislação municipal, nem o Decreto 33/06 são claros em relação à natureza do papel das autarquias, base dos recursos e critérios quanto a beneficiários, ou às modalidades para o planeamento e execução de investimentos no domínio da habitação económica. Bem-Estar Social/Protecção Social O Ministério da Mulher e Acção Social (MMAS) é a entidade central do Estado responsável pela execução das políticas de emancipação e desenvolvimento das mulheres e pela acção social no país. Foram conferidas competências às autarquias para investimento público nas seguintes áreas: actividades de apoio a grupos sociais vulneráveis e provisão de habitação social. 59 As competências das autarquias em matéria de acção social são um tanto limitadas em comparação com as que são atribuídas ao MMAS; pode-se concluir que, no actual quadro, as autarquias actuam como complemento de actividades a serem desenvolvidas pelo MMAS para o apoio e protecção a populações vulneráveis. Promoção dos Desportos e da Cultura Apesar da sua aparente similaridade, o enquadramento jurídico e político para a intervenção municipal nos desportos e na cultura são consideravelmente diferentes, com particular enfâse no papel das autarquias nas actividades culturais, mais do que em relação ao desporto.5 O Decreto 33/06 estabelece claramente as responsabilidades municipais na área da cultura, incluindo: a criação e gestão de casas da cultura, centros de cultura, teatros, museus e bibliotecas municipais; a manutenção, renovação e recuperaçãon de bens culturais no âmbito da autarquia; a promoção de investimentos públicos de apoio a bens culturais, paisagem e estruturas urbanas; a promoção da construção de equipamentos e infra-estruturas de carácter cultural; a elaboração de propostas de classificação de património cultural existente na autarquia; o estabelecimento de protocolos com entidades públicas ou privadas para manutenção e renovação de bens culturais nas áreas classificadas; e a organização de concursos, conferências etc., para promover a cultura e contribuir para a valorização da produção artística a nível das autarquias. Preparação e Resposta para Desastres Em termos formais, a resposta a desastres é responsabilidade do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), que fornece recursos e assistência técnica às entidades apropriadas do sector público, de modo a prevenir, mitigar e dar resposta a emergências humanitárias e desastres naturais. Embora formalmente a prevenção, gestão, ajuda às vítimas e a reconstrução de infra- estruturas danificadas em casos de desastre não sejam atribuídas às autarquias, o papel destas, na mobilização e organização das comunidades e na prestação de serviços 60 directamente a bairros e famílias afectados, é reconhecido pelo INGC e pelas outras agências e entidades do Estado com as quais trabalham. Deste modo, quer no caso da explosão do depósito de armas em Maputo, das cheias no Xai-Xai, ou do ciclone que devastou Vilanculoss, as autoridades municipais estiveram não só envolvidas como muitas vezes assumiram a liderança na coordenação da prestação de ajuda às populações afectadas, tanto em alívio imediato como na reconstrução a longo prazo. Acção Municipal e Acção Desconcentrada do Estado na Promoção e Regulamentação de Actividades Económicas Licenciamento e Regulamentação de Terras e Uso de Terras Em Moçambique a terra é propriedade do Estado e não pode ser vendida ou de qualquer outro modo transferida, hipotecada ou penhorada. As condições de uso e exploração da terra são determinadas pelo Estado. O Direito de Uso e Aproveitamento da Terra, ou DUAT, é concedido a pessoas naturais ou jurídicas com base nos fins sociais ou económicos que se propõem dar à terra. Em zonas urbanas os DUAT são concedidos pelas autoridades municipais, segundo Planos de Urbanização aprovados. A urbanização nessas áreas tem de incluir, não só a reserva e organização de espaços para uso privado e público, mas também planos para acesso essencial ao trânsito, infra-estruturas públicas, equipamentos sociais e serviços públicos (como saúde, educação, esgotos e acesso ao comércio, entre outros). Embora a terra não possa ser vendida ou por qualquer outro modo transferida, os DUAT podem sê-lo. A transferência entre entidades privadas, dos DUAT que pertencem a prédios urbanos, i.e. aqueles cujo principal valor reside nos bens construídos, mais do que na terra em si, não necessita de autorização da entidade que aprovou a outorga inicial do direito de uso (i.e. o município). Em contraste, a transferência de DUAT, relacionados com prédios rústicos, onde quer que situados, requer a autorização da entidade que aprovou inicialmente a sua concessão. Esta provisão para transferências autónomas de prédios urbanos, permite o desenvolvimento de um mercado de direitos de uso de terra, transaccionáveis em áreas urbanizadas como as que caracterizam a maioria dos territórios municipais. Neste regime, as autoridades municipais funcionarão como administradores 61 dos regulamentos e dos impostos sobre transferências de terra e do associado uso da terra. Nas áreas urbanas, os DUAT podem ser adquiridos às autarquias através de vários mecanismos, como por exemplo: concessão a pedido; sorteio; hasta pública; transacção privada e ocupação em boa-fé (ver capítulo 6 sobre terras). A principal entidade governamental com responsabilidade pela gestão ambiental é o MICOA, que é a entidade que aprova os estudos de impacto ambiental, monitoriza a aplicação de planos de gestão ambiental e também superintende as actividades do sector ambiental. O MICOA é também responsável pelo licenciamento e fiscalização ambientais relativamente a resíduos perigosos, e por monitorizar a qualidade do ar e da água, inclusive nos territórios municipais. Embora os municípios possam estabelecer áreas de reserva municipais e sejam responsáveis por manter dentro das suas fronteiras zonas verdes e drenagem, a grande maioria dos poderes, no que diz respeito ao ambiente, estão concentrados em instrumentos centrais e locais do Estado. Há um desempenho muito limitado dos governos municipais em assuntos ambientais e não há nenhuma provisão estatutária para a cooperação entre autoridades centrais e municipais em relação à protecção ambiental no âmbito do território municipal. Licenciamento e Regulamentação da Construção Civil A actividade de construção, em Moçambique, requer autorização governamental. Essa autorização é dada sob a forma de uma licença (o alvará) que é válida em todo o país. Há dois tipos básicos de construtores licenciados: os construtores de obras públicas e os construtores civis. Os construtores de obras públicas têm alvará para efectuar a construção, reconstrução, reparação e adaptação de imóveis para o Estado, governos municipais, e instituições e empresas públicas. A construção civil privada é aquela que pertence a proprietários que não são directa ou indirectamente entidades administrativas do Estado ou de municípios. O licenciamento abrange todos os trabalhos a serem executados e, em relação a projectos faseados, é necessário obter uma licença de construção para cada fase. 62 A competência para efectuar o licenciamento de obras privadas cabe às autarquias ou às administrações distritais caso se situem fora da área municipal. Licenciamento e Regulamentação da Actividade Comercial O licenciamento de uma actividade comercial visa cumprir com a obrigação legal de que a prática de qualquer actividade comercial, no território moçambicano está sujeita à autorização do Estado. O licenciamento culmina com a emissão de uma licença de operação, que é um documento que confirma o direito do seu detentor a praticar a actividade comercial requerida. Pequeno Comércio: As competências das autarquias, em matéria de pequeno comércio, não são claras. No entanto, as competências, em termos de licenciamento e fiscalização de actividades comerciais praticadas em bancas de rua e por vendedores ambulantes, têm sido sempre confiadas aos municípios. Esta inconsistência foi clarificada pelo Decreto 33/06, que efectua a transferência formal das competências acima referidas para as autarquias, especificamente incluindo o licenciamento do pequeno comércio pelas autoridades municipais. Nesta altura, com a implementação dos Balcões de Atendimento Único (BAÚS), unidades concentradas para a prestação de serviços públicos, organizadas pelos governos provinciais, continua a ser importante ter as autarquias representadas nos BAÚS, e garantir o seu papel activo no licenciamento do pequeno comércio. Lojas e armazéns: A competência para o licenciamento do comércio em geral, grossista, retalhista, comércio rural, lojas e outras actividades comerciais não reguladas por legislação específica, cabe ao Governador Provincial e pode ser delegada nos Administradores Distritais. Os regulamentos comerciais existentes não prevêem um papel das autoridades municipais no licenciamento de estabelecimentos comerciais do sector formal. 63 Licenciamento e Regulamentação de Actividade Industrial A regulamentação da actividade industrial em Moçambique é regida pelo Regulamento do Licenciamento da Actividade Industrial (RLAI) que estabelece os critérios para a concessão dos alvarás de funcionamento. As autoridades municipais apenas podem conceder alvarás a micro-empresas industriais que funcionem dentro das suas fronteiras, i.e., que estão dentro dos seguintes critérios: menos de USD 25 000 de investimento inicial, menos de 25 trabalhadores e menos de 10 KvA em necessidades energéticas. Ao abrigo das actuais regulamentações as micro- empresas, ou seja as que estão sujeitas ao licenciamento municipal, não requerem avaliação técnica e estão isentas da aprovação do projecto e da fiscalização; estão apenas sujeitas a um registo nos termos já indicados. No caso de obras necessárias, os respectivos projectos também são aprovados e licenciados pela autoridade competente, nomeadamente o MOPH e o conselho municipal. Se o estabelecimento estiver situado num centro urbano, ou abrangido por planos de urbanização aprovados, os pedidos só serão autorizados dentro de zonas industriais previstas ou, alternativamente, após opinião favorável do respectivo município, ou outra entidade competente e têm ainda de obedecer a um programa de urbanização. Esta definição de zona requer uma coordenação entre o Estado e as autarquias relativamente à localização de empresas industriais licenciadas dentro do território municipal. Licenciamento e Regulamentação da Actividade Agrícola Em contraste com os processos que regulamentam outras actividades económicas (p. ex: actividade comercial, industrial, etc.) a prática agrícola nas autarquias está sujeita apenas a DUAT específicos para a actividade agrícola. Não é necessária uma licença especial; no entanto, consoante as culturas produzidas (algodão, castanha de caju, tabaco ou outras), existem alguns regulamentos específicos em matéria de cultivo, segurança sanitária, uso de pesticidas, entre outros. 64 Licenciamento e Regulamentação de Sistemas e Serviços de Transportes O fornecimento de transporte é definido como a condução de pessoas ou bens, de um lugar a outro, mediante pagamento. A legislação do poder local em Moçambique atribui poderes às autarquias para fornecer e regular o transporte colectivo que funciona exclusivamente dentro de território municipal. As autarquias têm também poderes para licenciar o transporte público urbano de passageiros e carga, bem como o transporte de pessoas em camionetas com o limite de até 7 000 kg de peso e em autocarros de até 25 lugares. Transporte público é transporte que não é classificado como privado, i.e. fornece serviço a várias pessoas segundo roteiros e horários previamente estabelecidos. No caso das municipalidades de Maputo e Matola os serviços de transportes públicos colectivos são efectuados por uma empresa pública autónoma (TPM), supervisionada pelo Ministério dos Transportes e Comunicações (MTC). Exerce a sua actividade não só na cidade de Maputo como também em zonas periféricas da Província de Maputo, incluindo outras jurisdições, desde que devidamente autorizada pelo Ministro. Competências de Serviços Urbanos Partilhadas e em vias de Transição As secções precedentes mostram que a atribuição de funções e a definição de relações entre as autarquias de Moçambique e dos vários elementos do Estado que intervêm no espaço urbano, são cada vez mais complexas e dinâmicas. Ainda que estes relacionamentos e papéis tenham estabilizado durante a primeira década de governação municipal, com base na definição original das competências municipais, i.e. as que estão inseridas na legislação de 1997, um ciclo de mudança nas relações intergovernamentais teve já início e prevê-se que pode acelerar durante o próximo mandato, de 2009–2014. Na área da governação, a implementação da LOLE e os seus regulamentos, bem como outras políticas associadas, que dão poder aos governos provinciais para exercerem funções tutelares e regulatórias em relação às autarquias, têm resultado num significativo vínculo de relações intergovernamentais fora de Maputo. Isto representa uma alteração à concentração no Governo central de relações centrais-locais, que constavam do pacote autárquico original. Ao reforçar a dinâmica regional de relações Estado-municípios, estas 65 tendências têm aumentado o risco da evolução do modelo municipal ser condicionado mais pelas relações entre entidades e intervenientes locais poderosos e menos por uma orientação política universalmente definida e por uma racionalidade técnica que ressaltam dos padrões, procedimentos e orientações operacionais definidos a nível central. Na área da prestação de serviços, a implementação legalmente exigida pelo Decreto 33/06 em relação à transferência de competências do Estado para os municípios, será o maior estímulo para a mudança nos próximos anos. O Decreto 33/06 foi deliberadamente concebido para dar uma grande flexibilidade às autarquias e aos governos central/provinciais no âmbito, modo e execução da transferência de competências. Tudo indica, no entanto, com base em comentários de vários presidentes de conselhos municipais que alguns vêm esta flexibilidade não como um convite a um diálogo aberto, mas como uma intimidante falha de clareza. A resposta a esta ambiguidade não será talvez, como alguns pretendem, aumentar o volume e a especificidade da legislação relativa à transferência de competências. A implementação de uma descentralização funcional seria talvez mais bem servida através do desenvolvimento de instrumentos técnicos e metodológicos para orientar a formulação dos necessários acordos de transferência para cada sector. São necessários consideráveis investimentos para clarificar os aspectos técnicos deste processo, incluindo o cálculo dos recursos necessários para a transferência de cada sector. É também essencial reforçar a capacidade dos municípios para assumirem as prerrogativas do Decreto 33/06 com a devida confiança, e para eventualmente virem a integrar e gerir a transferência de novas competências no âmbito das estruturas municipais administrativas. Em todo este processo, o papel dos ministérios centrais, incluindo os ministérios principais (Finanças, Função Pública, Plano e Desenvolvimento e Administração Estatal), assim como outros ministérios sectoriais relevantes, precisa de ser definido e adequadamente integrado. Continua a existir um risco considerável de que, se inadequadamente especificada e apoiada, a transferência de competências possa levar a perturbações prejudiciais na organização do sector público, com implicações potencialmente negativas para a coerência de políticas fiscais e de gestão de recursos, para uma coerente reforma 66 institucional das transferências, tanto pelo lado do Estado como pelo lado dos municípios e, pior ainda, de uma potencial degradação da amplitude e qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos em área urbanas. Um outro aspecto deste quadro instável da governação e da gestão dos serviços públicos nas zonas urbanas de Moçambique, é a crescente necessidade de uma colaboração efectiva entre autarquias e estruturas do Estado, a nível provincial e distrital. A autoridade partilhada nos serviços urbanos, resulta frequentemente de uma sobreposição natural de jurisdição em razão da matéria, mais do que de uma oposição disfarçada à autoridade política. Tanto o pacote autárquico como o Decreto 33/06, concedem claramente aos OLE e aos municípios, o poder para formar parcerias para fins de interesse público, sem prejuízo das suas respectivas competências. Isto significa que existe já uma cobertura legislativa que permite um acordo nos contornos das competências partilhadas, por oposição a uma transferência de competências. Como em muitos outros casos, o uso desta prerrogativa depende da capacidade, criatividade e vontade política das partes em aceitar as oportunidades fornecidas pela legislação, para formular, a nível local, parcerias eficazes em situações de competências partilhadas. Para além da constante atenção e esforço necessários, por parte dos ministérios centrais, para apoiarem as competências partilhadas e em transição dos municípios, a Associação Nacional dos Municípios de Moçambique (ANAMM) pode desempenhar um papel particularmente útil no apoio a uma eficaz reforma intergovernamental. Embora ainda limitada em certos sectores, a lista de competências a ser transferida, ao abrigo do Decreto 33/06 é suficientemente longa para pôr à prova a limitada capacidade de gestão de muitas autarquias. A ANAMM poderia ajudar os municípios a desenvolver critérios de gestão — adaptados tanto ao município como aos serviços a serem transferidos — que possam ser aplicados, para além de respeitarem critérios políticos adequados, a decidir quais as competências que as autarquias assumirão primeiro, e em seguida a desenvolver uma estratégia faseada para transferências posteriores. A ANAMM pode ser de particular ajuda no apoio a autarquias ambiciosas mas por vezes com capacidades reduzidas, para articularem os seus interesses e estabelecerem ferramentas analíticas adequadas, 67 orientação metodológica e iniciativas de negociação para apoio tanto às transferências de competências como a acordos de colaboração com governos provinciais e ministérios centrais. Essa ajuda pode implicar o desenvolvimento de modelos de planos de transferência (de âmbito apropriadamente modesto) e a coordenação das participações de ministérios chave, como o MF, os ministérios de tutela em questão e o município em si. Pode também requerer a formulação e implementação de acordos-piloto, que permitam testar e melhorar as ferramentas e procedimentos a serem mais amplamente aplicados. Poderá ainda ser necessário mais apoio na identificação de prioridades municipais para a consolidação de capacidades e apoio técnico e na mobilização de recursos e competências em resposta a estas necessidades. 2.3 Análise e Recomendações para Melhorar o Desempenho da Governação Urbana e das Instituições de Gestão em Moçambique Enquadramento Político da Municipalização Questão: A base técnica de planeamento da expansão continuado do sistema do poder local não está definida numa metodologia clara e replicável, que etabeleça padrões e objectivos para criar novas cidades municipais e introduzir pequenas autarquias de povoação. Diagnóstico: Apesar do gradualismo ser um princípio essencial da reforma autárquica em Moçambique desde que foi estabelecido o enquadramento do poder local só foram criadas dez novas municipalidades. Tem havido escassa transparência no processo de análise e discussão para a selecção de novas áreas para a criação de autarquias. Na escolha de vilas a serem municipalizadas, as considerações políticas parecem ter-se sobreposto às considerações técnicas, muitas vezes dando azo a lobbies escondidos por parte das elites do partido no poder, procurando ganhar acesso ao poder local. Recomendação: É necessária uma estratégia a médio e longo prazo para a descentralização/municipalização, que defina uma abordagem ao gradualismo num quadro temporal de 10 a 20 anos. Deveriam ser definidos e divulgados critérios mais 68 claros para que vilas e povoações se tornem municipalidades e estabelecido um processo transparente de avaliação de “candidatas” à municipalização. Papel dos Agentes do Estado em Território Municipal Questão: Continua a haver uma falta de clareza relativamente ao papel dos chamados Representantes do Estado em zonas urbanas, como mentores de políticas em áreas de serviços conjuntos ou de responsabilidades reguladoras e também como agentes da governação vis-à-vis as estruturas descentralizadas, territoriais e comunitárias. Diagnóstico: As formas de articulação horizontal, i.e., entre autarquias, administradores distritais e outros representantes do Estado não estão claramente definidas no quadro jurídico existente e constituem uma zona potencial de problemas de coordenação na governação, no planeamento do desenvolvimento e na gestão da prestação de serviços. Os esforços do Governo central para estabelecer, a partir de 2006, mecanismos de representação do Estado em todos os municípios, resultaram em ambiguidades e sobreposições nas “relações horizontais” entre os OLE e as autoridades municipais. Em certos casos, os cidadãos têm dificuldade em identificar quais as autoridades responsáveis por dar resposta a situações específicas e noutros — como no caso da regulamentação comercial — a lei e a regulamentação carecem de harmonização entre os padrões e procedimentos do Estado e municipais, assim como de uma mais clara divulgação aos cidadãos. Porque os casos, relativamente a cidades distritais, cidades capitais de província e Maputo como capital nacional, são muito diferentes entre si, será necessário criar várias soluções institucionais para que se esclareça como as autarquias e os Representantes do Estado devem interagir. Recomendação: O Governo deveria esclarecer o papel, poderes e deveres dos representantes das entidades centrais num contexto urbano, desde as povoações às grandes cidades, bem como formular, em consonância com as autoridades municipais e a ANAMM, linhas de orientação para este efeito. Estas linhas deveriam ser divulgadas como base de um desenvolvimento casuístico de entendimentos entre os OLE e os Representantes do Estado e as autarquias, incluindo eventualmente a proposta de Memorandos de Entendimento onde tal se revele necessário para evitar sobreposições, 69 problemas de coordenação e até potenciais conflitos institucionais, e para facilitar uma gestão e regulamentação transparente e eficaz. A comunicação aos cidadãos quanto ao papel dos Representantes do Estado em relação aos conselhos municipais contribuiria também para melhorar a governação e a prestação de serviços em áreas urbanas. Exercício da Tutela Municipal Questão: A delegação da responsabilidade da tutela das autarquias nos Governos Provinciais cria um potencial de conflitos de interesse entre entidades provinciais, relativamente às autarquias. Diagnóstico: Os governos provinciais e os distritos que lhes estão subordinados partilham responsabilidades bem como espaço e/ou fronteiras com as autarquias. Os interesses dos governos provinciais e das administrações distritais podem não coincidir com os que são definidos pelas autoridades municipais. Entretanto, a regulamentação actual delega a autoridade tutelar do Estado, originalmente cometida ao MAE, MF e MPD, nos Governadores Provinciais. Isto coloca os Governadores Provinciais numa posição em que são simultaneamente participantes no “jogo” da governação local e árbitros (i.e. fiscais das regras, através do exercício da tutela) nesse mesmo “jogo”. Em alguns casos, esta combinação pode resultar num aumento de conflito intergovernamental em vez de melhoria na governação e na prestação de serviços nas áreas urbanas. Acresce ainda que foi introduzida uma “terceira tutela”, relativa ao ordenamento do espaço e uso da terra, que será efectivamente exercida pelo MICOA, através de legislação recentemente aprovada em relação ao ordenamento do território. Recomendação: Reconsiderar a delegação da tutela administrativa e financeira nos governos provinciais. É aconselhável manter a responsabilidade tutelar formal nas instituições do Governo central. Sem prescindir da sua autoridade e responsabilidade final, os ministérios centrais podem delegar funções técnicas/administrativas, como a recolha de dados e até investigação, nos OLE, especificamente nos governos provinciais e nos seus secretários permanentes (que formalmente respondem perante o Primeiro Ministro) e os seus directores financeiros (que continuam a responder perante ao Ministro das Finanças, bem como perante o Governador Provincial). No entanto, a 70 responsabilidade última, para decidir se as autoridades municipais requerem disciplina administrativa, ou mesmo sanções legais ou políticas deverá, preferivelmente, ser exercida pelos ministérios centrais porque há uma maior probabilidade de que estes assumam uma postura objectiva e neutra do que os OLE, que interagem de vários modos e em relação a muitas matérias, com as autoridades municipais no seu território. Acresce ainda que se torna necessário clarificar as formas de intervenção do MICOA no ordenamento urbano. Transferência de Competências Funcionais do Estado para os Municípios Questão: O processo de transferência de competências para as autarquias, que provavelmente será um tema fulcral da política e da reforma municipal ao longo dos próximos anos, ainda não foi totalmente elaborado, particularmente em termos da metodologia para definir as interligações entre serviços e funções administrativas a serem transferidas e os recursos financeiros, materiais e humanos necessários para garantir a sua viabilidade quando assumidos pelas autarquias. Diagnóstico: a actual regulamentação estipula que a transferência de competências será implementada através de acordos formais entre os governos provinciais e as autarquias. A natureza voluntária destes acordos fornece um ponto de partida claro e coerente para este processo. No entanto não há, presentemente, uma obrigação formal de participação ou acordo por parte dos ministérios sectoriais responsáveis pelos serviços funcionais abrangidos, nem de participação e acordo do MF, o qual será responsável pelos recursos orçamentais recorrentes a serem transferidos para as autarquias. (N.B. as autarquias não recebem as suas transferências fiscais via orçamento provincial; os seus orçamentos e fundos provêm directamente do Governo central). Embora tenha sido criada uma Comissão Técnica Interministerial para preparar a transferência de competências, o trabalho da comissão está consideravelmente atrasado e parece haver escassas ligações entre o trabalho desta comissão e a mais alargada reforma do sector público; planos e processos de políticas de descentralização sectorial; e alterações às políticas fiscais e mecanismos intergovernamentais. 71 Recomendação: Desenvolver linhas de orientação claras e práticas envolvendo ministérios chave como o MF, MPD, MAE e o Ministério da Função Pública (MFP) bem como os ministérios sectoriais relevantes para assegurar o sucesso do processo de transferência de competências para as autarquias. O envolvimento dos ministérios de tutela e do MF, MPD, MAE e MFPé essencial para assegurar a coerência e a sustentabilidade das metodologias usadas e os elementos financeiros, organizacionais e técnicos necessários. Este processo deve ser devidamente considerado como parte da componente de descentralização sectorial, do programa de reforma do sector público nacional, e a preparação e apoio à prestação de serviços pelos municípios deveriam ser totalmente integrados nas estratégias e planos de reforma que estão a ser formulados por cada ministério e interligados à política e reforma fiscal. O apoio técnico da unidade para a reforma do sector público (i.e. UTRESP) pode contribuir de modo importante para o planeamento e implementação da transferência de competências. São necessárias linhas de orientação metodológica coerentes e consistentes para apoiar os vários actores institucionais envolvidos neste processo: os ministérios nucleares, os ministérios sectoriais, OLE incluindo governos provinciais e em alguns casos administrações distritais, e os próprios municípios. Vão ser necessários programas de assistência técnica, tanto urgentes e intensivos como de longo-prazo, para garantir a coerência e sucesso da transferência de competências, que será provavelmente a dimensão mais significativa da descentralização e da reforma municipal no decorrer dos próximos cinco anos. Aspectos Territoriais da Representação Municipal Questão: A falta de uma dimensão territorial no sistema de representação pelo qual são eleitas as Assembleias Municipais parece enfraquecer a resposta e responsabilização perante as clientelas eleitorais menos favorecidas dentro da autarquia. Diagnóstico: O modelo de representação proporcional por lista de partidos é, pela sua natureza, pouco adaptado a criar elos fortes entre bairros específicos e os membros da assembleia municipal que devem representar os variados interesses dos cidadãos dentro da municipalidade. Uma vez que todos os candidatos são escolhidos pelos partidos concorrentes e são formalmente representantes, na generalidade, da totalidade da 72 autarquia, não há uma relação política, legal ou formal, a comunidades específicas. Em alguns municípios, os partidos e a sua delegação correspondente na assembleia municipal designam informalmente membros específicos para representar certos bairros, ou interesses comunitários, compensando assim a ausência estrural de tais ligações no sistema eleitoral municipal. No entanto, trata-se de soluções ad hoc, que não podem substituir uma responsabilidade formal e uma responsabilização de carácter eleitoral, entre membros da assembleia e os aglomerados urbanos. Recomendação: Poderia ser alcançada uma maior reactividade e responsabilização por parte das assembleias municipais alterando a lei eleitoral municipal para contemplar a representação por área em todas as áreas existentes na autarquia, de modo a melhorar a participação equitativa e o desempenho da assembleia municipal. Combinando metade a dois-terços de representação eleitoral baseada em zonas, com a representação proporcional genérica dos restantes lugares, a ligação assembleia-comunidade poderia tornar-se mais significativa e mais eficaz, como base para uma melhoria da governação municipal. Instituições Territoriais e Governação Municipal Questão: Há uma falta de clareza e consistência entre o quadro mais lato da estrutura municipal e o papel e natureza das estruturas de bairro e outras formas de representação das comunidades dentro das autarquias. Diagnóstico: A legislação geral respeitante ao papel das autoridades comunitárias relativamente aos OLE, tem sido complementada por regulamentação específica que se prende com as relações entre autoridades comunitárias e instituições municipais. Esta regulamentação específica inclui tanto o papel das “autoridades tradicionais” como o das “modernas” autoridades sócio-políticas (secretários de bairro) e a sua relação com as estruturas municipais. As autoridades tradicionais têm frequentemente grande influência nos bairros periurbanos das grandes cidades e em cidades pequenas; foram estabelecidas orientações para a sua escolha pelas comunidades e para o seu reconhecimento pelo Governo, e para a sua consulta por, e colaboração com, autoridades governamentais, no interesse das suas respectivas comunidades. A escolha, estatuto e o relacionamento com 73 os secretários de bairro não está tão bem definida; em muitas cidades e vilas os secretários de bairro devem a sua origem à ligação ao partido unitário FRELIMO e continuam a ser vistos como agentes políticos e não como administradores imparciais. Recomendação: Reforçar o aspecto territorial da governação municipal (formalizar o papel dos bairros e distritos municipais), tendo em consideração as variantes das condições locais que caracterizam os municípios de Moçambique. São necessárias estratégias mais eficazes para a organização e participação comunitária no desenvolvimento da sua governação, especialmente a nível de bairros, de modo a consolidar a legitimidade e a capacidade das autoridades tradicionais e dos secretários de bairro. São precisas linhas de orientação nacionais claras para continuar a despolitizar o papel dos secretários de bairro, e complementá-las com legislação a nível municipal, nomeadamente posturas, que definam regras aceitáveis para a escolha e actuação dos secretários de bairro, como representantes e líderes não-partidários e de raiz comunitária. Relacionamento entre Órgãos Representativos e Executivos Questão: A sobreposição da condição de membro dos corpos deliberativos municipais (assembleias) e corpos executivos (conselhos) enfraquece as linhas de responsabilização no âmbito municipal. Diagnóstico: A Lei 2/97 estipula que “pelo menos metade dos vereadores devem ser escolhidos entre os membros da sua respectiva Assembleia”. Estes membros-vereadores da Assembleia podem ser escolhidos ou não para responsabilidades executivas individuais; mesmo que tenham deveres executivos, serão ainda assim membros votantes do conselho como corpo deliberativo. Esta qualidade de dupla participação de alguns membros da assembleia nos dois colectivos municipais tem a vantagem de facilitar a comunicação entre eles e assim reforçar, potencialmente, a compreensão, por parte da assembleia, das iniciativas do conselho e do Presidente. No entanto, esta sobreposição de funções está em clara contradição com a lógica da separação de poderes, pela qual um dos papéis fundamentais to corpo legislativo é responsabilizar os corpos executivos pela implementação de políticas e planos aprovados pela legislatura. Isto pode prejudicar a relação de responsabilização entre a assembleia e o conselho. 74 Recomendação: A menos que seja revista a Lei 2/97, eliminando a necessidade desta sobreposição entre assembleia e conselho, pouco se pode fazer para mitigar o potencial conflito de interesses entre membros comuns. Para assegurar uma mais eficaz relação de responsabilização entre legislativo e executivo, deveria ser considerada a emenda a este requisito da actual legislação. Situação das Áreas “Rurais” no Território Municipal Questão: Poucas municipalidades se empenham efectivamente, ou fornecem serviços, aos espaços “rurais” periurbanos dentro do seu território. Diagnóstico: O fornecimento de serviços municipais representa uma significativa carga em cobertura de serviços e qualidade para administrações municipais com capacidades geralmente reduzidas. A densidade populacinal relativamente elevada, característica dos aglomerados urbanos, permite oportunidades de economias de escala na organização da prestação de serviços. Estes modelos são frequentemente muito diferentes dos utilizados para servir populações rurais com baixa densidade. As fronteiras territoriais de muitas das municipalidades existentes, incluem consideráveis áreas “rurais” dentro do espaço nominalmente urbano dos governos locais. Os residentes e chefes comunitários destas zonas periurbanas podem não estar satisfeitos com o leque de serviços disponibilizado pelos municípios. Recomendação: Consta que o MAE está a considerar reduzir a extensão territorial das municipalidades existentes, estando a preparar uma proposta para uma revisão generalizada da divisão do território nacional. Essa medida poderá ajudar a resolver deficiências e inadequações de serviços nos bairros “rurais” periurbanos. No entanto, a dificuldade de fazer novos ajustamentos das fronteiras municipais, que ao abrigo da Constituição carecem de legislação parlamentar, desincentiva o apoio dos municípios a tal proposta, pois poderão vir a ter dificuldade no futuro em dar resposta a necessidades de crescimento para além das fronteiras revistas e consideravelmente reduzidas. Será talvez aconselhável legislar, simultaneamente com reduções a curto prazo da dimensão de alguns territórios municipais, outros procedimentos simplificados, para futura anexação de território às áreas abrangidas pelo poder local, através da negociação de um simples 75 acordo voluntário, entre o Governo e o município requerente. Parece razoável que um decreto ministerial do MAE ou, quando muito um decreto do Gabinete ao abrigo de uma recomendação do MAE, seja suficiente para salvaguardar os interesses nacionais, permitindo ao mesmo tempo uma modesta expansão gradual das fronteiras municipais, caso o urbanismo justifique essas alterações. Organização Administrativa Municipal Questão: Muitos municípios continuam organizados do mesmo modo que o eram antes ou imediatamente a seguir à criação do poder local. A sua estrutura e quadro de pessoal são muitas vezes inadequados à actual governação, gestão e responsabilidades de prestação de serviços. Diagnóstico: Ainda que a legislação municipal outorgue uma considerável autonomia às autarquias para definirem a sua estrutura organizacional e quadros de pessoal, com base nos modelos definidos pelo MAE, esta prerrogativa não tem sido cabalmente assumida pela maioria dos municípios. Muitos deles ajustaram os seus quadros de pessoal em quantidade, mas poucos utilizaram uma metodologia de análise funcional (ou processo semelhante) de modo o orientar de modo sistemático a sua estrutura interna e de pessoal com base nas exigências externas da governação e prestação de serviços que são a sua razão de ser. Assim, em muitos casos, a municipalização limitou-se simplesmente a enxertar uma nova “cabeça” política num “corpo” administrativo envelhecido, caracterizado por um número excessivo de pessoal pouco qualificado, grande parte do qual se dedica mais a uma administração rotineira do que a promover o desenvolvimento urbano ou a fornecer serviços urbanos. Uma administração alternativa, i.e. indirecta, e a prestação de serviços em termos empresariais têm sido pouco exploradas pelas autarquias moçambicanas. Recomendação: Reduzir a intervenção e a regulamentação do Estado na gestão dos recursos humanos municipais. É necessário um esforço de promoção da consciência dos funcionários municipais em relação às virtudes de uma organização mais flexível, eficiente e reactiva, e de uma nomeação mais produtiva de pessoal, no seio dos municípios. O apoio técnico e jurídico aos municípios para uma restruturação 76 administrativa, conjugado com melhor governação e prestação de serviços, pode fornecer um importante contributo para um melhor desempenho municipal. Maior criatividade na organização da prestação de serviços, como por exemplo a criação de serviços municipais semi-autónomos e empresas municipais, assim como a concessão de instrumentos de serviços municipais a operadores privados e a criação de parcerias público-privadas para a prestação de serviços municipais, têm também um considerável potencial para rentabilizar os poucos recursos de que os municípios dispõem, no interesse de uma maior cobertura e melhor qualidade dos serviços. Organização Administrativa Municipal Questão: A rigidez das regras e métodos relacionados com os recursos humanos prejudica muitas vezes a contratação e manutenção de pessoal municipal qualificado. Diagnóstico: Há indícios de que, entre outras coisas, os regulamentos existentes limitam a flexibilidade da escolha, por parte dos conselhos e assembleias municipais, de formas apropriadas de organização administrativa. Há talmbém uma falta de profissões específicas e de planos de carreira em gestão urbana e municipal. Na realidade, pelo facto de funcionarem no âmbito da estrutura legal e dos procedimentos administrativos do EGFE impostos pelo Tribunal Administrativo, as autarquias têm uma flexibilidade muito limitada na contratação, despedimento e na remuneração do seu pessoal de modo a encorajar um melhor desempenho a nível individual e da organização. Embora tenham sido promulgados regulamentos para facilitar uma adequada mobilidade do pessoal municipal, que pode movimentar-se entre autarquias e entre autarquias e a função pública, para melhorar as oportunidades e os incentivos de progressão na carreira entre os trabalhadores municipais, os incentivos financeiros e materiais que existem para pessoal qualificado, continuam a ser geralmente pouco atraentes no mercado de trabalho bastante competitivo de Moçambique, sobretudo para os que têm competências em engenharia, direito, finanças e gestão. Recomendação: Um melhor enquadramento legal e uma maior flexibilidade por parte das autoridades estatais e das municipalidades são factores essenciais para tornar possível o recrutamento, colocação e a retenção de pessoal técnico e de gestão que seja qualificado, 77 competente e experiente. É necessário que haja uma redução na regulamentação imposta pelo Estado às autarquias em matéria de gestão do pessoal, tal como é necessário encontrar outras soluções criativas para que as autarquias possam criar incentivos de carreira e pacotes remunerativos atraentes, que incluam elementos salariais e não- salariais, que possam possam ser atraentes tanto para funcionários públicos qualificados e experientes, como para potenciais candidatos do sector privado. Além disso, o âmbito da fiscalização prévia por parte do Tribunal Administrativo, deveria ser reduzido e o processo agilizado de modo a tornar o recrutamento menos burocrático. Gestão de Solo Urbano e de Espaço Urbano Questão: A regularização do uso de solos urbanos requer a implementação, na sua totalidade, do Regulamento do Solo Urbano, incluindo a provisão do uso de documentos de direito de uso (DUAT) com base em planos de urbanização. Diagnóstico: O Regulamento do Solo Urbano oferece novas oportunidades para acelerar o desenvolvimento privado dos espaços urbanos de Moçambique. No entanto, para se conseguir realizar os seus benefícios, as autarquias terão que investir na preparação dos três tipos de urbanização (básica, intermédia e total) que o Regulamento do Solo Urbano prevê. Para tal, será necessário reforçar a capacidade do planeamento básico, em particular no que respeita ao abastecimento de água e electricidade. Uma vez alcançado um nível intermédio de urbanização, o método de atribuição de terras mediante hasta pública pode ser legalmente utilizado. Este método pode, por um lado produzir receitas para as autarquias para apoio a uma continuada expansão ordenada, e por outro estabelecer benchmarks (termos de comparação) para o mercado de solos urbanos. Recomendação: Reforçar o papel das autarquias no planeamento e controlo do uso e desenvolvimento do solo urbano. É necessário reforçar as capacidades dos governos municipais em planeamento urbano e administração no sentido de lhes permitir tirar a maior vantagem possível do Regulamento do Solo Urbano. Dar particular prioridade à urbanização básica e, se possível, à urbanização intermédia em áreas periurbanas, de modo a facilitar o investimento privado no desenvolvimento dos terrenos e o desenvolvimento mais alargado dos mercados de solos urbanos. Melhorar a coordenação 78 com as empresas que fornecem os serviços urbanos de água e electricidade de modo a expandir, no mais curto prazo de tempo possível, as áreas que podem ser declaradas como áreas urbanizadas “básicas” e “intermédias”. O apoio técnico à organização das primeiras hastas públicas de DUAT em novas áreas que atinjam o nível “intermédio” de urbanização, poderia ter um importante efeito demonstrativo nos mercados municipais de terras em geral. Planeamento do Desenvolvimento Urbano e da Gestão Ambiental Questão: Ambiguidade e sobreposição dos papéis do Estado e das autoridades municipais complicam frequentemente a gestão dos solos urbanos e do ambiente. Diagnóstico: Como é compreensivelmente o caso em qualquer sistema que prevê simultaneamente a progressiva transferência de competências e um exercício partilhado de certas funções, as ambiguidades e sobreposições podem contribuir para inércia e falhas de administração, sem que haja uma correspondente e clara responsabilização. Isto é particularmente verdade em relação ao planeamento urbano e aos planos de urbanização, que a lei entende serem um domínio partilhado dos governos municipais e dos OLE. A falta de capacidade de planeamento a nível municipal tem resultado em que, na prática, poucas iniciativas de urbanização são feitas fora do nível urbano. E sem planeamento urbano, tal como foi notado acima, não haverá oportunidades para racionalizar o uso de terrenos urbanos através do Regulamento de Solos Urbanos. Recomendação: As capacidades de urbanização das autarquias deveriam ser reforçadas quer a nível de cada município individualmente, quer colectivamente através da ANAMM, quer através do financiamento da compra desses serviços a fornecedores do sector privado. A partir daí, as relações previstas para o exercício de competências partilhadas neste domínio poderão ser geridas por contrato entre os dois níveis de governo, do mesmo modo em que são transferidas competências nos termos do Decreto 33/06. Provisisão de Infra-estruturas e de Serviços Urbanos Económicos e Sociais Questão: Na prática, o papel das autarquias na provisão de infra-estruturas básicas e de serviços sociais e económicos é ainda muito limitada. 79 Diagnóstico: A falta de provisão de infra-estruturas básicas e de serviços sociais e económicos está intimamente ligada às assimetrias de desenvolvimento entre diferentes regiões do país, e à ainda muito forte dependência do poder local em relação ao Governo central, que têm sido obstáculo ao processo de descentralização. O resultado é que muitos serviços urbanos, básicos e importantes, continuam a ser geridos e fornecidos por entidades do Governo central ou dos seus agentes. Por outro lado, as receitas que as autarquias auferem de taxas e tarifas municipais relacionadas com serviços prestados, continuam a ser muito limitadas em proporção ao total da despesa do sector público. Este desequilíbrio de recursos entre entidades locais e centrais, está associado à falta de autonomia e de capacidade das autarquias para geriram e controlarem a colecta de taxas e o seu uso para o fornecimento de serviços públicos. Estes constrangimentos limitam consideravelmente a autonomia financeira das autarquias para prioritizar, financiar, organizar e gerir investimentos em vários serviços sociais e económicos. Recomendação: Aumentar a gama de competências sujeitas a transferência nos sectores económicos e institucionalizar mecanismos de coordenação entre os conselhos municipais e directorias sectoriais/provinciais, para o fornecimento de serviços urbanos. Além disso, será necessário desenvolver normas e instrumentos legais para aumentar a flexibilidade das autarquias na provisão de serviços urbanos, através da criação de serviços municipais semi-autónomos, empresas públicas municipais e a concessão de serviços públicos ao sector privado, bem como a criação de parcerias público-privadas, e transferir de entidades do Estado para as autarquias parte da receita relacionada com a provisão de serviços públicos, de modo a financiar o investimento municipal no respectivo sector (e.g. água, transportes públicos, iluminação pública, etc.) 80 Notas Finais: 1 Entrevistas com elementos da Direcção Nacional do Desenvolvimento Autárquico ( DNDA), Ministério da Administração Estatal em Agosto 2007. 2 Um exemplo criativo de uma relação colaborativa entre uma autarquia e a EDM é o contrato comercial entre o Conselho Municipal de Maputo (CMM) e a EDM. 3 Informação recolhida numa entrevista com a Drª Dalmásia Castanheira Cossa, Assessora do Ministro da Saúde, em 13 de Julho 2007. 4 Apesar da referência genérica na lei das autarquias, às áreas da cultura, lazer e desporto, não há qualquer referência ao desportono mesmo decreto, em relação à transferência de competências. 5 Workshop sobre urbanização e desenvolvimento municipal em Moçambique, realizado em 17 –18 de Junho 2008 em Maputo. 81 Capítulo 3. Governação Urbana e Planeamento 3.1 Introdução: Objectivos e Metodologia Este capítulo concentra-se em: (a) planeamento e coordenação de serviços municipais e (b) governação urbana. Os seus objectivos específicos são de apresentar uma ideia geral da governação autárquica e das dificuldades no planeamento, e das realizações dos municípios de Moçambique, analisando simultaneamente (i) a participação da comunidade no processo de planeamento e a coordenação com o sector público para a prestação de serviços locais, e (ii) o relacionamento entre os cidadãos municipais e o poder local, em termos de voz, transparência, responsabilização, equidade, participação no planeamento, implementação e monitorização, incluindo o relacionamento com o sector privado e a sociedade civil. Em resultado da análise, o estudo identifica os principais desafios da governação e planeamento municipal e destaca uma série de áreas que carecem de resolução, tanto a nível autárquico como nacional, de modo a aumentar a capacidade dos municípios para enfrentarem os desafios da urbanização. O conceito de governação urbana, ainda que largamente aceite, varia muito. Não é intenção, neste capítulo, discutir as várias definições em causa. Este capítulo utiliza a definição do UNDP, que descreve a governação como “o exercício de autoridade económica, política e administrativa para gerir os assuntos de um país a todos os níveis. Abrange os mecanismos, processos e instituições através dos quais os cidadãos e grupos articulam interesses, exercem os seus direitos legais, cumprem as suas obrigações e conciliam as suas diferenças. A boa governação é, entre outras coisas, participativa, transparente e responsável. É também eficaz e equitativa. Promove o primado da lei. A boa governação garante que as prioridades políticas, sociais e económicas sejam baseadas em consensos alargados da sociedade e que a voz dos mais pobres e mais vulneráveis seja ouvida na tomada de decisões sobre a atribuição de recursos para o desenvolvimento” (UNDP 1997). 82 De modo a analisar e compreender as várias questões relativas à governação e planeamento autárquico, foram utilizados três instrumentos diferentes numa série de visitas de campo a um conjunto de autarquias: (i) O Índice de Governação Urbana (UGI) que é composto por 25 variáveis organizadas em quatro sub-índices ou dimensões: Eficácia, Equidade, Participação e Responsabilização. Estas variáveis permitiram uma sistemática e rigorosa organização dos dados recolhidos. (ii) O mapeamento das relações dos interessados centrou-se nas tensões e na proximidade que existe entre alguns dos principais intervenientes na governação e planeamento urbano, particularmente entre: autarquias e cidadãos, tanto organizados como não organizados; entre autarquias e os sectores formal e informal; e entre organizações que constituem a sociedade civil como seitas religiosas, estruturas tradicionais e organizações baseadas nas comunidades (CBO). (iii) Foi efectuada uma análise de limitações e oportunidades para avaliar: (a) as práticas físicas de planeamento, (b) o planeamento para a prestação de serviços municipais e (c) as ligações entre o sistema de planeamento municipal e a governação. Quanto a trabalhos de campo, a equipa visitou uma amostra de cinco autarquias, seleccionadas em conjunto com a Associação Nacional dos Municípios de Moçambique (ANAMM), que reflectem uma variedade de situações urbanas e as diferentes categorias de cidades e vilas que estão abrangidas pelo termo genérico de “municípios”: Montepuez e Ilha de Moçambique (região norte), Beira e Dondo (região centro) e Vilanculoss (região sul). Além disso, foram realizadas várias reuniões nas municipalidades da Matola e Maputo. 3.2 Principais Conclusões e Desafios Planeamento Urbano e Municipal Um desafio importante a encarar, em termos de governação e planeamento em Moçambique, radica-se na existência de uma dupla estrutura político-jurídica: em 43 municipalidades (33 na altura do estudo) os presidentes do conselho e os vereadores são 83 eleitos, enquanto nos distritos, nos postos administrativos e nas povoações não se estão a realizar eleições e os representantes políticos estão a ser nomeados pelo governo central. Para além de uma compreensão das suas origens, administrativas e políticas, do ponto de vista da governação e do planeamento há que distinguir duas situações: 1. O primeiro caso corresponde a distritos, compostos por diferentes postos administrativos, que foram transformados em municípios. Este é, por exemplo, o caso da Ilha de Moçambique ou da Beira. Nestes poucos casos (uma mão cheia deles no total de 33 municípios), coexiste um sistema duplo de governação, representado por dois funcionários diferentes: por um lado um presidente do conselho eleito, como em todas as outras autarquias e, por outro, um Administrador do Estado que é nomeado pelo Governo central e que responde directamente ao poder Provincial. Conforme o nome indica, o Administrador do Estado deveria ter um papel de gestor e um perfil administrativo, mas na realidade detém importantes poderes oliticos. A divisão de responsabilidades, a coordenação e as relações entre as autoridades locais eleitas e o Representante do Estado são questões delicadas da governação que afectam o exercício do planeamento nas autarquias em causa. As tensões entre estes dois oliti variam grandemente de uma para outra cidade, de acordo com as personalidades e os partidos oliticos em cena. 2. A segunda situação, que é bastante mais frequente, refere-se aos postos administrativos (que são fracções de um Distrito) que foram transformados em municipalidades, como Montepuez ou Dondo. Nestes casos, a sede do distrito está localizada dentro dos limites do município. Por exemplo, a sede do Distrito do Dondo, gerida por um funcionário nomeado que reporta aos Governos Regional e Central, está localizada na zona urbana do Município do Dondo, que está sob o poder político de um governo eleito. A sobreposição entre planeamento distrital e planeamento municipal e as relações entre os dois sistemas são ainda uma questão a ser considerada e resolvida, tanto na prática como na teoria (ver capítulo 2 sobre o enquadramento jurídico e político). 84 Planeamento Físico Urbano e Municipal O factor estrutural mais importante que influencia o planeamento urbano e municipal em Moçambique é o duplo enquadramento jurídico-político de governação urbana, anteriormente descrito. O mandato parcial dos conselhos municipais, em relação às instituições do Estado a nível local, cria um ambiente difícil ao planeamento de intervenções do sector público local. Enquanto na generalidade a responsabilidade do ordenamento do território seja mais claramente (mas não exclusivamente) concentrada nas autarquias, o investimento público e a prestação de serviços públicos estão sujeitos a uma complicada teia de competências sobrepostas e interdependentes, entre autarquias, autoridades provinciais/distritais e empresas públicas estatais e institutos públicos. Na década desde a criação das autarquias em Moçambique, a base normativa para o planeamento urbano não tem sido clara, colhida em regulamentação dispersa com base na legislação colonial e em modelos de planeamento de um estado socialista. A base técnica para o planeamento urbano foi desenvolvida durante os primeiros tempos da independência, peoInstituto Nacional de Planeamento Físico (INPF) mas fora algumas iniciativas locais de demarcação de estradas e de traçados fronteiriços, de modo a criar uma estrutura ordenada das zonas de expansão urbana, pouco tem sido feito em planeamento prospectivo nos últimos anos1. Desde que foi lançado o pacote autárquico, as capacidades de formulação e implementação de planos dos municípios têm sido extremamente limitadas, na sua maioria concentradas em grandes cidades onde muitas vezes têm apenas um desempenho marginal em termos de decisões e gestão, devido à ausência de uma base legal clara e de políticas municipais coerentes em relação ao ordenamento do território. Uma nova lei-quadro para o planeamento territorial (Lei do Ordenamento do Território) elaborada pelo Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA) e promulgada em 2007 atribui claramente a responsabilidade do ordenamento do território às autarquias. Esta lei cria três instrumentos básicos para o ordenamento em áreas municipais: Planos de Estrutura Urbana, Planos Parciais de Urbanização e Planos de Pormenor. Enquanto os Planos de Estrutura Urbana fornecem um enquadramento geral, 85 políticas e regras para o uso e desenvolvimento do espaço urbano, os Planos Parciais e de Pormenor determinam os pormenores técnicos relativamente a usos autorizados, restritos e proibidos, bem como a localização e normas para infra-estruturas básicas urbanas e equipamentos públicos. É de notar que, nos termos do Regulamento do Solo Urbano (Decreto 60/06 de 26 de Dezembro 2006), os direitos de uso e aproveitamento da terra (DUAT) não podem legalmente ser atribuídos a entidades privadas excepto no contexto de regimes de uso da terra devidamente autorizados por um Plano Parcial aprovado. Esta determinação estabelece o princípio base para o exercício da autoridade regulatória municipal em relação a criação de zonas, gestão ambiental e outros interesses públicos como condição prévia para formalizar direitos privados à detenção de solo urbano (por via da concessão de direitos de usofruto) e sua utilização ao abrigo da Lei da Terra de Moçambique. No entanto, ela condiciona também a questão do direito à terra, importante do ponto de vista económico e politicamente sensível, à existência de Planos Parciais, criando assim uma pressão para a rápida aprovação dos planos num clima muitas vezes caracterizado por políticas de desenvolvimento urbano mal definidas e capacidades de planeamento muito limitadas. A lei do planeamento e a proposta de regulamentação atribuem claramente às autoridades municipais a principal responsabilidade do ordenamento do território dentro dos limites municipais. No entanto, os municípios são obrigados a harmonizar os seus planos com as políticas e orientações nacionais2 no que diz respeito a assuntos de interesse geral como normas de infra-estruturas e requisitos de protecção ambiental. Além disso, os Planos de Estrutura Urbana e através deles os Planos Parciais, devem ser harmonizados com planos distritais, provinciais e regionais, desenvolvidos pelas entidades do poder local (OLE). A dimensão regional destes planos – que requerem uma interligação técnica e substantiva entre estratégias de ordenamento do território, transportes, esquemas de esgotos/ drenagem e outras questões de gestão ambiental que são transversalmente comuns às delimitações politico-administrativas — exige um nível de colaboração intergovernamental, tanto a nível político como técnico, que até ao presente não tem sido evidentente desde que as reformas municipais foram introduzidas em 1997. Para garantir esta coordenação, as autoridades provínciais são dotadas do poder de ratificar os planos 86 municipais antes que estes sejam legalmente vinculativos, o que potencialmente dá um maior poder aos Representantes locais do Estado em detrimento das autoridades municipais, caso haja diferenças nas prioridades relativamente a questões ambientais, localização de infra-estruturas e uso da terra. Há assim algum risco de que as exigências de uma adequada coordenação do ordenamento do território, entre OLE e autarquias, tanto no interior como para além das fronteiras da municipalidade, possam exacerbar tensões que existam no seio do regime intergovernamental. Alguns dos municípios visitados têm criado áreas de expansão com base em planos de urbanização parciais. A criação de áreas de expansão aumenta a população que vive em zonas urbanas urbanizadas, melhorando o acesso a infra-estruturas básicas. Mas os municípios encontram frequentemente problemas em providenciar infra-estruturas a essas áreas (por exemplo, o Bairro de Chibuene em Vilanculoss e o Bairro Tchumene I, na Matola), dispersando recursos escassos e serviços limitados a áreas mais vastas. Outros casos há, como o Bairro de Mafarinha no Dondo, em que os planos municipais são meramente reactivos, consistindo sobretudo em remediar situações ambientais graves criadas por ocupação ilegal e descontrolada de terras. Na Ilha de Moçambique, para reduzir a população residente, o município decidiu transferir muitos habitantes para o continente. No entanto, a nova área de habitação não foi dotada com as características mínimas de urbanização (não há ruas claramente marcadas, as casas estão dispostas em desordem, etc.) e pode não ser uma solução a longo prazo para o problema da reinstalação. Planeamento de Prestação de Serviços Municipais As questões intergovernamentais também figuram proeminentemente nos processos de planeamento e orçamento ligados ao investimento público e prestação de serviços públicos nas autarquias. Há uma estrutura única, a nível nacional, o SISTAFE, que abrange todo o país — incluindo as autarquias. Os orçamentos municipais, incluindo todas as fontes de receita, são anexados à proposta de orçamento do Estado para informação do Governo central. No entanto, estes planos e orçamentos não são integrados nos planos e orçamentos provinciais; quando muito, são coordenados com as prioridades dos planos e orçamentos do governo local. Os mecanismos e procedimentos para 87 assegurar a coordenação entre os planos municipais e os planos do Estado continuam a ser ad hoc e são muitas vezes ignorados. Além disso, as autarquias fazem muitas vezes os seus planos anuais com base no programa político, ou “manifesto eleitoral” e não em projectos de investimento público e de ordenamento mais estruturados e estáveis. Estes manifestos raramente são baseados em estimativas realistas de recursos disponíveis. Esta forma de encarar o planeamento coloca alguns problemas: durante o seu mandato, as autoridades municipais sentem-se muitas vezes amarradas aos seus manifestos, que reflectem a visão de um partido político e que podem não corresponder às necessidades e prioridades que resultam de processos de planeamento técnicos e participativos. Os investimentos públicos em infra-estruturas dentro dos territórios municipais, incluem os que são programados pelas autarquias e outros programados por OLE (províncias e/ou distritos) de limites coincidentes. As autarquias têm responsabilidade de planeamento primário entre as suas funções essenciais abordadas no capítulo 2 — incluindo localização, identificação de prioridade e nível de atribuição de recursos, embora possam ser financiadas e/ou geridas com apoio do Governo central ou de instituições dos OLE. Outras funções mantêm-se no domínio do planeamento e financiamento do Estado/OLE dentro do território autárquico, incluindo aquelas que eventualmente virão a ser transferidas para os municípios, como a instrução primária e os cuidados de saúde primários e outros não designados para transferência, como as funções judiciárias, policiamento, registo civil e certos serviços de apoio social. Formalmente, as autoridades municipais não têm um papel na formulação de planos e orçamentos para estes sectores; podem ser ou não consultadas, à discrição dos funcionários provinciais ou distritais. Até mesmo as preferências de localização expressas nos planos de ordenamento municipal podem ser ou não respeitadas pelas entidades do Estado que gerem o investimento público no território municipal. Não têm sido desenvolvidos e divulgados pelo governo central, mecanismos ou linhas de orientação formais para o planeamento e orçamentos governamentais interligando as autarquias com as províncias e distritos cujos territórios são de área coincidente. Em algumas autarquias, foram estabelecidos sistemas de trabalho informais, como workshops 88 conjuntos para planeamento, de modo a melhorar a comunicação e aumentar a coordenação entre os planos das autoridades territoriais locais. Tais iniciativas têm provado ser particularmente eficazes em províncias onde o planeamento distrital participativo está mais desenvolvido e aquelas onde há apoio técnico para ajudar à articulação entre os planos estratégicos de desenvolvimento distrital (PEDD) e os planos de investimento municipais. Tem também sido problemático o planeamento de apoio a uma melhoria da prestação de serviços municipais, que requer mais do que simplesmente melhoramento das infra- estruturas e compra de quipamento. São raras as iniciativas para reformar os serviços administrados pelos municípios através de uma alteração de processos de trabalho e de ajustamentos de organização que resultem em planos e orçamentos para prestação de serviços substancialmente reestruturados (e não apenas em maior número). E mudanças mais profundas na prestação de serviços, incluindo um papel mais importante para firmas do sector privado através de concessões, contratos de gestão e parcerias público-privadas — e que desse modo teriam por resultado um tipo diferente de planos e orçamentos — são ainda mais raras3. Planos e orçamentos de manutenção abrangentes, para infra- estruturas e activos municipais são excepção e não regra. Por esse motivo o termo “planeamento para uma melhor prestação de serviços” é, em geral, uma descrição menos acertada do actual planeamento orçamental em Moçambique do que seria “planeamento para investimento em infra-estruturas municipais” e “planeamento para reforço das capacidades municipais.” A educação e os serviços de saúde são exemplos de como as autoridades municipais lidam com as expectativas dos cidadão e com as promessas feitas no manifesto eleitoral, ainda que as suas competências legais sejam, na melhor das hipóteses, parciais. Quase todos os municípios visitados têm investido na construção de escolas e de pequenas unidades de cuidados de saúde em bairros indicados pelos habitantes locais. O planeamento autárquico para estes edifícios teve por base, em muitos casos, o manifesto eleitoral do presidente do conselho e não uma estratégia municipal ou as prioridades estabelecidas pelos ministérios da educção e da saúde. Ainda que as autoridades 89 municipais construam escolas e unidades de cuidados de saúde, a responsabilidade pela gestão continua nas mãos de entidades do Estado e dos seus departamentos sectoriais. Estes investimentos, sem a real transferência de responsabilidades recorrentes, conforme foi focado acima, causa frequentemente problemas em termos de dotação de pessoal e equipamentos, mantendo-se alguns deles sem utilização ou subutilizados durante bastante tempo. Há no entanto algumas realizações na prestação de serviços municipais que devem ser destacadas, como o melhoramento em resíduos sólidos na Beira e Matola; a construção de morgues em Vilanculoss e na Beira (sendo a segunda a maior do país); e a construção de um terminal de transportes em Montepuez. Este terminal dispõe de parqueamento para todos os transportes públicos e privados pelo que não só melhorou o acesso aos transportes como também criou uma fonte de receita, pois os condutores pagam para estacionar e carregar os seus veículos. Experiências em Planeamento e Governação Urbana e Municipal O melhoramento gradual da estrutura normativa e dos aspectos técnicos do ordenamento do território e do planeamento da despesa pública do regime autárquico de Moçambique, tem sido acompanhado por uma crescente ênfase na participação da sociedade civil no planeamento e na responsabilização dos municípios em relação à implementação dos planos. Em todos os municípios visitados, a participação dos cidadãos nos processos de governação e planeamento foi vista como um elemento essencial da boa governação. Esta participação é considerada como permitindo aos cidadãos conduzirem processos que dizem respeito ao seu próprio desenvolvimento, ao reforço da reactividade decisória das autarquias, e a um melhor inter-relacionamento entre entidades autárquicas e os cidadãos. Em muitos casos, as divergências entre os cidadãos e os conselhos municipais têm sido atribuídas a falta de comunicação. Foram aplicados os seguintes métodos de comunicação, com graus variáveis de eficácia, em várias municipalidades: 90  Os vereadores visitam os bairros para identificar as necessidades e prioridades da comunidade. As assembleias municipais, em todas as autarquias, instituíram também comissões que estão a trabalhar nos bairros.  Os presidentes dos conselhos municipais têm um horário fixo, todas as semanas, para receberem os munícipes que possam ter alguma reclamação ou sugestão a apresentar (p. ex: Matola).  Rádios das comunidades são utilizados para divulgar temas de educação cívica e actividades municipais (p. ex: Montepuez e Dondo)  O orçamento municipal e a sua execução são afixados na entrada e os cidadãos têm acesso livre a esta informação financeira.  Os municípios praticam o orçamento participativo. Geralmente, isto é feito com o apoio de projectos de doadores (p. ex. Dondo, ADA e Montepuez, SDC). As visitas de campo e as entrevistas permitiram identificar práticas inovadoras de governação participativa em planeamento municipal e para a melhoria da prestação de serviços a nível municipal, como por exemplo: associações para serviços comunitários; Fóruns Municipais (Dondo); o Orçamento Participativo (Maputo); Comités para a água de base comunitária (Matola, Montepuez); métodos para a avaliação de necessidades e de estabelecimento de prioridades (Vilanculoss, Gurué) e um crescente envolvimento de associações locais para a prestação de serviços (Montepuez). Em resumo, o planeamento municipal é cada vez mais encarado não apenas como um processo técnico de determinação de prioridades e atribuição de recursos, mas também como uma parte integrante da governação municipal.Uma participação cada vez mais estruturada e institucionalizada e mecanismos de responsabilização, estão a ser aplicados pelos municípios em várias escalas e promovidos através de uma série de programas de assistência técnica e de reforço de capacidades. No entanto, estas são experiências novas e dependem do continuado desenvolvimento das bases de recursos, e das capacidades de planeamento técnico e sistemas de gestão dos municípios, para levarem a cabo investimentos e melhoramentos na prestação de serviços contemplados nos planos e orçamentos municipais. Desta forma, os processos de planeamento e a monitorização da 91 implementação dos planos criam um elo essencial entre a melhoria da governação municipal e os serviços urbanos. Existem boas e inovadoras práticas na Governação e Planeamento Urbano, mas geralmente estão mal documentadas e são pouco conhecidas. Um dos desafios é documentá-los numa base regular e medir o seu contributo. Dar-se-ia assim um primeiro passo para enfrentar o desafio de encontrar mecanismos para a troca de “know how” entre os protagonistas em cena. Governação Municipal e Urbana Uma das conclusões principais do estudo é que, ao longo destes últimos dez anos de municipalização em Moçambique, tem havido progresso em cada uma das quatro dimensões da governação urbana que foram analisadas: Eficácia, Justiça, Participação e Responsabilização. A eficácia dos municípios de Moçambique é relativamente boa, tendo em conta os seus recursos financeiros extremamente limitados (ver capítulo 4): (i) Apesar de recursos municipais muito limitados (entre USD 3 a 20/per capita ao ano) têm conseguido fornecer alguns dos serviços pelos quais são responsáveis; (ii) Os municípios gastam uma boa parte dos seus orçamentos em investimentos; (iii) Começa a emergir uma culta fiscal autárquica, embora os resultados deste esforço de colecta de taxas sejam ainda muito baixos em termos absolutos; (iv) O número de funcionários municipais é geralmente limitado e em particular no que respeita a técnicos e profissionais. Uma situação tão crítica valoriza ainda mais o desempenho de algumas autarquias; (v) Parte do orçamento municipal é exaurida para além do que são as competências oficiais dos municípios, particularmente em caso de riscos e desastres naturais, sobretudo nas áreas costeiras. A dimensão justiça, e particularmente a questão de género, apresenta resultados fracos ainda que haja casos isolados de progresso, e requer particular atenção numa perspectiva de melhoramento da governação: (i) a proporção de mulheres conselheiras é na generalidade muito baixa, salvo raras excepções; (ii) o número de mulheres em posições de chefia é ainda mais baixo; (iii) a redução de preços da água para os pobres, considerada como uma importante variável de justiça, não é praticada. O sistema duplo de abastecimento de água composto por poços públicos e água canalizada está a 92 funcionar de facto, como substituto de uma política de preços que tenha em consideração os mais pobres, fazendo com que estes tenham acesso a água mais barata mas que, entretanto, é de qualidade diferente; (iv) Apesar das suas limitadas capacidades financeiras, as autarquias têm fornecido apoio aos negócios e comerciantes informais, sobretudo através do melhoramento de mercados, reforçando assim o tradicional papel da maioria dos municípios como cidades-mercado. A dimensão participação é razoável em termos de democracia formal (democracia representativa) mas é fraca em termos de participação política: (i) A participação (afluência às urnas) em eleições municipais é ainda reduzida. A noção de poder autárquico é algo de novo e nem sempre compreendido pelos novos votantes; (ii) Os fóruns públicos e canais de participação são escassos mas os que existem são exemplos inovadores e prometedores dos quais se podem colher ensinamentos; (iii) Apesar de geralmente fracas, as associações cívicas, devido à sua diversidade e incidência nos territórios municipais são um valor em termos de governação; (iv) Até agora, a participação é mais uma prática que uma política e há uma falta de estratégia para a participação; (v) As relações entre as associações cívicas não são muito fortes. Simultaneamente, o papel dos poderes tradicionais, ainda que oficialmenmte reconhecido, não está bem definido. Consequentemente, o grande desafio para gerar uma governação mais participativa requer que se encontrem pelo menos mecanismos para aumentar o número de votantes nas eleições municipais e para reforçar as associações cívicas na sua diversidade e fortalecer as suas relações com as municipalidades. A dimensão responsabilização revela-se fraca em todas as variáveis consideradas no Índice de Governação Urbana; (i) A publicação de contratos e propostas pela autarquia, não é prática comum; (ii) os métodos de contabilidade orçamental são relativamente simples, mas a publicação de orçamentos e contas é limitada; (iii) existem por vezes alguns códigos de conduta autárquica intereressantes (por exemplo o Regimento Interno da Assembleia) mas não são conhecidos dos cidadãos; (iv) É raro haver mecanismos para receber reclamações dos cidadãos, embora haja algumas excepções, como a Beira; 93 (v) Não existem propriamente agências anti-corrupção, mas há alguns programas anti- corrupção financiados pela ajuda internacional. 3.3 Recomendações A principal recomendação deste capítulo é o reforço da governação municipal e do planeamento para uma melhor prestação de serviços. Os processos de descentralização e de municipalização empreendidos desde 1997 têm tido alguns resultados positivos, mas que precisam de ser aprofundados. A opinião da equipa é que a descentralização municipal é a melhor forma de dar resposta aos desafios da urbanização. No entanto, nas condições actuais, as autarquias não estão em posição, política, financeira e administrativa, de enfrentar esses desafios e fornecer serviços a uma população crescente, e particularmente aos pobres. São necessárias transformações jurídicas e políticas, a nível nacional e local, para criar um ambiente que favoreça uma resolução para as limitações, detectadas no diagnóstico, da só parcialmente conseguida governação municipal e planeamento de prestação de serviços. Esta última secção aborda uma série de recomendações legais e políticas e seguidamente apresenta sugestões específicas, a nível nacional e municipal, para melhorar a governação e o planeamento. Por último, apresenta um sumário de recomendações. Recomendações Jurídicas e Políticas Reconsiderar o conceito e implicações do “gradualismo” no contexto da política de descentralização de Moçambique Resumo da Questão: O conceito prevalecente de gradualismo limita o âmbito tanto funcional como geográfico da descentralização em Moçambique. Por um lado, a maioria dos cidadãos moçambicanos que vivem fora das cidades e vilas não têm acesso a um governo local democraticamente eleito. Por outro, os conselhos municipais democraticamente eleitos que existem nas cidades e vilas, estão consideravelmente limitados na sua capacidade para dar resposta à pretensão dos cidadãos a melhores serviços, pela continuada preeminência de organismos estatais “desconcentrados”. 94 Recomendações: Em Moçambique as políticas, tanto de democratização como de descentralização são grandemente cerceadas pela doutrina do gradualismo. Os benefícios já demonstrados da reforma municipal deveriam ser alargados e aprofundados através de uma expansão sistemática de governação descentralizada, ao longo de um período de 10–15 anos, com metas muito claras para a expansão do seu âmbito geográfico até incluir todas as vilas rurais e os distritos rurais em torno delas. Além disso, deveria ser definido um calendário para a transferência de competências operacionais para as autarquias e deveria ser estabelecido um programa muito claro de reforço de capacidades e de reformas fiscais, relacionadas com o processo mais alargado de reforma do sector público, como base do reforço e da atribuição de poderes às autarquias, para fornecerem serviços aos cidadãos que estão em posição de responsabilizar efectivamente os seus funcionários. Estabelecer mecanismos claros para reforçar o planeamento municipal e as capacidades de governação, especialmente no caso dos novos municípios e das novas “candidaturas” Resumo da Questão: No futuro, haverá mais distritos e postos administrativos a tornarem-se municipalidades. A base técnica e metodológica para esta significativa transferência de responsabilidades não é clara. Além disso, estes distritos não estão preparados para estas novas responsabilidades, que requerem novas capacidades que os actuais municípios foram adquirindo gradualmente. Poder-se-ia poupar tempo e evitar erros, se fosse instituído um processo adequado de formação e preparação antes das novas autarquias serem criadas. E o que é mais, este processo deveria ser baseado num mínimo de condições de governação e planeamento, o que argumenta, de novo, a favor de um sistema generalizado de democracia representativa abrangendo o país no seu todo. Recomendações: A visão e a recomendação da equipa coincide com a que foi exprimida e desenvolvida no capítulo sobre o contexto legal e institucional: deverá ser instituído um método claro de transferência e estabelecidos critérios também claros. Além disso, o processo deverá ser transparente e amplamente publicitado, com linhas de orientação definidas e um manual preparado para este fim. Além disso, deveria ser criado um programa de capacitação a ser fornecido às autoridades locais que se transformaram em 95 autarquias. Torna-se necessário desenhar e implementar um programa de formação sobre questões relativas a governação e planeamento, composto por vários módulos. Garantir- se-á assim que as novas autarquias estarão preparadas para enfrentarem os seus novos desafios. Um tal programa deverá, numa primeira instância, ser direccionado para os municípios que foram criados em 2008. Melhorar os mecanismos de transferência de competências dos governos provinciais para os locais Resumo da Questão: A transferência de responsabilidades específicas, como a saúde ou a educação, do nível central para o nível local deveria ser feita através de acordos formais e, em conformidade com a lei, num período curto de três anos. Ainda que os princípios gerais estejam bem instalados, até ao presente os instrumentos e a regulamentação para esta transferência são muito limitados. Estes limites põem em causa o sucesso da transferência e podem aftectar significativamente as finanças e a governação municipal. A experiência internacional indica que a municipalização da educação e da saúde em municípios muito pobres pode esgotar os seus escassos recursos orçamentais e esvaziar as suas já muito reduzidas capacidades de investimento. Recomendações: A transferência de responsabilidades, do nível nacional para nível local deveria ser muito gradual e estender-se por um período de 10 anos em vez de 3 anos. Além disso, os termos de transferência deverão ser claramente estabelecidos e transformados em realidades financeiras e em orçamentos com verbas destinadas a corresponder às novas tarefas assumidas. Deveria ser instituído um sistema anual de monitorização, de modo a fazer ajustamentos ao que vai ser um processo empírico. É essencial criar um sistema que avalie quais os municípios que estão, e os que não estão, prontos para assumirem novas responsabilidades. Numa análise caso a caso, deverá ser feita também uma avaliação das responsabilidades a transferir, em particular a educação primária e a saúde. É necessário também haver mecanismos alternativos para que, no caso de as autarquias não terem capacidade para fornecer certos serviços, o Governo central e/ou regional entrem então em acção de modo a evitar consequências potencialmente desastrosas. 96 Há necessidade de linhas de orientação sobre regras orçamentais e de responsabilização e sobre os aspectos práticos da transferência destas responsabilidades. Deveria ser desenvolvido e implementado um modelo de acordo mais detalhado do que aquele anexado à actual lei. Estas transferências são uma oportunidade importante para melhorar a responsabilização e a governação a nível local. Aumentar o volume das transferências financeiras do Governo Central para os municípios Resumo da Questão: Os recursos orçamentais dos municípios são insuficientes para que possam prestar os serviços básicos referidos no Decreto 29/06 de 30 de Agosto 2006. Um dos principais motivos destes baixos orçamentos, é que as transferências efectivas, do Governo central para os municípios são ainda extremamente baixas (menos de 1% do total do orçamento público, em 2006) e têm evoluído muito mais lentamente que a descentralização política das responsabilidades. Além disso, os critérios técnicos para definir os níveis das transferências são limitados e baseados sobretudo nos números da população, dados que nem sempre são fáceis de determinar com exactidão. Recomendações: Os recursos transferidos do Governo central para as autarquias deverão aumentar gradualmente, de 1% para 5% ao longo dos próximos 5 anos. Este aumento deveria ter lugar antes da transferência dos serviços de saúde e ducação para os municípios. Além disso, a base técnica de cálculo dos montantes a transferir para cada município, deve ser explicitada e os critérios existentes devem ser alargados de modo a considerar outros parâmetros, como os níveis de probreza e outros critérios de compensação, como o contributo dos municípios para a riqueza nacional. Uma questão chave a ser considerada, é como podem as autarquias obter maiores benefícios das suas potencialidades locais, como o turismo e indústrias; receber uma quota mais elevada do seu contributo para a riqueza nacional seria um estímulo para os seus esforços de desenvolvimento económico local. Reforçar a capacidade dos munícipios na colecta de impostos Resumo da Questão: Uma clara conclusão do estudo é que o rácio da colecta real em relação à prevista é ainda muito baixo, apesar dos esforços de vários municípios. Na 97 maioria dos casos, os eleitos locais têm uma ideia bastante clara do que devia ser feito para melhorar o nível da cobrança e aumentar o seu orçamento. Recommendações: As capacidades das autarquias para aumentarem a taxa da colecta fiscal e não fiscal deveriam ser sistematicamente reforçadas e fazer parte do programa de consolidação das capacidades que será apresentado nas secções a seguir. Além disso, deveria ser efectuado um estudo sobre a descentralização e utilização da colecta de impostos, para estimular um maior envolvimento dos municípios na geração de recursos públicos. Formular políticas nacionais e municipais sobre a participação dos cidadãos Resumo da Questão: Em Moçambique, a descentralização tem-se focalizado sobretudo na instituição de um sistema de democracia representativa, através de assembleias municipais e presidentes eleitos. A actual estratégia é relativamente incompleta no que respeita a canais e mecanismos de participação, apesar de se verificarem formas inovadoras de participação a nível autárquico. Alguns países têm vindo a desenhar e implementar leis a nível nacional (a Bolívia desde 1995) ou municipal (Política de participação, San Salvador, El Salvador, 2003) que criaram um clima propício à participação e enriqueceram o processo de descentralização, reforçando ao mesmo tempo a democracia representativa local. Recomendações: Rever o presente quadro legal e constitucional de modo a introduzir uma dimensão de participação no planeamento local e reforçar os canais de participação já existentes, criados por alguns municípios. Naqueles municípios em que a participação é já uma prática, o desenho e a implementação das políticas de participação deveriam clarificar os princípios sobre os quais ela é baseada e definir canais de participação. Canalizar recursos internacionais para financiar infra-estruturas autárquicas Resumo da Questão: Há um vasto défice de investimento no desenvolvimento local a nível municipal e a ajuda internacional está cada vez mais concentrada em fornecer assistência técnica. Um dos pedidos que os funcionários eleitos formulam é que haja um 98 maior equilíbrio entre apoio técnico e investimentos. O programa de ajuda austríaco no Dondo foi citado como um bom exemplo deste tipo de equilíbrio. Recomendações: Os futuros programas de ajuda internacional deveriam interligar os seus programas de consolidação de capacidades e de formação ao financiamento de infra- estruturas municipais. Este fluxo de recursos da ajuda externa não se deveria limitar ao investimento, mas deveria considerar o funcionamento e manutenção também. Quaisquer outras despesas de capital deverão ser acompanhadas de um plano financeiro para cobrir as despesas de manutenção. Clarificar o papel das autarquias na prevenção e gestão de desastres. Resumo da Questão: Os escassos recursos dos municípios esgotam-se a nível local a dar resposta às consequeências de desastres, em particular nas zonas costeiras. Aparentemente, não há uma divisão clara das responsabilidades entre os níveis local e central de governo em relação à prevenção e gestão de situações desastrosas. Não estão a ser feitas provisões ou dotações específicas nos orçamentos para enfrentar os impactos de riscos naturais, os quais estão a ocorrer com regularidade. E é de prever ainda que, num futuro próximo, as alterações climáticas vão trazer mais riscos naturais extremos que afectarão as áreas costeiras de Moçambique e a infra-estrutura urbana existente. Recomendações: As respectivas funções de cada nível do governo deverão ser mais bem definidas no interesse da prevenção e da gestão pós-desastres. Nas actuais condições, as autarquias não estão preparadas para gerir os riscos dos impactos da natureza. Estas situações deveriam claramente situar-se dentro das responsabilidades dos Governos central e regionais. No entanto, o papel das autarquias na prevenção de desastres deve ser definido e clarificado. As regras do planeamento urbano e as normas de construção, sobretudo no caso de instalações públicas, deveriam ser revistas a nível local de modo a melhorar a preparação das autarquias para os impactos das alterações climáticas. As implicações orçamentais correlacionadas deveriam ser tornadas mais transparentes e funcionais. O decreto 29/06, que define as competências das autarquias locais deveria ser reformulado de acordo com estes princípios. 99 Proposta de Acção a Nível Nacional As recomendações a nível nacional têm necessáriamente de atender às três questões seguintes: A primeira é o desenvolvimento das capacidades de dois intervenientes fundamentais: 1. As autarquias e a sua associação nacional, ANAMM. 2. As organizações da sociedade civil, em particular através de:  Apoio às existentes e reconhecimento do seu contributo positivo. A questão principal a resolver é como fazer a transição de participações geralmente ligadas a um projecto para uma forma mais sustentada de participação na governação.  Melhoramento das relações e comunicação entre elas.  Despertar na consciência dos cidadãos o papel que as organizações de cidadãos podem desempenhar nos assuntos municipais, favorecendo o aparecimento de novas lideranças e novas organizações cívicas. A segunda é o reforço de comunicação e de relações entre as autarquias e os cidadãos e as suas organizações. Na realidade, criar uma ponte que vença a distância entre autarquias e os seus cidadãos é um desafio fulcral, em termos de uma governação para a prestação de serviços. A terceira questão é que estas “pontes” devem ser construídas primordialmente para atender a problemas concretos que as autarquias enfrentam, de modo a melhorar alguns dos serviços básicos pelos quais elas são responsáveis, em particular: (a) o planeamento e seguidamente a prestação do serviço público e doméstico de remoção e tratamento de lixos; (b) a gestão dos mercados públicos; (c) o desenvolvimento económico. Consequentemente, os quatro projectos que a seguir serão apresentados a nível nacional/local, são simultaneamente um “fim” para a melhoria da prestação de serviços e um “meio” para desenvolver a governação participativa a nível municipal. Por seu turno, 100 uma forte governação participativa deverá possibilitar, numa perspectiva a longo prazo, a prestação de uma mais ampla gama de serviços. Desenvolver as capacidades das Autarquias através de um Programa de Capacitação Autárquica Resumo da Questão: Conforme explicado na secção 2, a maioria das autarquias tem limitada capacidade de planeamento em termos espaciais e de sector. Na ausência de estratégias municipais de desenvolvimento, os projectos existentes, muitos dos quais são apoiados pela ajuda internacional, têm actuado como substitutos do planeamento. Há, claramente, uma necessidade de passar de um desenvolvimento municipal baseado em projectos, a uma abordagem de planeamento, baseada nas dificuldades e oportunidades específicas locais. Os municípios, apesar dos seus esforços e progressos, são demasiado fracos para enfrentar as múltiplas tarefas com as quais têm de lidar. Além disso, é necessário resolver a falta de profissionais a quem poderia ser cometido o planeamento: é muito limitado o número de funcionários e técnicos públicos e as condições de trabalho não são geralmente atraentes para profissionais, quer jovens quer experientes. Recomendações: O Programa de Capacitação Profissional poderia ter os seguintes eporters: 1. A criação de unidades municipais de planeamento responsáveis por:  Estabelecer Planos Locais de Desenvolvimento Participativo (PLDP) tal como indicado na recentemente aprovada lei do planeamento. Esta proposta epo desenvolvida mais adiante no capítulo (proposta de acção a nível local).  Coordenação das acções dos vários sectores do município e monitorização, de forma estrutuada, dos diferentes planos e programas.  Desenvolvimento das relações e comunicação entre autarquias e cidadãos.  Formulação de projectos de programas para organizações internacionais e para o Governo central. As unidades de planeamento actuariam como agentes de ligação entre a autarquia e os níveis de governo provincial/central. Poderiam depender directamente do gabinete do presidente do conselho municipal e eporter regularmente à assembleia municipal. 101 2. Formação de pessoal e vereadores: Esta formação deverá ser feita através de cursos de formação de curta duração, programas de intercâmbio entre cidades, formação no posto de trabalho, workshops e outras modalidades pedagógicas talhadas à medida das necessidades específicas de cada autarquia. Algumas podem ter deficiências na área da responsabilização, enquanto outras poderão ter necessidade de reforçar a igualdade de géneros. O Índice de Governação Urbana poderá ser uma boa ferramenta para fazer o diagnóstico local das necessidades de formação. Vários programas internacionais, como o URB-AL (financiado pela União Europeia) ou o programa de cooperação C2C UNV (financiado pelos Voluntários das Nações Unidas) têm sido accionados com bastante sucesso, permitindo a transferência de saberes e conhecimento entre funcionários municipais e decisores na América Latina e na Europa. 3. A criação de um sistema nacional de carreiras para pessoal municipal: até ao presente, para a maioria dos profissionais, é menos atraente trabalhar para o governo local que para o sector privado, as ONG ou agências internacionais. Como acontece em muitos países (pobres) os governos locais não são para fazer carreira, mas sim uma instituição onde se ganha experiência para vir depois a conquistar um melhor emprego noutro organismo. Este é um problema estrutural que deverá ser encarado através de Planos de Carreiras onde cada diploma, curso, ou mérito adquirido seja traduzido em mais salário e mais responsabilidade. Esta será, provavelmente, uma das principais tarefas a empreender a curto prazo. Reforçar o papel da ANAMM Resumo da Questão: As 3 acções anteriormente propostas para desenvolver as capacidades das autarquias (i) criação de unidades de planeamento, (ii) formação de funcionários públicos e vereadores e, (iii) implementação de um Plano Nacional de Carreiras para os funcionários municipais, necessitam de um porta-voz nacional e de uma instituição nacional que os conceba e os ponha em prática. A ANAMM está em excelente posição para ser esse porta-voz e possivelmente também para os implementar ou, pelo menos, para coordenar estas actividades a nível nacional. No entanto, a ANAMM é uma instituição ainda muito recente. As entrevistas e as visitas de campo deste estudo 102 revelaram a percepção tida, a nível local, da ANAMM e realçaram algumas das suas fragilidades. A presente proposta tem, como um dos seus intuitos, dar solução a essas fragilidades de modo a desenvolver as capacidades da ANAMM, o que poderá vir a ter um papel muito importante no reforço da capacitação dos municípios. Os desafios identificados pela equipa incluem, entre outros:  Os recursos humanos e financeiros da ANAMM são muito limitados e não permitem cumprir integralmente as suas atribuições.  No terreno, a acção e a presença da ANAMM são ainda muito fracas. Como muito bem o expressou um dos presidentes de CM, “Deviam ser dadas asas à ANAMM”.  A ANAMM é, por natureza, um organismo supra-político e deveria reflectir as diferentes sensibilidades e abordagens políticas dos municípios. Nem sempre é vista como tal.  Alguns municípios da RENAMO pensam que a ANAMM não está suficientemente aberta à diversidade política e que a sua direcção e algumas das suas comissões (por exemplo no que respeita a mulheres na presidência dos CM) deveriam ser mais abrangentes na diversidade. Reconhece-se que alcançar um ponto de equilíbrio em que todos os partidos políticos se considerem satisfeitos será uma tarefa difícil.  Outra dificuldade que foi salientada foi a limitada acção da ANAMM em relação ao Governo central no apaziguamento das tensões que existem entre Representantes do Estado e os presidentes eleitos dos CM, em particular nas cidades onde a RENAMO detém o poder. A ANAMM poderia desempenhar um papel de liderança no apoio e reforço das capacidades das autarquias por diversos modos: (i) Definição de uma estratégia nacional de capacitação; (ii) Desenvolvimento dos recursos humanos e das relações de trabalho a nível municipal; (iii) Melhoramento do desempenho; (iv) Avaliação das necessidades de formação; (v) Pesquisa quanto ao papel a ser desempenhado pelas mulheres nas autarquias e formas de melhorar o seu posicionamento. Recomendações: De entre as propostas para fortalecer as capacidadas da ANAMM, destaca-se: 103 (a) O número de funcionários permanentes da ANAMM deveria ser aumentado sobretudo para que possa cumprir a sua função política. Para além do seu desempenho político, a ANAMM poderia, gradualmente, começar a envolver-se nas questões técnicas e sectoriais, provavelmente através de uma abordagem baseada em programas específicos. Planeamento urbano, políticas fiscais, gestão de resíduos sólidos, questões judiciais, comunicações e igualdade entre os géneros foram algumas das áreas identificadas como necessidades. Terá que haver cuidado para que as actividades técnicas e de apoio aos serviços da ANAMM não dupliquem ou substituam o papel que é desempenhado pelos diferentes ministérios de tutela que estão a fornecer aconselhamento técnico e orientações aos municípios. A prioridade deve ir, claramente, para o reforço de instituições já existentes que prestam apoio aos municípios. (b) O orçamento da ANAMM deveria ser aumentado. A equipa recomenda, fortemente, que as agências de ajuda e o Governo central considerem esta como uma questão estratégica. Financiar a ANAMM apenas através de um programa específico não será o bastante para lhe permitir desempenhar um papel de liderança na criação de capacidades municipais. As atribuições da ANAMM deverão ser tornadas mais claras, não apenas junto dos presidentes dos CM, mas também perante os funcionários públicos, os vereadores e os cidadãos. O seu papel político, como voz unificada das autarquias deve ser realçado. É, assim, prioritário o desenvolvimento da sua capacidade jurídica em função deste papel a desempenhar. Uma campanha alargada, de comunicação e informação, deve ser implementada de modo a clarificar e explicar esse papel. O resultado será uma ANAMM mais claramente presente como voz política que fala pelos municípios na sua diversidade. Reforçar as Organizações da Sociedade Civil e a Participação dos Cidadãos Resumo da Questão: A maioria dos municípios dispõe de uma rede relativamente densa de organizações da sociedade civil, legalmente constituídas ou não, de natureza e com interesses diferentes. Na sua maioria estas organizações são fracas e com poucos recursos, se é que os têm, e geralmente com um baixo nível de presença activa no 104 planeamento e em actividades de carácter municipal. No entanto, elas são claramente um instrumento importante. Ainda que existam várias organizações, é óbvio que o seu papel é ainda limitado. Tal como frequentemente acontece, mesmo em contextos muito participativos, a maioria dos cidadãos não se imiscui na participação quer social quer política. Por um lado, a participação de votantes é ainda reduzida ou mesmo muito reduzida e, por outro, muitos cidadãos, a nível individual, não tem grande participação em projectos em curso ou em fóruns existentes. A falta de confiança nos representantes políticos, a falta de comunicação e de informação sobre o que é um município, ou até mesmo de conhecimento sobre o que são possíveis canais de participação, podem explicar o reduzido nível de participação política e social. Ao mesmo tempo, as autarquias que decidiram investir na comunicação de massas, em particular através dos seus meios locais, estão a atingir grandes taxas de audiências. Montepuez, por exemplo, afirma ter níveis de 85% de audiência nos seus programas locais e informou que “a rádio comunitária, que fora um dos pedidos feitos pela comunidade, tem sido uma das mais importantes realizações alcançadas nos últimos 10 anos.” Recomendações: (a). Deveria ser implementada uma alargada campanha de informação, dirigida a cidadãos de todas as idades. O seu principal tema deverá ser informar a população sobre o que é um município, as suas funções e as suas limitações. (b). Deverá ser feito um esforço para aumentar a transparência nas autarquias e o nível de responsabilização. Prestar informações sobre os recursos orçamentais e a sua utilização, ou sobre o valor de concursos públicos e resultados tangíveis, são factores importantes para criar um nível mínimo de confiança junto da sociedade civil. (c). Os canais de comunicação entre eleitos e os seus eleitores devem ser estabelecidos numa base de regularidade. As visitas mensais feitas a cada um dos bairros, tal como acontece actualmente, não devem servir apenas para “pedir o apoio do povo”, como se tornou patente através de algumas das nossas entrevistas, mas para dar contas do que o município está a fazer. 105 (d). Deve ser definida, implementada e amplamente propagada uma estratégia de participação, que conduza gradualmente a políticas participativas. Também neste caso, estas políticas contribuirão para aumentar o necessário nível de confiança, que presentemente é reduzido. (e). Deverá ser elaborado e financiado um programa de capacitação para as organizações da sociedade civil. Esses fundos poderiam ser utilizados para o seguinte: (i) facilitar a participação dos cidadãos assumindo diversos tipos de custos de reuniões; (ii) promover programas de intercâmbio entre cidades abrangendo outras comunidades; (iii) co-financiamento de algumas infra- estruturas; por exemplo os recursos poderiam ajudar as organizações a terem uma sede própria para as suas actividades financiando os materiais de construção; e (iv) actividades de informação e comunicação dirigidas aos aderentes de organizações de base. Proposta de Acção a Nível Municipal Deverão ser considerdados pelo menos três tipos de intervenção para reforçar o planeamento municipal e os mecanismos de governação: (i) Consultas a nível da cidade e planeamento local participativo; (ii) Orçamentos participativos; e (iii) Um programa nacional para o desenvolvimento dos Bairros. Consultas a Nível da Cidade e Planeamento Local Participativo Consultas a Nível da Cidade: Uma consulta à cidade é um processo que envolve diversas partes interessadas, visando soluções para um problema considerado como prioritário por todos os participantes (ver caixa 1 na versão mais longa no CD-ROM). Pode ser, por exemplo, a recolha de resíduos sólidos num bairro específico ou no conjunto da cidade, a gestão de um mercado local ou de qualquer dos sectores que caem sob a responsabilidade das autarquias. A consulta à cidade é um ponto de partida para o planeamento, em municípios onde tal não é ainda praticado. As consultas às cidades têm sido implementadas com o apoio do Programa de Gestão Urbana em 120 cidades do mundo, com razoável grau de sucesso na maioria dos casos. São um pouco diferentes da Estratégia de Desenvolvimento Citadino (CDS) que tem 106 vindo a ser implementada em Moçambique e poderiam ser um complemento dessa estratégia. Os Programas de Consulta à Cidade e de Acção Prioritária têm um âmbito mais reduzido que os CDS e são geralmente de curto prazo. Podem ser complementados por recursos de investimento que actuariam como catalisador para canalizar recursos financeiros existentes e internacionais. A ordem de grandeza para desenvolver uma Consulta à Cidade e financiar algumas acções seria de USD 5 a 7 milhões, para um período de 3 a 5 anos. As unidades de planeamento criadas em cada um dos municípios poderiam efectuar as consultas nas cidades, o que constitui também um excelente elemento de formação. São um primeiro passo para os Planos de Desenvolvimento Local que seriam desenhados e accionados de acordo com a Lei do Planeamento Físico aprovada em Maio 2007. Riscos: As abordagens demasiado normativas e estandardizadas podem muito facilmente transformar-se em processos não muito transparentes, ocasionando confusão quanto a quem são os legítimos representantes e quem detém a responsabilidade política. A abordagem da consulta à cidade pode ser usada como inspiração, mas é importante que não seja utilizada como uma matriz rígida mas antes cuidadosamente adaptada de modo a que seja compatível com os processos de planeamento e instituições existentes em Moçambique. Planos Locais de Desenvolvimento Participativo (PLDP): A experiência colombiana de Planos de Ordenamento Territorial (POT) é uma boa prática internacional (ver Caixa 4 na versão mais longa). Esta experiência poderá enriquecer a implementação da Lei do Planeamento de Moçambique. Ao longo dos anos, os POT têm sido gradualmente aprovados e implementados em muitos municípios colombianos e, mais importante, têm sido utilizados como referência para a programação pública de investimento financeiro de um modo integrado. A experiência do Plano Participativo Local do Município de Neiva, na Colômbia, teve início como consulta à cidade. O passo seguinte do processo foi a sua consolidação como um PLDP e a sua aprovação pelo Conselho Municipal como parte integrante do POT. A experiência de Neiva, que recentemente recebeu o prémio de Boas Práticas da ONU é uma boa fonte de inspiração para um programa em Moçambique. 107 Em resumo, sugere-se que a Consulta à Cidade e os Planos de Acção sejam complementados com Planos Participativos de Desenvolvimento Local. Estes planos são, também eles, um processo envolvendo múltiplos participantes interessados, e que em última análise deverá ter por fim encontrar soluções para as necessidades básicas dos cidadãos, em termos de serviços essenciais. Poderiam ser implementados e postos em prática quer através de financiamento externo quer nacional, ou através de orçamentos participativos que constituem o segundo programa proposto a nível local. O Orçamento Participativo como Ferramenta para Gerar Governação e Melhorar a Prestação de Serviços Locais Resumo da Questão: o Orçamento Participativo (PB) é um mecanismo (ou um processo) através do qual a população define o destino de parte ou da totalidade dos recursos públicos. Actualmente, cerca de 2000 municípios adoptaram o PB, com um elevado nível de adaptação. Moçambique não ficou de fora deste movimento e há, até ao presente, uma razoável soma de experiências acumuladas em diversas autarquias, como Maputo, Dondo e Montepuez. No entanto, os PB de Moçambique são mais de natureza consultiva (designados por auscultação) que de natureza deliberativa. Poderá conseguir-se algum progresso dando mais voz e poder decisivo à população participante. O PB é um bom ponto de partida para estabelecer laços fortes entre os governos eleitos e a sociedade civil, ainda que esta não seja muito forte. Na realidade, está-se a verificar que o PB gera um elevado nível de Capital Social. Ao mesmo tempo, as organizações sociais existentes vêem-se reforçadas e outras novas tendem a emergir, como organizações de serviços, ligadas numa primeira fase à obtenção de uma parte dos recursos públicos para melhoramentos muito concretos a favor dos seus públicos. Além disso o PB já demonstrou ter um efeito secundário, que é a modernização das administrações locais e a sua gradual transformação em instituições “mais abertas ao público”. Os municípios de Moçambique podem ainda colher enormes benefícios destes tipos de mecanismos e práticas de PB. Um elemento importante, é que o Manual de perguntas frequentemente feitas sobre o PB, originalmente publicado pela ONU em espanhol, está agora a ser traduzido para português e publicado pela mesma agência para o público 108 moçambicano. Este manual não só responde às questões básicas como também apresenta muitos casos representativos e práticas inovadoras relacionadas com o PB (Cabannes 2004). Consequentemente, a segunda proposta de acção a nível local, é um programa de apoio à introdução e consolidação do PB a nível municipal, em todo o país. Esse programa poderia ser constituído pelos seguintes elementos 1. Apoio técnico a:  Campanha de informação sobre o PB.  Concepção de linhas gerais de orientação e interligação operacional com o PLDP.  Formação de organizações comunitárias, funcionários públicos e cidadãos.  Programas de intercâmbio e visitas a municípios onde o processo está já a decorrer.  Avaliação do desempenho e das dificuldades que estas cidades estejam a enfrentar na consolidação do seu processo de PB.  Apoio técnico durante os dois primeiros ciclos do processo. 2. Apoio financeiro de agências externas, para multiplicar o montante dos recursos que seriam postos à discussão pelas cidades (um para um, ou dois para um, por exemplo). 3. Monitorização e gestão de conhecimento. A ordem de grandeza deste projecto poderia ser de cerca de USD 4 milhões para as componentes (a) e (c), e poderia variar entre USD 4 a 6 milhões para a componente de investimento (b). O período de tempo poderá variar entre 3 a 5 anos para alcançar uma consolidação do processo. Um Programa Nacional para o Desenvolvimento dos Bairros O objectivo do Programa Nacional para o Desenvolvimento dos Bairros é financiar os pedidos recebidos de grupos de cidadãos, organizados em comités, e de organizações comunitárias existentes. Contribuirá para o desenvolvimento dos bairros e sobretudo para o desenvolvimento das economias locais num sentido alargado, assim como para a 109 melhoria de serviços públicos de pequena escala. Estes investimentos são um complemento do investimento municipal de larga escala. Este programa, coordenado a nível nacional como um instrumento de concessão de verbas solicitadas, mas implementado a nível municipal através de parcerias comunidades-autarquias, tem sido experimentado com sucesso em vários países, em particular na América Latina e Caraíbas (ver apêndice 7 na versão mais longa no CD-ROM). Um aspecto importante deste programa, é que gera não só desenvolvimento económico local, em comunidades e bairros muito pobres, mas ao mesmo tempo fortalece as comunidades na sua diversidade. Qualquer organização registada, sem fins lucrativos ou com base na comunidade, pode ser elegível e pode assim participar no desenvolvimento local. No caso de não existirem organizações deste tipo, os cidadãos locais podem juntar- se e criar um comité local que será elegível para apoio. O Programa deve ser aberto a associações locais e deve poder conceder doações e créditos. Sumário de Recomendações Recomendações Jurídicas e Políticas 1. Reconsiderar o conceito e as implicações do “gradualismo” no contexto da política de descentralização de Moçambique. 2. Estabelecer mecanismos claros para reforçar o planeamento e as capacidades de governação municipais, especialmente para “candidatos” e novos municípios. 3. Melhorar os mecanismos de transferência de competências dos governos Provinciais para os governos Locais. 4. Aumentar o volume das transferências financeiras do Governo central para os municípios. 5. Incrementar as capacidades dos municípios para gerarem receitas próprias. 6. Formular políticas nacionais e municipais relativas à participação dos cidadãos. 7. Canalizar recursos internacionais para o financiamento de infra-estruturas municipais. 8. Clarificar o papel dos municípios na prevenção e gestão de desastres. 110 Proposta de acções a nível nacional 1. Desenvolver a capacidade dos municípios através de um programa de capacitação municipal 2. Reforçar o papel da ANAMM 3. Reforçar as organizações da Sociedade Civil e de participação dos cidadãos Proposta de acções a nível local 1. Apoiar as consultas às cidades e os planos de desenvolvimento participativo locais. 2. Apoiar os orçamentos participativos como instrumento para gerar governação e melhorar a prestação de serviços locais. 3. Apoiar um Programa Nacional para o Desenvolvimento dos Bairros. Notas Finais: 1 Cinco planos mestres foram financiados por um Projecto do Banco Mundial (PROL) entre 1997 e 1999, mas nenhum foi legalmente aprovado e ratificado. 2 Decreto de 13 de Maio, 2008 Art º14. 3 Notável excepção é o município de Maputo que criou uma unidade para as parcerias público-privadas e está já a efectuar uma série de operações deste tipo. 111 Capítulo 4. Finanças Públicas Autárquicas 4.1 Introdução Como já foi explicado no Capítulo 2, Moçambique empreendeu, ao longo dos últimos 10 anos, um processo duplo de descentralização, combinando um processo de desconcentração dos serviços públicos prestados pela Administração Estatal, com uma simultanânea delegação de funções e responsabilidades pelas despesas a um determinado número de autarquias. Isto significa que os municípios são as únicas entidades descentralizadas no país a quem foram atribuídas responsabilidades sobre as despesas e uma autonomia administrativa e financeira considerável. Como tal, os municípios cobram receitas próprias e recebem transferências do governo central para financiar despesas e investimentos numa série de serviços municipais. Para o financiamento de despesas de capital, as autarquias recebem também fundos externos e tem um acesso limitado ao crédito. O objectivo deste capítulo é fazer uma análise global das finanças municipais em Moçambique, examinando as funções e responsabilidades tanto em relação a receitas como a despesas. Para que as autarquias cumpram com eficácia a sua missão de prestar serviços locais, necessitam de ter sistemas financeiros funcionais, tanto a nível local como a nível intergovernamental. Consequentemente, este capítulo procura documentar as principais características de tais sistemas e sublinhar os seus principais desafios. Apresenta ainda uma série de acções que autarquias e os governos poderiam ponderar, de modo a melhorar a capacidade financeira municipal. As conclusões resultam de pesquisa tanto primária como secundária. No decorrer de 2007 e 2008 a equipa visitou cinco municípios para recolher dados primários e realizar extensas entrevistas com funcionários locais, provinciais e estatais. Foram também realizadas entrevistas com peritos sobre finanças municipais em Moçambique. 112 4.2 Principais Conclusões Enquadramento Jurídico e Responsabilidades Autárquicas Em 1997 a Assembleia Nacional aprovou uma série de leis (Pacote Autárquico) para definir o modelo de municipalização do país. A Lei 11/97 (Lei das Finanças Autárquicas) estabeleceu o enquadramento jurídico das finanças municipais e foi subsequentemente regulamentada pelo Código Tributário Autárquico (Decreto nº 52/00) de Dezembro 2000. Em Janeiro 2008 foi publicada uma nova Lei das Finanças Autárquicas (Lei 1/08, revogando a Lei 11/971 e o novo Código Tributário Autárquico está a ser revisto. As despesas municipais são também reguladas pela Lei 2/97 e pelo mais recente Decreto 33/06 que estabelece o enquadramento para a transferência de funções e competências de organismos do Estado para os municípios. Na sua generalidade, a Lei das Finanças Autárquicas e o Código Tributário proporcionam um regime jurídico adequado para as funções e responsabilidades municipais de receitas e despesas. De acordo com esse regime jurídico, as autarquias estão “sujeitas à tutela administrativa do Estado e gozam de autonomia financeira, patrimonial e administrativa”. Autonomia administrativa refere-se à capacidade para executar actos administrativos dentro do território da autarquia; autonomia patrimonial concede a liberdade de deter e gerir património próprio; e autonomia financeira abrange os poderes autárquicos para: (i) criar, aprovar, alterar e executar os seus próprios planos de trabalho e orçamentos; (ii) elaborar e aprovar as contas de gerência; (iii) dispor de fontes de receita próprias de acordo com os limites estabelecidos por lei;2 (iv) ordenar despesas; (v) gerir o património autárquico; e (vi) recorrer a empréstimos, dentro dos limites da legislação em vigor. No lado da despesa, o regime jurídico estabelece que as autarquias são responsáveis pela prestação de uma série de serviços nas áreas de: Desenvolvimento Económico e Social Local; Ambiente; Saneamento Básico; Serviços Públicos; Saúde; Cultura, Lazer e Desportos; Educação; Polícia Municipal; e Desenvolvimento Urbano, Construção e Habitação (Lei 2/97 e Lei 01/08). Os serviços autárquicos específicos são abordados no capítulo 2. 113 Como já foi referido, o processo de descentralização em Moçambique é caracterizado por uma visão gradualista e, originalmente, contemplava que alguns serviços sociais fossem fornecidos pelas autarquias; essa não foi, no entanto, a prática estabelecida no início do processo de municipalização. Ainda que, em princípio, as autarquias sejam responsáveis por uma série de competências, nas áreas acima referidas, na prática a transferência de competências do Estado para os municípios tem sido gradual. Com a publicação do Decreto 33/06 em 2006, verificou-se um renovado ímpeto para determinar quais as funções paralelas de serviço social que podem eficazmente ser prestadas pelas autarquias. Este decreto abre a possibilidade de virem a ser gradualmente descentralizados para as autarquias, para além das infra-estruturas básicas, a provisão de cuidados básicos de saúde, educação primária e outros serviços sociais. Presentemente o Governo central é ainda responsável pela prestação e financiamento dos serviços sociais (incluindo a educação primária e os cuidados primários de saúde) e também por certas obras públicas, como estradas primárias e secundárias. De acordo com o Decreto 33/06, o Estado deve, em cada ano, indicar a transferência de responsabilidades específicas e os correspondentes meios financeiros. Até que seja completada a transferência das competências o Estado continuará a ser responsável pelos investimentos nessas áreas bem como por fornecer às autarquias todos os planos, projectos e programas relevantes para a fase de transição. O Decreto 33/06 deveria ser devidamente articulado com a Lei dos Órgãos Locais do Estado (LOLE).3 De acordo com a LOLE, o distrito é a unidade territorial primária do Estado e a base do planeamento económico e social do país. Como Moçambique é um Estado unitário, o território municipal está compreendido dentro das delimitações de províncias, distritos e postos administrativos. Embora a LOLE estabeleça que a autonomia e as competências autárquicas serão respeitadas pelos órgãos locais do Estado, muitas competências autárquicas, como estradas, resíduos sólidos, iluminação pública, silvicultura e jardins são também competências distritais, de acordo com a regulamentação da LOLE. Há aqui um potencial de conflitualidade quanto a quem compete fornecer estes serviços – as autarquias ou os distritos. É assim necessário que as acções e os planos dos órgãos do Estado locais e das autarquias sejam coordenados. No 114 entanto, com uma responsabilidade duplicada em relação a alguns serviços, há o risco de que nem o distrito nem a autarquia forneça um determinado serviço e que certas áreas fiquem sem serviços adequados. O risco é particularmente acentuado em áreas periurbanas e nas franjas dos municípios, e/ou nos casos em que autorquias e distritos são governados por partidos políticos diferentes. A natureza e a escala das funções e responsabilidades exclusivas presentemente atribuídas às autarquias, em Moçambique, são adequadas à sua dimensão e escala e consistentes com o princípio subsidiário. Em contrapartida, há o risco de a escala mínima de eficácia para algumas das funções sociais paralelas não ser atingida por algumas autarquias. Em particular estas responsabilidades concomitantes abrangem os centros de cuidados de saúde primários, escolas primárias e estradas principais. Receitas Municipais Para cumprirem com as suas funções e responsabilidades, as autarquias têm acesso a uma série de receitas próprias, transferências intergovernamentais, ajuda e crédito. As receitas próprias provêm dos impostos de natureza municipal e são directamente controladas pelas autarquias. As transferências provêm de um conjunto de recursos destinados a despesas de capital e recorrentes, controlados pelo Governo nacional. A ajuda vem de fontes externas, na maioria dos casos para o financiamento de despesas de capital. Por fim, as autarquias estão autorizadas a contrair empréstimos — dentro de rigorosos limites. Na generalidade, os orçamentos autárquicos são muito limitados. Em 2006, o orçamento total para a totalidade das autarquias (excluindo a ajuda) foi de 1,1 mil milhões de meticais, equivalente a USD 46 milhões. Em termos totais per capita, isto significa uma despesa média municipal de um pouco menos de 300 Mt por residente, com variações significativas entre os 90 Mt e os 900 Mt. Receitas Próprias De acordo com a Lei 01/08, as autarquias têm acesso às seguintes receitas próprias:4 115 Imposto Predial Autárquico — (IPRA): Este imposto incide sobre o valor de imóveis, incluindo terrenos, edifícios e construções ou instalações permanentes. A obrigação do pagamento desta taxa recai sobre a pessoa que aparece no registo de propriedade ou sobre aqueles que detêm a posse real da propriedade. A Lei 01/08 estabelece 3 métodos para calcular o valor do imóvel: (i) o valor cadastral, (ii) valor auto declarado, (iii) valor de mercado. O valor destas taxas é estabelecido por lei e varia consoante o uso a dar à propriedade, desde 0,4% (residencial) a 0,7% (comercial). As entidades sem fins lucrativos (educação, cuidados de saúde, religiosas, etc.) estão isentas. As novas propriedades ficam também isentas durante cinco anos. Imposto Pessoal Autárquico — (IPA): este imposto substituiu o anterior Imposto de Reconstrução Nacional e é uma taxa única que recai sobre todos os residentes com idades entre os 18 e os 60 anos. O valor da taxa é definido por cada Conselho Municipal anualmente, dentro dos limites de 1 a 4% do salário mínimo, dependendo da categoria (A–D) da autarquia. Em Maputo, por exemplo, a taxa foi revista pela última vez em 2001 e é actualmente de 50 Mt (cerca de USD 2). A lei prevê uma série de isenções, incluindo: pessoas portadoras de deficiência, pessoas que estão em cumprimento do serviço militar, estudantes, residentes estrangeiros e reformados. Imposto sobre veículos: a base desta imposto são todos os veículos registados e em uso no território municipal. Antes da Lei 01/08, esta taxa era administrada pelo governo nacional e 75% das receitas eram entregues às autarquias. Actualmente, a administração desta taxa está totalmente sob a jurisdição das autarquias, que têm também direito a arrecadar a totalidade da receita. As taxas foram definidas pela Lei 01/08, pelo que as autoridades autárquicas não têm direito a fixá-las. Imposto sobre a transacção de imóveis (SISA): Antes da Lei 01/08 esta era uma taxa a nível nacional. Esta taxa recai sobre a transacção da propriedade imobiliária que se efectua dentro autarquia. A taxa é de 2% e incide sobre o valor total declarado ou patrimonial (o que for mais elevado dos dois) das propriedades transaccionadas. 116 Outras receitas: além destas, as autarquias têm ainda recurso a outros instrumentos de receita, como tarifas, encargos e taxas para melhoramentos. As autarquias podem cobrar pela emissão de licenças e por actividades económicas. Podem ser cobradas taxas pela prestação de uma série de serviços, incluindo: construção, utilização de terreno, mercados e feiras, publicidade, saneamento, cemitérios, venda ambulante, recolha de resíduos, estacionamento e a tributação de actividades económicas, incluindo o turismo.5 As autarquias têm ainda o direito de cobrar taxas de utilização relativamente a serviços que prestam. Esses serviços incluem: abastecimento de água e electricidade; recolha de resíduos sólidos; transportes urbanos de pessoas e bens; utilização de matadouros; manutenção de jardins e mercados; e manutenção de estradas. As assembleias municipais têm uma relativa liberdade para estabelecer os valores de licenças e taxas, desde que cumpram os conceitos básicos de recuperação de custos e não excedam os limites estabelecidos por posturas municipais. Por último, as autarquias podem também cobrar taxas de melhoramento sobre a mais valia conseguida pelas propriedades em consequência de investimentos públicos, como estradas, electricidade, construção de zonas verdes, etc. Em termos da importância destas fontes de receita, os dados municipais de receitas e despesas para o ano 2006 mostram que, em média e em todas as autarquias, 10 por cento do total da receita provém de fontes fiscais (impostos), 28 por cento de fontes não fiscais (taxas e tarifas), 40 por cento representam as transferências (25% do FCA e 15% do FIIL), e o restante de capital e outras fontes de receita. Os dados do orçamento para 2007 apresentam uma estrutura de receitas muito similar.6 A observação mais pertinente que resulta desta análise é a importância relativamente reduzida das receitas fiscais, que se infere do facto de as receitas não-fiscais serem quase três vezes mais elevadas que as receitas fiscais. Em termos per capita, as receitas fiscais montam a 25 Mt por pessoa (cerca de USD 1). A falta de dados não permite desagregar a composição da estrutura das receitas, mas a Caixa 4.1 apresenta a situação no caso de Maputo. Caixa 4.1. Finanças Públicas no Município de Maputo Entre 2003 e 2006 o município de Maputo financiou metade do seu orçamento com receitas próprias e metade através de transferências. Do total do orçamento, que em 2007 foi de 362 milhões de meticais 117 (equivalentes a USD 14,5 milhões), 14 por cento provinham de receitas fiscais, 10 por cento das quais relativas ao imposto predial (IPRA). As receitas não fiscais representaram 36% do total da receita, sendo 7% relativos a taxas de mercados, 9% receitas de publicidade e 10% recolha de resíduos sólidos. Em relação às transferências, em média, entre 2003 e 2006, 25% do total das receitas da autarquia tiveram por origem o FCA e 12% o FIIL. Do lado da despesa, entre 2003 e 2006 o município de Maputo gastou 65% do seu orçamento em salários e 30% em despesas de capital. Tendo a mais elevada base de tributação de todas as autarquias, Maputo gera receitas próprias suficientes para cobrir a totalidade da folha de salários, mas necessita de transferências adicionais para financiar os elevados e sempre crescentes investimentos que a capital do país requer. Fonte: Dados do Departamento de Finanças do Município de Maputo. Uma forma de avaliar a viabilidade financeira das autarquias, é calcular a proporção das despesas que pode ser financiada com as receitas próprias. Este é um indicador parcial que depende muito do contexto (pois as pequenas autarquias não têm naturalmente as bases tributárias necessárias para gerar receitas próprias — apesar de o esforço tributário ser potencialmente elevado), mas dá uma ideia aproximada da sua viabilidade financeira em relação à prestação de serviços. As autarquias moçambicanas geram receitas próprias que cobrem um pouco mais de metade (53%) das suas despesas recorrentes. Considerando apenas salários, as receitas próprias municipais cobrem 93 por cento das despesas salariais. Por outras palavras, as autarquias não geram sequer receitas suficientes para os custos salariais, quanto mais para investimento. A análise acima refere-se a informação agregada relativamente a todas as autarquias; no entanto, a situação fiscal de cada uma delas pode ser muito diferente. Enquanto há municípios, como Quelimane e Nampula que em 2006 obtiveram mais de metade do total das suas receitas, com receitas próprias, outras, como a Ilha de Moçambique, geraram apenas 7 por cento. A dependência das transferências (ou, como lhe chamam, “o desequilíbrio fiscal vertical”), é também muito variável, havendo autarquias como Mandlakazi e Mocímboa da Praia que financiam mais de 80 por cento das suas despesas através das transferências, enquanto outras, como Dondo e Vilanculos, financiam apenas 20 por cento dos seus orçamentos com as transferências. Em relação à proporção de despesas correntes financiadas com recursos próprios, há autarquias, como Quelimane, Inhambane, ou Vilanculos que financiam mais de 75 por cento das despesas recorrentes 118 com receitas próprias e outras, como Mocímboa da Praia, Mandlakazi e Ilha de Moçambique que financiam menos de 25 por cento. Há uma série de elementos que contribuiu para a baixa proporção das receitas próprias no total das receitas das autarquias. Entre elas referem-se: a baixa capacidade, ausência de registos, bases de dados incompletas, falta de incentivos para a colecta de impostos e bases tributárias reduzidas. Um outro elemento importante é a falta de sensibilização dos cidadãos para as suas responsabilidades fiscais, que resulta, em parte, de uma confusão generalizada entre impostos municipais e nacionais. Esse factor, conjugado com um baixo nível de imposição tributária, tem por resultado baixos níveis de cobrança. Para além destas limitações, o presente regime jurídico tem também uma série de limitações ao uso dos instrumentos de receita municipal em todo o seu potencial. Finanças Intergovernamentais Devido às limitadas fontes próprias de receitas, uma elevada proporção das receitas municipais vem de transferências intergovernamentais. Em Moçambique, as autarquias recebem dois tipos principais de transferências do Governo central, o Fundo de Compensação Autárquica — FCA e o Fundo de Investimento de Iniciativa Local — FIIL. As autarquias podem ainda receber transferências para investimentos específicos e outros7 como o Fundo de Estradas — FE e transferências extraordinárias em situações de emergência.8 O FCA é constituído por 1,5% da receita fiscal de um determinado ano.9 O conjunto das receitas fiscais é composto por todos os impostos colectados pelo Governo nacional.10 Estas transferências são incondicionais, a única proibição é serem usadas para complementar os salários de pessoal municipal. A fórmula para atribuir o FCA obedece a dois critérios: população (75%) e território (25%).11 Antes da reforma de 2008, a Lei 11/97 estabelecia que o FCA devia ser distribuído segundo quatro critérios: população, território, um índice de esforço fiscal e um índice de desenvolvimento.12 A redução do número de critérios deveria simplificar a atribuição do FCA. No entanto, ao eliminar o critério relativo ao esforço fiscal, o sistema de atribuição eliminou também os incentivos às autarquias para 119 aumentarem a sua colecta de receitas próprias e eliminaram a possibilidade de pequenas autarquias com reduzida população, aumentarem as suas transferências através do seu próprio esforço fiscal. Uma elevada dependência da população, como critério para a atribuição de transferências, está conforme com as práticas internacionais; no entanto, pode revelar-se problemática em casos de grande mobilidade da população, pois a atribuição anual das verbas a distribuir é geralmente calculada com dados que, ou estão ultrapassados ou foram mal projectados. O conjunto total de verbas a distribuir e os coeficientes de distribuição são apresentados anualmente no Orçamento de Estado. O total de verbas atribuídas a cada autarquia é pago mensalmente pelo Governo nacional. O FIIL é constituído por transferências destinadas a projectos de investimento. A distribuição deste fundo é feita de acordo com critérios e prioridades estabelecidos anualmente na lei do orçamento. Nem a Lei 11/97 nem a Lei 01/08 estabelece uma fórmula para a atribuição do FIIL. No entanto, uma simples correlação entre população e a atribuição de verbas que cada autarquia recebe do FIIL, mostra que é predominante a atribuição numa base per capita. Como já foi referido, uma elevada proporção dos recursos autárquicos provém de transferências intergovernamentais. No entanto, em proporção à totalidade das receitas do país, as transferências municipais representam uma dotação muito reduzida. O Quadro 4.1 mostra que, em média, entre 2005 e 2007 o montante total de recursos que os municípios receberam do FCA e do FIIL não atingiu sequer um por cento (0,74%) do total das receitas do país. Quadro 4.1 Evolução das Transferências Autárquicas em Proporção da Receita Fiscal e Total (Milhares de Mt. Termos Nominais). 2005 2006 2007 Average FCA 220 882 257 106 290 677 256 221 FIIL 150 000 150 000 200 000 166 666 FCA + FIIL 370 882 407 106 490 677 422 888 Receitas Totais 46 783 366 52 880 554 70 896 574 56 853 498 Receitas Fiscais * 16 721 000 23 393 000 25 694 300 21 936 100 FCA / Receitas Totais (%) 0,47 0,49 0,41 0,46 120 FIIL / Receitas Totais (%) 0,32 0,28 0,28 0,29 FCA+FIIL/Receitas Totais (%) 0,79 0,77 0,69 0,74 FCA/ Receitas Fiscais (%) 1,32 1,1 1,13 1,18 Fonte: Orçamento do Estado. * Banco de Moçambique em Ilal e Toneto 2008. Em termos do FCA, entre 2005 e 2007 o conjunto total de recursos transferidos para as autarquias totalizou 1,2 por cento, não atingindo sequer o limite de 1,54 por cento estabelecido na lei. Em proporção do total das receitas, o FCA representou 0,46 por cento. Quanto ao FIIL, a lei não estabelece uma percentagem mínima a ser distribuída, mas a totalidade das dotações são ainda mais reduzidas que as do FCA, representando menos de um terço de um ponto percentual da totalidade das receitas. Uma vez que o FIIL é um dos poucos canais estáveis através dos quais as autarquias financiam as suas infra-estruturas, estes números muito baixos dão azo a sérias preocupações quanto ao papel que as autarquias poderão desempenhar na provisão de infra-estruturas locais. Apesar da baixa proporção do conjunto de verbas de transferência em relação às receitas totais, entre 1999 e 2007, tanto o FCA como o FIIL têm vindo a crescer em termos reais, em 3,5% e 9,7% respectivamente. Em conjunto, ambos cresceram a uma taxa anual de 5,7%. Em termos do total de transferências de dotações autárquicas, o FCA atribuiu em média, entre 1999 e 2007, por ano e para a totalidade das autarquias, 187,7 milhões de Mt, equivalentes a USD 7,5 milhões. Nesse mesmo período, o total que o FIIL atribuiu a todas as autarquias, foi de 94,3 milhões de Mt, equivalentes a USD 3,8 milhões, por ano. Em conjunto, a dotação média anual destas transferências entre 1999 e 2007 foi de 282 milhões de Mt, equivalentes a USD 11,3 milhões. Em termos per capita, estas dotações representam uma média total de 65 Mt ou USD 3, por pessoa, por ano. (ver quadro A3 no relatório integral). Para além da proporção total das transferências atribuídas às autarquias (dotação vertical), é importante examinar a distribuição desses recursos pelas 33 autarquias (dotação horizontal). Como já foi explicado, as dotações tanto do FCA como do FIIL estão fortemente correlacionadas com a população, pelo que é natural que as autarquias mais populosas recebam largas fatias das transferências. No caso do FCA, os dois 121 extremos são representados pelos municípios de Maputo e Metangula, com 24 e 0,3 por cento respectivamente — média para o período 1998–2007. O caso do FIIL é semelhante ainda que um pouco menos polarizado, recebendo Maputo 22 por cento e Metangula 0,4. Em termos gerais, entre 1998 e 2007 as quatro maiores autarquias (Maputo, Matola, Beira e Nampula) congregaram 50 por cento da totalidade das transferências, enquanto 20 outros municípios receberam menos de 2 por cento cada da totalidade das transferências. Dado que a população é tão variável nas municipalidades de Moçambique, é importante analisar a dotação horizontal de transferências em termos per capita. Neste caso, a variação não parece muito desequilibrada, especialmente se se excluirem os dois extremos (situados na parte inferior e superior da tabela). Esses dois extremos são o Gurué, que entre 1998 e 2007 recebeu uma média anual de transferências na ordem de 25 Mt por pessoa e no extremo oposto Mandlakazi, que recebeu 210 Mt por pessoa, ou seja, oito vezes mais. Se estes dois casos extremos forem excluídos, o rácio entre o valor mais alto e o mais baixo será 2,7 o que significa que a diferença máxima, em termos per capita, é um pouco menos de 3 vezes. O coeficiente de variação (C.V.) entre os municípios é de 0.26.13 É de notar que a atribuição de transferências de capital (FIIL) é duas vezes mais desigual que a das transferências correntes (FCA). Em comparação com a atribuição de transferências para as províncias e distritos, há um maior desequilíbrio nas dotações de capital que nas de receitas correntes (Quadro 4.2). Em termos de transferências correntes, tanto o coeficiente de variação como o rácio entre valores mínimo e máximo são semelhantes entre as autarquias e as províncias e distritos. No entanto, em termos de transferências de capital, a sua distribuição é significativamente mais desigual no caso dos distritos e províncias que no caso das autarquias. Quadro 4.2 Dotação Horizontal de Transferências Autarquias Províncias e Distritos* FCA FIIL FCA + FIIL corrente capital Coeficiente de variação (C.V) 0,19 0,40 0,26 0,24 2,5 Rácio max/min 2,5 3,6 2,7 2,5 7 Média Mt per capita 46 30 76 Média pc USD 1,8 1,2 3,0 Fonte: Estimativas do autor. * Boex e Nghuenha (2008) 122 Para além do FCA e do FIIL as autarquias recebem também recursos do fundo de estradas (FE) para financiamento de algumas das suas responsabilidades no sector das vias urbanas.14 O FE integra 10 por cento das taxas sobre combustíveis (75% da taxa sobre gás e 50% da taxa sobre gasolina). Estes 10 por cento são distribuídos pelas autarquias e têm representado cerca de USD 5 milhões anualmente, desde 2005 — ano em que o fundo foi criado. A atribuição a cada município é feita segundo dois critérios: a densidade da rede de estradas em cada município e a tipologia do próprio município, conforme são cidades ou vilas. Não é, no entanto, muito claro qual o peso atribuído a cada um destes critérios. Em termos do funcionamento deste fundo, cada autarquia recebe uma parte do fundo numa conta municipal separada15 . Tudo parece indicar que algumas autarquias têm dificuldade em gerir este fundo e, em consequência, não despendem a totalidade das dotações. Outras autarquias, como é o caso de Maputo, gastam a totalidade dos seus fundos e desse modo conseguem, por vezes, ir buscar mais daquilo que não foi gasto pelos outros municípios. No total entre 2005 e 2007 as autarquias receberam USD 15,2 milhões através do FE. Em termos per capita, isto representa 92 Mt ou USD 3,7 por pessoa, o que é equivalente a uma dotação média anual de 30,5 Mt ou USD 1,2. Embora o montante desta transferência seja pequeno, representa ainda assim cerca de um terço das transferências que as autarquias recebem em transferências de capital e correntes, pelo que sua importância não é de desprezar. Em relação à atribuição do FE entre as autarquias, é relativamente semelhante, com um coeficiente de variação de 0,25. Num extremo estão as autarquias que receberam em média 2 milhões de meticais entre 2005 e 2007, como Mandlakazi e Moatize, e no outro extremo Maputo e Beira com 15 e 6 milhões de meticais, respectivamente. No entanto, numa base per capita, a dotação é mais desigual, apresentanto um coeficiente de variação de 0,9. Neste caso, o contraste é inverso, recebendo autarquias como Maputo, Matola e Beira menos de 15 Mt por pessoa e por ano e autarquias como Metangula e Mandlakazi, mais de 200Mt por pessoa e por ano (ver o Quadro A4 no relatório integral). 123 Outras Fontes de Receitas Municipais: Ajuda e Empréstimos As autarquias moçambicanas têm também acesso a ajudas e empréstimos. As ajudas totalizam frequentemente várias vezes o montante dos orçamentos municipais. Mas as ajudas não são uma fonte regular de receitas, pois os seus montantes variam de acordo com os projectos específicos de investimento de cada doador. Além disso, estes recursos são na sua maioria fundos previamente destinados a certos investimentos específicos de capital e à assistência técnica. Os dados referentes a estas verbas não são coligidos e sistematizados nas estatísticas nacionais e as autarquias inscrevem estas transferências de diferentes formas.16 Acresce ainda que os dados sobre as ajudas são vagos, mas de acordo com informações fornecidas pela base de dados relativa à ajuda, que é mantida pelos doadores (OdaMoz),17 entre 2004 e 2007 as autarquias receberam USD 385 milhões em ajudas e as projecções até ao ano 2011 montam a USD 649 milhões. Há 147 projectos que correspondem a esses USD 649 milhões, entre 2004 e 2011. Estes números reflectem projectos executados em territórios municipais mas não especificam o papel desempenhado pelas autarquias nesses projectos. Há oito municípios que concentram a maior parte da ajuda: Maputo, Beira, Pemba, Matola, Xai-Xai, Montepuez, Nampula, e Ilha de Moçambique.18Em comparação com as outras fontes de receitas municipais, a ajuda externa representa, de longe, a mais importante fonte financeira. Entre 2004 e 2007, as autarquias receberam uma média anual de USD 15 milhões na totalidade das transferências e de USD 6 milhões em transferências de capital. Comparado com uma média anual de dotações de ajuda de USD 96 milhões, estes números mostram que a ajuda é mais de 6 vezes superior ao total das transferências e 16 vezes superior às transferências de capital municipais. No entanto esta análise serve apenas para comparar a importância relativa das diferentes fontes de receitas a nível agregado, já que nem todas as autarquias têm acesso às ajudas nas mesmas proporções. A atribuição horizontal de ajudas no conjunto dos municípios mostra que entre 2004 e 2007 só 4 dos 33 municípios (Cuamba, Metangula, Gurué, Mandlakazi) não receberam ajudas. A distribuição varia entre USD 1 por pessoa, em municípios como Monapo and Angoche, a mais de USD 50 por pessoa, em localidades como Pemba, Moatize, Manhiça, Chimoio e Marromeu. A média das dotações anuais, para o total de municípios é de USD 124 23 por pessoa. Em termos per capita, isto significa que, em média, durante estes três anos, os municípios receberam USD 80, ou 2.000 Mt todos os anos. Mas porque a ajuda não é uma fonte de receita regular, consistentemente distribuída às autarquias de acordo com os seus planos orçamentais e de um modo transparente e previsível, a dotação por município não revela qualquer tipo de padrão. Em relação a empréstimos, a Lei 01/08 estabelece que, com raras excepções, o recurso a empréstimos pelos municípios só é permitido em circunstâncias especiais e para os seguintes fins: (i) investimentos produtivos e investimentos sociais e culturais; (ii) para a compensação de encargos inesperados resultantes de desastres e calamidades; e (iii) para dar resposta às necessidades de reestruturação financeira. As empresas públicas municipais podem também ter direito a contrair empréstimos, com base nos regulamentos específicos estabelecidos por um decreto do Conselho de Ministros. De acordo com a Lei 01/08, as autarquias podem contrair empréstimos de curto-prazo junto de instituições nacionais de crédito, para cobrir encargos financeiros. O montante do empréstimo não pode exceder o equivalente a três meses de transferências do FCA para a respectiva autarquia. De igual modo, a Lei determina que os empréstimos têm de ser pagos durante o mesmo exercício fiscal em que foram contraídos. A contratação de empréstimos multianuais requer ratificação pelo Ministro das Finanças. Em muitos países descentralizados o recurso aos empréstimos locais é visto como uma forma eficiente e equitativa de financiar infra-estruturas locais. No entanto, para que os empréstimos se tornem um instrumento financeiro viável, seria necessário criar uma série de condições, sobretudo para evitar potenciais desequilíbrios fiscais. Presentemente, as condições financeiras das autarquias de Moçambique não são, em geral, favoráveis ao recurso aos empréstimos como mecanismo regular e viável de financiamento. Os mercados de crédito exigem mecanismos de controlo que não existem nas autarquias moçambicanas. Há uma inexistência generalizada de dados: os sistemas para revelação de informação geral e auditorias das contas públicas são fracos; os mercados financeiros são frágeis; e há falta de instrumentos para efectuar a avaliação de riscos financeiros. Devido 125 a esta situação, a Lei 01/08 estabelece controlos financeiros muito rígidos quanto ao recurso ao crédito pelas autarquias. Despesas Municipais O ciclo do orçamento municipal consiste em três fases: planeamento e preparação, execução e controlo.19 A primeira fase é o planeamento e preparação do orçamento. Em princípio, as autarquias gozam de autonomia em termos de planeamento, preparação e execução do orçamento, investimento público e gestão do património público. As autarquias preparam planos e orçamentos anuais com áreas específicas de intervenção, de acordo com o plano quinquenal dos governos autárquicos.20 Não obstante esta autonomia, as autarquias estão parcialmente ligadas ao sistema nacional de planeamento e orçamento. De acordo com as orientações orçamentais emitidas anualmente pelo MF, as autarquias têm de ter em consideração as prioridades nacionais, tal como definidas no Programa quinquenal do Governo e na estratégia para a redução da pobreza (PARPA), de modo a assegurar a harmonização do desenvolvimento sectorial e territorial, elaborando planos e orçamentos através de um processo de coordenação e consulta entre instituições a diferentes níveis governamentais.11 (ver caixa 3 no relatório integral). Tal como acontece com o planeamento, há uma ligação entre os processos de orçamento a nível central e municipal. As autarquias preparam os seus orçamentos anualmente, de acordo com as provisões da Lei do Orçamento de Estado (SISTAFE) e com as linhas de orientação do orçamento emitidas anualmente pelo MF. Essas linhas de orientação são muito minuciosas e estabelecem as classificações do orçamento, que é uniforme para todas as entidades do Estado que elaboram orçamentos: governos central, provinciais e distritais, assim como governos municipais, instituições independentes e serviços públicos. Embora as autarquias sejam autónomas em termos de planeamento e orçamento, estão no entanto sujeitas a um controlo central. Por exemplo, uma vez aprovado o orçamento, este pode ser alterado até três vezes mas mantendo-se sempre dentro do nível de despesa originalmente planeado ou, no caso das receitas, desde que a colecta de receitas se mantenha dentro de um certo nível mínimo. Além disso, as revisões ao orçamento não 126 podem incluir transferências entre as categorias recorrente e investimento ou transferências de “bens e serviços” para categorias de orçamento com o pessoal. Por outras palavras, as autarquias não podem transferir recursos destinados a investimentos para despesas recorrentes como por exemplo salários. A segunda fase do ciclo é a excecução do orçamento. O nível previsto de despesas com todas as autarquias, em 2007, foi de 1,1 milhões de meticais e para 2008 as projecções do orçamento são de 1,6 milhões de Mt.22 Em média, entre esses dois anos, cada município tinha orçamentado despender 35 milhões de Mt, ou cerca de USD 1,5 milhões por ano. Os dados da execução do orçamento de 2006 mostram que o nível de execução da despesa foi de 991 mil Mt, inferior em 17 por cento a 2007. (ver caixa 4 no relatório integral. Quadro 4.3 Composição do Orçamento, Todas as Autarquias, 2007-08 06 07 08 06 07 08 07–08 06 07 08 Despesas Despesas Quota em Cresci- Per Capita Executadas Orçamentadas Percentagem mento (Milhares Mt) (Milhares Mt) Despesas Recorrentes 640 653,5 748 315,1 960 103,5 65 64 61 28,3 127 148 190 Pessoal 390 683,2 459 323,8 545 758,3 39 40 35 18,8 77 91 108 Bens e Serviços 185 724,5 239 196,9 285 829,3 19 21 18 19,5 37 47 57 Transferências Recorrentes 9 217 26 408,1 28 142,8 1 2 2 6,6 2 5 6 Outras Despesas Recorrentes 55 028,8 23 386,2 100 373,1 6 2 6 329,2 11 5 20 0 Despesas de Capital 350 566,2 414 323,4 621 063,6 35 36 39 49,9 69 82 123 Construção 157 465,5 249 582,4 332 178,5 16 21 21 33,1 31 49 66 Equipamento 93 140,1 125 841,4 176 081,1 9 11 11 39,9 18 25 35 Outras Despesas de Capital 99 960,5 38 899,6 112 803,8 10 3 7 190,0 20 8 22 Total da Despesa 991 219,7 1 162 638,5 1 581 167,1 100 100 100 36,0 196 230 313 Fonte: Estimativas do autor com base em: Anexo Autárquico 2007; 2008, DNO/MF, MAE, INE Dados do Censo da População 2007, resultados preliminares. 127 Em termos de composição, de 2006 a 2008 o orçamento tem sido razoavelmente consistente, com dotações de cerca de dois terços do total da despesa atribuídos aos gastos recorrentes (64 por cento em 2007) e um terço para despesas de capital (36 por cento em 2007). Os gastos recorrentes aplicam-se ao funcionamento corrente das autarquias (salários, equipamento, manutenção, etc.) e os gastos de capital são investimento na criação de património como novos bens e infra-estruturas. Esta proporção de despesas correntes em relação às despesas de capital é relativamente elevada em comparação com os padrões internacionais, pois as autarquias nos países em desenvolvimento geralmente gastam a maior parte dos seus recursos em despesas recorrentes (sobretudo salários). No caso de Moçambique este rácio elevado explica-se, em parte, pelo facto do FIIL se destinar a despesas de capital. Em relação a outros níveis do governo, em 2007 o Governo central gastou 45 porcento em despesas recorrentes e 55 por cento em investimento, enquanto as províncias gastaram 82 por cento na despesa recorrente e 18 por cento em investimento. A decomposição do orçamento em categorias de despesa individuais demonstra que as três verbas mais importantes estão relacionadas com custos com pessoal, bens e serviços e obras públicas. Nas despesas recorrentes, a verba mais elevada é a de custos com pessoal que representam 61 por cento de toda a despesa recorrente. No investimento, 60 por cento são gastos em obras. (Quadro 4.3). Não é fácil obter dados sobre a execução do orçamento a nível agregado. Os funcionários do MF a nível central, bem como os funcionários municipais argumentam que a execução global do orçamento se situa próxima dos 100 por cento no caso das autarquias. Dados de um Projecto sobre Governação Autárquica (PROGOV) relativo a sete municípios mostram que o nível de execução do orçamento para o FCA e o FIIL, é de perto de 100 por cento, mas a execução das receitas próprias, as doações externas e transferências do FE apresentam níveis de execução muito variados, com taxas que chegam a ser de apenas 50 por cento no caso de algumas autarquias.23 A terceira fase do ciclo é o controlo orçamental. Em Moçambique, os sistemas de responsabilização pública e de controlo estão ainda em fase incipiente e as auditorias a nível municipal são algo de relativamente recente. O GoM criou recentemente um Gabinete 128 de Combate à Corrupção a que está associada uma estratégia anti-corrupção a nível nacional, mas a sua implementação, até ao presente, tem sido fraca e sub-orçamentada. Em relação ao controlo, a falta de informação disponível limita severamente a capacidade das comunidades para vigiar o desempenho dos funcionários públicos municipais. No entanto, o facto de tanto os Presidentes dos Conselhos como as Assembleias Municipais serem corpos eleitos a nível local, faz do processo eleitoral um mecanismo de responsabilização. Se os funcionários se querem manter nos seus cargos têm de ter um bom desempenho, pois de outro modo os votos podem excluí-los. Os governos municipais, estando muito próximos das comunidades que servem, estão sujeitos à vigilância e ao controlo dos cidadãos que servem. Muitas autarquias envolvem os seus eleitores no processo de planeamento através de alguma forma de planeamento participativo, e o sistema de orçamento participativo está presentemente na primeira fase de implementação no Município de Maputo (ver caixa 5 no relatório integral). Em termos de responsabilização horizontal, as autarquias estão sujeitas a inspecções pelo governo central. As inspecções internas são realizadas pela Inspecção Geral das Finanças (IGF) e o controlo externo pelo Tribunal Administrativo (TA). No mínimo, as autarquias devem ser inspeccionadas duas vezes pela IGF durante o seu mandato de 5 anos. As autárquias preparam relatórios trimestrais para o MF relativos ao balanço da execução orçamental para receitas e despesas. No final do ano é feito um relatório — a “conta de gerência” — sobre a execução financeira, preparado e deliberado pela Assembleia Municipal e submetido ao TA, o qual dá o seu veredicto sobre os relatórios e devolve as suas deliberações às autarquias. No entanto, a limitada monitorização e seguimento às recomendações da auditoria e a falta de divulgação pública, torna esta boa prática apenas parcialmente eficaz. Na generalidade, embora tenham sido detectados casos de corrupção e uso indevido de fundos, não houve até ao presente um único veredicto judicial sobre um caso de corrupção. Como acontece com a responsabilização vertical, os mecanismos de vigilância são fracos e limitados. É obrigatório, por lei, que as contas e os relatórios anuais da execução do orçamento (conta de gerência) sejam abertos a inspecção pública. 129 A medida em que tal se verifica, segundo é voz geral na Cidade de Maputo, é que são muito poucos os que utilizam este mecanismo. Por fim, em termos de prestação de contas, o MF reúne as informações sobre a execução dos orçamentos municipais para a preparação do orçamento central. Devido a esta interligação, a metodologia do orçamento inclui instruções específicas para as autarquias sobre como e o quê reportar ao nível central. A metodologia de reporte inclui dois formulários, um para as receitas e outro para as despesas (ver Apêndice 2 no relatório integral). A declaração de receitas é feita autarquia a autarquia, anualmente e inclui uma descrição do objectivo financeiro para o ano por fonte de receita e de acordo com uma classificação económica. Inclui ainda a declaração das realizações do ano anterior em receitas e despesas, bem como as previsões de receitas e despesas feitas no início do ano, a execução do primeiro semestre do ano em curso e uma estimativa da execução de receitas e despesas até ao final do ano. 4.3 Principais Desafios Em Moçambique, as autarquias enfrentam uma situação difícil. Por um lado, as receitas são limitadas e, por outro, aumentam as responsabilidades com a despesa. Do lado da receita, ambos os mecanismos das receitas próprias municipais e das transferências têm uma série de características que é necessário resolver, de modo a aumentar as receitas municipais. Do lado da despesa, tanto a criação de novos municípios como a descentralização de responsabilidades nos sectores sociais podem aumentar os encargos financeiros das autarquias. Sem uma vasta melhoria das receitas municipais e uma racionalização das despesas não é realista esperar que as autarquias se tornem em pouco tempo agentes viáveis da prestação de serviços. Na generalidade as finanças autárquicas enfrentam pelo menos quatro desafios principais: As dificuldades das finanças autárquicas: As receitas municipais estão sujeitas a constrangimentos em várias frentes. Em primeiro lugar, as receitas próprias são limitadas (calculadas em 30 a 50 por cento do total das receitas municipais) e não é claro que a nova Lei das Finanças Autárquicas 01/08 tenha por resultado maior receita própria — 130 como será demonstrado a seguir. Em segundo, a Lei 01/08 põe um baixo limite (1,5%) à proporção de receitas fiscais totais a serem transferidas através do FCA. Não só a proporção é baixa, como a experiência mostra que nos últimos anos nem esse baixo limite tem sido atingido. Acresce ainda o facto que dez novas autarquias estão a ser criadas o que significa, com uma proporção fixa de recursos a distribuir, que cada autarquia receberá menos verbas. Em terceiro, a ajuda é uma componente importante das finanças municipais, mas é preciso notar que parte desses recursos vai para o financiamento da assistência técnica e também que a parte aplicada em investimentos de capital gera despesas recorrentes adicionais (uma vez que estejam construídos os novos equipamentos) que geralmente não podem ser financiadas através de ajudas. Esta situação requer uma atribuição estratégica da ajuda a projectos prioritários (geralmente irregulares) que possam ser sustentáveis. Outro problema é que as autarquias desempenham um papel muito limitado nos projectos financiados pelas ajudas que são implementados no seu território. Quarto e último, a estrutura de recurso ao crédito das autarquias é muito limitada e rígida, o que na prática torna esta fonte de receita inoperante num país como Moçambique. No entanto, esta limitação do individamento local é a opção adequada no presente contexto do país. Em termos dos recursos próprios que são directamente controlados pelas autarquias, há presentemente uma série de problemas a enfrentar. O primeiro elemento de preocupação é o baixo contributo do IPRA. A experiência internacional indica que o potencial deste imposto é elevado nas áreas urbanas. Para poder alargar o uso deste imposto em Moçambique, será necessário tomar algumas medidas, em particular a actualização dos valores cadastrais e os registos de propriedade. A Lei 01/08 introduziu uma série de reformas que impedem as autarquias de aumentar a tributação do património, como por exemplo o limite da taxa de 0,2 a 1% do valor da propriedade, para uma percentagem fixa de 0,4% sobre propriedades residenciais e 0,7% sobre propriedades comerciais. Além disso a Lei 01/08 concede uma isenção de 5 anos às novas construções de propriedade urbana, que poderiam representar uma importante base tributária para algumas autarquias, especialmente aquelas que estão a conhecer um importante desenvolvimento imobiliário, como é o caso de Maputo, Matola ou Beira.24 131 Outro elemento a notar é a importância que as autoridades autárquicas atribuem ao IPA. No período logo após a indpendência, quando havia estruturas de bairro muito fortes que controlavam os seus residentes, este era um instrumento fiscal relativamente eficiente. Agora, no entanto, estas estruturas não têm já tanta força e as pessoas movimentam-se muito mais, o que torna este instrumento tributário menos eficaz. De um ponto de vista administrativo, uma colecta de impostos eficaz requer a existência de registos actualizados com informação sobre os residentes no município. Isto impõe várias dificuldades à sua cobrança. Além disso, a taxa é baixa e há quem argumente que o custo da cobrança excede frequentemente a receita obtida. E este imposto apresenta também alguns problemas em termos de equidade, uma vez que é simultaneamente regressivo (o seu peso é mais elevado para os grupos de baixo rendimento) e desigual (pois tem taxas diferentes para pessoas com níveis de rendimento semelhantes mas que residem em autarquias de diferentes categorias). Apesar destas deficiências, o potencial de receita deste imposto é ainda elevado, pois há razões para pensar que actualmente apenas estão a ser cobrados 10% do potencial deste imposto.25 Medidas para aumentar a colecta deste imposto seriam: melhorar os sistemas de cobrança e uma forte vontade política para actualizar as taxas e cobrar o imposto. A cobrança de imposto sobre veículos, tributação sobre melhoramentos e taxas, também suscita uma série de dificuldades. As taxas do imposto sobre veículos são estabelecidas na Lei 01/08 como montantes fixos e não percentagens o que exclui a actualização automática dos valores. A introdução de tributação sobre melhoramentos poderia ser uma medida positiva para aumentar as receitas próprias, mas para beneficiar destas taxas as autarquias precisam de ter registos adequados e actualizados, de modo a poderem a todo o momento determinar o valor da capitalização — pois é essa a base da tributação. A experiência internacional em países em desenvolvimento mostra que, devido à complexidados dos cálculos e da gestão desta forma de tributação, não é fácil colher os seus benefícios. Por fim, quanto a licenças e emolumentos/taxas de utilização, estes têm sido alguns dos instrumentos preferidos para a geração de receitas locais – como demonstra o facto de 132 gerarem 3 vezes mais receita que os impostos (ver na caixa 4.1 o caso de Maputo). Isto acontece provavelmente porque as autarquias têm total autonomia para aprovar novos emolumentos/taxas e actualizar o seu valor. Apesar da sua importância, podem ainda ser largamente melhorados. Para tal, é importante ter um registo completo e actualizado das actividades económicas. As taxas dos mercados são uma das principais receitas municipais, mas devido à falta de um registo integral dos vendedores, ao deficiente sistema de cobrança e à falta de controlo, é difícil para as autarquias utilizar eficazmente esta fonte de receitas. As taxas de recolha de resíduos sólidos representam também um forte potencial de receita, como se vê pelo caso de Maputo (caixa 4.1). Há outras áreas ainda em que emolumentos e taxas de utilização geram e podem gerar ainda mais receita, mas é necessário ter presente que, em troca, estas receitas requerem o fornecimento de serviços específicos — e não são, assim, fontes incondicionais de receita. Dimensão e número de autarquias: a criação de novas autarquias tem várias razões de ser mas de um ponto de vista fiscal a criação de um número elevado de pequenas autarquias talvez não seja ideal, pois poderão não ter capacidade para fornecer serviços de um modo sustentável. Como já foi referido, entre metade e dois terços do total das receitas autárquicas provêm de transferências. Na generalidade, as transferências em Moçambique são atribuídas numa base per capita o que, sendo uma boa prática internacional, prejudica as autarquias mais pequenas e com menor população. Por exemplo, entre l998 e 2007, autarquias pequenas como Metangula ou Catandica receberam menos de USD 50 mil anuais em transferências (correntes e de capital) para a prestação de serviços. Apesar destes baixos valores, a natureza e a escala actuais das funções e responsabilidades atribuídas à esfera municipal são adequadas à dimensão e à escala das jurisdições autárquicas de Moçambique. Em contrapartida, é provável que algumas das pequenas autarquias existentes não atinjam a escala mínima de eficácia para fornecerem as funções sociais que serão descentralizadas. Deste modo, e em geral, é importante não criar autarquias demasiado pequenas, que não reúnam o mínimo de condições para prestarem os serviços municipais. 133 Sistemas de gestão financeira: Com raras excepções, as autarquias funcionam com sistemas de gestão financeira fragmentados que as impedem de planear, executar e controlar os seus orçamentos municipais de uma forma eficiente e integrada. Acontece também que os orçamentos municipais tendem a ser condicionados pela receita o que compromete a utilidade do orçamento como instrumento de planeamento para identificar e executar acções e programas prioritários e avaliar os resultados de acordo com o seu desempenho. Impacto da nova Lei das Finanças Autárquicas: A Lei 01/08 introduziu uma série de reformas cujos efeitos sobre as finanças municipais não podem ser totalmente avaliadas até o Código Tributário ser actualizado. Em termos de receitas próprias, algumas das previsões da Lei parecem ser restritivas, enquanto outras abrem vias para o aumento das receitas municipais. Em larga medida, caberá aos governos, central e municipal, promover certas actividades para tirar o melhor partido da reforma. Algumas dessas actividades, assim como outras intervenções necessárias por parte dos governos municipal e central, serão abordadas a seguir. 4.4 Recomendações Acções Futuras a Nível Nacional No que respeita às receitas próprias o Governo central deve transferir para as autarquias todos os sistemas e registos das novas taxas que anteriormente estavam sob controlo nacional. É o caso do imposto sobre transacções de imóveis (SISA) que anteriomente estava totalmente sob controlo nacional e do imposto sobre veículos, que anteriormente era apenas partilhado (75%) com as autarquias, que agora ficam com a totalidade do imposto sobre veículos mas que têm que assumir os seus custos administrativos.26 A Lei 01/08 estabelece também taxas fixas para o imposto sobre veículos e não em termos de percentagem com referência aos preços da economia (custo do combustível, salário mínimo, etc.). Isto significa que, com o passar do tempo, o valor destas taxas fixas sofrerá a erosão da inflação, pelo que é importante que o Governo central pense em modos de actualizar estas taxas de uma forma permanente. 134 Outra opção seria permitir que as autarquias auferissem benefícios de uma série de actividades económicas no seu território, como o turismo e a mineração. Presentemente, o turismo pode render taxas através da TAE, mas seria mais aproriado que as autarquias tivessem a possibilidade de cobrar uma taxa sobre o total das receitas geradas por esta actividade ou, alternativamente, receber uma proporção directa do que actualmente é cobrado pelo governo central sobre o turismo. A aplicação de royalties (licenças) é outro caso, pois a Lei 01/08 não refere que as autarquias possam beneficiar da riqueza produzida pelos recursos de minérios nos seus territórios. As leis sobre petróleo e mineração referem que alguma parte da receita deveria caber às áreas onde são produzidas, mas na prática as autarquias não parecem receber quaisquer rendimentos destas fontes. Reconhecer estas fontes como potenciais instrumentos de receita poderia traduzir-se em grandes benefícios para, pelo menos algumas municipalidades, que têm importantes actividades de turismo e/ou recursos naturais. Em termos de transferências, a Lei 01/08 inclui um número de provisões que limitam o uso desta fonte de receita. Embora os princípios da tributação estabeleçam que, na medida do possível, as autarquias devem contar com as suas fontes de receita própria, a verdade é que, por todo o mundo e sobretudo nos países em desenvolvimento, os municipíos contam sobretudo com as transferências. É óbvio que, no caso de Moçambique, há uma série de municípios que não têm base económica que permita auferir uma proporção elevada das receitas necessárias a partir dos seus próprios recursos, pelo que terão que continuar a depender das transferências. Por este motivo, seria interessante que o Governo central viesse a contemplar uma reforma do sistema, em certas áreas: (i) Aumentar a proporção do conjunto das receitas tributárias do FCA: anteriormente à Lei 01/08, a Lei 11/97 estabelecia que o conjunto das receitas poderia variar entre 1,5% e 3%. Agora o limite foi estabelecido em 1,5% e ficou já demonstrado que este baixo limite nem sequer foi atingido. Em 2007 as autarquias receberam 70Mt (USD 2,8) por pessoa do FCA. É um valor muito baixo (comparado, por exemplo com USD14,5 de dotações 135 recorrentes na Tanzânia), e será ainda menor quando as transferências forem partilhadas com as 10 novas autarquias. (ii) A Lei 01/08 retirou da fórmula para a distribuição do FCA o critério de esforço tributário que tentava utilizar os sistemas de transferências como incentivo para aumentar as fontes de receita próprias. Embora, por razões de simplicidade, esta possa ter sido uma boa decisão, retirou às autarquias a única forma de influenciaram a atribuição de transferências. Na ausência deste critério, o Governo central poderia considerar modos de punir ou premiar o desempenho fiscal das autarquias, procurando sempre manter um equilíbrio entre princíos de eficiência e de equidade. E, uma vez que o FCA é atribuído principalmente com base na população, o Governo central deveria garantir uma actualização constante das suas projecções de população, para assegurar um tratamento justo das autarquias que têm elevadas taxas de mobilidade. (iii) Nem a Lei 11/97 nem a Lei 01/08 criou fórmulas para a atribuição das transferências de capital, na sua maioria do FIIL. Uma vez que o FIIL é, de facto, o sistema para transferências de capital de investimento, que é um dos poucos canais estáveis de que as autarquias dispõem para as despesas de capital, o Governo central poderia criar uma fórmula que dê às autarquias alguma informação sobre o modo como as dotações são feitas. Além disso, a Lei 01/08 continua a determinar que as autarquias “poderão” ter direito ao FIIL e que tal será estabelecido na lei do orçamento (anual). Dada a importância do FIIL para as despesas de capital, é importante que o Governo central torne as transferências de capital numa fonte de receita municipal mais estável, transparente e previsível. Do lado da despesa, é imperativo que a transferência de novas responsabilidades no sector social seja acompanhada de recursos apropriados, financeiros, materiais e humanos. Os serviços sociais não são fáceis de providenciar a nível municipal pelo que, no caso de Moçambique, é essencial que as autarquias recebam um apoio continuado das autoridades centrais e dos ministérios de tutela responsáveis por estes serviços. Infelizmente, há muitas experiências internacionais que mostram que a transferência destas responsabilidades não é fácil, e pode criar problemas sérios que, em última análise, 136 afectarão os utilizadores desses serviços, sobretudo os pobres, que podem não ter outras alternativas. Também o facto de a cobertura de serviços a nível local e a sua qualidade serem geralmente baixas, levanta a questão se não será estrategicamente mais certo melhorar a cobertura e a qualidade dos serviços municipais existentes, antes de transferir novas responsabilidades.27 Outro elemento importante é definir as funções e responsabilidades municipais em relação às províncias e distritos, pois este sistema duplo continua a ser uma dificuldade que terá de ser resolvida a nível central. Neste aspecto, é necessário que o Governo central esclareça qual a sua visão de descentralização para Moçambique e como se organizará o Estado incluindo as entidades desconcentradas e descentralizadas, para fornecer os serviços de maior relevância. Para que as autarquias possam cumprir o seu papel de prestadores de serviços, as suas competências têm de ser claras e bem definidas, sector por sector. Melhorar o sistema de reporte da execução orçamental é indispensável para melhorar a coordenação entre as autarquias e o Governo central e aumentar a visibilidade destas. A apresentação de contas ao TA é obrigatória e os relatórios da execução do orçamento são também apresentados ao MF. No entanto, não existe uma base de dados central sobre a execução das despesas autárquicas, o que torna difícil avaliar a situação global das finanças autárquicas e também não simplica a análise ou a discussão das despesas dos municípios. Torna também difícil verificar qual o contributo das autarquias para a globalidade da execução do orçamento do Estado. Seria útil ter uma base de dados, ou um sistema de rastreio da despesa que permitisse ao governo central, ANAMM e autarquias analisar e aceder aos dados da execução do orçamento municipal. O mesmo se aplica às ajudas. A OdaMoz precisa de ser reestruturada de modo a fornecer mais facilmente informação sobre o montante das doações e o número e natureza dos projectos municipais que financiam. Por fim, é importante que o governo central compreenda que a descentralização tributária não implica uma presença mais restritiva do governo central nos assuntos autárquicos, mas sim uma presença diferente.Há algumas áreas em que a nova Lei 01/08 parece 137 impedir as autarquias de tirarem o melhor partido da sua autonomia financeira e administrativa, colhendo os benefícios da descentralização. Especialmente na área das receitas próprias, o Governo central poderia ser mais flexível em conceder às autarquias a liberdade para definir os montantes das taxas e também algumas das suas bases de tributação. Em compensação, no que se refere a actividades autárquicas, o Governo central deveria concentrar-se nas áreas de análise, planeamento, controlo, monitorização, avaliação, formação e consolidação de competências. Acções para o Futuro a Nível Local Apesar de algumas insuficiências nas finanças municipais, as autarquias de Moçambique têm já autonomia administrativa, patrimonial e financeira. São também os únicos governos subnacionais eleitos e com bases tributárias próprias. Além disso, a Lei 01/08 determina uma estrutura jurídica abrangente para as receitas locais. Isto significa que as condições a nível local parecem apontar no sentido de autarquias sólidas. Para isso, terão que se mostrar proactivas e participativas em diversas actividades, especialmente na área das receitas próprias que é aquela em que têm mais autonomia, de modo a aumentarem os seus recursos para uma eficiente prestação de serviços. Esses recursos incluem: (i) Alargmento do imposto sobre imóveis. Tanto a teoria como a prática mostram que o imposto sobre imóveis é um bom veículo para aumentar as receitas locais. O facto de as receitas fiscais constituírem apenas um terço das receitas não-fiscais é uma situação anómala que sugere que as fontes fiscais (principalmente o imposto sobre imóveis) podem tornar-se uma fonte de receita muito mais importante. Actualmente, devido a uma série de parâmetros técnicos, políticos e jurídicos, as autarquias moçambicanas não estão a utilizar o imposto sobre imóveis de uma forma eficaz. A Lei 01/08 introduziu uma série de reformas que podem restringir o uso deste imposto, como a taxa limite de 0,7 por cento e a concessão de isenções de 5 anos a novas propriedades. Se as Assembleias Municipais tivessem completa autonomia quanto a este imposto, as autarquias poderiam ter ajustado as taxas de modo a aumentar as receitas. Em teoria, este seria o modo apropriado de o fazer pois, para que as autarquias sejam autónomas e responsáveis, deveriam ter controlo sobre o volume das suas receitas, através das suas decisões 138 políticas, em particular através da determinação do montante das taxas (Bird e Vaillancourt 1998). No entanto e no actual contexto em que as autarquias não têm autonomia para determinar as taxas, a sua melhor opção será alargar a base de tributação e mantê-la actualizada. Para tal, deverão concentrar-se em dois aspectos: alargar o número de propriedades tributáveis e actualizar o valor dos imóveis. Em relação ao primeiro factor, os estudiosos das finanças de Moçambique têm mostrado preocupação quanto à fragilidade dos registos de propriedades. Criar um bom cadastro da propriedade imobiliária pode ser uma tarefa complexa, mas esta é uma área em que os doadores têm mostrado interesse. Consequentemente, as autarquias podem utilizar o apoio de doadores para este fim e depois manter a actualização do cadastro com os seus próprios recursos, uma tarefa mais simples e menos dispendiosa. É preocupação de algumas autarquias não cobrar imposto sobre as famílias de muito baixo rendimento; no entanto, a criação de um cadastro completo, abrangendo toda a propriedade, não significa que as famílias pobres sejam necessariamente tributadas; poderiam ser concedidas taxas únicas muito baixas e isenções. Como em algumas autarquias há uma área abastada e devidamente urbanizada, rodeada por uma elevada proporção de habitações precárias, será útil procurar métodos diferenciados para registar e avaliar os imóveis em diferentes zonas dos municípios. Relativamente à avaliação da propriedade, em relação ao mercado, os valores dos prédios registados é tão baixo, em Moçambique, que o ajustamento dos seus valores será um modo justo e eficaz de aumentar o imposto sobre imóveis. Ao contrário da Lei 11/97, a Lei 01/08 cria a oportunidade das autarquias cobrarem imposto sobre o valor de mercado das propriedades (artº 55). Assim sendo, as autarquias deveriam consagrar todos os recursos que for possível à actualização dos valores imobiliários utilizando métodos simples de avaliação. Um último ponto que as autarquias devem analisar é a tributação sobre propriedades não- residenciais. Tudo parece indicar que as autoridades municipais pensam fundamentalmente no imposto sobre imóveis em termos de habitação. No entanto, a experiência internacional mostra que, em geral, o potencial do imposto não-habitacional é 139 muito mais elevado pelo que, como estratégia para aumentar receitas, as autarquias poderão contemplar abordagens diferenciadas para cobrar taxas sobre propriedades residenciais ou não. (ii) Devido à fragilidade dos impostos municipais em Moçambique, uma elevada proporção das receitas próprias das autarquias provém de fontes não-fiscais, particularmente taxas de mercado. Para que esta continue a ser uma importante fonte de receita, as autarquias deverão introduzir melhoramentos na cobrança das taxas de mercado, de modo a tornar o processo mais eficiente e equitativo. Os registos de mercados são incompletos e o mecanismo de cobrança não está totalmente regulamentado pelo que a corrupção não é estranha a este processo. O registo das vendas dos mercados carece também de melhoramento e de revisão da estrutura das taxas de modo a que sejam calculadas com base no volume de transacções e não segundo outros critérios menos justos. Na generalidade, portanto, as autarquias deveriam providenciar para que, dentro do possível, as posturas municipais sobre mercados e outros serviços geradores de receitas (utilização de espaços públicos, publicidade, etc.) estejam actualizadas e que correspondam às necessidades correntes das autarquias. Por último, seria possível contemplar a introdução de novas taxas, como por exemplo para a recolha de resíduos, mas sempre numa lógica de que as taxas são totalmente aplicadas no fornecimento dos serviços específicos que estão na sua origem. (iii) Para melhorarem o seu desempenho de um modo global, as autarquias poderiam investir em sistemas completos mas simples de gestão financeira, que lhes permitiriam executar todas as transacções financeiras de uma forma estandardizada, eficiente e controlada. Estes sistemas deveriam ser totalmente compatíveis com o e-SISTAFE do Governo central. Passar de um sistema de orçamento baseado nos recursos (input) para um orçamento baseado em resultados obtidos (output) ajudará as autarquias a começarem a identificar acções e programas de importância crítica para melhor atenderem às necessidades dos seus munícipes. A comunidade de doadores tem mostrado interesse em apoiar estas actividades, pelo que parece haver possibilidade de avançar neste sentido. A transição para os sistemas integrados (em larga medida automatizados) implica uma 140 mudança drástica nas estruturas e no funcionamento organizacionais, institucionais e culturais das autarquias pelo que as autoridades têm que estar preparadas para assumir estas alterações. (iv) Por último, as autarquias deveriam tomar algumas medidas no sentido de melhorar a responsabilização, como por exemplo alargando os mecanismos de controlo interno de modo a reduzir a possibilidade de corrupção em áreas chave como a polícia, as fiscalizações e o planeamento da utilização de terrenos. Mecanismos externos de controlo, como as auditorias, deveriam ser também uma prioridade. Exemplos recentes de orçamentos participativos em municípios como Maputo, sugerem que a adopção desses mecanismos conduz à transparência na aplicação dos recursos, já que os cidadãos podem emitir opinião sobre a aplicação dos fundos públicos e podem responsabilizar os seus representantes pelo cumprimento dos seus deveres (ver capítulo 3 sobre planeamento e mecanismos de governação). Notas Finais: 1 A única excepção é a área dos impostos municipais em relação aos quais a Lei 11/97 continua válida até que seja aprovado um novo Código Tributário Autárquico. De acordo com a Lei 01/08, o Código Tributário Autárquico deveria ser actualizado no prazo de 90 dias após a sua publicação. No entanto, à data deste estudo, essa actualização ainda não havia sido feita. 2 As autarquias não podem criar quaisquer fontes de receita que não estejam explicitamente estabelecidas na Lei. 3 A LOLE determina a base legal para o processo de desconcentração dos governmos distritais e provinciais de Moçambique. 4 Anteriormente à reforma de 2008 a Lei 11/97 estabelecia que as autarquias tinham também acesso ao Imposto Autárquico de Comercio e Indústria—IACI e ao Imposto sobre rendimentos de trabalho —IRT-B. 5 Antes da reforma de 2008 os municípios tinham um acordo de partilha de 30% de um fundo de turismo proveniente do imposto nacional de turismo. Esta taxa representava 3% do valor total de produtos e serviços relacionados com o turismo, como hotéis, estalagens, campismo, restaurantes, etc. No entanto, tudo indica que a taxa de turismo nunca foi partilhada com as autarquias. A reforma de 2008 aboliu esta directiva ao estabelecer que as autarquias podem lançar impostos sobre actividades económicas, incluindo o turismo. Não é claro se o imposto de turismo terá de obedecer aos mesmos critérios da TAE (Taxa por Actividade Económica) ou se pode seguir outros critérios como a receita de actividades relacionadas ao turismo. Ver Ilal e Toneto (2008), Apêndice 1. 6 Ver Ilal e Toneto (2008), Apêndice 1 141 7 Incluindo: a correcção dos efeitos negativos resultantes de certas intervenções do Governo central; a implementação de programas de renovação urbana quando excedem a capacidade das autarquias ; e outras acções sob a responsabilidade da administração central que podem ter efeitos significativos nas autarquias, como a construção de estradas, auto-estradas, portos e aeoroportos. 8 O Conselho de Ministros pode definir as condições nas quais essas transferências de emergência podem ser desembolsadas da reserva orçamental reservada a despesas contingentes. 9 Antes da reforma de 2008, o FCA era constituído por 1,5 a 3% da receita fiscal. 10 Incluindo: imposto pessoas e corporativo; imposto de valor acrescentado; taxas sobre consumos específicos; licenças; SISA, imposto sobre o jogo; imposto de reconstrução nacional; imposto sobre heranças e doações; imposto sobre veículos; emolumentos sobre outras taxas e licenças (Ilal e Toneto 2008: 6). 11 A fórmula específica é a seguinte : FCAa = NHa/NHT x 75% FCA + ATa/ATT x 25% FCA. Em que: NH é o número de habitantes e AT é área territorial. FCAa = Dotação do Fundo de Compensação Autárquica a NHa = Número de habitantes de um município a NHT = Número total de habitantes em todos os municípios ATa = Área territorial do município a ATT = Área territorial das autoridades públicas de todos os municípios FCA = Conjunto agregado de recursos do Fundo de Compensação Autárquico 12 No entanto, várias entrevistas confirmaram que os dois últimos parâmetros nunca foram utilizados. 13 Considerando os dois extremos, o Coeficiente de Variação (CV) do FCA é 0,37 do FIIL 0,51 e de ambos em conjunto é 0,41. O CV é uma medida estatística de dispersão que resulta da divisão do desvio padrão pela média. O rácio entre o valor mais alto e o mais baixo é de 8.7 para o FCA, 8.2 para o FIIL, e para o conjunto dos dois 8.5. 14 As autarquias têm competências específicas no sector das estradas urbanas. A legislação determina que devem financiar o desenvolvimento, manutenção e gestão de estradas e infra-estruturas relacionadas. Para esse efeito, as autarquias podem introduzir taxas para financiar estas funções e receberão também uma percentagem do fundo nacional de estradas. 15 Inicialmente, eram canalizados fundos para as províncias, que abriam contas individuais para cada município. Posteriormente, quando as autarquias tinham já maior capacidade administrativa, as verbas passaram a ser transferidas directamente para as autarquias. 16 Uma vez que em Moçambique a ajuda é uma importante fonte de receita, seria útil incluir uma alínea orçamental nas contas de gerência do município a registar esta fonte de receita. 17 A OdaMoz é uma base de dados electrónica financiada pela UE que fornece informação sobre a Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD) em Moçambique. Para efeito das autarquias, a base de dados não tem sido muito usada, em parte porque, do modo como está estruturada, não permite identificar facilmente a AOD que é canalizada para as autarquias. A informação apresentada nesta secção foi obtida através de um exercício que está a ser conduzido por um estudante pós-graduado internacional na base de dados da OdaMoz. 18 Maputo: 71 projectos no total de USD 234 milhões; Beira: 28 projectos no total de $113 milhões; Pemba: 9 projectos no total de $30 milhões; Matola: 9 projectos no total de $18 milhões; Xai-Xai: 9 projectos no total de $9 milhões; Montepuez: 2 projectos no total de $16 milhões; Nampula: 7 projectos no total de $18 milhões; e Ilha de Moçambique: 12 projectos no total de $14 milhões. 19 As fases do ciclo do orçamento municipal estão definidas na Lei das Finanças Autárquicas, de acordo com o calendário apresentado no quadro 5 do apêndice da versão integral do CD-ROM. 20 Estes programas quinquenais são baseados nos compromissos políticos que os candidatos assumem durante as suas campanhas (manifesto eleitoral). 142 21 Para um exemplo do processo de planeamento e elaboração do orçamento de Maputo ver a Caixa 3 na versão longa no CD-ROM. 22 Estes são os números constantes do orçamento; não existem dados da execução relativamente a estes anos. 23 Pemba, Nacala, Monapo, Gurué, Chimoio, Vilanculos, e Maputo. PROGOV (2008). Para um exemplo da execução do orçamento de Maputo ver Caixa 4 no apêndice da versão longa do CD-ROM. 24 Os critérios das isenções nem sempre são claros pelo que alguns interessados se aproveitam das indefinições para obter isenções em relação a propriedades que, em princípio, não deviam estar isentas. Uma outra complexidade pode surgir, se os regulamentos não definirem claramente o que constitui uma “nova propriedade” especialmente se beneficiações forem descritas como novas construções. 25 Entrevista com elementos do Departamento de Finanças do Município de Maputo (Maio 2008). 26 Isto significa que, em termos financeiros, esta reforma só beneficiará as autarquias se os custos de administração forem inferiores ao adicional de 25 por cento proveniente da reforma. 27 Por exemplo, em áreas urbanas, o acesso a água potável é 64%, a latrinas 72% e a electricidade 22% (Fox et al. 2008). 143 Capítulo 5. Pobreza Urbana e Interligações Urbano-Rurais 5.1 Introdução: Objectivo e Metodologia Este capítulo examinará o perfil da probreza nas zonas urbanas de Moçambique. Procura também avaliar se os residentes urbanos pobres estão ou não a beneficiar com o crescimento económico que o país tem conhecido em anos recentes, bem como compreender alguns dos factores de pobreza urbana e crescimento. Tentará também criar uma base a partir da qual as autarquias possam desenvolver uma agenda económica que mais eficazmente possa minorar a pobreza. A abordagem conceptual adoptada é de procurar resolver a questão da pobreza urbana numa óptica de “crescimento partilhado”, explorando ao mesmo tempo a adequação e a capacidade das autoridades municipais para actuarem como os principais e mais eficazes agentes nessa área. E tudo isto num cenário de uma continuada e crescente urbanização e do progressivo, ainda que politicamente um tanto ambíguo, processo de descentralização. Ligar o enfoque na pobreza à exploração das desigualdades urbanas e às insuficiências na repartição de um crescimento partilhado, não é uma correlação nova. Procurando levar esta análise mais longe e desenvolvendo as conclusões de estudos anteriores, o capítulo procura traçar as raízes e as manifestações espaciais da exclusão institucionalizada que tem cerceado o acesso aos benefícios de um crescimento sem precedentes ao longo da última década, em particular aos que deles mais necessitam. Procura também destacar os parâmetros que estão na base das políticas de exclusão, explorando as relações de poder assimétricas existentes nas comunidades urbanas devido às diferentes posições sociais dos vários actores entre a população, com base em género, idade, classe, religião, etnia e/ou capacidades. A pobreza é entendida como multi-dimentsional, pelo que deve ser medida não apenas em termos monetários, mas também termos não-monetários, de influência activa e de defesa de direitos. A pobreza pode significar exclusão de oportunidades económicas mas pode ser também a negação de direitos de cidadania. A ênfase não recai apenas no acesso nominal (ter direitos) mas também no acesso substantivo (ter capacidades) de acesso aos 144 direitos. Filtrado por esta perspectiva, qualquer plano para redução da pobreza deve visar, como objectivo, não apenas o bem-estar economicamente quantificável, mas também a sua influência positiva na determinação e aplicação da política. Neste sentido, “influência positiva” significa o acesso e o controlo de direitos, serviços, bens, etc. Estes podem ser diferenciados dentro de um território municipal e entre, e no seio de, diferentes agregados populacionais/zonas urbanas e agregados familiares. Além disso, os pobres urbanos inserem-se diferentemente na economia urbana consoante a sua posição social e o acesso diferente que daí resulta para o controlo sobre recursos e bens. Para satisfazerem as suas necessidades e exercerem os seus direitos, os pobres tomam decisões e adoptam estratégias de sobrevivência em resposta a factores internos como as alterações nos ciclos de vida, e factores externos como a economia urbana e o crescimento espacial. Uma compreensão destes e das suas estratégias para desenvolverem o seu potencial num contexto dinâmico, incluíndo as suas percepções do modo com o sector público os apoia neste processo, é essencial para uma acção eficaz a nível autárquico e nacional, que procure a solução para a pobreza urbana. Dadas as taxas de urbanização de Moçambique (ver capítulo 1) é importante também reconher a dinâmica da mudança económica e social na interface periurbana, à medida que as áreas urbanas crescem e se transformam. A noção de uma “interface periurbana” refere-se não apenas às franjas da autarquia, mas também a um contexto em que as características rurais e urbanas tendem a coexistir, em termos físicos, ambientais, sociais, económicos e institucionais. A “orla” das áreas urbanas é prejudicada por conflitos e ambiguidades em termos de jurisdição e governação, e pelas mudanças, em propriedade e utilização de terrenos, entre o rural e o urbano. No entanto, as áreas periurbanas são zonas espaciais essênciais para os recursos naturais e produtivos do crescimento económico urbano, bem como para a expansão das zonas urbanas. Proporcionam também aos pobres periurbanos uma série de oportunidades de diversificação de meios de subsistência, à medida que as economias urbanas se expandem. Para considerar a natureza diversa da pobreza, a análise utiliza diversos tipos de instrumentos. Inclui trabalho de campo em seis autarquias e análises estatísticas 145 realizadas em oito autarquias de dimensão pequena a média (com uma população combinada de mais de um milhão de habitantes, ou seja 16% da população urbana), representando uma série de tendências de desenvolvimento no norte, centro e sul do país. A informação primária foi recolhida através de entrevistas a funcionários do Governo, ONG, doadores, empresários e cidadãos comuns, bem como por meio de discussões de grupo com pessoas pobres em diferentes locais de três municípios. Os perfis económicos, bem como os perfis de pobreza das autarquias estudadas formam um plano de fundo à análise de pobreza. Além disso, um exercício de mapeamento de pobreza, com base em métodos de estimativa para pequenas áreas contribuiu também com alguns dados (ver relatório integral no CD-ROM). 5.2 Principais Conclusões Pobreza Urbana e Desigualdade A nível nacional, um dos factos mais notáveis da história recente de Moçambique é a significativa redução de pobreza verificada após o final da guerra civil. As avaliações quantitativas mais recentes de pobreza em Moçambique, a nível nacional, resultam dos inquéritos sobre condições de vida (IAF) de 1996/7 e 2002/3. De acordo com os IAF o referêncial global de pobreza baixou de 69,4% em 1996/7 para 54,1% em 2002/3. Esta redução foi mais acentuada nas zonas rurais, onde baixou de 71,6% para 55, 2%, que nas zonas urbanas, onde a redução foi de 63,9% para 51,6% no mesmo período de tempo. Não obstante, em Moçambique os índices de pobreza mantêm-se muito elevados e variam significativamente por região. A pobreza desceu mais radicalmente no centro e menos acentuadamente no norte, enquanto no sul se verificou mesmo um aumento. Em Maputo, a maior cidade, a pobreza aumentou em quase seis pontos percentuais (Paulo et al. 2007). Os esforços para medir e caracterizar a natureza da pobreza a nível das autarquias são relativamente limitados em Moçambique e geralmente restringem-se a Maputo. O Quadro 5.1 apresenta a amostra das autarquias abrangidas pelo estudo e revela que a contagem da pobreza é sistematicamente mais reduzida nas autarquias da amostra que nas províncias onde se acham situadas, confirmando assim o que anteriormente foi dito: que a nível nacional a pobreza urbana tende a ser menor que a pobreza rural. 146 Quadro 5.1 População e Pobreza em Autarquias Seleccionadas e suas Províncias População População da Contagem de pobreza (2002/3) % Municipal Província Município (2007) (2007) Município Província Cidade de Nampula 477 900 4 076 642 46,1 Nampula 52,6 Cidade de Angoche* 134 174 4 076 642 37,6 Nampula 52,6 Cidade de Ilha de 48 839 4 076 642 Moçambique n.a. Nampula 52,6 Cidade de Dondo 113 461 1 654 163 n.a. Sofala 36,1 Vila de Marromeu* 29 379 1 654 163 24,4 Sofala 36,1 Cidade de Manica 46 348 1 418 927 38,0 Manica 43,6 Cidade de Maxixe 105 805 1 267 035 58,2 Inhambane 80,7 Vila da Manhiça 43 272 1 259 713 81,4 Maputo 53,6 Média -- -- 47,4 Mozambique 54,1 Fonte: Recenseamento da população de 2007 e cálculos MÉTIER com base nos IAF 2002/3. * Não incluída na recolha de dados primários Ao tentar medir a natureza multi-dimensional da pobreza, para além do consumo doméstico alimentar e não alimentar e medidas monetárias um tanto redutoras, é importante tentar isolar o efeito que o acesso a serviços básicos pode ter sobre uma tal pobreza. Este esforço é justificado pois pode influenciar decisões políticas para melhorar o acesso a serviços básicos que podem ter um efeito mais imediato (e talvez ainda mais duradouro) sobre as condições de vida das pessoas que o acesso a dinheiro (embora, cada vez mais, os dois factores marchem a par). Na falta de estatísticas actualizadas, uma tentativa sumária é feita na Figura 5.1, mostrando correlações entre a contagem de pessoas pobres e o acesso a uma série de serviços nas seis autarquias originalmente seleccionadas para o estudo (i.e. incluindo Angoche e Marromeu, mas excluindo a Ilha de Moçambique e o Dondo).11 O baixo grau de representatividade dos dados e a impossibilidade de fazer uma maior desagregação da informação para cada autarquia, restringe a utilização dos resultados a meras indicações das tendências gerais. 147 Figura 5.1 Contagem de Pobreza e Acesso a Serviços nas Autarquias da Amostra, em Diversos Anos 0,800 0,700 0,600 0,500 0,400 0,300 0,200 0,100 Vila de Cidade de Cidade de Cidade de Cidade da Vila da Marromeu Angoche Manica Nampula Maxixe Manhiça Pobreza Educação Saúde Habitação Água Fonte: Cálculos MÉTIER utilizando diferentes fontes, incluindo IAF 2002/3 Dado não haver coincidência no tempo, em relação aos diferentes indicadores, esta é provavelmente uma tentativa um tanto primária para examinar uma faceta diferente da pobreza. Apesar de tudo, a Figura 5.1 mostra que o indicador de pobreza coligido a partir dos inqueridos do IAF parece apontar para uma imagem bastante diferente da que é traçada por outros indicadores de bem-estar social. Torna-se aparente, por exemplo, que os índices de pobreza em Marromeu coincidem em termos gerais com os baixos níveis de cobertura em saúde e abastecimento de água, assim como com a má qualidade da habitação. Do mesmo modo, excepto em relação à cobertura de saúde, parece haver algum grau de paridade entre pobreza e os outros indicadores de Angoche e Manica. No entanto, à medida que nos deslocamos para a parte direita do gráfico, o indicador de pobreza afasta-se progressivamente dos restantes, de tal modo que no caso de Maxixe e Manhiça, em que os outros índices convergem a níveis um pouco mais baixos que nos outros municípios (ainda que não muito diferentes deles) os níveis de pobreza disparam e pouca relação têm com os outros indicadores. Note-se, no entanto, que não é possível retirar ilações sólidas desta análise, uma vez que ela correlaciona o nível de pobreza com o nível de serviços em 148 agregados familiares tanto pobres como ricos, pelo que não se pode determinar se os pobres, em cada município, têm maior ou menor acesso a esses serviços. Na generalidade, este estudo detectou um padrão de baixo acesso a serviços chave, havendo um acesso muito maior no núcleo das áreas urbanas que no resto do território dos municípios. Em Nampula, por exemplo, que é o terceiro maior centro urbano de Moçambique, 39% das pessoas têm acesso a água canalizada (97% no núcleo urbano), 66% a latrinas (93% no núcleo urbano), e 30% a electricidade (84% no núcleo urbano). Em termos de habitação: a maioria das pessoas (81%) vive em casas precárias de tijolos de adobe ou em palhotas, algumas em casas de cimento e muito poucas em casas feitas de palha/madeira/zinco. O nível de analfabetismo é elevado, 48% (mais elevado nas mulheres, 64%). As autarquias mais pequenas, Ilha de Moçambique, Maxixe, Dondo e Manhiça, apresentam uma tendência diferente do grande centro urbano de Nampula. Nas pequenas autarquias, a maioria das pessoas vive em casas de palha e o acesso a água canalizada, latrinas e electricidade é muito reduzido. Apesar destes baixos níveis de acesso a serviços, nos últimos anos Moçambique tem tido taxas sustentadas de crescimento económico e estudos recentes indicam que o seu crescimento económico tem sido pró-pobres, em parte devido aos níveis relativamente baixos de desigualdade prevalecente (Arndt et al. 2005 e Fox et al. 2008). Embora não ponham em dúvida os relevantes resultados económicos do país nos últimos dez anos, as percepções de muitas das pessoas entrevistadas eram mais ambivalentes e mencionaram frequentemente o alargamento das desigualdades. Esta pesquisa constatou que muitos moçambicanos urbanos e periurbanos sentem que o intervalo entre os que vivem bem e os pobres está a acentuar-se e que estão a ocorrer complicados processos de diferenciação social. Há diferenças consideráveis entre as elites urbanas e os residents pobres de áreas periurbanas mas, igualmente importantes, são as complexas gradações de diferenciação social que sugerem que é muito difícil falar dos pobres como se fossem um grupo homogéneo (ver Tvedten et al., 2006 e Paulo et al., 2007). As percepções de um acentuar das desigualdades são talvez mais intensas no sul, dadas as recentes tendências de desenvolvimento da economia de Moçambique. Muitas das rápidas mudanças que 149 marcaram o desenvolvimento do país em décadas recentes, têm tido uma visível dimensão espacial, em que o sul e particularmente Maputo assistiram aos mais rápidos processos de acumulação de capital e consequentemente à mais acelerada acentuação tanto das desigualdades sociais como das percepções dessas desigualdades. Este facto levou Arndt et al. (2005: 19) a comentar que “os benefícios do crescimento económico (na Cidade de Maputo) não parecem chegar aos seus residentes mais pobres” (Arndt et al. 2005:19). Estratégias de Sobrevivência — Que Fazem os Pobres? Em termos de estratégias de sobrevivência e de capacidade para ultrapassar o nível de pobreza entre os pobres urbanos, o acesso ao emprego e a geração de um rendimento são essenciais, particularmente na economia urbana onde, na generalidade, os empregos formais para trabalhores indiferenciados tendem a ser mal remunerados. O custo de vida nas cidades é geralmente bastante elevado, tomando em consideração as despesas básicas com a alimentação, transportes, infra-estruturas de serviços e serviços sociais. Para os pobres urbanos é difícil evitar uma economia monetária. Muitos empregadores do sector privado, particularmente no trabalho doméstico que está pouco regulamentado, pagam bastante menos que o salário mínimo legal. Neste aspecto, a agricultura continua a ser um sector essencial, do qual mais de 50 por cento da população urbana retira a sua principal fonte de rendimento, demonstrando assim a importância da agricultura na subsistência urbana. Estimativas de Arndt et al. (2005) mostram que o consumo médio relativo à linha de pobreza do chefe de família urbano agrícola é mais baixo quando comparado com chefes de família urbanos não agrícolas, e mais baixo ainda que o dos chefes de família rurais tanto agrícolas como não agrícolas. Isto faz da agricultura urbana um elemento importante para as estratégias de sobrevivência dos agregados familiares urbanos e um factor chave para compreender a pobreza urbana. Embora a percentagem de população envolvida na agricultura urbana seja mais elevada nas autarquias mais pequenas, as taxas de emprego agrícola continuam a ser elevadas também nos municípios de maior dimensão. Além disso, em termos de 150 género, há um número desproporcionadamente elevado de mulheres a praticarem a agricultura urbana. Em termos de emprego em áreas urbanas, entre 1996/7 e 2002/3, a proporção de pessoas empregadas em actividades relacionadas com a agricultura teve um decréscimo muito considerável, de 71% para 53%. Durante o mesmo período, a proporção dos auto- empregados em actividades não-agrícolas aumentou de 9% para 19% e o emprego remunerado também aumentou de 20% para 27%. O emprego no sector formal tem benefícios óbvios, como um salário regular e alguma segurança e também considerável prestígio e posição social. Nos grupos de discussão realizados, muitos dos participantes referiram que arranjar trabalho estava associado a ligações ao Governo central e às elites políticas e económicas. Aqueles que conseguem um emprego formal assalariado não ficam com uma saída garantida para fora do ciclo da pobreza, pois os empregos formais para trabalhadores não qualificados tendem a ser mal pagos. Além disso, devido ao elevado número de trabalhadores desempregados, os empregadores do sector privado conseguem pagar menos que o salário mínimo legal, porque a oferta ultrapassa a procura. A maioria do emprego urbano pode ser classificada como “informal”. No entanto, as estimativas quanto à proporção da força de trabalho urbana que faz parte do que poderia ser classificado, segundo a maioria das definições, como trabalho “informal”, varia consideravelmente. Nesta pesquisa, muitos dos inquiridos tendiam a definir a sua posição na economia de acordo com o grau de vulnerabilidade que sentiam. Os entrevistados descreviam-se como “empregados” quando trabalhavam numa base regular, com um verdadeiro contrato e com ordenado pago numa base mensal ou semanal. As causas do crescimento no sector informal são muitas. Em Nampula, por exemplo, os vereadores referiram que muitas pessoas vinham para o município para trabalharem na construção e que passavam depois para o sector informal quando os seus contratos chegavam ao fim, e o mesmo acontece em relação ao trabalho sazonal mais estável. No entanto, embora a maior parte do sector informal seja uma opção de “último recurso”, há situações em que pessoas deixaram empregos formais para ganharem mais no sector informal (Tvedten et 151 al. 2006). Na generalidade, no entanto, os inquiridos mostram um desejo imenso de conseguirem obter emprego formal. A economia informal é também crucial nas cidades mais pequenas, mais rurais, e nas zonas periurbanas das cidades maiores. Em Manhiça, como em outras cidades, muitos vendem os seus produtos nas estradas principais, a passageiros de automóveis e autocarros. Dá também, a muitas mulheres, a oportunidade de comercializarem os seus produtos agrícolas. Outras fontes importantes de rendimento “informal” no cenário periurbano são as transacções informais de terra, que implicam cultivar a terra de alguém a troco de pagamento. Deste modo, aqueles que há muito se instalaram numa terra e se tornaram proprietários, têm muitas vezes vantagem sobre os recém-chegados. Em geral, os funcionários municipais entrevistados tinham uma opinião negativa da actividade informal que se vive nas áreas urbanas. Para muitos deles a economia informal está associada a pobreza urbana (ou em muitos casos periurbana) e a “desordem”; na sua opinião, está geralmente associada a migrações recentes e à juventude desempregada, e a distinção entre as suas actividades e a criminalidade é ténue. Para eles, a informalidade representa uma ausência de propósito e o movimento da pobreza rural para o cenário urbano, um desconhecimento da vida urbana. Compreensivelmente, a classe de comerciantes tende a concordar com esta avaliação. Um destacado membro da comunidade de comerciantes indianos de Nampula argumentou que a economia informal representa as actuais falhas da nação e que induzirá um permanente estado de pobreza na maioria da população da autarquia e achava que a principal causa eram políticas erróneas do Governo. “Este país tem potencial em muitas áreas mas ninguém presta verdadeira atenção aos sectores produtivos da economia. Deveria haver um crescimento de oficinas e fábricas de dimensão média, mas não há vontade política e é incrivelmente difícil conseguir crédito dos bancos. 90% dos produtos que passam por Nampula vêm de um qualquer outro país, até o arroz. Tornámo-nos num país de intermediários.” E, na sua opinião, os comerciantes informais, como não pagam impostos, representam uma concorrência desleal aos estabelecimentos formais. No entanto, este ponto de vista dos empresários formais abstrai-se da realidade que muitos comerciantes do sector informal 152 se abastecem dos seus produtos no sector formal, criando assim canais de escoamento sem os quais muitos não sobreviveriam. Exemplos flagrantes são os muitos vendilhões que compram pilhas de cartões de carregamento de telemóveis e os vendem pelas esquinas, ou as dezenas de compradores de galinhas vivas que as revendem não só nos mercados de Nampula mas em outras localidades da região. As Interligações Urbano-Rurais e a Economia Periurbana Ao examinar o potencial dos municípios para promover o crescimento económico e reduzir a pobreza, é importante reconhecer que a economia das “áreas urbanas” está complexamente interligada com a das “áreas rurais”. Como vimos na secção anterior, com mais de quatro quintos da força de trabalho ocupada na agricultura e em muitas ocupações terciárias dependentes directa ou indirectamente da agricultura, qualquer análise da economia autárquica tem de ser situada dentro do contexto regional das autarquias e dos mecanismos através dos quais as áreas urbanas interagem activamente com as áreas rurais. Num contexto como o de Moçambique, onde poucas áreas urbanas e poucos sectores da economia são altamente especializadas ou de capital intensivo, a interacção económica e social entre as áreas rurais e urbanas continua a ser uma componente importante de uma política de desenvolvimento bem-sucedida. Esta interacção expressa-se na noção de “interligação urbano-rural” que significa o fluxo de pessoas, bens, dinheiro e informação entre áreas que poderão ser classificadas como “urbanas” e “rurais”. Em Moçambique, esta interacção é essencial para a subsistência de muitos (e em alguns municípios, da maioria) de agregados familiares e — o que é importante num contexto de incerteza ou volatilidade económica — criam uma via de diversificação dos rendimentos familiares. A noção de interligações refere-se também à interacção entre diferentes sectores económicos, embora um sector como a agricultura, que em países de rendimento elevado está associado exclusivamente a localidades rurais, esteja muito mais disseminado em Moçambique, com muita actividade não apenas em localidade rurais mas também urbanas e periurbanas. 153 Urbanização sem crescimento económico Um aspecto marcante do programa de descentralização em Moçambique, é a diversidade de unidades territoriais que foram classificadas como municípios. Esta diversidade realça a dificuldade de traçar uma linha definida entre o que é urbano e o que é rural. A urbanização aumentou extraordinariamente em Moçambique durante a guerra, numa altura em que os recursos para integrar um fluxo de recém-chegados, estavam no seu ponto mais baixo. Embora a economia tenha crescido significativamente desde o fim da guerra civil, a contracção da indústria produtiva e os efeitos de ajustamentos estruturais e as medidas de austeridade fiscal, para além de alterações económicas generalizadas, como a crescente importância do sector dos serviços, significam que as pessoas foram integradas na economia “urbana” numa série de formas complicadas e com fortes ligações às zonas rurais. (Paulo et al., 2007). Isto tem originado preocupações de que o crescimento da população urbana de Moçambique não seja sustentado por uma procura de mão-de-obra para a indústria transformadora e serviços de base urbana (ver, por exemplo, Jenkins 2003). A preocupação com a “urbanização sem crescimento” tem também sido amplamente expressa no contexto de outros países, incluindo a África Subsariana no seu todo. O fenómeno da urbanização tornou-se uma característica permanente e virtualmente irreversível. Não existem estatísticas fiáveis, mas parece que só uma proporção relativamente pequena das populações deslocadas pela guerra voltou às suas origens rurais. Por exemplo, a população da cidade de Mocuba, na província da Zambézia, atingiu um número calculado em 90.000 no final da guerra civil e desceu para cerca de 70.000 uma década mais tarde. Um quadro semelhante emerge em relação a outras cidades, como Montepuez, na província de Cabo Delgado (Jenkins 2003). Deste modo, ainda que muita da população das autarquias se componha de migrantes relativamente recentes, um factor que as nossas entrevistas e os grupos de discussão citaram repetidas vezes, há toda uma geração de pessoas que atingiram a maioridade nas cidades e que a consideram como a sua casa e pouco desejo têm de partir. Acresce ainda que a guerra destruiu em grande parte a economia rural e as poucas infra-estruturas de transporte existentes foram-se deteriorando ou, pelo menos, não têm manutenção. Na medida em 154 que muitos pequenos centros urbanos dependem das actividades agrícolas e do comércio com o interior circundante, as economias dessas vilas também estagnaram. No caso da cidade-mercado de Mocuba, por exemplo, a estagnação rural fez com que, em princípios dos anos 2000 subsistissem apenas 25 dos 74 estabelecimentos comerciais da cidade. Diversificação de rendimentos As interligações dos residents urbanos com as zonas rurais variam nos vários municípios estudados. No sul, há uma longa tradição de emigração para a África do Sul, que é fonte de remessas essenciais. Há evidência de famílias que criam intrincadas estratégias, em que alguns membros se instalam em cidades de província, enquanto outros tentam a sorte na capital e outros ainda tentam arranjar trabalho na África do Sul. Numa tentativa de aumentar as suas oportunidades, muitos agregados familiares espalham-se por várias localidades. Os fluxos de bens, pessoas, dinheiro e informação são essenciais para apoiar a subsistência e a diversificação de rendimentos em todo o espectro urbano-rural. Na nossa amostragem detectámos uma série desses fluxos. Uma das fontes importantes, é a agricultura periurbana e rural, que consiste principalmente no movimento de pessoas que cultivam ou vendem produtos agrícolas. Tanto a agricultura rural como a periurbana são elementos importantes para as estratégias de sobrevivência das famílias: de acordo com o censo de 1997, nas cidades de maior dimensão da amostra, Nampula e Manica, chegava a 35% e 37% respectivamente o número daqueles que tinham neste sector a sua principal fonte de rendimento. Em municípios mais pequenos essa proporção era consideravelmente mais elevada, atingindo 55% em Maxixe e 73% na Manhiça. Embora não tenhamos encontrado estudos sistemáticos deste fenómeno, informações pontuais e resultantes dos grupos de discussão, sugerem que a agricultura urbana e periurbana tende a envolver uma mais elevada proporção de mulheres que homens, um factor que é confirmado pelos dados do censo de 1997 assim como pelos inquérios do IAF. Para aqueles que possuem um lote de terreno rural a alguma distância da povoação, isso implica que um membro da família se 155 desloque por períodos que vão de uma semana a cinco meses para trabalhar a terra. No caso de Montepuez, a distância até uma machamba pode ser de 30 km (Jenkins 2003: 128), mas há casos documentados de machambas localizadas até 60 km de uma cidade como Dondo (Veríssimo 2008). Os que trabalham em lotes mais próximos da povoação — onde as machambas tendem a ser mais pequenas devido à pressão de crescimento do município, e são controladas pelas autoridades autárquicas ou pelas tradicionais — as deslocações fazem-se diariamente, mas as colheitas tendem a ser mais reduzidas e destinam-se talvez às necessidades imediatas do agregado familiar.2 Há também sinais de trabalhadores urbanos de baixos rendimentos a trabalharem como assalariados em quintas particulares (periurbanas). Há um constante intercâmbio de pagamentos e produtos enviados pelos citadinos (que também mandam frequentemente os filhos passar um tempo com elementos rurais da família, em diversas alturas) e produtos alimentares enviados pelos lavradores da família quando as colheitas são boas. Em muitos casos, o cultivo é responsabilidade de um adulto da família urbana, geralmente mulheres, enquanto os outros adultos ajudam sempre que as suas actividades remuneradas o permitem. Para os citadinos pobres, um terreno arável é um dado importante para as suas estratégias de subsistência, particularmente num contexto em que a economia se está a tornar cada vez mais monetizada. Nos grupos de discussão, as maiores preocupações dos inquiridos eram a falta de terra (muitas vezes considerada como o recurso mais importante) e o desemprego (sobretudo para os seus filhos). O dinheiro obtido em troca de alguns tipos de trabalho, como o comércio ambulante, é essencial para pagar contas de serviços, saúde ou produtos básicos, enquanto a lavoura de subsistência requer relativamente pouco dinheiro (geralmente para transportes). Do mesmo modo, para os pobres que vivem em pequenas aldeias rurais relativamente próximas de um centro urbano, a venda de produtos agrícolas em mercados municipais é uma fonte essencial de dinheiro em espécie. (Veríssimo 2008). Outras fontes importantes das trocas entre áreas urbanas e rurais são a lenha e o carvão. À medida que as florestas vizinhas das cidades se esgotam, a lenha tem de ser recolhida e o carvão produzido em localidades rurais cada vez mais distantes, quer pelos citadinos que 156 têm que passar mais tempo nas suas machambas quer pelos habitantes rurais que os vendem nos mercados das cidades (Veríssimo 2008). O constante movimento entre as zonas urbanas e rurais por parte de trabalhadores individuais e membros da família é frequentemente um aspecto fulcral das suas estratégias de subsistência. Demonstram também uma certa fragilidade nas cadeias de produção agrícola formalizadas e na sua infra-estrutura, que parece incapaz de sustentar o comércio a distância (excepto para os grandes mercados municipais no norte, como Nampula ou Nacala, ou para os grandes centros de produção, como a África do Sul). A isto há que acrescentar as estratégias de subsistência dos agricultores, crescentemente ligados aos circuitos económicos locais e que se vêem obrigados, cada vez mais, a entrar nos circuitos monetários para obterem dinheiro vivo para pagar serviços básicos e bens que geralmente se encontram nas cidades e vilas. Para além da importância destas interligações, há que não subestimar a importância da agricultura para muitos citadinos nos estudos de caso dos seis municípios. Muitos moçambicanos têm algum tipo de ligação ao mundo rural, desde as quintas da elite às machambas dos pobres. Alguns dos inquiridos periurbanos, especialmente em municípios com uma zona agrícola circundante rica, como Nampula, Manica e Dondo, combinavam a lavoura com as suas estratégias de subsistência. Alguns praticavam uma agricultura urbana, enquanto outros tinham terras a alguma distância da cidade, onde membros da família passavam por vezes entre uma semana e um mês ou mais, trabalhando na sua machamba. Como já anteriormente referido, a agricultura é particularmente importante para as mulheres, que a conjugam com o seu trabalho como vendedoras ambulantes nas ruas ou mercados.3 Os governos podem, sem o saber, estar a desempenhar aqui um papel, tornando os campos de lavoura mais acessíveis através do melhoramento das estradas ou projectos de construção, e demarcando terrenos para habitação. No entanto, só encontrámos numa única autarquia, Nampula, um espaço oficialmente designado como “viveiro” embora não seja claro se é cultivado por residentes locais. Há muitos indícios que apontam sérios problemas em criar uma estratégia de desenvolvimento contemplando as zonas rurais sem levar em conta as interligações às 157 cidades. As remessas monetárias dos que estão presentes no sector urbano podem aliviar consideravelmente a pobreza rural; e as ténues fronteiras entre cidades (e vilas) e o campo, com uma população que parece ter uma grande mobilidade e uma outra que procura colher vantagens tanto da produção rural como das oportunidades urbanas, sugere que qualquer estratégia de desenvolvimento terá que levar ambas em linha de conta. Uma última questão que merece atenção é que o estudo encontrou forte evidência de agricultura urbana nos municípios da amostra. Devido às limitações de tempo, as interligações à pobreza urbana não puderam ser aprofundadas, embora os exemplos de outros países subsarianos e de outros locais sugiram que esta é uma área importante, em que uma política de desenvolvimento pró-pobres urbanos precisaria de ser explorada. Isto suscitaria questões como a identificação de um perfil dos agricultores urbanos, o grau de segurança dos seus títulos de posse, as implicações para a saúde que resultam da proximidade a áreas residênciais (p.ex: o risco de poças de água estagnada provocarem doenças transmissíveis pela água), etc. Implicaria também averiguar as actuais atitudes dos governos municipais em relação a estas práticas e até que ponto estão em posição de as apoiar no âmbito das estratégias pró-pobres. Mas genericamente, deviam ser também examinadas no contexto mais alargado de uma política de garantia de alimentação que beneficie os pobres. O Papel da Autarquia na Redução da Pobreza Um sistema descentralizado como o que está a ser desenvolvido pelas autarquias de Moçambique não é uma garantia automática de vantagens para os pobres, particularmente decorrendo num cenário de continuada e persistente urbanização que implica uma movimentação rápida de pessoas para dentro e fora dos municípios. No entanto, as autarquias são responsáveis por uma gama de funções que têm um potencial de impacto, directo ou indirecto, sobre a pobreza urbana e periurbana. A pesquisa efectuada para este estudo conclui que, na generalidade, os dirigentes autárquicos se consideram ainda bastante inexperientes do ponto de vista de acções institucionais, o que implica dificuldades na concepção de uma acção mais estratégica e sistemática neste campo. 158 Neste sentido, a acção dos funcionários municipais é pautada por um processo de aprendizagem que resulta mais da resposta às exigências da população que de uma estratégia mais sistemática de redução da pobreza. As entrevistas com entidades do Governo revelaram que têm noção das suas limitações em termos da experiência de gestão, de recursos disponíveis e da distância que medeia entre os imensos desafios da redução da pobreza e os instrumentos com que as autarquias podem contar. Para além das suas atribuições formais, fazer face à pobreza é uma das prioridades de acção das autarquias. Este compromisso é geralmente incluído nos manifestos eleitorais, mas embora as autoridades municipais possam desempenhar um papel importante na redução da pobreza a nível local, o seu papel é ainda assim limitado, em comparação com o do Governo central. Além disso, até agora tem sido atribuído às autarquias um papel limitado na implementação do PARPA, apesar do importante potencial que detêm para a redução da pobreza. Nas autarquias da amostra foi raro conseguir identificar uma relação explícita entre acção municipal e os planos do Governo central, excepto de maneiras muito tangenciais. Em todas as autarquias, os gestores entrevistados disseram, e mostraram, que estão a fazer esforços para reduzir a pobreza. Essas iniciativas estão relacionadas com acções do Governo central mas não revelam uma articulação mais formal com os conteúdos e objectivos traçados pelo PARPA. Só em Maxixe foi possível identificar uma articulação específica, pois a autarquia procura interagir com a sociedade civil através do Observatório da Pobreza a nível provincial.4 Embora as autoridades autárquicas possam desempempenhar um papel importante na redução da pobreza, esse papel é muito mais limitado que o do Governo central ao qual estão atribuídos os principais instrumentos. Por exemplo, as políticas redistributivas eficazes só podem ser implementadas aos níveis mais elevados do Governo, que dispõem dos instrumentos económicos e fiscais para o fazer. Além disso, a estrutura institucional de Moçambique é ainda muito centralizada, o que limita o âmbito das acções que podem ser implementadas pelos governos locais. A distribuição das receitas do Estado limita os recursos, e a divisão das responsabilidades reduz o papel das autarquias. Apesar disso, as autoridades municipais podem contribuir para reduzir a pobreza em três importantes 159 dimensões. A primeira, inclui uma série de acções, projectos, programas e políticas relacionados com o acesso aos serviços públicos urbanos e que afectam directamente as condições materiais de vida das populações. A segunda dimensão está relacionada com a acção do governo municipal sobre a economia, ou seja, as iniciativas que contribuem para a criação de emprego, rendimento e desenvolvimento económico local. A terceira dimensão é mais intangível e diz respeito aos aspectos culturais e políticos da acção dos governos autárquicos, cujo impacto é mais subjectivo e tem a ver com participação política, poder decisório e o desenvolvimento da cidadania para os pobres. Em termos de prestação de serviços, este estudo concluiu que as autarquias têm desempenhado um papel positivo na melhoria dos equipamentos escolares, construindo novas escolas e salas de aulas e o esforço é entendido com uma realização importante pelo município, tanto pelos funcionários como pelos membros da comunidade. Embora modestos, de acordo com um líder da comunidade em Maxixe, os bons resultados na redução da pobreza relacionavam-se precisamente com o alargamento dos equipamentos escolares: “Bem o sentimos, comparando oque éramos antes e o que somos agora. Para lutar contra a pobreza é preciso combater o analfabetismo. A pobreza tem muitas vezes origem na falta de educação.”5 Além disso, com o Decreto 33/06 que atribui às autarquias mais responsabilidades na construção, equipamento e gestão de escolas primárias, o seu papel nesta área vai tornar-se mais proeminente. O mesmo se espera na área da saúde, em que a intervenção das autarquias vai ser alargada. A habitação também pode ter impactos directos para os pobres. Nos municípios da amostra, os governos municipais estão empenhados em algum tipo de planeamento e implementação de projectos de habitação e de infra-estruturas básicas. Em alguns casos, isto envolve o realojamento de famílias, retirando-as de áreas de risco, de aglomerados irregulares e áreas caracterizadas por uma elevada densidade e condições de vidas inadequadas. Em certos casos, estes esforços são simultaneamente tentativas para gerar receitas adicionais, como em Nampula,6 mas na maioria, como é o caso das outras autarquias visitadas, os responsáveis municipais vêm os empreendimentos habitacionais como parte das suas estratégias para a redução da pobreza, mais do que um plano para 160 gerar receitas. Em princípio, o facto de o Estado ser proprietário de toda a terra, implica que tem a possibilidade de a distribuir a preços inferiores aos do mercado a residentes de baixos recursos. Isto pode conduzir a construções habitacionais de baixo custo de que os pobres podem beneficiar, uma vez que as técnicas locais permitem uma construção rápida e de baixo custo, mas também de baixa qualidade. A imagem transmitida pelos grupos de discussão, no entanto, é mais complexa. Os inquiridos acham que o acesso aos terrenos tende a ser mediado pelo mercado. O que isto significa é a atribuição livre de terras pelo Estado (ou pelas autoridades tradicionais, sobretudo em zonas rurais) a alguns grupos e indivíduos que depois as vendem a outros. Esta situação é mais frequente em áreas periféricas com algum potencial comercial de utilização (agrícola ou habitacional) — ver capítulo 6 sobre terrenos urbanos. As autarquias são também, em parte, responsáveis pelos serviços de água, electricidade e manutenção de estradas. Nos grupos de discussão realizados em Nampula, Manhiça e Dondo, a pavimentação de estradas foi citada como um dos principais sucessos dos governos municipais, especialmente pelos moradores das zonas periurbanas e rurais, que passaram a ter mais fácil acesso aos mercados urbanos e a serviços. O alargamento das redes da água e da electricidade é uma das grandes inovações no cenário municipal, melhorando consideravelmente as condições de vida dos pobres. O abastecimento destes serviços nem sempre é, no entanto, da exclusiva responsabilidade das autarquias, mas antes de empresas de serviços públicos que não respondem directamente ao governo municipal. Além disso o fornecimento de alguns destes serviços (água e electricidade) requer o pagamento de tarifas, que sendo tecnicamente justificáveis, são em muitos casos proibitivas para famílias que vivem numa economia de subsistência. Este factor foi salientado por muitos entrevistados que comentaram que, por um lado as pessoas têm acesso a serviços que melhoram as suas condições de vida, mas por outro isso obriga-as a entrar mais fundo e irreversivelmente numa economia monetária. Por fim, as autarquias têm também competências nas áreas do saneamento, ambiente e resíduos sólidos que poderiam contribuir para a redução da pobreza. Como foi explicado nos capítulos sectoriais, a actividade municipal na área do saneamento é ainda limitada. 161 Devido aos elevados custos, não há redes de esgotos excepto em áreas limitadas nas “cidades de cimento”. O estudo não encontrou qualquer referência a estações de tratamento de águas residuais em qualquer município. Este é provavelmente um dos maiores problemas que as autarquias enfrentam presentemente, com acções que se limitam sobretudo a aumentar a consciencialização.7 Quanto ao varrer de ruas e gestão de resíduos sólidos parece que na maioria das “cidades de cimento” as ruas são regularmente varridas, mas com muito menor frequência nos bairros de lata periféricos. O destino a dar aos resíduos sólidos é outro grave problema. O lixo recolhido é muitas vezes despejado na periferia do município, ou queimado sem qualquer tipo de cuidado sistemático nem atenção a aspectos relacionados com saúde, ambiente ou segurança. Quanto à promoção do desenvolvimento económico local, o papel das autarquias é limitado pelo seu estatuto e, acima de tudo, pelos escassos recursos. Foi possível, no entanto, identificar alguns esforços da administração local neste campo. Por exemplo, a promoção de obras públicas, para as quais as autarquias claramente procuram contratar mão-de-obra local e promover projectos locais de trabalho intensivo, parece ser um caminho prometedor. As obras públicas municipais podem assim ter um efeito directo na economia e na criação de emprego. No município de Manica, por exemplo, os lotes urbanizados em alguns bairros foram adjudicados a empresas de construção locais a quem foi exigido que utilizassem mão-de-obra local. Do mesmo modo, no Dondo, a criação de infra-estruturas urbanas em novos bairros em expansão permite a contratação de trabalhadores locais com um subsidío igual a um salário mínimo (1500 Mtn). Além disso as autarquias também partilham com o Governo nacional iniciativas de adopção de subsídios para trabalhos urgentes de varredura de ruas e manutenção de estrads, com o objectivo de ajudar os segmentos mais vulneráveis dos pobres. Apesar das suas limitações, as autarquias tentam atrair novos investimentos, particularmente unidades industriais que possam gerar empregos e rendimentos. A interacção das autarquias com empresas já existentes mostra que é possível estabelecer parcerias. Maragra, uma empresa açucareira em Manhiça, empresas de processamento de óleo de coco em Maxixe, engarragamento da água mineral Vumba em Manica, Lusalite 162 (materiais de construção) e Cimentos Moçambique no Dondo; todas têm uma interface sistemática com os governos municipais. Mas estas colaborações visam mais as parcerias para projectos sociais que políticas de desenvolvimento. Estes esforços de desenvolvimento são no entanto dificultados pela limitada capacidade operacional e financeira dos governos autárquicos. Mas a fragilidade das empresas privadas locais, associações de produtores, pescadores, comerciantes, etc., exigiria um nível mais elevado de apoio pelos governos autárquicos. Esse apoio limita-se presentemente à articulação de iniciativas políticas, por vezes à formação de membros das associações e a canalizar as necessidades de actores da economia local para os Governos central e provincial. O município do Dondo leva vantagem sobre os outros pois já preparou um Plano de Desenvolvimento Autárquico. As actividades da autarquia procuram integrar-se nas perspectivas de médio e longo prazo do município, e construir uma parceria com actores sociais locais e com o Governo nacional, no sentido de estimular o desenvolvimento local. Uma iniciativa interessante que está presentemente em discussão é a criação de “Empresas Municipais”. Esta proposta, introduzida a nível do Congresso da ANAMM em Novembro 2007, visa uma maior capacidade operacional das autarquias para intervirem na esfera económica. Está ainda em estudo, uma vez que terá que estar em conformidade com os requisitos do Governo central relativamente a empresas geridas pelo Estado, mas pode ser uma alternativa para as autarquias poderem agir na área do desenvolvimento local. Para o presidente do município de Maputo, é importante que as autarquias possam desenvolver as suas próprias empresas, “essencialmente nas áreas do transporte público urbano, gestão dos resíduos sólidos, gestão dos cemitérios, água, saneamento e electricidade” (O Bangwe 2007: 1). Outro elemento importante da presença dos governos municipais no desenvolvimento local, é o apoio à vida associativa como forma de apoio à subsistência dos pobres. Em Manhiça, a autarquia tem estimulado a criação de associações de jovens para projectos agrícolas, procurando fomentar o interesse na agricultura, quase esquecido pelas novas gerações. O município de Maxixe também estimula as associações de cidadãos. Com actividades de 163 formação, infra-estruturas e recursos financeiros, a autarquia já apadrinhou a criação de duas associações de produtores e uma de pescadores e está a apoiar mais duas associações de pescadores e três de agricultores. Um caso semelhante foi documentado em Nampula onde a autarquia apoia uma associação de agricultores periurbanos pobres, à qual dá acesso a terra, apoio técnico e produtos agrícolas, como os adubos. Outra área de acção dos municípios, relacionada com o desenvolvimento económico, diz respeito ao seu papel na promoção e controlo de actividades comerciais, uma vez que são os reguladores dessas actividades dentro do território municipal. Com excepção da Ilha de Moçambique, este estudo encontrou um comércio activo, formal e informal, em tendas e ao longo das estradas principais, que é importante para os pobres, constituindo escoamento para os seus produtos e pontos de abastecimento também. Em todos os municípios da amostra havia um esforço para melhorar as estruturas dos mercados locais. A reforma e o melhoramento dos equipamentos existentes, a construção de mercados para os bairros mais pobres, a melhoria nas condições de acesso e de higiene são iniciativas que se encontram em alguns municípios. As autoridades municipais, responsáveis pelos mercados, interagem com os pequenos comerciantes, procurando dar resposta às suas necessidades, e ajudam a estimular as actividades comerciais. Dondo tem uma estrutura de gestão participativa para o mercado central, em que a autarquia nomeia uma comissão de feirantes locais para gerir o mercado. A actividade agrícola faz parte das estratégias de sobrevivência dos pobres (mesmo daqueles que vivem em áreas essencialmente urbanas) e em Moçambique as autarquias procuram desempenhar um papel de apoio à produção local — especialmente através do apoio técnico à produção primária. Este apoio, no entanto, é irregular, dependendo da realidade de cada município. Em Manhiça, por exemplo, o vereador do pelouro queixou- se da falta de recursos, argumentando que o Departamento Nacional de Agricultura devia enviar mais conselheiros técnicos para ajudar a melhorar a qualidade da produção. Em Maxixe a autarquia apoia a criação de associações nas zonas rurais. Em Manica, a autarquia tem o apoio da GTZ para um projecto local de desenvolvimento rural. Em Nampula, o apoio à associação de agricultores pobres periurbanos depende essenciamente 164 de um técnico, sobreutilizado até ao limite, que não tem educação superior nem qualificação politécnica. No Dondo, a autarquia assume uma forte actividade de extensão fornecendo apoio técnico e organizando os produtores de modo a maximizar o potencial de produção primária do município. Este fornecimento de apoio técnico faz parte de uma estratégia mais abrangente das autarquias para combater a pobreza e estimular o desenvolvimento económico. As autoridades municipais concordam que, para combater a pobreza, é necessário ir além da agricultura de subsistência, atingindo excedentes que possam ser comercializados. O apoio à agricultura urbana não chega só aos camponeses típicos, tem também uma forte incidência sobre a população urbana. No Dondo, por exemplo, uma parte significativa da população urbana, especialmente as mulheres, tem na agricultura a sua principal fonte de rendimento. Todas as manhãs as mulheres dirigem-se para as machambas na área periurbana ou até mesmo rural para trabalharem a terra. Neste sentido, o apoio à produção no campo tem um claro, ainda que quantitativamente limitado, impacto na redução da pobreza urbana. A dimensão final das intervenções autárquicas contra a pobreza prende-se com a participação política e a atribuição de poder (empowerment), tema também abordado no capítulo 3. Embora dificilmente mensurável, num sentido político e cultural os governos municipais estão em boa posição para contribuir, ainda que modestamente, para ultrapassar as situações de pobreza e dependência. O facto de os governos municipais serem eleitos periodicamente, cria uma possibilidade real para a alteração de poderes, tornando os funcionários eleitos mais directamente responsáveis perante os seus eleitores (e não, como acontecia anteriormente, perante os seus superiores provinciais). Além disso, com mandatos limitados no tempo e com possibilidade de reeleição, estimula-se a vontade das autoridades em atender às necessidades dos cidadãos. No entanto, as eleições autárquicas não são uma panacéia e os grupos de discussão expressaram várias formas de descontentamento com as suas autoridades municipais. Não são raros os relatos de corrupção a nível local, envolvendo compadrios no acesso a empregos e dificuldades em obter terra, que estão relacionados 165 com a pobreza pois limitam o acesso a serviços e criam dificuldades no acesso a bens (Mate et al. 2007: 19). Há também a percepção de que os programas e políticas geralmente beneficiam aqueles que têm ligações políticas e familiares com as autoridades. Não obstante estes problemas, na generalidade as pessoas manifestam uma opinião positiva sobre a democracia. Como já se referiu no Capítulo 3, mais do que a legitimação dos seus resultados, todos os cinco anos, através do processo eleitoral, muitos gestores autárquicos parecem estar genuinamente a tentar envolver os cidadãos nas actividades correntes do governo. Este envolvimente assume diversas formas, desde as consultas e reuniões de bairro (Manhiça e Maxixe) a sistemas mais formais de governação participativa com fóruns regulares para consultas (Dondo e Maputo). Outro elemento importante no relacionamento entre governos municipais e os pobres, é a dimensão pedagógica das práticas participativas. A experiência da participação, resultando das necessidades e problemas locais, contribui para uma aprendizagem da participação política e cria um sentido de cidadania. Embora este seja um processo lento, os governos autárquicos podem fazer um contributo real, especialmente porque há ainda um longo caminho a percorrer antes que se enraíze uma cultura política verdadeiramente democrática. A noção dos seus direitos é ainda muito limitada entre os cidadãos, especialmente entre os pobres. Por exemplo, de acordo com o Poverty and Vulnerability Survey (Inquérito à Pobreza e Vulnerabilidade) “apenas 15% das famílias urbanas e 11% das de áreas rurais têm qualquer tipo de informação de como obter um título de terra ao abrigo da lei actual” (Fox et al. 2008: 22). Outro papel importante desempenhado pelas autarquias do ponto de vista da redução da pobreza, é a interlocução com a iniciativa privada. Na medida do possível, os governos locais tentam interagir com as empresas locais e realizar acções de cooperação que beneficiem os mais pobres. No caso de Vila da Manhiça, uma grande indústria açucareira local, Maragra, financiou a instalação da rede de água e a construção de escolas na localidade de Maciana, um processo de que beneficiaram mais de 15.000 residentes. E por fim as autarquias também actuam sobre a agenda da pobreza estimulando a cultura local tradicional de modo a salvaguardar os valores simbólicos e os elementos que 166 contribuem para a integração de largos sectores da população. Em contraste com a educação formal nas escolas, que tende a ser ocidentalizada, esta tentativa de salvaguarda das raízes culturais (incluindo a preservação dos idiomas locais) contribui para estimular a auto-estima da população e favorece a inclusão de consideráveis sectores da população nos processos políticos locais. Apesar dos esforços em todas as três dimensões, as autarquias enfrentam severas limitações à sua promoção do desenvolvimento económico local e redução da pobreza. Como evidenciado no Capítulo 4, as autarquias têm não só recursos financeiros limitados como também uma limitada capacidade técnica. De acordo com um estudo de 2003 do MPD, 95% do pessoal permanente das 33 autarquias tinha apenas a educação básica (Allen and Johnsen 2006: 34). Outro factor limitativo, é a falta de uma visão mais clara, por parte dos funcionários do Governo, sobre o papel das autarquias como parceiros para o desenvolvimento local. Parece que entre as autoridades locais prevalece o mesmo conceito de desenvolvimento que enforma muitos dos projectos do Governo nacional, em que desenvolvimento é equacionado com dinheiro vindo de fora. Não há uma visão clara sobre o potencial endógeno das economias locais. A perspectiva de fortalecer os actores económicos locais, apoiar as redes de pequenos negócios, procurar acrescentar valor aos produtos locais, é vista como secundária, quando se fala do desenvolvimento económico das autarquias. A fragilidade do sector privado local, a escassez de capital privado a custo acessível e a falta de recursos das autarquias para apoiarem as actividades económicas contribuem certamente de um modo decisivo para esta dificuldade de pensar num projecto de desenvolvimento que resulte de iniciativas e recursos locais. Há algumas experiências limitadas de microcrédito e micro financiamento mas não estão verdadeiramente ligadas a estratégias de desenvolvimento do governo municipal. Uma educação formal inadequada e uma escassez de mão-de-obra qualificada é o último constrangimento desenvolvimento económico local que foi identificado apesar do aumento na propagação de escolas e o progresso global de Moçambique no sector da educação. Um representante da iniciativa privada em Maxixe destacou uma dimensão mais prática da educação formal, referindo a ausência da formação vocacional que 167 qualifica a mão-de-obra técnica: “há falta de carpinteiros, marceneiros, electricistas.”8 Numa entrevista com representantes da sociedade civil do Dondo, as críticas à educação formal derivaram noutra direcção, menos ligada à formação profissional. “As escolas não têm dado resposta às necessidades práticas das pessoas. A educação é muito universalista, pouco relacionada com a vida em concreto. As crianças estudam biologia na escola mas chegam a casa e não lavam as mãos antes de comer”.9 Nesta perspectiva, a pura e simples extensão de equipamentos escolares não significa necessariamente que o que a escola ensina está a contribuir de facto para reduzir os problemas da pobreza no país. 5.3 Principais Desafios Em Moçambique, as autarquias enfrentam uma série de desafios que as têm impedido de se tornarem efectivamente agentes do desenvolvimento e da redução da pobreza. Entre eles, destacam-se: (1) Descentralização: o GoM parece empenhado em promover a descentralização através do aumento do número de municípios em todo o país. Isto acontece, no entanto, numa altura em que canaliza poucos recursos para as autarquias, e mais para os distritos, no âmbito de uma estratégia de “pólos de crescimento rural” em que há uma falta de clareza e uma sobreposição de atribuições entre autarquias e distritos. As autarquias têm ainda algum caminho a percorrer para consolidarem as suas capacidades e a sua consciência política, bem como para se posicionarem de uma forma mais inovadora nos sistemas de governação local perante e em aliança com os seus concidadãos e outros actores locais. A descentralização e o desenvolvimento municipal são processos longos e complexos pelo que o grande desafio é garantir, no longo prazo, um esforço sustentado e um compromisso político com a descentralização tanto a nível nacional como a nível municipal. (2) Interligações urbano-rurais: O actual paradigma de desenvolvimento que orienta o esforço de Moçambique na redução da pobreza urbana assume que, se o problema for resolvido a nível da província, o fluxo migratório do mundo rural para o urbano diminuirá e os níveis da pobreza urbana melhorarão. No entanto, este ponto de vista deveria ser reanalisado à luz do facto que a urbanização está já a acontecer e que talvez não seja 168 possível, ou desejável, inverter o processo. As zonas urbanas geram uma elevada percentagem tanto do PIB como das receitas do Governo central, parte das quais são utilizadas para financiar programas de desenvolvimento rural. As zonas urbanas florescentes e dinâmicas podem assim ser uma condição para que haja programas de desenvolvimento rural eficazes. Os autarcas enfrentam um grande desafio, no sentido em que eles (e os orçamentos autárquicos) estão mal preparados para compreender e enfrentar os processos de urbanização rápida e as consequências de uma população mais concentrada, exigindo terra, serviços e empregos. E no entanto, há claras externalidades positivas para a economia no seu todo, para o governo central, para o sector privado e para os próprios pobres, que resultam de níveis de aglomeração mais elevados e da proximidade dos serviços. (3) Diversidade: A pobreza não é um fenómeno estático, uniforme ou homogéneo, mas antes uma manifestação alargada, diversificada e altamente complexa. O estudo concluiu que o perfil, a localização espacial e a natureza da pobreza revelam significativas variações quando nos deslocamos do núcleo cimentado do município (o núcleo urbano) para as franjas periurbanas e, por último, até às zonas rurais sob jurisdição territorial do município. Cada uma destas zonas municipais tem um padrão distinto de uso da terra e de direitos sobre a terra, que é determinado por regras que são formais, informais ou tradicionais; um desenho ou carácter urbano variável; e uma estrutura económica diferente, em que as estratégias de sustento vão desde a agricultura de subsistência, ao funcionalismo público ou a uma combinação de actividades económicas formais e informais. No entanto, as políticas e os programas de redução da pobreza concebidos a nível nacional, como um PRSP, não são facilmente operacionalizados no terreno nos centros urbanos, particularmente sendo o contexto urbano tão diversificado e muito mais complexo que o rural. Neste sentido, não se pode assumir a aplicação mecânica do enfoque e dos esforços adoptados pelo PARPA em todas as autarquias de Moçambique. Pelo contrário, é necessário deliberar sobre o melhor modo de facilitar a operacionalização de acções relacionadas com os pilares do PARPA II e as capacidades e jurisdição, técnicas e administrativas, que é necessário ter instaladas para este fim. 169 (4) Informalidade: A actividade informal que presentemente se verifica nas autarquias, deve ser reconhecida e adequadamente gerida. Pela sua natureza, a informalidade é extremamente difícil de quantificar em dados e, consequentemente, identificar a sua natureza exacta ou o papel que desempenha no modo de vida dos residentes urbanos e periurbanos pobres e dos trabalhadores, é uma tarefa difícil. No entanto, o discurso oficial, a nível municipal, rejeita as actividades informais porque são associadas a “desordem” e porque representam menos receitas para o município, cujas taxas de mercado são uma importante fonte de receita. Lidar com a informalidade é uma questão complexa, que requer mais dados e análise; no entanto, deve-se reconhecer que absorve também muitos trabalhadores e gera ligações ao sector formal, ao qual os comerciantes e negócios informais oferecem um escoamento barato e eficaz dos seus produtos ou fontes de serviços. Quaisquer políticas que procurem encarar estas questões deverão ter o cuidado de não penalizar ainda mais, tanto os trabalhadores informais como os comerciantes formais que deles dependem, limitando assim o seu potencial como amortecedor para absorver uma força de trabalho urbana em rápido crescimento. (5) Escassez de informação: Há uma necessidade urgente de compilar informação desagregada, relevante, actualizada e fiável, e conhecimentos para formular e implementar políticas mais eficazes e apropriadas ao nível municipal. Há uma excessiva dependência num conjunto de dados muito limitados, que oferecem apenas um “instantâneo” de alguns dos aspectos do desenvolvimento social, pondo de parte processos mais complexos de interacção social e imagens dos meios de vida dos pobres a nível urbano e periurbano. O papel das migrações, das remessas, e das interligações urbano-rurais no actual processo de urbanização de Moçambique, é uma área que requer urgentemente mais dados e análises, quantitativos e qualitativos. 5.4 Recomendações As recomendações específicas que resultam do estudo, no sentido de alcançar uma governação municipal eficaz e progressivamente evolutiva no interesse dos pobres, em Moçambique, podem ser agrupadas nas categorias a seguir referidas. Foi feito um esforço para identificar os níveis de governação a que dizem respeito; no entanto, em certos casos 170 há claramente sobreposições, pois poderiam ser assumidas pela ANAMM, pelo Governo central, doadores e autarquias. Acções Futuras a Nível Nacional (1) A criação de sinergias eficazes e sustentáveis entre a política distrital e municipal e os níveis de governação é da maior importância, se o Governo nacional deseja desenvolver progressivamente as lições aprendidas na última década de experiência autárquica. Nesse sentido paralelamente ao reforço da existência de dois sistemas concorrentes, que inevitavelmente rivalizam um com o outro quanto a jurisdição, poder político e os limitados recursos financeiros, o Governo central deve rever a sua estratégia de “pólos rurais de crescimento” e considerar atentamente o papel, posição e futuro do desenvolvimento municipal nesse quadro. Será também desejável que essa estratégia inclua uma dimensão urbana e periurbama, em que o desenvolvimento urbano seja visto como um complemento e apoio ao desenvolvimento rural. (2) Para que as autarquias possam desempenhar um papel central na redução da pobreza e da desigualdade, é essencial pensar em como as utilizar para esse fim (abrangendo não apenas os autarcas e autoridades, mas também os cidadãos locais e o sector privado). No presente, esse objectivo tem um cenário de que está ausente qualquer acção orientadora global para um plano de desenvolvimento nessas áreas. Nalguns dos municípios visitados foram observadas várias iniciativas locais, quer originadas pela liderança autárquica quer a nível das bases de organizações comunitárias. No entanto estas são iniciativas ad-hoc e dependem da liderança de determinados indivíduos. É essencial que os fazedores da política revejam o PARPA II e quaisquer esforços futuros para a redução da pobreza, e ponderem cuidadosamente como esses esforços serão operacionalizados a nível municipal; e, a partir de aí, considerar as questões da governação participativa, utilizando ferramentas de orçamentação participativa, combatendo a corrupção e o clientelismo, uma vez que estes são problemas sobre os quais a maioria dos inquiridos se pronunciou com veemência no que respeita ao acesso ao emprego e à educação; e, por fim, procurando formas de ultrapassar os riscos criados pelas rivalidades políticas nos diferentes níveis de governação (central-distrital-local). Um planeamento participativo 171 em que intervenham múltiplos interessados é um ponto de partida interessante e que poderia ser de utilidade no caso de Moçambique. (3) Reforçar e utilizar as interligações: em termos de investimento dos recursos, é necessário perseverar na criação de infra-estruturas, uma vez que, em termos económicos, acarretam duplo benefício: traduzem-se em emprego para um maior número de pessoas e simultaneamente oferecem a residentes, tanto urbanos como rurais, acesso aos mercados. Seria igualmente desejável conhecer melhor o papel (interno e internacional) que as remessas desempenham no desenvolvimento urbano. (4) Uma outra dimensão que vale a pena explorar, tem a ver com o potencial da agricultura urbana para apoiar e/ou melhorar os meios de vida das pessoas nos municípios, de um ponto de vista de subsistência ou produtivo, particularmente à luz das suas implicações para uma claramente identificada relação entre género/trabalho não- qualificado, que prevalece no sector agrícola do país. Informações comparativas animadoras, recebidas de outras cidades africanas, chocam com a atitude predominantemente negativa encontrada em Moçambique em relação à agricultura urbana, contradizendo a evidência de esta constituir uma prática largamente disseminada por todos os municípios visitados, incluindo Maputo. (5) Dada a elevada participação da força de trabalho na agricultura e a probabilidade de que esta continue a ser uma componente importante do modo de vida de residentes urbanos e periurbanos num previsível futuro, tanto a política nacional de desenvolvimento como os doadores internacionais deveriam encorajar a implantação de empresas de agroprocessamento próximas de centros urbanos. Há aqui um potencial de fontes directas de rendimento para pessoas empregadas (ver o caso da criação de galinhas em Nampula no relatório integral), como também um sistema bem-sucedido de fornecimento exterior pode significar um meio de subsistência sustentável para os pequenos lavradores (para além dos benefícios, nutritivos e em divisas, de consumir frangos produzidos localmente em vez da importação de congelados). Deveriam incluir- se aqui outras iniciativas, uma das quais foi referida por um entrevistado do sector 172 privado, que envolviam actividades de agroprocessamento de média escala (p.ex: fábricas e outras unidades de processamento) dentro e em torno das cidades. Acções Futuras a Nível Municipal (1) As autarquias podem ter um papel importante na articulação de capital social local em processos de desenvolvimento. Programas de apoio a empresários locais poderiam ser implementados pelas autarquias em associação com o Governo nacional, em parceria com ONG, e com o sector privado. As autarquias necessitariam de um reforço da sua capacidade institucional assim como de transferência de fundos, assumindo os doadores um papel central. A experiência brasileira do SEBRAE (um serviço nacional de apoio a micro e médias empresas), pode servir de exemplo a estudar. (2) Uma última área em que as autarquias podem desempenhar um papel importante na agenda da pobreza, é promovendo mais mecanismos participativos envolvendo os cidadãos nas actividades correntes do governo. Esse envolvimento pode assumir várias formas, desde consultas e reuniões de bairro a sistemas mais formais de governação participativa, com mais fóruns permanentes de consulta. Moçambique tem já algumas experiências nesta área (p.ex: Donde e Maputo) mas há um vasto número de experiências que as autoridades locais podem ensaiar no sentido de dar poder decisório aos seus cidadãos para que desempenham um papel mais substantivo na gestão e na governação dos seus municípios. Notas Finais 1 Para cada uma das variáveis foi calculado um índice composto que procura mostrar a incidência da variável a nível municipal. Cada índice é obtido dos dados disponíveis e não corresponde necessariamente ao ano do IAF. Educação: cobertura escolar per capita, por nível; Saúde: cobertura per capita de unidades de saúde, por nível; Habitação: qualidade dos materiais de construção; Água: cobertura de áreas residenciais e qualidade da água; Comerciantes: percentagem da mão-de-obra que trabalha como comerciante; Assalariados: percentagem da mão-de-obra assalariada, segundo os dados do Censo 1997. Embora não existam dados confiáveis, as estimativas preliminares não apontam uma correlação clara entre a pobreza e estas variáveis. 173 2 Foi também identificado um caso de agricultura colectiva apoiada pela autarquia em Nampula. 3 As mulheres têm grande participação na venda de legumes e outros produtos alimentares na economia informal; ver Fox et al., 2008. 4 Os Observatórios de Pobreza são estruturas criadas por organizações da sociedade civil para monitorizar acções do PARPA. 5 Entrevista com Lourenço Agostinho João, líder do bairro Pecém/Akitima. 6 Em Nampula há o caso de um projecto imobiliário claramente direccionado para famílias de rendimento médio em que a autarquia entrou em parceria com um empresário privado; neste caso o agente imobiliário lidera o processo e a autarquia contribui com o terreno. 7 Na Manhiça o município tenta persuadir os residentes a construirem latrinas e enterrarem os resíduos sólidos domésticos. No Dondo, o município tem um programa de educação ambiental, numa tentativa de reduzir problemas de saúde relacionados com saneamento deficiente ou inexistente. Em Manica, o município construiu sanitários públicos e latrinas melhoradas. Na Ilha, o governo do distrito construiu recentemente sanitários públicos, embora a sua manutenção tenha ficado a cargo dos escassos recursos da autarquia. 8 Entrevista com Joseph Jakes, director da Associação de Hotelaria e Turismo da província de Inhambane. 9 Entrevistacom Jerônimo Alberto Cessito, pastor da Igreja Baptista do Dondo. 174 Capítulo 6. Gestão dos Solos Urbanos 6.1 Introdução Em Moçambique, uma grande parte da responsabilidade pelo planeamento urbano cabe aos municípios. O objectivo deste estudo é examinar o modo como as autarquias têm lidado com a gestão do terreno urbano e, até certo ponto, com as questões da habitação social, nos primeiros 10 anos da sua existência. O estudo fez uma rápida análise da crescente literatura que existe já em Moçambique sobre estes temas; realizou entrevistas com fontes sólidas de informação durante uma missão de duas semanas em Moçambique e efectuou uma visita de campo aos municípios do Dondo e Beira, na Província de Sofala. Os objectivos específicos do estudo são:  diagnosticar as actuais condições e as experiências feitas até à data em questões de solos urbanos, habitação e construção, a nível dos municípios  examinar como os pobres urbanos acedem à terra, para habitação e para actividades económicas  identificar estrangulamentos no acesso a terras  examinar políticas e a implementação de políticas relacionadas com estas questões  identificar exemplos de bons projectos e serviços  identificar modelos de gestão melhorada de terrenos e de apoio a habitação social  examinar a forma como responsabilidades nesta área têm sido transferidas para os municípios  examinar como têm sido desenvolvidas as capacidades para lidar com estas responsabilidades. 6.2 Principais Conclusões A Gestão do Solo Urbano e a Informalidade Os municípios moçambicanos compreendem duas áreas. Por um lado há uma área formal, construída originalmente para os colonizadores e dotada de infra-estruturas e serviços. Estas áreas estão cartografadas e cadastradas, embora possa haver desactualização. Por 175 outro lado, há uma parte informal, onde vive cerca de 75 por cento da população urbana e que não foi urbanizada de acordo com um plano. Desde 1975, a população tem crescido mais rapidamente em áreas de ocupação informal, não planeada, que nas zonas formais e urbanizadas. Forjaz (2006) estima que há cerca de 1.500.000 famílias urbanas e que destas 1.000.000 vivem em zonas informais. Calcula também que o crescimento da população urbana em um ano (2007) será de cerca de 51.350 famílias, das quais 36.750 estarão instaladas em áreas informais. Para os residentes das áreas urbanas informais, os principais problemas são as dificuldades de acesso a água, energia e saneamento básico, esgotos deficientes, falta de segurança e dificuldade de acesso dos seus lares para o emprego ou serviços. Sofrem também com a insegurança quanto à legitimidade dos seus direitos de ocupação da terra e da construção onde vivem. Os estratos sociais mais abastados, que vivem geralmente em áreas de habitação formal, sentem o problema da habitação em termos de sobrelotação, casas que não correspondem às suas expectativas sociais ou dos elevados custos da habitação em relação ao seu rendimento. Visualmente, a diferença entre o formal e o informal é muito clara. No entanto, nenhum dos termos usados para descrever as duas áreas distintas dos municípios moçambicanos corresponde estritamente à realidade. As “áreas formais, urbanizadas” das cidades têm realmente um plano, mas podem não se ter desenvolvido estritamente de acordo com esse plano e alguns dos edifícios podem não estar legalizados. Os nomes utilizados para as “áreas informais, não planificadas” (caniço, precárias, ilegais, espontâneas, periféricas, suburbanas, irregulares), podem também não ser rigorosamente apropriados. Em Maputo há hoje poucas casas de caniço, e por todo o país muitas das casas nestas zonas são agora construídas com materiais duráveis. Algumas partes destas áreas podem não ser totalmente ilegais e podem ter tido tido algumas intervenções de urbanização. Podem não ser periféricas nem totalmente espontâneas. Formal e informal são os termos que utilizaremos aqui pois são os mais generalizadamente usados em Moçambique, ainda que com as reservas acima mencionadas (Bhikha e Bruschi, 1999b; Carrilho, Di Nicola e Lage, 2005). 176 A verdadeira diferença entre as áreas formal e informal de um município moçambicano é que as áreas formais estão interligadas economicamente à economia moderna, globalizante, e procuram funcionar de acordo com as regras e padrões da economia global, enquanto as áreas informais têm regras e padrões diferentes. As áreas formais são obrigadas a procurar seguir as regras e padrões das cidades europeias ou norte- americanas, uma vez que têm que concorrer com outras cidades do mundo e a maioria dos seus residentes têm empregos formais. As regras e padrões das áreas informais podem incluir regras costumeiras, regras modernas e várias combinações, que estão em constante evolução à medida que evoluem também as interligações dos seus próprios habitantes com a cidade formal, fazendo assim evoluir a moderna economia. A maioria das famílias ganha a vida graças à agricultura de subsistência (fora ou nos arredores da municipalidade) e através de actividades informais, particularmente no pequeno comércio e serviços. A maioria dos municípios e vilas de Moçambique têm fortes características rurais, com grandes áreas de terreno agrícola dentro das áreas da sua jurisdição e, de acordo com o censo de 1997, mais de metade da população urbana economicamente activa trabalha no sector agrícola. Tem havido em Moçambique uma tendência para ignorar as questões do planeamento nos povoados informais, por que eles não funcionam de acordo com regras e padrões pré- concebidos. Tem também havido uma tendência para gastar consideráveis verbas com consultores externos, para criarem planos mestres municipais a longo-prazo que procuram visualizar que aspecto terão os municípios daqui a 10 ou 20 anos, os quais têm pouca probabilidade de serem efectivados dada a escala de transformação que implicariam. No entanto, e simultaneamente, são frequentemente tomadas decisões que contrariam estes planos em áreas importantes e parece haver uma falta de capacidade, ou de vontade, para implementar uma “disciplina espacial”. Os consultores testemunharam, na Beira, um caso em que novas áreas para urbanização estavam a ser destinadas, pelo município, numa zona pantanosa bem longe do corredor que tinha sido definido para urbanização. Os entrevistados mencionaram outros casos em que os planos mestres tinham sido alterados para favorecer urbanizações ad-hoc, em vez de se cingirem à disciplina do plano. Seria mais adequado ter planos de estrutura simplificados, indicando 177 claramente as limitações ambientais e sociais à urbanização nas diversas áreas do município, a utilização preferencial em cada área e as prioridades de urbanização. Nesses termos, seria mais fácil fazê-las entender e cumprir. Regras de Acesso à Terra e sua Utilização Regras Formais de Acesso à Terra e sua Utilização Sistema de uso da terra, é a totalidade de normas, regras e direitos legais, escritos ou não, que determinam a forma como as pessoas têm acesso à terra, o modo como a terra é utilizada, o modo como os produtos dessa terra são utilizados e a maneira como os direitos a usar e ocupar a terra são transmitidos (Negrão, 2004). As regras escritas do acesso à terra em Moçambique foram definidas pela Lei de Terras de 1997 (19/97), que foi promulgada após extensa consulta popular. A promulgação desta lei foi rapidamente seguida por uma Regulamentação para as áreas rurais. Em conjunto, estabeleciam o direito ao uso da terra através de ocupação, de acordo as normas e práticas costumeiras (desde que não estivessem em contradição com a constituição). Fez-se aqui uma acentuada ruptura com a anterior prática moçambicana, pois Moçambique nunca tinha codificado as leis e práticas costumeiras (Negrão, 2000). O resultado é uma lei que legitima práticas já seguidas pela vasta maioria da população, dando ao mesmo tempo condições de segurança para novos investimentos privados em zonas rurais. No entanto, o cadastro das terras tem sido muito lento e os ministros parecem mais interessados em agilizar o acesso de investidores privados a terrenos agrícolas do que em registar os terrenos das comunidades. (Hanlon, 2002). Isto demonstra como a promulgação de leis e instrumentos legais é apenas a primeira parte de uma transformação complexa. Casos de estudo em Moçambique e no Quénia mostram que a legislação e os regulamentos podem ser modificados, reinterpretados ou simplesmente ignorados quando se trata de implementação, quando as relações de poder a nível local se tornam críticas (Kanji, Braga e Mitullah, 2002). É só quando um novo pacote legal é realmente implementado que emergem os interesses específicos como, neste caso, uma visão de desenvolvimento através de investimento privado, muitas vezes estrangeiro, em vez da transformação da agricultura de pequena-escala. Mudar ideias profundamente enraizadas é um desafio extremamente complexo (Tanner, 2002). 178 Lei de Solos Urbanos Não foram aprovados regulamentos para a gestão e administração de solos urbanos desde a anterior (1997) Lei de Terras. No entanto, após a promulgação da Lei de Terras de 1997 foi acordado, em 1998, que era necessária uma Regulamentação específica para o Uso de Solos Urbanos e foi formado um Grupo de Trabalho. Este Grupo de Trabalho reuniu 14 vezes entre Março e Junho 1999 e produziu uma proposta de Regulamento para discussão pública em finais de Julho 1999. Comentários escritos sobre esse documento foram publicados em Outubro 1999. A partir de então, o processo de desenvolvimento do Regulamento do Solo Urbano foi muito menos aberto e transparente que o processo de elaboração da própria Lei de Terras 1997 e a sua regulamentação rural. Nunca houve, num contexto urbano, uma discussão alargada sobre a terra e, até ter sido promulgada a Lei de Terras de 1997, nunca tinham sido seriamente consideradas as suas implicações na ocupação de terras urbanas em áreas informais. O Regulamento do Solo Urbano foi publicado em fins de 2006, quase 10 anos após a Lei de 1997 e é portanto muito recente. O Regulamento foi desenvolvido sob um ponto de vista técnico, que apenas reconhece áreas com um plano de urbanização e requer a intervenção de um estudo e planeamento formais para que sejam reconhecidos direitos de ocupação. Põe de lado o ponto de vista jurídico de que o Estado tem de implementar a Lei de 1997 tal como ela se apresenta e tem de encontrar mecanismos para reconhecer os direitos de ocupação consagrados na Lei. Alguns dos entrevistados para este estudo afirmaram que a legalidade do Regulamento é questionável, pois contradiz a Lei de Terras de 1997 em diversos pontos. Na generalidade, as áreas povoadas informalmente nunca tiveram um conjunto de regras escritas sobre o acesso à terra e o novo Regulamento aparentemente não muda a situação. A legislação moçambicana evoluiu até ao ponto em que os direitos costumeiros e a ocupação de-boa-fé são reconhecidos ao final de dez anos, mas não ao ponto de esclarecer como isto se aplica à cidade informal e como atribuir títulos às pessoas (Bhikha e Bruschi, 1999b). O novo Regulamento Urbano não presta muita atenção (e evita legitimizar) as práticas em zonas urbanas informais e parece assumir que a terra, em áreas informais, será regulada pelos mesmos processos utilizados nas áreas formais de vilas e cidades. 179 A Realidade do Acesso Informal a Terras A maioria das pesquisas indica que o registo não é acessível a grupos de baixo rendimento, devido à falta de informação e custos elevados, muitos dos quais são ilegais. O processo formal de obtenção de terra corresponde apenas a uma pequena proporção dos lotes de terra ocupados, porque o processo formal é muito complexo e dispendioso. Entretanto, as elites e os empresários têm os conhecimentos, tempo e recursos para registarem terras em áreas formais e também, cada vez mais, em áreas informais (IIED, 2005b).1 É que mesmo em áreas formais, há muito de informalidade. Assim, como os dados de Jenkins (2002) no quadro 6.2 demonstram, três-quartos dos lotes de terrenos urbanos são conseguidos por meios que podem ser classificados como informais. A provisão e atribuição de lotes teve o seu período mais elevado entre 1975–1985, embora sempre a um nível inferior à procura. A partir de 1985 não houve quase provisão de lotes até recentemente, quando o Fundo de Fomento de Habitação (FFH) iniciou a provisão de lotes em muito pequena escala. Cerca de 18.000 lotes foram atribuídos em Maputo desde a Independência, mas entre 1980 e 1997 a população da cidade cresceu de 550.000 para quase 960.000 habitantes (4,4 por cento ao ano). O número de agregados familiares cresceu de cerca de 117.000 para 178.000 (3,1 por cento ao ano) porque a média de residentes por agregado familiar aumentou de 4,7 para 5,4. A provisão de 18.000 lotes neste período representa assim apenas 30% do crescimento potencial de procura de 61.000 novos agregados (e 20% da procura se a dimensão dos agregados se tivesse mantido igual). Estudos recentes indicam que a atribuição de terras pelo Estado ocorre apenas em algumas poucas e limitadas áreas de expansão urbana ou em resposta a situações de emergência (bairros como Magoanine “C” em Maputo, criados para alojar as vítimas das inundações de 2000), embora este seja o único mecanismo formal de atribuição de terrenos em áreas urbanas (IIED, 2005a e Negrão, 2004). Há também controvérsia quanto ao tamanho ideal dos lotes, quando são traçados novos lotes ou quando os antigos são demarcados de novo. Forjaz calcula que a presente densidade populacional nas áreas informais é de cerca de 100 habitantes (ou 20 famílias) por hectare, o que significa um lote com cerca de 250 metros quadrados. Forjaz considera que esta é uma densidade baixa de população urbana. Os custos do fornecimento de 180 serviços são mais elevados quando a densidade é mais baixa e maior o tamanho do lote: estradas, canalizações, esgotos e linhas de electricidade terão uma maior dimensão para servir o mesmo número de pessoas. A distância a caminhar até uma fonte pública será maior. Será maior a distância até ao centro da cidade pelo que os custos de transporte serão mais elevados. Pode-se atenuar o efeito criando lotes com uma frente mais reduzida (por exemplo frentes de 10 metros e 25 metros de profundidade) o que reduzirá alguns dos custos dos serviços; no entanto isto não aumentará a densidade global pelo que não reduz todos os custos. Outros comentadores são de opinião que os lotes deveriam ser maiores, de modo a permitir actividades económicas informais no próprio lote.2 O acesso a terrenos em áreas informais é assim conseguido, geralmente, através de mecanismos informais, como a atribuição não oficial por elementos locais da administração autárquica, herança, cessão entre famílias, troca ou até mesmo venda. A ocupação pura e simples e a atribuição costumeira de terras são frequentes nos municípios mais pequenos, enquanto nas áreas suburbanas e nas cinturas verdes em torno dos principais centros urbanos como Maputo e Matola (ver quadros 6.1 e 6.2), o mercado da terra é importante, com elevados níveis de especulação e níveis de preços informais pela aquisição de terrenos (embora a terra pertença ao Estado) (IIED, 2005b). Há uma tendência de afastamento dos mecanismos costumeiros e da simples ocupação da terra, recorrendo em substituição aosmecanismos de mercado. Os mercados ilegais de terras florescem onde quer que a terra justifique o preço (Negrão, 2004), ao longo de estradas e de linhas de caminho de ferro e onde existam outras infra-estruturas económicas e sociais básicas (IIED, 2005a). Quadro 6.1 Acesso a Terrenos em Quatro Bairros de Maputo 3 de Fevereiro Polana Caniço Mavalane Mafalala % % % % Compra 32 43 71 28 Aluguer 2 2 9 39 Herança 9 16 14 17 Município 48 1 1 1 Administração 8 37 6 17 Total 100 100 100 100 Fonte: Assulai, 2001 181 Quadro 6.2 Acesso a Terrenos em Maputo e Matola Quatro bairros de Maputo e Matola % Formal através do Conselho Municipal de 16 Maputo Formal através do realojamento 7 Informal através do Conselho Municipal de 2 Maputo Informal através da administração local 22 Informal compra 29 Informal cessão 11 Informal aluguer 2 Informal pré-independência 11 Total 100 Fonte: Jenkins, 2002 O mercado não é um fenómeno só de áreas formalmente urbanizadas: é tão importante, ou mais, em zonas periurbanas e nas Zonas Verdes, que nas zonas urbanas, como se pode ver dos dados de Negrão (2004) no quadro 6.3. A generalidade do mercado de solos urbanos não é um mercado organizado com um ponto focal de compra e venda, mas um agregado de numerosas transacções que envolvem muitos tipos diferentes de lotes de terreno e construções (Negrão, 2004). O mercado não é regulado, não existe nele a livre concorrência e encoraja a especulação pois a determinação da Lei de Terras que exige o cumprimento de prazos para o plano de investimento em terrenos registados é desrespeitada (IIED, 2005a). Quadro 6.3 Acesso a Terrenos no Moçambique Urbano Urbano Periurbano Zonas verdes Total % % % % Costumeiro 15 18 28 19 Estado 20 10 15 13 Mercado 60 65 50 62 Ocupação 6 5 9 6 100 100 100 100 Fonte: Negrão, 2004 182 Municípios e Planeamento A Lei das Finanças Autárquicas (Lei 11/97) dá às autarquias o poder de elaborar e aprovar planos detalhados de utilização de terrenos, programas de desenvolvimento urbano e esquemas de urbanização, em colaboração com entidades apropriadas do Governo central. A aprovação desses planos está sujeita a ratificação pelo Governo. As autarquias podem também cobrar taxas sobre solos urbanos e edifícios, incluindo terrenos não utilizados mas provisoriamente atribuídos. As autarquias são actores principais na redução da pobreza urbana e têm a possibilidade de melhorar a segurança dos títulos de posse e de usar a gestão dos solos urbanos para melhorar as condições dos povoados informais. O desenvolvimento de planos mestres e planos estruturais tem sido demorado e caro e na generalidade não tem sido utilizado para a tomada de decisões estratégicas. Tem havido uma tendência para os departamentos autárquicos de construção e urbanismo produzirem planos estruturais muito ambiciosos, ou planos mestres que não passam de sonhos, e depois fazerem planos detalhados para esquemas de enclaves muito pequenos, o que significa que os problemas mais prementes estão a ser ignorados (Muchanga, 2001). Isto deve-se a uma falta de vontade política e de compreensão dos objectivos do planeamento estrutural. Os planos não têm um estatuto legal, pelo que pode ser difícil impor o seu cumprimento. A capacidade existente para impor e fiscalizar a aplicação é fraca. Há falta de orientação para pôr os planos em prática e uma falta de compreensão para uma abordagem flexível e faseada à implementação, adaptando-a aos diversos problemas e necessidades dos aglomerados urbanos. Os planos tecnicamente sofisticados têm deparado com uma falta de compreensão e de adesão por parte do governo local, das comunidades urbanas locais e de outros interessados, devido à falta de participação, à informação inadequada e à escassez de fundos para a implementação dos planos (Allen and Johnsen, 2006). Assim, na maioria dos casos, a gestão dos solos urbanos ainda não teve grande impacto nos problemas de acesso a água, electricidade e saneamento básico, deficiente drenagem, falta de segurança e na incerteza quanto aos direitos de posse. 183 Inovações e Projectos-piloto Historial de Projectos-piloto Antes da criação dos municípios, havia já alguns exemplos de abordagens inovadoras e simplificadas de gestão dos solos urbanos. O Projecto Maxaquene, em Maputo, logo a seguir à Independência e o projecto de apoio a longo prazo a Nacala, são dois exemplos. Nos últimos dez anos tem havido vários projectos-piloto, quase sempre em municípios, que se debruçam sobre problemas ambientais, desenvolvem sistemas de cadastros simples e que incluem a participação e consulta a nível local, que abrem oportunidades para melhor acesso aos serviços e maior segurança na posse da terra (ver quadro 6.4). Um projecto-piloto importante foi o Bairro Josina Machel em Manica (PRODER/GTZ). Esta experiência foi depois replicada no Bairro Mafarinha no Dondo e em Marromeu (Cooperação Austríaca para o Desenvolvimento) e está agora a ser aplicado nos programas Cities Alliance, Cities Without Slums, um programa conjunto austríaco, suíço e dinamarquês, no norte e centro de Moçambique (implementação ainda não iniciada) e PROGOV/USAID. Embora algumas das nossas principais fontes de informação dissessem que estes projectos são agoras prática comum, eles são ainda muito localizados e restringem-se a bairros específicos em algumas municipalidades. O ritmo de implementação decresce quando terminam os projectos apoiados pela ajuda o que indica uma falta de confiança das autarquias para continuarem por si sós, e a requalificação só lentamente tem conduzido a melhores serviços e depois a receitas para as autarquias , resultantes de impostos prediais ou taxas de serviços. Características dos Projectos-pilotos Estes projectos-piloto de “requalificação” e “reordenamento” participativos centram-se em melhoramentos de bairros informais, que tenham o menos possível de impactos negativos para os residentes e sem obrigar ao seu afastamento. São características importantes: o processo transparente de tomada de decisões envolvendo as partes interessadas, a rapidez em comparação com os habituais procedimentos para a utilização de terrenos, o baixo custo e a maximização do uso de conhecimentos locais e de motivação da comunidade. Incluem exercícios participativos de planeamento, utilizando um mapa da 184 área feito a partir de fotografias aéreas e imagens de satélite.3 O mapa é utilizado como ponto de partida para discussão de questões de importância crítica, como alagamento ou ausência de serviços. Seguidamente são considerados pontos como a utilização da terra e planos de redução de vulnerabilidade, que são o tema de uma segunda ronda de consultas locais, que por sua vez levam a intervenções de implementação, com o máximo possível de participação da comunidade residente. Os projectos-piloto Cities’ Alliance e Cities Without Slums4 prestam grande atenção à protecção do ambiente e à redução da vulnerabilidade a inundações e a outros riscos ambientais. Outros projectos-pilotos adoptam um sistema preliminar simples de cadastros, desenvolvidos a partir de fotografias aéreas e imagens de satélite, marcando os lotes e assinalando os títulos provisórios. Um cadastro predial pode melhorar a segurança de possa daterra e eventualmente vir a ser uma base de sustentabilidade financeira do município, criando uma base de tributação. Os projectos-piloto procuram fazer compreender melhor as necessidas dos variados interessados a nível local, maximizar o recurso aos conhecimentos locais e melhorar o sentido de pertença dos intervenientes locais. São orientados para a acção concreta, identificando e prioritizando acções e implementando-as. Interligam o planeamento directamente com a intervenção, para a qual têm fundos disponíveis. Este exercício constitui um treino prático para presidentes dos CM, membros da Assembleia e pessoal autárquico, no modo como se faz o planeamento e a implementação e as ligações entre as fases. Simplicam a forma de alcançar os objectivos essenciais do planeamento. São flexíveis e faseados de modo a corresponderem às diferentes necessidades de diferentes autarquias, por exemplo, conforme a dimensão ou condições ambientais e tendo em atenção planos já existentes. Transparência, responsabilização e resolução de conflitos são elementos chave destes projectos-piloto e são mais importantes que rótulos. Procuram também consolidar as instituições locais responsáveis pela gestão das terras. Evitam opções dispendiosas, de alta tecnologia, para efeitos dos registos prediais, que poderiam constituir barreiras ao acesso dos grupos mais pobres e que só são relevantes quando há necessidade de uma grande exactidão dos limites. A rápida evolução da tecnologia e custos mais baixos permitem fazer levantamentos topográficos e registos (IIED,2005b) a preços mais acessíveis. Geralmente utilizam universitários recém-formados, que trabalham nas 185 autarquias com contratos de um ano nas autarquias graças a financiamento estrangeiro. Têm ligações com uma equipa da Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico Eduardo Mondlane (UEM), altamente qualificada e com grande mobilidade a nível nacional. Dedicam-se a resolver questões de pequena escala mas importância chave do planeamento urbano como por exemplo:  sistemas cadastrais, o desenvolvimento de sistemas de registos e mapas  administração da terra, o processo administrativo da emissão de títulos e manutenção de registos cadastrais  gestão da terra, definição do uso apropriado da terra e o controlo da sua utilização segundo essas definições  viabilizar a construção de habitação adequada através de projectos para os novos lotes Quadro 6.4 Projectos Inovadores a Partir de 2000 Doador ou promotor Metodologia Autarquia Bairro, área Cities Alliance/UN- Plano de uso da terra rápido e Maputo DM2, Bairro Habitat simplificado, participativo, Malanga urbano, (a nível de bairro) Chókwè 3’ Bairro integrando componente Quelimane 4’ Bairro, unidades ambiental e plano de acção Manhaua A e B e Tete Bairro Mateus Plano de contingência para Sansão Mutemba; inundações e implementação Josina Machel; de acções prioritárias em Francisco povoações informais Manyanga Cities without Plano de uso da terra rápido e Maputo Bairro Maxaquene Slums/UN-Habitat simplificado, participativo, Nacala Bairro Mocone urbano, (a nível de bairro), Manica Bairro Josina cadastro e sistema Machel simplificado de cadastro para povoações informais PRODER/GTZ Plano de uso da terra rápido e Manica Bairro Josina simplificado, participativo, Machel urbano, (a nível de bairro), cadastro e sistema simplificado de cadastro para povoações informais 7 Cidades/DANIDA Orientações para planos Quelimane municipais de gestão Mocuba ambiental Ilha de Moçambique Orientações para planos de Pemba estrutura integrando Montepuez consultas Nampula (desde 2005) Nacala (desde 2005) 186 Doador ou promotor Metodologia Autarquia Bairro, área PADM/ Cooperação Plano de uso da terra rápido e Dondo Bairro Mafarinha Austríaca para o simplificado, participativo, Marromeu Bairro 1 de Maio Desenvolvimento plano de acção, cadastro e Bairro 7 de Abril sistema simplificado de cadastro PADEM/Agência Suiça Planeamento económico Mocímboa da Praia para o Desenvolvimento participativo Montepuez e Cooperação Ilha de Moçambique Cuamba Metangula PROGROV/USAID Nacala Monapo Gurué Chimoio Vilanculos 13 cidades, A partir de 2008 DANIDA, Cooperação Austríaca para o Desen- volvimento, Agência Suiça para o Desenvol- vimento e Cooperação Fonte: Adaptado de Allen e Johnsen 2006. 6.3 Principais Desafios Necessidades de Habitação Os problemas urbanos das cidades de Moçambique são importantes mas não ainda ingovernáveis. Forjaz (2006) calcula que, apenas para dar resposta ao aumento anual de população urbana, seriam necessários USD 185 milhões por ano para infra-estruturas e USD 835 milhões para habitações. Como Forjaz refere, o Estado moçambicano não tem recursos a esta escala: não vai poder resolver directamente o problema da habitação urbana, técnica ou financeiramente, pelo que terá de viabilizar e orientar actividades privadas e municipais. A única instituição do Estado que fornece habitação é o FFH, mas o seu contributo para aumentar o património habitacional de Moçambique é tão reduzido (172 casas construídas no último ano — ver caixa 6.1) que não faz mais do que dar a ilusão de que o Estado está a tratar da habitação. O benefício vai apenas para um pequeno número de clientes de rendimento médio e funcionários do governo que têm empregos com salário e podem comportar este nível de pagamentos (embora a taxa de incumprimento seja elevada). 187 Caixa 6.1 Fundo de Fomento de Habitação (FFH) Há duas instituições moçambicanas que se dedicam à habitação. São elas a Direcção Nacional de Habitação (que trata da política da habitação) e o FFH (que investe na construção de habitação). O FFH foi criado em 1975 e até finais da década de 80 administrou directamente os seus programas, principalmente dirigidos a promover a “auto construção”, ou seja a habitação própria. Mas verificou-se que o programa resultava em baixos padrões de habitação, pois o FFH tinha pouco controlo sobre a qualidade. Na década de 90 o FFH adoptou uma política de administração indirecta: empreiteiros aprovados eram contratados para construírem as casas. A partir de 2000 e em linha com as políticas de descentralização prevalecentes, o FFH tem recorrido às autarquias e Distritos como intermediários. O financiamento é actualmente canalizado através de terceiros, como as administrações autárquicas e distritais, que por seu turno fazem contratos com clientes individuais, empresas de construção ou promotores comerciais de imobiliário. Sendo embora um programa nacional, o FFH não está actualmente presente em todas as províncias. O FFH é um fundo de habitação social e dirigido a famílias jovens e funcionários públicos, com empréstimos de baixo custo. 50% do Fundo provêm do parque habitacional do Estado sob a forma de receitas da venda ou privatização de património do Governo e de alugueres. O FFH tem por objectivo obter retorno do investimento sobretudo através de dois produtos. O primeiro é o crédito à habitação, estimado em cerca de USD 30.000. O segundo é o crédito para urbanização dos lotes calculado entre USD 400 e USD 1.000 por lote. O pagamento dos empréstimos é geralmente feito através de um débito directo aos salários dos clientes ao longo de um período de 12 meses, com um tecto máximo de 33% do salário mensal. A taxa de pagamento dos empréstimos é de cerca de 70% (o que implica um défice de 30%). Os juros subsidiados são de apenas 12%, em comparação com o juro hipotecário do mercado comercial que é de 25% ao ano. O FFH tem realizado alguns projectos de carácter social para grupos vulneráveis, como o crédito para melhoramentos a famílias rurais em Cabo Delgado, variando entre 10. 000 e 25. 000 MT. Um outro projecto especial, para pessoas portadoras de deficiência, concedeu empréstimos para comprar máquinas de fazer tijolo, para apoiar a auto-construção de casas. O empréstimo tinha um período de carência de 5 anos. No último ano fiscal de que há dados disponíveis, 2006-2007, o FFH teve uma dotação de 500.000.000 MT do orçamento do Estado (USD 20.000.000) mas só 140.000.000 MT (5,6 milhões de dólares) foram efectivamente disponibilizados. Com estes fundos, foram construídas apenas 172 casas e foram distribuídos cerca de 5.000 lotes para construção. A distribuição dos projectos foi a seguinte: Habitação e Lotes Concedidos pelo FFH no Ano Fiscal 2006-07 Província Casas Lotes Maputo 100 1050 Gaza 5 400 Inhambane 20 na Sofala 12 500 Manica 10 400 Tete 5 na Nampula 20 600 Niassa na 400 Cabo Delgado na 400 Zambézia na 400 Outros na 850 Total 172 5000 Fonte: Entrevista com o responsável pelo FFH e alguma informação escrita recebida antes da entrevista. 188 Informalidade O planeamento urbano em Moçambique tem de ter em consideração que em países como Moçambique há sempre duas áreas diferentes em cada cidade, cada qual com o seu conjunto próprio de regras. Será necessário desenvolver diferentes pacotes de regras e padrões para o planeamento urbano das duas áreas dos municípios moçambicanos, os quais terão de ser adaptados à realidade local. É necessário um tipo de urbanização que tenha em consideração a limitada capacidade de planeamento urbano, que ajude a aumentar as capacidades do planeamento urbano e que contemple os problemas mais prementes (como os constrangimentos ambientais e as pressões exercidas pelo novo desenvolvimento económico). A primeira prioridade é garantir que as autarquias tenham a capacidade para manter registos de utilização da terra e de ocupações, para registar as decisões tomadas sobre a ocupação com utilização de terra na altura em que são tomadas (por exemplo em planos de estrutura) e para monitorizar a implementação dessas decisões. É necessário identificar com precisão quais as áreas que devem ser mantidas como domínio público para habitação económica, no futuro, e as áreas que não podem ser, de modo algum, urbanizadas (Bhikha and Bruschi, 1999b), o que implica planos de estrutura simplificados mais do que planos mestres. O planeamento deve também requerer a gestão de problemas ambientais prementes e a gestão de riscos e oportunidades que surgem a partir de novos investimentos económicos (como as areias pesadas de Chibuto, e o potencial desenvolvimento do turismo e do bio-combustível por todo o país). O Governo não terá possibilidade de ajudar directamente as pessoas em matéria de habitação, nem mesmo de fornecer lotes para construção numa escala significativa. A única solução para o problema da habitação nesses municípios é um processo de planeamento da cidade informal que estimule a iniciativa dos seus habitants. As pessoas só investirão na sua casa e em actividades económicas na sua parcela de terreno, se sentirem alguma segurança (Bhikha and Bruschi, 1999b). As casas nos aglomerados informais são quase sempre auto-construídas. Os custos de construção podem ser um óbice. No sul, a construção é cada vez mais de tijolo e cimento e não em caniço (que se está a tornar inacessível) mas os custos dos materiais formais de construção são elevados. Para o contornar, as casas são muitas vezes auto-construídas por fases. Em algumas autarquias, onde os materiais tradicionais de construção ainda são utilizados, o acesso a 189 esses materiais está a tornar-se cada vez mais difícil, à medida que os municípios crescem. Acesso à Terra em Áreas Urbanas Informais Nos municípios moçambicanos, há uma série de condicionantes que resultam das regras de uso informal da terra. É difícil levar os serviços a estas zonas, uma vez que entretanto se fizeram estradas e valas de drenagem em terrenos reservados para os serviços. Há uma tendência crescente para os povoados informais ocuparem áreas ambientalmente sensíveis. Há uma tendência, nos municípios de maior dimensão, para deslocar os residentes de rendimentos mais baixos dos terrenos de maior valor, próximos do núcleo urbano, para mais longe, nos limites urbanos ou para locais ambientalmente inapropriados, quer oficialmente, quer através dos mecanismos de mercado, apesar de as estratégias de sobrevivência das famílias dependerem muitas vezes de uma localização física próxima do centro urbano. Os residentes de recursos mais baixos tendem a ser empurrados para terremos mais susceptíveis de inundações e erosão. A utilização agrícola de terrenos urbanos, em Maputo tem diminuído (de 37 por cento para 16 por cento no conjunto total da área metropolitana, desde o Plano de Estrutura de 1985), à medida que os terrenos marginais são cada vez mais utilizados para fins residenciais (Negrão 2004; IIED 2000; e Jenkins 2002). A instalação em áreas urbanas informais é cada vez mais caracterizada por um elevado grau de insegurança quanto aos direitos de ocupação e uso da terra. “Informal” implica uma ausência de claros princípios administrativos quanto à ocupação, e dificuldade de acesso a entidades administrativas.5 Por seu turno, isto leva a falta de informação correcta, falta de transparência e a uma relutância em recorrer a processos administrativos. Há também falta de instrumentos jurídicos para a regularização e os cidadãos não têm conhecimentos de processos e informações claras e transparentes sobre a regularização da posse e quais as vantagens que daí teriam. Os actuais ocupantes desconhecem os seus direitos e não têm capacidade para os impor através do sistema legal que é lento, caro e grandemente afectado por corrupção (UNCHS, 2006). As responsabilidades de administração de terrenos são onerosas e demasiado dispersas por 190 múltiplas agências, e os insuficientes recursos têm de ser demasiado disseminados para se conseguir administrar eficazmente sistemas legais e de administração de terras, o que cria um sistema nebuloso, com sobreposições e contradições, sobre os direitos fundiários. (Roth, Boucher, e Francisco, 1995). Procurar os representantes autárquicos exige tempo, transportes e documentação que são difíceis para os pobres. Os enormes atrasos levam a que as pessoas pobres desistam de fazer a construção legal da sua casa. Por um lado, isto desencoraja os residentes de aglomerados informais de investirem nas suas casas ou em actividades geradoras de rendimento nas suas propriedades embora, por outro lado, haja residentes destas zonas que reagem à insegurança construindo com materiais mais duradouros, na esperança de que seja mais difícil demolir as casas se forem construídas com tijolos de cimento. (Carrilho, Di Nicola e Lage, 2005). As disputas são agora mais comuns. Há frequentes apelos e discussõe sobre irregularidas no acesso aos solos urbanos, autorizações de uso em duplicado, ocupação ilegal de solos urbanos, transacções de terrenos sem o conhecimento das autoridades municipais, ocupação de áreas reservadas e incumprimento das condições de compra. Há comités locais para a resolução de disputas em algumas das áreas urbanas informais, mas não em todas; além disso, algumas não têm força suficiente para fazer cumprir as suas decisões contra pessoas poderosas e por isso os mais pobres e mais vulneráveis poderão ser obrigados a partir (IIED, 2005a). Assim, embora o acesso formal à terra seja uma barreira, esta tem sido ultrapassada por as pessoas a porem de parte. Os migrantes quando chegam constroem as casas em qualquer terreno que esteja disponível. Mas está a tornar-se cada vez mais difícil para as famílias pobres obter terreno para construírem uma casa nos municípios maiores. Nas cidades, há poucos terrenos apropriados livres, há uma quase total ausência de terrenos urbanizados e os poucos lotes urbanizados existentes são cada vez mais afastados dos centros de emprego. Os aglomerados espontâneos são por isso construídos muitas vezes em terrenos não adequados a construção, como encostas muito inclinadas sujeitas a erosão, áreas de cheias e outros riscos, terras poluídas e zonas reservadas para outros 191 fins.6 A ocupação desordenada em larga escala, em locais inapropriados, terá consequências a longo prazo em termos sociais, económicos e ambientais. Corrupção É opinião generalizada que existe corrupção a nível local na administração das terras e que isso tem efeito negativo sobre os pobres. A legislação existente não reflecte a realidade social das zonas informais. As leis têm lacunas porque não reflectem a realidade mas as pessoas dentro do sistema podem até aceitar bem essas lacunas na lei, porque lhes dão mais poder discricionário. Um estudo encontrou muitos informantes que tinham opiniões muito drásticas quanto ao grau de corrupção entre os burocratas locais baseando-se no facto de que os pobres perdem muitas vezes em demandas importantes sobre terras e bens. Concluiram que era necessário investigar até que ponto esta alegação poderá ser verdadeira, se este aspecto da atribuição de terras dá origem ou mantém a pobreza, o impacto do planeamento e gestão do uso da terra na redução da pobreza e até que ponto se pode depurar e melhorar o sistema de modo a produzir efeitos positivos na redução da pobreza. (Isaksen, Staaland e Weimer, 2005). Em zonas informais das autarquias os Grupos Dinamizadores assumiram a tarefa de atribuição de terras que pertencia às antigas autoridades tradicionais no período após a Independência, embora não tivessem qualquer direito ou autoridade legal para o fazer (Jenkins, 2000). Imediatamente a seguir à Independência, esta era uma tarefa não remunerada e geralmente aceite. Mais recentemente, a intervenção das autoridades de bairro parece, na maior parte das vezes, incluir uma remuneração e ser socialmente muito menos aceitável pois muitas vezes significa construir em valas de drenagem e áreas sujeitas a erosão e empurra para essas situações difíceis as pessoas mais vulneráveis (Negrão, 2004). Quando os líderes locais estão implicados em actos ilegais mas em inciativas para resolver problemas importantes, são geralmente aceites de modo positivo, mas não acontece sempre que actos ilegais tenham esse objectivo. (Nielsen, 2005). Regulamentos vagos são frequentemente considerados como manipulados e levam a que muitos membros das comunidades se entreguem a tácticas enganosas de auto-promoção (Boucher, Francisco, Rose, Roth, e Zaqueu 1995). Nas autarquias há margem de 192 vulnerabilidade à corrupção, como por exemplo o poder dos funcionários para atribuírem licenças de acesso a terra, apesar da exigência de um plano de utilização da terra. (Nuvunga e Mosse, 2007). Autarquias e Planeamento A capacidade das autarquias para lidarem com questões de planeamento é escassa, pois herdaram um nível reduzido de capacidade institucional. Sofrem de falta de recursos financeiros e materiais e de falta de pessoal qualificado. Há menos de 350 funcionários de fiscalização em todo o país e menos de 20 profissionais (DfID, 2003). Herdaram cadastros e registos fundiários muito deficientes, com sistemas arcaicos e em más condições. Alguns tinham sido danificados no período de transição para a Independência e não tinham sido reconstituídos. Os registos cadastrais do período colonial tinham sido deixados expostos a humidade e insectos nos Conselhos Executivos. O Projecto de Cadastro de Maputo estudou os registos fundiários e achou-os completamente desactualizados, e os dados que existiam apareciam com grandes diferenças nos vários registos (DCU, 1999). Apesar do tempo que é dedicado ao processo de registar terrenos, na maioria das autarquias não há uma ideia clara de quais os terrenos que foram atribuídos e o que está no cadastro geralmente não é tornado público. Instalaram-se interesses em manter cadastros e registos de atribuição de terras opacos e complicados. Será necessário um programa intenso de criação de capacidades, formação, equipamento e recuperação de instalações de trabalho para lidar com os problemas de procedimentos e técnicas ultrapassadas de registo, edifícios e livros em estado degradado e pessoal insuficiente e mal preparado. As autarquias do país variam em dimensão e em capacidade institucional, tendo evoluído de formas diferentes e beneficiado de vários projectos de apoio. Os principais problemas são a falta de pessoal qualificado e a baixa capacidade financeira para sustentar o impulsionamento técnico e administrativo resultante desses projectos. As cidades mais pequenas tendem a ter menos problemas, mas também poucos recursos. Algumas poderão conhecer um forte desenvolvimento, onde há recursos locais (como Moatize e Chibuto), mas outras dependem da agro-indústria, que está com dificuldades, e sem um forte apoio do Estado estas cidades vão enfrentar sérias dificuldades (Allen and Johnsen, 2006). 193 As autarquias dependem em larga medida da competência gestora do Presidente do Conselho Municipal e dos vereadores nomeados, e as que têm atingido maior sucesso são aquelas com uma forte liderança pessoal, com uma visão de desenvolvimento. A capacidade depende também do tipo de apoio anteriormente recebido. Nacala é reconhecida como tendo melhor controlo do uso do espaço que outros municípios, e um importante desenvolvimento do mercado e da gestão pelo Estado. Isto deve-se a um continuado apoio externo em programas que incluíam os residentes. Negrão compara Nacala com Manica, onde não há controlo sobre o uso da terra ou a recolha de lenha nas encostas. A diferença entre Manica e Nacala é mais notória nas áreas periurbana (Negrão, 2004). No entanto, há diferenças no nível de apoios: em 2006 cinco autarquias recebiam apoio de 3 doadores (Nacala, Quelimane, Pemba, Maputo e Nampula) enquanto as outras oito não recebiam qualquer apoio de doadores. As autarquias herdaram planos de estrutura que foram elaborados pela DNH/INPF nos anos 80, embora tenha havido muito pouca implementação devido à falta de compreensão e de adesão aos planos pelos Conselhos Executivos, à falta de capacidade técnica e de financiamento, e à natureza pouco clara dos planos. Houve um importante esforço por parte do Governo e dos doadores nos anos 80 e 90 para elaborar planos de estrutura. Eram geralmente planos abrangentes e tecnicamente elaborados, feitos por consultores externos. O quadro do planeamento de estruturas nas autarquias, em princípios de 2005 é apresentado no Quadro 6.5 Quadro 6.5 Situação do Planeamento de Estruturas Situação/década Município Déc. 1980 Nacala (em revisão), Chimoio, Mocuba,Tete, Xai Xai, Chókwè Déc. 1990 Pemba, Nampula, Quelimane, Beira-Dondo, Maputo Matola, Inhambane, Maxixe, Vilanculos, Manhiça 2000+ Montepuez, Lichinga, Angoche, Manica, Milange, Moatize, Chibuto Em preparação Catandica, Metangula, Mocuba Não há plano Mocímboa da Praia, Monapo**, Cuamba**, Ilha de Moçambique**, Gurué, Marromeu, Mandlcazi Fonte: Allen e Johnsen, 2006. Nota: ** Nestas autarquias foi feito um diagnóstico rápido 194 Continuar a Inovar e a Incrementar Projectos inovadores têm provado ser viáveis e o desafio é garantir que eles continuem e se alarguem, de modo a consolidar as ideias e a prática e para atacar pelo menos alguns dos problemas prementes dos aglomerados urbanos informais. São oportunidades para um “planeamento a sério” que possa demonstrar às autarquias, através de projectos práticos, a importância do planeamento urbano e como pode ser utilizado na tomada estratégica de decisões. É tempo de incrementar e replicar boas práticas, e a “requalificação” e o “reordenamento”participativos dos aglomerados informais devem ser reconhecidos como parte de uma prática normal de planeamento. Na prática, tem-se feito um grande esforço para fazer avançar estes projectos-piloto, particularmente persuadindo os presidentes dos CM e os membros da Assembleia quanto à sua validade. Há uma tendência para perder o ímpeto após o final dos projectos-piloto e a retirada dos financiamentos dos doadores, de modo que as iniciativas mantêm-se com carácter de pilotos, abrangendo um bairro ou parte de um bairro. Os presidentes, os vereadores e os membros da Assembleia Municipal parecem não ter uma noção clara da função do planeamento do uso das terras e terem falta de confiança na aplicação de métodos inovadores. O conceito de “ordenamento” como sendo o traçar de linhas rectas no terreno continua muito forte. Os mecanismos partidários são muito fortes nas autarquias e o sistema de voto em listas partidárias significa que os residentes dos aglomerados informais têm pouca influência. As autarquias parecem continuar a pôr as suas esperanças em projectos de urbanização de novas áreas (áreas de expansão) mais do que na requalificação dos bairros de lata, pois as áreas de expansão parecem ser mais modernas e talvez também porque podem ser uma fonte de receitas para os partidos políticos. Há ainda interesses que querem manter os opacos e complicados cadastros e sistemas de atribuição de terras. Há o risco de que as políticas partidárias se transformem num desses interesses instalados, pois os partidos necessitam de fundos que, em muitas partes do mundo, vêm do sector imobiliário. O melhoramento dos serviços não é uma consequência automática da requalificação devido 195 à falta de coordenação com outras instituições, pelo que algumas das vantagens dos objectivos não são alcançadas. Por detrás des problemas locais há ainda outros, a nível nacional. Os sinais do Governo central quanto a estas inovações são ambíguos. Há falta de uma política explícita de desenvolvimento urbano e de visão do Governo central que interligue as questões do planeamento urbano e a redução da pobreza. Moçambique nunca teve uma política específica de desenvolvimento urbano. Nos dois PARPA havia muito pouco sobre questões urbanas. O Plano Quinquenal do Governo sublinha que o desenvolvimento rural é a base fundamental de todo o desenvolvimento económico e social do país e não contém referências ao desenvolvimento urbano. O programa Cities Without Slums produziu um documento de estratégia (CEDH, 2006) que está a ser considerado e, se aprovado pelo Conselho de Ministros, poderá fornecer o enquadramento político para o desenvolvimento periurbano, mas todo o processo está a demorar muito tempo. A responsabilidade por assuntos de urbanismo está distribuída por quatro programas, em quatro Ministérios (MAE, Ministério da Agricultura, MICOA, e MOPH) cada um dos quais pode ter uma visão diferente (ver caixa 6.2). No MAE há duas Direcções que lidam com a descentralização em relação às autarquias, e a desconcentração, em relação aos Distritos. A Direcção que trata com as autarquias é menos dinâmica do que era na década de 90 e foi mais enfraquecida ainda pela criação de um Ministério da Função Pública, e tem-se agora a impressão que o ímpeto para a descentralização se perdeu. Há um programa único (PPFD) para a desconcentração para os Distritos mas não há um programa único para as autarquias. O Governo, no seu conjunto, é altamente centralizado e compartimentado em sectores, com difícil coordenação entre eles e uma fraca coordenação pelo Governo de Moçambique resulta em que frequentemente os doadores assumam a liderança. 196 Caixa 6.2: Responsabilidade Ministerial sobre Questões de Urbanismo O MICOA/DINAPOT é responsável pela supervisão do planeamento e ordenamento do território em todo o país, incluindo a elaboração de políticas e legislação, desenvolvimento de metodologias e ratificação de planos de uso da terra. A DINAPOT é essencialmente o antigo Instituto Nacional de Planeamento Físico (INPF). Como instituição já antiga, a DINAPOT está relativamente bem dotada de instalações e em anos recentes adquiriu equipamento SIG/GIS e software que serve todo o MICOA. O MICOA é um ministério coordenador de acções. No entanto, a capacidade das autarquias e outros órgãos do poder local, é extremamente limitada pelo que muitos dos planos de urbanização feitos em Moçambique em anos recentes têm sido elaborados pelo próprio Departamento de Planeamento Urbano da DINAPOT, recorrendo ao seu pessoal a nível central e de província. O MAE/DNDA é responsável pela criação de novos municípios e pelo desenvolvimento de competências nas autarquias. A DNDA foi criada em 2000 e está ainda a ser organizada. Em 2003 tinha 23 funcionários, incluindo 16 técnicos a vários níveis, o que é considerado insuficiente para o processo de fomentar governos autónomos locais. O MOPH tem sido responsável pela elaboração do Regulamento do Solo Urbano. Existe também no MOPH a Direcção Nacional de Habitação e Urbanismo (DINAHU), que tem responsabilidades na área do desenvolvimento urbano que parecem sobrepor-se às da DINAPOT. No entanto, na prática, parece concentrar-se nos aglomerados formais, ficando os informais sob a alçada da DINAPOT. Uma instituição autónoma, subordinada ao MOPH, o Fundo de Fomento da Habitação ( FFH) foi criada para proporcionar o acesso à habitação para os que têm poucos recursos. Urbaniza e vende lotes para a construção de habitação económica, ainda que na prática os beneficiários tenham sido famílias de rendimento médio, uma vez que são obrigados a construir ou comprar casas de padrão formal de construção. É importante que estes projectos inovadores sejam incrementados. Isto não é, no entanto, uma área que se possa resolver com programas multissectoriais ou apoio orçamental. A coordenação entre diferentes programas que trabalham nesta área seria uma melhor estratégia, trocando experiências e trabalhando em conjunto em questões de políticas, com o Governo. A responsabilidade foi descentralizada e será necessário criar competências em cada autarquia. A ajuda orçamental, com uma governação fraca, comporta riscos. É necessário prestar muita atenção aos pormenores, à sequência correcta e ao agendamento das actividades, ajustando-os às circunstâncias. Os principais actores e decisores (incluindos os presidentes dos CM, vereadores, membros eleitos da Assembleia Municipal e o seu pessoal e a ANAMM) precisam de receber informação e formação sobre o que é o ordenamento físico, adequado planeamento urbano e a legislação relevante e sua implementação. Seriam dadas orientações gerais a todos os membros da Assembleia, mais aprofundadas para os vereadores, e formação específica às comissões técnicas com responsabilidade directa pelo urbanismo, solos e habitação. Em geral, os 197 projectos-piloto têm tido uma documentação superficial o que dificulta a sua replicação. São necessários mais pormenores sobre o processo, resultados, impactos, custos, lições aprendidas, orientações e instrumentos. 6.4 Recomendações Em Moçambique, a maior parte da responsabilidade pela gestão dos solos urbanos cabe às autarquias. A gestão dos solos urbanos do país é essencial para enfrentar prementes problemas ambientais; gerir os riscos e oportunidades apresentados por novo investimento económico; e melhorar as condições das áreas informais e a segurança de posse da terra. As autarquias são agora os actores-chave para a redução da pobreza urbana e têm a oportunidade, através da gestão dos solos urbanos, de melhorar as condições dos aglomerados informais e viabilizar o fornecimento de melhores serviços. A maioria das casas são autoconstruídas pelo que a gestão do solo urbano pode ser utilizada para melhorar a segurança dos títulos de posse e viabilizar assim um maior investimento na habitação. Nesta matéria a capacidade autárquica é, no entanto, reduzida. Nos últimos 10 anos tem havido vários projectos-piloto que abrem oportunidades de melhor acesso aos serviços, maior segurança na posse da terra e gestão dos riscos e oportunidades dos projectos de desenvolvimento económico. No entanto, na prática, tem- se perdido o ímpeto ao terminarem os projectos-piloto, pelo que as iniciativas se mantêm como pilotos, abrangendo um bairro ou parte de um bairro. Os presidentes, vereadores e membros da Assembleia Municipal parecem não ter uma visão clara das oportunidades suscitadas pelo planeamento do uso da terra e ter falta de confiança na aplicação de métodos inovadores. Os projectos-piloto deveriam continuar e serem incrementados, e reconhecidos como uma boa prática normal no planeamento. Os principais actores nas autarquias precisam de ter informação e formação sobre a boa gestão dos solos urbanos e sobre a legislação pertinente e a sua implementação. Estes objectivos poderiam ser conseguidos através de intercâmbio de visitas, cursos breves e material de formação, e deveriam ser interligados com a implementação prática de “projectos a valer”. Uma lição importante aprendida em 198 projectos anteriores é a necessidade de atenção aos detalhes e que cada actividade tem de ser acompanhada de uma sensibilização, para que a sua lógica seja compreendida e para que os políticos reconheçam o carácter real das dificuldades e das escolhas que o planeamento tem de enfrentar. Serão também necessários elementos de informação ao público, como panfletos ilustrados e cartazes com os princípios básicos da nova legislação, regulamentações e procedimentos, que deverão ser colocados em locais públicos e nos meios de comunicação. Todos os programas terão também de manter um continuado diálogo com o Governo, para encorajar a adopção de métodos inovadores com uma boa prática reconhecida, um enfoque na requalificação das zonas de habitação informais, reconhecendo a sua informalidade e a necessidade de inovar, e para garantir que o Governo apoia as autarquias nas suas responsabilidades de planeamento. A análise da situação e a proposta de estratégia do programa “Cities without slums” constituem uma base de diálogo para promover uma estratégia alargada a todo o sector, que deveria ser considerada. Acções para o Futuro: Nível Local As autarquias deverão evitar planos mestres que tentam visualizar como serão daqui a uma série de anos. Devem elaborar simples planos de estrutura, que indiquem claramente as dificuldades sociais e ambientais à urbanização de diferentes áreas, e actualizar e melhorar estes planos quando surge a necessidade ou oportunidade. Devem ser feitos planos de estrutura simples, utilizados para implementar uma disciplina espacial, por exemplo evitando a ocupação de áreas perigosas ou ambientalmente sensíveis e orientando a urbanização para as áreas mais apropriadas a esse tipo de desenvolvimento. As autarquias deveriam também adaptar o planeamento urbano às condições locais, em particular nos aglomerados informais, que não funcionam segundo regras e padrões pré- estabelecidos. As autarquias devem ter consciência de que a maior parte da habitação é auto-construída e que programas como os do FFH não poderão ajudar numa escala significativa. A melhor maneira de resolverem a falta de habitação adequada é planeando as áreas informais de uma forma que encoraje os residentes a, por sua iniciativa, melhorarem o 199 parque habitacional. As autarquias podem encorajar normas de acesso a terra em zonas informais que se enquadram na realidade local e desencorajar a corrupção reduzindo o poder discricionário de funcionários municipais na atribuição de terras. Os municípios deviam também concentrar os seus esforços de planeamento e requalificação na áreas informais urbanas, onde os problemas são mais prementes, e procurar alcançar uma melhor coordenação com os fornecedores de serviços, de modo a que a requalificação conduza ao melhor abastecimento de serviços públicos, como a água e a electricidade. Deviam também criar cadastros, baseados em tecnologias novas mas simples, e providenciar para que existam registos públicos, claros e visuais, de terrenos atribuídos e da estratégia de planeamento para as suas áreas. As autarquias deviam elaborar regulamentos urbanos e posturas municipais incorporando os conceitos de “requalificação” e “reordenamento” dos aglomerados informais e desenvolver o planeamento participativo, reconhecendo-os como instrumentos normais do planeamento. O Governo deveria assegurar que a legislação é compatível com a incorporação destas práticas nos regulamentos e posturas municipais. Devia também recomendar que as autarquias evitem planos mestres e que elaborem planos de estrutura simples, que indiquem claramente os constrangimentos sociais e ambientais nas diferentes zonas a desenvolver. Os programas de apoio locais devem ajudar as autarquias a porem em prática estas acções, adoptando boas práticas. É necessário ajudar os presidentes dos CM, vereadores e membros da Assembleia Municipal a compreender o papel desempenhado pelo planeamento da utilização da terra no alívio à pobreza e a ganharem confiança na adopção de métodos inovadores. É necessário ajudá-los a compreender o papel de novos métodos e práticas e pôr de lado o conceito do “ordenamento” como um traçar de linhas rectas no chão. As actividades devem ser complementadas com uma sensibilização, para que a lógica seja compreendida e para que os políticos reconheçam a realidade dos constrangimentos e escolhas com que o planeamento tem de lidar. 200 Acções para o Futuro: Nível Nacional Um programa nacional não deve ser uma série de programas multissectoriais ou de apoio orçamental. Um programa nacional deve encorajar a coordenaçãos entre diferentes programas locais, o intercâmbio de experiências e um trabalho conjunto com o Governo sobre questões de política, e encorajar boas práticas. Deve ser dada ênfase a:  intercâmbio de experiências  documentar mais aprofundadamente as experiências dos projectos-piloto  desenvolver materiais de formação (manuais, instruções e currículos) para Presidentes de CM, membros das Assembleias, etc.  desenvolver estratégias para criar competências nos governos, central e local, e na sociedade civil  desenvolver uma estrutura regional de apoio para o ordenamento físico  empurrar a requalificação dos bairros de lata para o topo da agenda política, fazer adoptar e implementar documentos de estratégia (por exemplo a proposta de estratégia “Cities without Slums”)  resolver as lacunas jurídicas  influenciar o conteúdo e a aplicação prática de leis, regulamentos e instruções relacionadas com o planeamento urbano e o uso da terra. Um programa nacional devia também tentar assegurar apoio para todas as autarquias e minimizar as sobreposições de diferentes programs de apoio que lhes são prestados. Deveria divulgar os recentes desenvolvimentos tecnológicos que tornam “suficientemente bom” o mapeamento de baixo custo, que recorre a imagens de satélite. Deveria ajudar a desenvolver e difundir sistemas de cadastros que melhorem a segurança de posse e que eventualmente possam vir a proporcionar uma base de sustentabilidade financeira municipal através da criação de uma base fiscal contributiva. Um programa nacional deve ajudar as autarquias a compreenderam a legislação aplicável e a sua implementação. O Governo deve desenvolver uma estrutura regional de apoio ao ordenamento físico municipal, com equipas de perícia profissional. Estes centros poderiam estar localizados em Maputo, Beira e Nampula e esta acção deveria ser feita através de uma instituição, a 201 nível nacional, para apoiar as autarquias na elaboração de planos e, nesse processo, criar nos municípios capacidade para desenvolver e implementar planos. Os centros regionais desta instituição precisariam de recursos humanos e materiais adequados e de serem acessíveis a todos os pontos do país. Teria de ter capacidade para fornecer serviços de perícia profissional e ser uma estrutura de apoio técnico ao ordenamento físico, mapeamento e questões jurídicas, e fazer com que as questões técnicas sejam compreendidas pelas autarquias. Esta instituição poderia assumir a forma de empresa pública, departamento governamental (sob a égide do MICOA), ou ser uma instituição criada em conjunto pelas próprias autarquias. O Governo deveria assegurar a continuidade da formação de técnicos de planeamento de nível intermédio para servirem a administração municipal, gerindo os cadastros locais e implementando os planos de estrutura municipais. O Governo devia também desenvolver linhas de orientação a nível nacional, para processos claros, transparentes e simples de regularização da posse e ocupação da terra. Por fim, é necessário mobilizar um apoio orçamental adequado, numa cooperação entre doadores e Governo. Embora não haja uma instituição do Governo central exclusivamente dedicada à descentralização, torna-se nexessário que este promova uma estratégia multissectorial. Notas Finais 1 Os pequenos agricultores nas ZonasVerdes têm também terrenos registados quando fazem parte de Associações e recebem apoio exterior (IIED, 2005a) 2 Os autores não encontraram literatura que aborde esta questão e não puderam reunir informação sistemática sobre a dimensão de lotes e o uso do terreno do lote para actividades económicas. As actividades económicas informais nas cidades moçambicanas são principalmente a agricultura e o comércio informal. Ambas estas actividades são exercidas geralmente fora do terreno da casa. 3 Recentes avanços tecnológicos permitem, através de imagens de satélite, fazer mapeamento “suficientemente bom” com baixos custos. 202 4 O programa Cities Alliance consiste numa componente de planeamento de contingência específico para inundações. 5 Segurança de posse da terra refere-se ao grau de confiança sentido pelas pessoas de que não serão arbitrariamente despojadas dos direitos à terra e aos benefícios económicos que dela derivam. Inclui tanto elementos “objectivos” (natureza, conteúdo, clareza, duração e obrigatoriedade de respeito desses direitos) e elementos “subjectivos” (a percepção que os detentores da terra têm quanto à segurança dos seus direitos). 6 A instalação de casas em zonas próximas do depósito de armas em Maputo resultou em muitos mortos e feridos e considerável perda de bens, quando o depósito explodiu. 203 Capítulo 7. Abastecimento de Água e Saneamento nas Áreas Urbanas 7.1 Objectivos e Metodologia O objectivo deste capítulo é apresentar uma visão geral dos sectores do abastecimento de água e saneamento nas áreas urbanas de Moçambique. A metodologia utilizada consiste principalmente numa revisão da literatura existente, complementada por uma série de entrevistas com cerca de 20 indivíduos em organizações-chave, e visitas a cinco municípios, onde foram realizadas entrevistas com presidentes e/ou funcionários superiores. Convém referir, à partida, que existe extensa documentação sobre o sector de água e saneamento em Moçambique, que resulta de um grande esforço, feito por organizações governamentais do país e parceiros internacionais, para melhorar rapidamente o acesso a estes serviços. Apesar da vasta informação existente, no entanto, há que notar que nem todas as fontes são consistentes ou actualizadas. 7.2 Algumas Definições Básicas As áreas urbanas de Moçambique estão divididas em dois grupos: (i) 23 cidades, e grandes vilas, todas elas administradas por conselhos municipais urbanos; e (ii) 68 vilas ou áreas urbanas mais pequenas, 20 das quais têm conselhos municipais, sendo as restantes administradas por governos distritais. Em Moçambique aplica-se a convenção de distinguir áreas urbanas e periurbanas. Esta subdivisão é um tanto imprecisa e pode ser dividida em dois grupos (i) urbano e (ii) periurbano. As áreas do núcleo urbano têm propriedades formalmente estabelecidas, geralmente com registo de título, lotes urbanizados e desenho de ruas incorporando escoamento de águas pluviais (esgotos pluviais ou canais abertos). Na generalidade têm também habitações de construção em alvenaria, mas esta não é uma característica essencial. É de notar que os serviços, nas áreas urbanas, são proporcionados tanto por fornecedores formais e regulamentados como por fornecedores informais. Por exemplo, em Maputo, cerca de 15% da população urbana que vive em lotes urbanizados, com ruas demarcadas, são abastecidos por fornecedores de pequena escala a partir de poços. Estas 204 ligações têm contadores mas não estão regulamentadas. Há também uma categoria de áreas planeadas de expansão, onde geralmente as infra-estruturas são mínimas, mas os lotes são ordenados e são emitidos títulos. A maioria das áreas periurbanas são áreas onde a instalação é desordenada, onde não se procura sequer registar a posse, não há urbanização, e onde os serviços vão acompanhando o aparecimento das habitações. Estes serviços geralmente não são canalizados pois seria quase impossível levar canalizações a estas habitações de implantação desordenada. O objectivo deveria ser no entanto, fornecer, com o tempo, um serviço reticulado a todas as áreas. Todos os investimentos deveriam feitos com este objectivo em mente.Os poços, se utilizados, deverão ter condições para serem adaptados para o abastecimento canalizado. De um ponto de vista de água e saneamento, as áreas de núcleos urbanos são geralmente associadas a sistemas canalizados de água e a sanitários com descarga de água, quer seja para tanques sépticos, quer para sistemas de esgotos. Nas áreas periurbanas, o fornecimento de água a partir de pontos isolados será o normal, mas há pequenos sistemas de reticulação que servem algumas torneiras de quintal, sobretudo em Maputo e Matola. O saneamento nas áreas periurbanas é geralmente uma latrina com fossa construída pelos moradores e, menos frequentemente, com tanque séptico, havendo mais de uma torneira no terreno. 7.3 Escolha de Tecnologia No caso do abastecimento de água há quatro níveis de serviço a considerar, cada um associado a uma tecnologia diferente:  Água fornecida a uma habitação, através de uma torneira no exterior, eventualmente no quintal, ou dentro de casa, presumivelmente com contador. A origem poderá ser de poços tubulares ou água de superfície tratada.  Torneiras de água públicas, ligadas a canalizações ou a poços, que podem também ter contador. 205  Pontos de água individuais, recolhendo água de poços ou furos, com fonte não canalizada  Sem serviço adequado. É questionável se os pontos de água individuais serão considerados como adequados, mas há uma aceitação e esta continuará a ser uma importante fonte de abastecimento de água nas áreas periurbanas, para além do médio-termo. Em relação às origens da água, há toda uma série de fontes utilizadas no país, desde a água de superfície tratada, a poços e nascentes. No caso do saneamento, as opções tecnológicas utilizadas são:  Sistemas completos com descarga de água e esgotos.1  Tanques sépticos com vários graus de sofisticação.  Sistemas secos no local, incluindo as latrinas tradicionais ou latrinas melhoradas, com fossa, sanitas de compostagem.  Sem serviço adequado. Quanto à ligação à drenagem de águas pluviais e de águas residuais, há em Moçambique um historial de gestão de saneamento e drenagem de águas pluviais geridos numa mesma unidade operacional, quer a nível nacional quer a nível local. 7.4 Acesso Actual e Futuro ao Abastecimento Os quadros 7.1 e 7.2 a seguir dão uma ideia geral dos actuais níveis de serviços nas áreas urbanas de Moçambique. 206 Quadro 7.1 Resumo do Actual Acesso aos Serviços (2006) ABASTECIMENTO DE ÁGUA** SANEAMENTO Grupagem População de Cidades Urbana Água ou vilas 2006 para Torneira Com Tanque Latrina casas Pública Privado Total Esgoto Séptico Melhor. Total FIPAG 1&2 (7 No.) 3 496 244 17% 10% 0% 27% 6% 18% 26% 50% - Matola (Incl Maputo para abast. água*) 720 775 24% 8% s/inf 32% 0% 45% 20% 65% - Maputo 1 244 227 11% 16% 40% 67% FIPAG 3&4 (8? No.) 1 019 556 10% 10% 0% 20% 2% 6% 33% 41% Outras cidades (9 No.) 991 267 6% 9% 0% 15% 0% 6% 11% 16% 10 peq. municípios 209 933 11% 25% 4% 40% 0% 4% 15% 19% Próximas 31 cidades 629 473 8% 17% 1% 27% 1% 3% 16% 21% Últimas 27 cidades 426 678 0% 5% 13% 18% 0% 0% 5% 5% Todas as cidades e vilas 6 773 151 13% 11% 1% 24% 3% 12% 23% 38% Nota: 1. Estes dados foram obtidos da informação recolhida como parte da proposta para uma Estratégia de Abastecimento de Água e Saneamento Urbano (Urban WSS Strategy). 2. A referência às áreas urbanas do FIPAG é explicada mais adiante neste relatório. 3. * Matola e Maputo, que fazem parte do FIPAG 1 e 2, são apresentadas separadamente dada a sua relevância no sector urbano (são geridas como sistema único e os dados para a água existem apenas para o conjunto). 4. Estes númerous excluem fornecimentos de fontes pontuais, como os poços com bombas manuais (ver considerações mais abaixo). 5. A separação das 58 pequenas áreas urbanas que não são municípios é baseada na medida em que têm sistemas de água canalizada (como se explica mais adiante no relatório). 6. Os dados (relativamente a todos os sistemas e pop.) são de 2006, i.e. investimentos feitos em 2007 não estão incluídos neste cálculo. Em 2007 houve importantes investimentos em algumas das principais cidades do FIPAG. 7. Os dados incluem torneiras públicas e HH. Não incluem pessoas que têm acesso a água através de pequenos fornecedores, pontos de água e água vendida pelos seus vizinhos. 8. ** Indica "serviços de água regulamentares”, aqueles que são fornecidos oficialmente pela AdM, FIPAG, pequenas empresas de água ou instituições governamentais e podem ser reguladas pelo CRA ou pela DNA. A informação contida no quadro 7.1 refere apenas o acesso a serviços “regulamentares” de água, fornecidos oficialmente pela empresa Águas de Moçambique (AdM) ou pela Direcção Nacional de Águas (DNA) e regulados pelo CRA ou pela DNA. Não abrange aqueles que têm acesso à água através pequenos fornecedores, fontes pontuais e água vendida por vizinhos. A razão é a falta de dados e as fontes pontuais não são 207 consideradas como cobertura em áreas urbanas (pela DNA). No entanto, as bombas manuais e a revenda de água têm um papel importante e permitem o acesso à água a uma grande parte dos moradores urbanos. Por outras palavaras, embora a cobertura, segundo as definições usadas, é seja reduzida, o acesso poderá ser muito maior. Há uma série de estudos relativos a pequenos fornecedores em Maputo/Matola. Cerca de 200 000 pessoas estão a ser fornecidas por pequenos fornecedores em Maputo. Fornecem água 24 horas por dia, sete dias por semana (24/7) a partir de grandes poços com grande capacidade. No entanto, não estão regulamentados e não têm qualquer controlo de qualidade. Decorrem actualmente discussões sobre a necessidade de rever a definição da cobertura. A revenda de água será provavelmente formalizada e estão a ser estudadas opções para incluir fornecedores privados de pequena dimensão. Os objectivos para a prestação destes serviços no futuro baseiam-se nas Metas de Desenvolvimento do Milénio (MDG) para Água e Saneamento (WSS) em Moçambique. É propósito declarado do Governo que até 2015 a cobertura de água e saneamento em todo o país suba para 70% e 62% respectivamente. É também importante notar que água e saneamento são essenciais para alcançar as MDG para a saúde, que são não apenas metas de cobertura, mas de cobertura sustentável. 7.5 Enquadramento Jurídico O enquadramento jurídico geral e uma revisão da actual legislação referente a WSS são apresentados no Capítulo 2 do estudo mais alargado. Esta secção refere-se apenas aos principais documentos jurídicos e actores neste sector. Os principais instrumentos legais de regulamentação do abastecimento de água são:  Lei nº 16/91, de 3 de Agosto, que aprova a Lei da Água (LA);  Decreto nº 72/98, de 23 de Dezembro, que estabelece a base legal que permite a implementação do Quadro da Gestão Delegada do Abastecimento de Água (GDAA/DMF);  Decreto nº 73/98, de 23 de Dezembro, que cria o Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água — FIPAG (“D73/98”); 208  Decreto nº 74/98, de 23 de Dezembro, que cria o Conselho Regulador das Águas — CRA (“D74/98”);  Resolução nº 7/95, de 8 de Agosto, que aprova a Política Nacional de Água (PNA);  Decreto nº /2007 que estabelece a nova Política de Água, alterando a Política Nacional de Água de 1995.2 No caso da água, a DNA é o órgão do Ministério das Obras Públicas e Habitação (MOPH) ao qual compete a gestão estratégica e integrada dos recursos de água, bem como o abastecimento de água potável e saneamento à população. Em Dezembro de 1998 o Governo de Moçambique estabeleceu um enquadramento de gestão delegada para a implementação da Política Nacional de Água nos cinco maiores centros urbanos seleccionados para grandes investimentos e participação do sector privado. Os objectivos deste Quadro de Gestão Delegada são permitir a reestruturação da gestão e o desenvolvimento do abastecimento de água, de modo a melhorar os serviços e alargar a cobertura e depois, progressivamente, organizar a transferência dessa responsabilidade para as autarquias. Para tal, o Governo criou o Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água (FIPAG), uma entidade nacional independente, e o Conselho Regulador das Águas (CRA). O FIPAG é actualmente responsável pelo funcionamento dos sistemas de abastecimento de água dos 13 grandes sistemas urbanos.3 O CRA é uma entidade de direito público com personalidade jurídica e autonomia financeira e administrativa, criada para estabelecer o equilíbrio entre os interesses dos fornecedores dos serviços e os dos utilizadores, mantendo simultaneamente a sustentabilidade económica dos sistemas de abastecimento de água, controlando as tarifas em relação à qualidade do serviço prestado, e monitorizando também o desempenho no quadro dos contratos de gestão delegada, entre outros poderes. O CRA é responsável pela regulamentação directa dos sistemas do FIPAG. Há ainda outras duas instituições no sector: as Administrações Regionais de Águas (ARA) e o Fundo Coordenador da Gestão Delegada (FCGD).4 A nível interinstitucional, as 209 autarquias tem direito a participar nos Conselhos Directivos do FIPAG e do FCGD para a preparação e aprovação de projectos. Além disso e em princípio, colaboram com o FIPAG, DNA, CRA e com as empresas urbanas de abastecimento de água, através de um representante nomeado para esse fim. É o caso da Beira, Quelimane, Pemba e Nampula. No entanto, na prática, é muito limitada a participação efectiva das autarquias na governação destas instituições. No caso do saneamento, tem sido dada precedência à delegação de autoridade no governo local. A Lei 11/97 (artº 25) define as competências das autarquias, incluindo o saneamento. Especifíca também que as autarquias podem criar departamentos autónomos ou empresas públicas municipais. A Lei 2/97 (artº 45) define ainda as competências dos diferentes órgãos das autarquias e atribui à Assembleia Municipal a responsabilidade de decidir as tarifas para os serviços públicos, incluindo a contenção e tratamento de águas residuais. Na prática, os Conselhos Municipais e os Governos distritais estão a assumir maior responsabilidade em relação ao saneamento que à água — mas é de notar que partiram de uma base muito reduzida. 7.6 Estrutura Institucional Existente — Abastecimento de água Investimento e Operação A descentralização, medida em termos da responsabilidade assumida pelo governo local, como autoridade da água e saneamento, tem tido resultados limitados nos últimos 10 anos. Em termos de investimento nas infra-estruturas de abastecimento de água, a responsabilidade é ainda a nível nacional, pois nenhuma das autarquias tem ainda capacidade para conseguir o capital com base nos seus resultados financeiros. No entanto, o Governo nacional confiou o encargo do investimento ao FIPAG, que é responsável pela obtenção de fundos e pela gestão dos subsequentes investimentos em infra-estruturas, o que presentemente inclui a nomeação de operadores. Em termos gerais, o FIPAG tem registado bastante êxito e obteve cerca de USD 500 milhões para obras de abastecimento de águas nas 15 cidades que estão sob a sua responsabilidade. Estas obras incluem captações, estações de bombagem, unidades de tratamento de água, grandes adutoras de distribuição, reservatórios e redes de distribuição. 210 No quadro da gestão delegada, o funcionamento das instalações é delegado em terceiros. As autarquias estão representadas na administração do FIPAG, mas têm relativamente pouco controlo sobre as decisões. O Governo nacional, através do MOPH e da DNA também exerce um controlo bastante directo sobre as empresas de águas que estão instaladas em 6 dos municípios a norte. As restantes 13 autarquias detêm uma maior responsabilidade real sobre o abastecimento de água, uma vez que não existe nenhuma agência nacional em actividade na área. Mas com um baixo nível de apoio, tem havido muito pouco investimento. Por fim, no caso dos 58 pequenos centros urbanos que não são municípios, a responsabilidade do abastecimento de água está a ser transferida da DNA para Direcções Provinciais de Obras Públicas e Habitação (DPOPH) e, progressivamente, para os governos distritais.5 A responsabilidade operacional do abastecimento de água continua a ser a nível nacional. Para os grandes centros urbanos, essa responsabilidade foi delegada no FIPAG que funciona através de um modelo de gestão delegada que separa a gestão de activos (FIPAG) das operações. No caso das seis cidades do norte que têm o abastecimento de água através de empresas propriedade do Estado, a cadeia de responsabilidade continua a apontar para a DNA. Nas restantes 13 autarquias parece haver incerteza quanto à dimensão das responsabilidades das autarquias em relação aos outros níveis de governo.6 Por fim, no caso dos 58 centros urbanos que tão têm conselhos municipais, a actual situação é que os sistemas de abastecimento de água estão a ser geridos pelos governos distritais, com algum apoio da DPOPH. No entanto, 2 autarquias e cinco vilas têm operadores privados, contratatos pela DNA (3) DPOPH (2), pela autarquia (1) e pela HCB (Hidro Eléctrica de Cahora Bassa) (1). Regulamentação Como parte das novas disposições institucionais decididas para o sector urbano da água em 1998, foi estabelecido o CRA para assumir a responsabilidade da regulamentação dos 5 sistemas reunidos sob a responsabilidade do FIPAG (cuja competência foi gradualmente alargada a 13 sistemas). Tal como aconteceu com o FIPAG, que originalmente também tinha responsabilidade por 5 sistemas (ao abrigo do decreto), o 211 CRA alargou a sua acção a todos os sistemas do FIPAG. A tarefa imediata cometida ao CRA, foi a regulamentação económica dos contratos de gestão delegada estabelecidos entre o FIPAG e os operadores por ele contratados. O CRA é considerado como uma organização eficiente, utilizando boas práticas internacionais na regulamentação dos serviços de cada operador, cobertura do serviço, qualidade e tarifas. O conceito da regulamentação geral do abastecimento de água no país, é que haverá um sistema a três níveis:7  Regulação directa sobre a gestão de activos e operadores de grandes sistemas urbanos presentemente sob o controlo do FIPAG e, no futuro, também a regulação directa de pequenos sistemas que podem estar no âmbito do CRA. Inclui o estabelecimento de tarifas.  Regulação indirecta através das autarquias, no caso das pequenas vilas e áreas periurbanas, com base na emissão de regulamentos gerais e não em avaliação independente de cada operação.  Regulação consultiva, aplicada sobretudo a saneamento, em que o CRA actuaria como consultor. Resumo de Operadores e Gestores de Investimento Moçambique tem uma larga gama de tipos de operadores, dado o seu nível de desenvolvimento e isso coloca o país numa posição invejável ao considerar opções para o futuro, já que existe um manancial de experiência rico e crescente. O agrupamento de operadores com uma estimativa da proporção de população urbana que servem, é apresentado no quadro 7.2 a seguir. 212 Quadro 7.2 Repartição da População Servida por Diferentes Tipos de Operadores Número População População servida Percentagens Média de Urbana dos Pop. Sistemas 2006 Pop % Operadores Servida FIPAG — Maputo e Matola 1 1 607 729 515 747 32,1% 33% 515 747 Operadores privados Maputo 300 357 273 114 610 32,1% 7% 382 Outras cidades FIPAG 13 2 584 260 552 319 21,4% 35% 42 486 Empresas DNA 6 784 867 106 587 13,6% 7% 17 764 Operadores privados: vilas 7 100 015 70 368 70,4% 4% 10 053 Empresas municipais 13 358 738 86 560 24,1% 6% 6 658 Empresas distritais 52 980 268 121 800 12,4% 8% 2 342 Totais 392 6 773 151 1 567 991 23,2% 100% 4 000 Fonte: Dados da Estratégia de Abastecimento Urbano de Água e Saneamento (proposta). É de notar que se calcula haver mais de 300 operadores privados em Maputo/Matola. Será útil dividir o sector urbano em dois, com base nas actuais propostas para que haja duas entidades de gestão do investimento. Uma é o FIPAG e a outra uma organização chamada Agência de Investimento de Água e Saneamento (AIAS) que será criada a nível nacional, sendo as Agências Provinciais de Água e Saneamento (APAS) responsáveis pela gestão de activos a serem aplicados a nível provincial. Para dar uma noção das relativas responsabilidades em cada grupo, os dados são aqui apresentados como se a AIAS já existisse (ver quadro 7.3) Quadro 7.3 Repartição das Responsabilidades da Gestão do Investimento Número População População servida Percentagens Média de de Urbana dos Pop. sistemas 2006 Pop % investidores servida FIPAG 13 4 191 989 1 068 066 25,5% 68% 76 290 AIAS 78 2 223 888 385 315 17,3% 25% 4 940 Operadores privados de Maputo 300+ 357 273 114 610 32.1% 7% 382 Total 391 6 773 151 1 567 991 23,2% 100% 81 612 Nota: 1. Estes números diferem ligeiramente dos números da proposta da Estratégia Urbana WSS, mas não ao ponto de criar uma diferença em termos de política. 2. Nesta fase não há a certeza se os pequenos operadores privados de Maputo serão apoiados com fundos pelo que são inscritos separadamente. 213 FIPAG e os seus Operadores Actualmente o FIPAG tem três contratos-tipo para a prestação do serviço de abastecimento de água:  Contrato de cessão com Águas de Moçambique (AdM) para Maputo e Matola. Contrato por 14 anos, com início em 1999. Significativamente, a área de cessão não abrange presentemente toda a área de Maputo e Matola, mas sim o núcleo central urbano e apenas uma parte das zonas periurbanas. Presentemente o FIPAG está a negociar com pequenos operadores privados (POP) dentro e fora da área de cessão, para estabelecer até que ponto e como os actuais fornecedores continuarão a fazer a prestação do serviço. Há alguma expectativa que aqueles que estão localizados dentro da área de serviço sejam abrangidos pelos operadores da concessão no decurso dos próximos 4 anos.  Contrato de gestão com a AdM para mais 5 cidades: Beira e Dondo (um sistema), Nampula, Quelimane e Pemba, efectuado em 1999. O contrato de gestão com a AdM era válido por 8 anos e já terminou. Contratos de cessão para as quatro cidades estão agora em oferta.  Gestão com apoio técnico da Vitens para mais quatro grandes cidades no sul: Xai- Xai, Chókwè, Inhambane e Maxixe, efectuado em 2003 e alargado depois a Chimoio, Manica (incluindo um pequeno município vizinho, Gondola) e Tete (incluindo um pequeno município vizinho, Moatize) alguns anos depois. O contrato com a Vitens é um contrato de serviços para todos os aspectos das operações. Empresas Públicas de Água Seis cidades entre grandes e médias, no norte do país, têm empresas públicas de fornecimento de água (Nacala, Lichinga, Angoche, Ilha de Moçambique, Gurué e Mocuba). Estas empresas foram concebidas para serem independentes, mas continuam ainda a ser controladas directamente pela DNA que nomeia as suas administrações. Embora haja indicações de que estas empresas de fornecimento de água não têm tido grande sucesso, é evidente que nas suas contas de exploração a maioria consegue 214 resultados suficientes para cobrir os custos. No entanto, não têm capital suficiente para fazerem a reabilitação dos sistemas e para providenciarem novas infra-estruturas.8 Os sistemas existents estão velhos e necessitam urgentemente de ser actualizados.9 Outra área problema será provavelmente a capacidade de gestão para garantir a sustentabilidade dos sistemas. Houve algumas tentativas por parte do Governo para desenvolver soluções sustentáveis para estes sistemas, mas com limitado êxito até ao presente. Operadores Privados (cidades não FIPAG) Os operadores privados em Moçambique podem dividir-se em dois grupos. (i) Aqueles com uma organização relativamente formalizada, operando serviços em 7 pequenas cidades, sendo Vilanculos a mais importante; (ii) operadores relativamente informais localizados nas áreas periurbanas de Maputo, dos quais há mais de 300 (mais perto até de 400).10 Há outros fornecedores independentes noutras zonas do país, mas em pequena escala. Conselhos Municipais funcionando como Operadores Há conselhos municipais actuando de facto como operadores, nas seguintes circunstâncias:  3 das 23 autarquias na categoria das canalizações de grande dimensão que não fazem parte do FIPAG e também não têm uma empresa pública da DNA no local: Cuamba, Montepuez e Chibuto.  8 das 10 autarquias mais pequenas que estão agrupadas nos pequenos sistemas canalizados, sendo as duas excepções Vilanculos, que tem um operador privado, e Moatize, que está no âmbito do FIPAG, sobretudo devido à sua proximidade a Tete. Damos, a seguir, um resumo da informação sobre 6 sistemas municipais. 215 Quadro 7.4 Resumo Institucional e Operacional de 6 Sistemas Explorados por Conselhos Municipais Área Urbana Operador Funcionalidade Receita Cuamba Gerido por departamento Sistema construído em 325 clientes (Conselho do Conselho Municipal. 1974. Reduzida registados (excluindo Municipal – manutenção desde então e torneiras públicas). sistema qualidade da água abaixo Não é contabilizada alargado) da norma. Cobertura do separadamente a serviço estimada em 35%. água fornecida pela autarquia. Montepuez Empresa de água não Fornece a partir de furo. Grande parte das (Conselho registada, empregando 24 Claramente funcional. ligações têm Municipal – pessoas. O director é obviamente sistema também director do contador. Serviço alargado) Departamento Provincial pago. Cobre salários de Obras Públicas. e pequenos custos de Informações particulares manutenção. dizem que é um sistema bem gerido. Monapo Departamento do Reabilitado em 2003/04. É feita cobrança que (Conselho Conselho Municipal. Claramente funcional. 250 paga os custos Municipal) 8 funcionários a tempo ligações. básicos de operação. inteiro. Dificuldade em receber de clientes do Estado. Mocímboa Serviço organizado, 68 ligações domésticas. É feita cobrança para da Praia efectuado pelo Conselho pagar os custos (Conselho Municipal. básicos de operação Municipal) 10 funcionários. e de alguma manutenção. Metangula Departamento do Água captada em poços Não está a ser (Conselho Conselho Municipal. nas margens do Lago cobrada, mas foram Municipal) Emprega 7 pessoas entre Niassa. Actulmente em já calculadas tarifas. tempo inteiro e parcial. reparação. Milange Gerido por departamento Sistema antigo, da época São cobradas taxas (Conselho do Conselho Municipal colonial, com água mas não são Municipal) sob a direcção de um captada em nascentes. suficientes para conselheiro. 3 funcionários 489 ligações domésticas. pagar os custos a tempo inteiro. Mas o sistema está a básicos de operação. tornar-se inoperante e não pode ser expandido. Nota: Todos os dados deste quadro foram obtidos nos relatórios Baker preparados para a iniciativa de investimento MCC, 2006. Torna-se evidente a partir desta análise, que todas as autarquias têm uma administração que opera e mantém o sistema e cobra receitas, embora uma delas, Metangula, não estivesse a funcionar em 2006. Técnicamente os sistemas (com excepção de Metangula) 216 têm um funcionamento mínimo, com excepção de Montepuez que funciona bem. As autarquias cobram receitas que suportam os custos de operação e de manutenção mais básicos, mas não podem criar novas redes e provavelmente também não podem resolver falhas importantes nas infra-estruturas. Os Governos Distritais enquanto Operadores Há 58 áreas urbanas que não têm administrações autónomas e são, consequentemente, responsabilidade dos distritos. Como já foi anteriormente referido, nem todas têm sistemas canalizados. Cerca de metade, têm mais de 30 ligações que podiam ser usadas ponto de corte para um sistema canalizado. Não há muita informação sobre estes sistemas mas assume-se que são utilizados como parte dos sistemas de organização rural, desempenhando o governo distrital e as DPOPH as funções de operadores. Algumas destas áreas urbanas têm administrações distritais que estão a assumir a responsabilidade do funcionamento e manutenção. Mueda é claramente um caso invulgar, pois tem uma entidade com a designação de Serviços de Água de Mueda, com bastante pessoal, para uma população urbana de cerca de 18 000. Isto deve-se à complexa natureza técnica deste sistema específico. Os dados indicam também que algumas administrações cobram taxas. 7.7 Estrutura Institucional Existente — Saneamento No caso do saneamento, a responsabilidade transitou, legalmente, para o governo local, mas está em processo de transição para constituir os mecanismos práticos. Na realidade, há uma grande diversidade de circunstâncias no país, estando as diferenças relacionadas com a combinação de tecnologias utilizadas, que por sua vez estão relacionadas com a escala dos aglomerados urbanos. Em relação ao investimento em sistemas de saneamento, há apenas dois grandes sistemas de esgotos em Moçambique: Maputo e Beira, e um pequeno sistema que abrange toda a vila de Songo. Com respeito às opções locais das outras 31 autarquias (na maioria latrinas de fossa, latrinas de compostagem e tanques sépticos), as autoridades municipais são agora responsáveis por fiscalizar a implementação enquanto o funcionamento das instalações compete ao dono da propriedade. Há aqui um papel importante a 217 desempenhar pelo governo local em (i) promoção da saúde e da higiene; (ii) viabilização do acesso a placas para latrinas de fossa, quer seja com ou sem subsídio; e (iii) regulamentação do esvaziamento dos tanques sépticos em presumivelmente, das fossas. Presentemente, o serviço de esvaziamento de tanques sépticos é efectuado por uma combinação de operadores públicos e privados.11 A maior parte das pessoas em Moçambique, e a totalidade dos mais pobres, recorrem ao saneamento a seco, sendo a tecnologia mais largamente aplicada as latrinas melhoradas, com fossa. A DNA promoveu um programa nacional de saneamento que decorreu até 1999: o Programa Nacional de Saneamento a Baixo Custo (PNSBC). De acordo com a DNA12 foi distribuído um total de 330 000 lajes de latrina ao abrigo do programa, incluindo algumas em zonas rurais. Com a descentralização do programa para as autarquias e a consequente redução de financiamento, tem havido uma alarmante quebra na entrega de lajes (uma alternativa à entrega de latrinas melhoradas com fossa). Poderá haver três razões principais para este declínio: (i) o facto de ter sido atribuída ao governo local a responsabilidade do programa de melhoramento sanitário sem o necessário apoio; (ii) a transferência de responsabilidade para o governo local sem que se fizesse a transferência dos recursos financeiros usados para o programa nacional (PNSBC);13 ou (iii) a suspensão ou pelo menos, ambiguidade, relativamente ao subsídio disponível para as lajes de latrinas de fossa. Este subsídio entrou em colapso devido à retirada de apoio dos doadores e a falta de acordo quanto a mecanismos para a municipalização do serviço. A maioria das fontes indica que o colapso foi um resultado directo da suspensão do financiamento dos doadores. O actual financiamento do Governo é canalizado através das DPOPH, mas não é necessariamente aplicado ao saneamento de baixo custo. As 38 oficinas de construção existem num limbo legal, pois a maioria não tem um estatuto legal formal. Estão no entanto a desenrolar-se alguns acontecimentos muito interessantes no sector do saneamento urbano. As latrinas melhoradas estão a ser construídas fora do âmbito do programa para latrinas de fossa melhoradas (o PLM que faz parte do PNSBC) e um número ainda maior de latrinas tradicionais constitui o esteio do saneamento urbano. No entanto, muito poucas autarquias estão a desempenhar um papel no saneamento local e os principais actores são indivíduos, construtores privados, as CBO/NGO e o PLM. Por 218 último, nos 38 centros urbanos onde não existe um conselho municipal, o saneamento é supervisionado pelo Ministério da Saúde e a DNA.14 Quadro 7.5 Funções das Instituições Intervenientes no Saneamento Urbano Actividade Actual Curto Prazo Longo Prazo Formulação, coordenação e publicação de DNA políticas e estratégias a nível nacional Planeamento estratégico DNA Planeamento Programa de Investimento DNA, CM / serviços (semi-) autónomos Programa operacional DNA, CM / serviços (semi-) autónomos Mobilização de fundos DNA, CM / serviços (semi-) autónomos Gestão de Investimento CM Entidade Investidora / CM recursos Gestão de fundos CM / serviços (semi-) autónomos (operação e manutenção) Construção Sector Privado Manutenção CM / serviços (semi-) autónomos Implementação DNA, CM, Informação e publicidade Sector Privado NGOs Capacitação das DNA DNA, Entidade Investidora autoridades municipais CM/serviços Actividades de Criação e gestão de um DNA, DPOPH, (semi-) DNA, CM apoio à sistema informático CM autónomos implementação /DPOPHs Promoção de novas DNA, CM/ serviços (semi-) DNA abordagens autónomos Estudos e pesquisa DNA, CM DNA, NGO, Sector Privado Entidade Reguladora ---- MOPH ou CRA Fonte: Análise do Saneamento (WSP, 2008) DNA = Direcção Nacional de Águas, DPOPH = Direcção Provincial de Obras Públicas e Habitação, CM = Conselho Municipal Council, MOPH = Ministério das Obras Públicas e Habitação, CRA = Conselho Regulador da Água 7.8 Novos Desenvolvimentos Institucionais AIAS e os Conselhos Provinciais de Água Tem havido um excelente progresso na última década na criação de mecanismos institucionais em Moçambique, sobretudo no caso dos sistemas maiores onde intervêm o FIPAG e o CRA. Durante 2007 decorreu uma nova iniciativa para avaliar a situação em relação ao abastecimento de água em cidades médias ou grandes na região norte do país, que 219 decorreru sob os auspícios da MCC. Como parte dessa iniciativa, vai ser criada na DNA uma nova unidade de gestão do investimento, a que se deu o nome de AIAS (Administração de Infra-estruturas de Água e Saneamento). A AIAS será responsável por todos os sistemas de água urbanos que presentemente não estão sujeitos às disposições existentes ao abrigo do organismo para a Gestão Delegada. Ao contrário do FIPAG, a AIAS será também responsável pela gestão de investimentos em serviços de saneamento urbano. Para desempenhar esta responsabilidade, a AIAS terá autonomia administrativa, financeira e patrimonial, e terá poderes para mobilizar, planear e gerir fundos específicos, planear e fiscalizar a execução dos investimenmtos, promover parcerias público-privadas para o desenvolvimentoe prestação de serviços e introduzir contratos de desempenho com operadores públicos autónomos. Serão criadas APAS (Agências Provinciais de Água e Saneamento), compostas por representantes de dos municípios e dos distritos. A AIAS delegará responsabilidade nas APAS para a gerirem, contratare, e supervisionarem os operadores dos serviços. A criação das APAS tornará mas fluidas as relações entre os diferentes níveis criando uma ponte eficaz para a futura desconcentração e descentralização. O “Water Services and Institutional Support Project” (Projecto WASIS, financiado pelo Banco Mundial) tem por objectivo (i) fornecer financiamento para as redes de Beira, Nampula, Quelimane e Pemba; (ii) apoiar as estruturas institucionais da AIAS e das APAS; (iii) financiar ainda que de modo limitado subsídios de funcionamento enquanto se estão a criar ou reforçar os novos acordos com os operadores; e (iv) apoiar a expansão das responsabilidades do CRA como regulador do sector (Banco Mundial 2007). O papel do CRA, como regulador do abastecimento de água, será alargado, de modo a abranger médias e pequenas cidades e será realizado um estudo para avaliar a melhor forma de o fazer (Nathan and Associates 2007). Nesta altura (meados de 2008) estão a ser realizadas investigações de viabilidade para a AIAS e as APAS. Nesta fase preve-se que as APASs sejam ensaiadas em três das províncias no norte do país. 220 Avaliação das Medidas Institucionais — Abastecimento de Água Continua a ser pouco claro como como funcionarão os mecanismos condições institucionais propostos para as pequenas e médias áreas urbanas (as que não estão presentemente inseridas no FIPAG) e é necessário aprofundar esta análise. Os mecanismos propostos para a AIAs e as APAS vão ser ensaiados e está a ser preparada a definição legal das funções específicas de cada um destes organismos. Este processo deverá muito claramente ter em consideração as suas funções e a sua relação com outros intervenientes interessados do sector, em particular o governo local e os consumidores. Uma vez que a AIAS e as APAS vão ser ensaiadas em 3 províncias, haverá tempo para avaliar o seu desempenho e ponderar as lições aprendidas com este modelo. Para o sector das pequenas cidades, poderão ser desenvolvidos outros modelos. O papel das autarquias na governação da AIAS. The role of municipalities in the governance of the ASIS needs to be clarified. Formalmente, as autarquias estão representadas, pelo menos a nível político, no conselho do FIPAG. Em teoria, isto garante a participação destas autarquias nas questões de política associadas ao FIPAG. Tudo indica que a interacção entre o FIPAG, os seus operadores e as autarquias é na generalidade positiva.15 O FIPAG está agora a acrescentar cerca de 400 km de rede em 4 cidades: Beira, Quelimane, Pemba e Nampula. Será assim alcançada uma cobertura de mais de 50% nestas cidades, por meio de torneiras públicas em quintais individuais. Até que ponto existe uma boa comunicação entre a empresa de águas e a autarquia, é um dado menos claro. Há uma opinião generalizada de que a comunicação entre o FIPAG e as autarquias deveria ser melhorada, pelo menos através de um compromisso para estabelecer estruturas de coordenação nos contratos com os operadores e com os gestores contratados e também para dar às autarquias uma posição de participação nas decisões quando à localização dos investimentos. Um exemplo muito recente é a rede adicional de 400 km, que foi amplamente discutida com os presidentes dos CM das cidades que iriam beneficiar com a obra, os quais foram incluídos na tomada de decisões. Esta colaboração facilitou e consolidou a capacidade de planeamento das autarquias. 221 Outra questão preocupante no sector urbano das águas, é como integrar, a médio prazo, as condições existentes nos sectores formal e informal. A longo prazo, num período de 20 anos, as cidades deverão estar totalmente reticuladas (ver caixa em baixo). Dada a degradação das infra-estruturas de abastecimento de água ao longo dos últimos 30 anos, a capacidade para servir as pessoas com água de boa qualidade tem sido, nos últimos dez anos, uma tarefa muito difícil. No entanto, uma vez que estejam montados os sistemas iniciais, a capacidade para estabelecer mais ligações torna-se mais rápida. O FIPAG construiu obras de raiz durante os primeiros seis anos. Conseguiu levar a 650 mil pessoas acesso a novas redes mas tem capacidade para atingir uma cobertura total de 2,3 milhões nas 5 cidades. Existe actualmente um sistema crescente de operações para o abastecimento de água na maioria das cidades e nas vilas de maior dimensão. No entanto, o operador formal escolhido para efectuar o abastecimento de água, geralmente responsável pelo núcleo central urbano e parte das áreas periurbanas, não tem ainda possibilidade de dar total resposta à procura. Consequentemente, o sistema informal continua a existir nas restantes áreas periurbanas. Não havendo operadores formalmente designados nas áreas periurbanas, continua a haver uma dependência da água vendida por particulares, da venda de vizinhos, pontos de água públicos que o município apoia até certo ponto, num sistema em que as NGO e os comités para a água desempenham um papel importante. Em Maputo e na Matola, nomeadamente, há cerca de 300 operadores privados que instalaram sistemas canalizados a partir de furos. No que respeita à regulamentação, o CRA e as autarquias vão testar novos sistemas regulatórios indirectos através de um programa piloto nas áreas periurbanas. 222 Quadro 7.6 Aumento de potenciais ligações para 5 cidades ao abrigo do FIPAG Nº de Nº estimado % Cobertura Nº de Potencial ligações de ligações Aumento per capita potenciais aumento per em 2000 em 2007 em 2007 ligações capita de (calculando 5.3 utilizando a ligações pessoas por água adicional ligação) disponível Maputo 77 876 94 826 22 502 578 308 426 1 634 658 Beira 10 500 13 092 25 69 388 81 972 434 452 Quelimane 2 300 3 005 31 15 926 14 057 74 502 Nampula 4 800 6 440 34 34 132 23 240 123 172 Pemba 2 500 4 377 75 23 198 17 557 93 052 Sub-total 20 100 26 914 34 142 644 136 826 711 492 4 cidades Total 97 976 121 740 34 645 222 445 252 2 359 836 Avaliação dos Mecanismos Institucionais de — Saneamento Em relação ao funcionamento dos sistemas de esgotos com descarga de água em Maputo e na Beira, a experiência indica resultados mixtos. Na Beira, o presidente do CM considera que têm capacidade organizacional para gerir o sistema mas que há uma grave falta de capital para a reabilitação e alargamento do serviço. Entretanto, a UE está a fazer um substancial investimento na Beira. Não há, no entanto, a certeza de que a autarquia tenha capacidade para financiar as operações. Em Maputo, de acordo com o director adjunto entrevistado, há necessidade de mais pessoal com capacidade profissional. Além disso, a unidade organizacional de saneamento e drenagem está a ser reestruturada para admitir pessoal transferido do Governo nacional. Mas o principal problema é uma falta de verbas para lidar com a reabilitção necessária para criar um sistema separado de águas residuais e bombear os caudais de águas residuais (que presentemente vão directamente para o mar) para a estação de tratamento existente. Na generalidade, há a impressão de que os problemas organizacionais são solúveis no caso das áreas com grandes sistemas de esgotos, e que as questões a resolver continuam a prender-se com o investimento em infra-estruturas e viabilidade económica. Em relação a este último ponto, é ainda incerto até que ponto as famílias aceitarão pagar para terem ligação ao sistema, e é provável que muitas prefiram continuar a ter as fossas sépticas, porque têm custos mais baixos, pelo menos do ponto de vista da família. Dado o nível de bombagem necessário, os custos de operação serão também provavelmente um óbice. 223 7.9 Análise Financeira Análise Actual do Financiamento de Capital — Água Como parte da Estratégia Urbana WSS, que está actualmente a ser completada, tem sido feito um trabalho intenso para avaliar as necessidades de capital de investimento em água e saneamento, para cumprir com as MDG. Quadro 7.7 Investimento Necessário para o Abastecimento de Água (USD) População Investimento Investmentos Saldo ainda Investimento adicional a necessário em curso ou a ser per capita ser servida 2006-2015 ($) garantidos financiado ainda por 2015 2007-08 ($) ($) financiar ($) FIPAG 3 479 381 322 792 000 253 997 000 68 795 000 93 AIAS 1 333 646 231 875 769 45 580 400 186 29 ,369 174 TOTAL 4 813 027 554 667 769 299 577 400 255 090 369 115 Fonte: Estratégia Urbana de WSS (proposta). Estes dados reflectem os custos de construção de novos sistemas e não a reabilitação dos existentes porque em quase todos os casos os equipamentos datam da era colonial e estão totalmente degradados e não não dão resposta à situação actual. Nota: Os dados “AIAS” representam essencialmente todas as áreas urbanas que não fazem parte do FIPAG. Em relação aos compromissos de financiamento para estes investimentos, há três agrupamentos: (i) as cidades e vilas do FIPAG que beneficiam de várias fontes de financiamento; (ii) as cidades e vilas abrangidas pela iniciativa da MCC; e (iii) outras em que não há um compromisso de financiamento abrangente embora possa haver compromissos relativamente limitados para algumas áreas. O FIPAG parece ter conseguido perto de USD 500 milhões (só o projecto UE/BEI para Maputo representa USD 150 milhões). Informação recebida do Banco Mundial, situa o apoio da MCC para cidades a norte que não fazem parte do FIPAG (Nampula, Zambézia e Cabo Delgado) em USD 42 milhões mas um novo financiamento do Banco Africano de Desenvolvimento poderá acrescentar USD 34 milhões para esta área (Angoche, Cuamba e Lichinga). No caso do FIPAG é sabido que o pacote de financiamento é composto por uma combinação de crédito ao investimento e financiamento através de doações. O facto de o FIPAG estar a assumir empréstimos de montante considerável é o principal motivo para o 224 seu período previsto de 40 anos de existência, pois terá que abranger os vários períodos de reembolso. O financiamento da MCC será disponibilizado como doação. Vilanculos é um interessante estudo de caso uma vez que se verifica que está a ser oferecido crédito ao operador. Por último, a situação dos pequenos operadores privados de Maputo precisa de ser estudada. Não lhes foram concedidas verbas de doações e a maioria está a ser financiada de um modo que, no fundo, corresponde a capital (títulos de participação).16 Globalmente, é evidente que há um admirável compromisso com o financiamento do sector urbano das águas em Moçambique. Mas há algumas preocupações, a maior das quais é o acesso instável ao financiamento. É necessário estabelecer condições mais consistentes — ou pelo menos uma política de clareza e transparência — em relação ao acesso ao capital. As perspectivas são boas para as grandes cidades abrangidas pelo FIPAG, mas o grupo AIAS tem um grande défice de financiamento que não será resolvido até que a AIAS e um sistema local sustentável estejam definitivamente estabelecidos e com suficiente credibilidade para atrair o financiamento necessário. Análise Actual do Financiamento Operacional — Água Quadro 7.8 Principais Estatísticas Operacionais para uma Amostra de Municípios Número % receita de clientes Receita cobrada por ligação de ligações não residenciais MZM milhões/mês USD/mês Operações FIPAG MAPUTO 98 124 41% 0,28 11,43 BEIRA 14 633 41% 0,40 16,66 QUELIMANE 3 413 36% 0,38 15,50 NAMPULA 9 467 38% 0,29 11,88 PEMBA 5 094 40% 0,35 14,23 Empresas de Água DNA LICHINGA 941 0,44 18,26 NACALA 2 568 0,21 8,79 ANGOCHE 675 0,26 10,65 Operação Municipal CUAMBA 325 0,11 4,44 Fonte: Dados do FIPAG reunidos como parte da Estratégia Urbana WSS (dados de 2006) e informação obtida nos relatórios Baker para pelo menos três centros urbanos. Nota: (i) Receita que se presume como efectivamente cobrada e não apenas facturada. (ii) Ligações são apenas aquelas que estão em estado de funcionamento; em média, na zona de abastecimento pelas empresas da DNA um terço das ligações não estão operacionais. 225 Embora haja dados relativamente confiáveis sobre as operações do FIPAG, com excepção dos relativos aos resultados das contas de operação, em relação às outras empresas de águas de Moçambique os dados são menos fiáveis. No entanto há algumas observações importantes que se podem destacar aqui: Sobre o perfil de clientes e cobrança: Há uma uniformidade surpreendente no perfil dos clientes das 5 grandes operações FIPAG seleccionadas. Mais interessante ainda, todas têm uma proporção relativamente elevada de receita colectada (em valor ou em ligação) com origem em fontes não residenciais — incluindo indústrias, entidades comerciais, instituições, escolas, hospitais, serviços do governo, igrejas, etc. No caso das empresas da DNA, esta informação não está disponível em todos os casos, mas tudo indica que em Lichinga há uma elevada proporção de clientes não residenciais e o rendimento por ligação é elevado. Em Cuamba a maioria dos clientes são presumivelmente residenciais e o rendimento por ligação é baixo (o que poderia ser influenciado por uma ineficiente cobrança). No caso das cidades mais pequenas, há alguma informação contida no Quadro 7.5 que indica se as autarquias responsáveis pelos sistemas estão a cobrar receitas e em que medida estas cobrem os custos de operação. Os resultados são mistos, sendo Montepuez claramente um bom exemplo de bom desempenho enquanto os outros sistemas tem resultados geralmente insuficientes. Relativamente à água contabilizada: o nível de água não contabilizada, nos sistemas do FIPAG, é elevado em relação os termos de comparação internacionais em sistemas que funcionam bem, que é aproximadamente 25%. Os sistemas antigos têm um papel importante para explicar esta situação e o mesmo se aplica, provavelmente, a sistemas fora das áreas FIPAG. No entanto a detecção de fugas e o controlo de ligações ilegais são muito fracos em quase todos os casos. Embora seja voz corrente e insistente em Moçambique que os sistemas que não são explorados pelo sector privado funcionam mal, há que qualificar esta opinião: é que eles podem estar em situação em que não têm acesso a aconselhamento técnico e não conseguem capital para reabilitar os equipamentos que são na generalidade antigos, e é por isso que os sistemas privados funcionam melhor. Por exemplo, Montepuez e Manhiça 226 funcionam bem com gestão pública, enquanto alguns sistemas geridos por privados, como a Namaacha, estão com grandes problemas. Sistemas de Subsídios: Água Idealmente, a cobertura dos custos de operação do abastecimento de água, deverá ser feita através de tarifas pagas pelos consumidores ou taxas pagas pelo público em geral. Uma das preocupações principais, tal como na maioria dos países em desenvolvimento, é a medida em que subsídios são aplicados à conta de exploração. Surgem sempre fortes argumentos para que não sejam aplicados subsídios, mas também há argumentos a favor, que geralmente se dividem em dois grupos: (i) subsídios estruturados para permitir o acesso dos pobres ao serviço; (ii) subsídios temporários ou ad hoc para cobrir défices de exploração e manter em funcionamento ou criar uma unidade de exploração. Em Moçambique a primeira opção é muito limitada a programas específicos como o Global Partnership on Output-Based Aid (GPOBA) que subsidia ligações (não são subsídios à exploração) e a política é de que os subsídios sejam limitados a investimentos de capital, sendo o financiamento geralmente fornecido por doadores internacionais. No caso dos subsídios ad hoc, tudo indica que a DNA tem suportado parte dos custos das suas empresas de água, sobretudo nos produtos químicos. A abordagem do subsídio temporário tem sido aplicada em casos de operações do FIPAG. A informação disponível, que foi utilizada para recolher os dados estatísticos de exploração citados acima, não inclui despesas e consequentemente não é possível determinar o intervalo entre receita e despesa. No entanto, informações obtidas do CRA indicam que a exploração Maputo/Matola está muito próxima de uma independência de subsídios e que outros sistemas estão a progredir nessa direcção.17 Concluindo, é evidente que no caso dos sistemas de menor dimensão e daqueles que são explorados por empresas privadas, não são aplicados subsídios de exploração. No entanto, os fornecedores em pequena escala não pagam o custo da captação da água nem taxas de redução dos recursos hídricos relativamente á água que usam, ao contrário do FIPAG, que paga uma taxa sobre a água. Não há também regulamentação de qualidade para os pequenos fornecedores que também não fazem testes de qualidade, um custo que 227 os operadores do FIPAG têm de pagar. Em Maputo, alguns já fazem testes e no decorrer de 2009 todos os fornecedores terão de os fazer. No entanto, a avaliação incluída no relatório Nathan indica que será necessário subsidiar a maioria das médias e pequenas explorações, para que possam obter bonns resultados, por um prazo que em certos casos se poderá prolongar até 2015.18 Tarifas e Preços: Água O CRA tem publicado informações sobre tarifas em jornais locais, nas 9 cidades servidas pelo FIPAG, duas vezes por ano. Em 2005 o preço médio pago em Maputo à AdM, o principal operador, era de USD 0,40 por metro cúbico (m3), enquanto o preço médio pago a operadores privados foi de USD 0,84 por metro cúbico. O preço médio do metro cúbico em Lichanga era de USD 0,32 em 2006. O custo para produzir água, em Nacala, foi de USD 0,65 por metro cúbico em 2006, pelo que a tarifa de recuperação de custo teria de ser mais elevada. Em Cuamba, a autarquia aplicou uma taxa fixa de USD 3,60 por ligação residencial. Para além destes custos, é essencial ter em consideração os custos das ligações. Esses custos são o principal obstáculo para os pobres, pelo que terão de ser instituídos subsídios. No caso das explorações do FIPAG, as tarifas são regulamentadas pelo CRA e, em relação às actuais ligações, serão comportáveis, uma vez que o pagamento de contas é relativamente bom (embora os 67% registados pelos clientes residenciais de Maputo não sejam aceitáveis). Não foi avaliado até que ponto a DNA regula as tarifas das suas empresas mas presume-se que terá peso nesta matéria. Devido à grande concorrência entre os 300 pequenos fornecedores que operam em Maputo, embora cobrem tarifas elevadas, são reguladas pelo mercado e as pessoas aceitam bem pagar. Nos sistemas explorados pelas autarquias, as tarifas são provavelmente demasiado baixas para a recuperação de custos e os níveis de cobrança são provavelmente também baixos. Em relação à viabilidade económica, o governo criou uma regra que a contempla nas tarifas reguladas pelo CRA, que é aplicada às facturas dos consumidores pobres (consumo social) e não deve exceder 4% de dois salários minímos. Esta é uma obrigação estatutária. 228 Avaliação Global de Viabilidade: Água São necessários mais estudos pormenorizados para se realizar uma análise quantitativa de viabilidade, mas com base nos dados existentes e em entrevistas com pessoas responsáveis, é possível apresentar algumas opiniões preliminares.19 As explorações de abastecimento de água nos grandes centros urbanos parecem ser viáveis, através de um sistema de canalizações a servir o centro dos núcleos urbanos. O objectivo é fornecer tantas ligações quanto possível e expandir a rede até às zonas periurbanas de modo a aproveitar ao máximo as economias de escala. No caso dos centros urbanos pequenos ou de dimensão média, os custos de operação e os equipamentos são provavelmente menos sofisticados e os custos mais reduzidos. O nível do serviço é provavelmente também mais baixo. Baseamo-nos aqui no pressuposto de que o objectivo é proporcionar um sistema melhorado a todos os clientes. Haverá sistemas de dimensão média com níveis mais elevados de viabilidade, devido a circunstâncias específicas relacionadas com a sua base de clientes. Na realidade, isto é ilustrado pela existência de operadores privados em certos casos, por exemplo: um aldeamento de férias, um posto fronteiriço e uma povoação onde moram funcionários do Governo gestores da Barragem de Cahora Bassa. No caso dos sistemas mais pequenos, é por vezes possível manter os custos baixos, através de tecnologia apropriada e limitando a aplicação de sistemas canalizados. No entanto, de acordo com o estudo de Baker and Associate sobre as cidades a norte, para tornar os sistemas viáveis (sem provisão para encargos de financiamento de capital e, presumivelmente, desvalorização) as tarifas terão de aumentar substancialmente, em termos reais, em todos os sistemas analisados, com excepção de Nampula e Mocuba. Além disso, em 5 dos 9 sistemas FIPAG, a tarifa para 10 metros cúbicos de água por mês excederá o limite mínimo estatutário de 4% de dois salários mínimos. Não foi possível reunir este tipo de informação relativamente às cidades mais pequenas, mas é provável que a variabilidade seja a mesma. Além disso, a viabilidade de pequenos sistemas canalizados, que têm cobertura total na sua área (abastecendo todos os habitantes dessa pequenas cidades) não está universalmente assegurada.20 229 Na generalidade, esta avaliação conclui que, embora alguns destes sistemas sejam viáveis no sentido em que podem cobrir os seus custos de operação e manutenção, com as receitas das tarifas, muitos não o serão.21 Muito dependerá dos níveis de serviços a serem fornecidos por novos sistemas (e em particular quantos terão ligações individuais com contadores ) e em que medida os montantes facturados são realmente cobrados. Avaliação Actual do Financiamento de Capital — Saneamento Os montantes para o investimento necessário para cumprir com as MDG, no período 2006 a 2015, foram calculados no cômputo da Estratégia Urbana WSS e são resumidos a seguir no quadro 7.9. Quadro 7.9 Estimativas de Capital Necessário para Saneamento — 2006 a 2015 População Investimento Investimentos Saldo Investimento adicional a necessário em curso ou ainda a ser per capita ser servida 2006–2015 garantidos financiado ($) 2015 ($) 2007–08 ($) ($) Cidades e vilas grandes 3 458 381 167 250 475 67 300 000 99 950 475 48 Vilas pequenas 843 984 15 736 875 0 15 736 875 19 TOTAL 4 302 365 182 987 350 67 300 000 115 687 350 43 Fonte: Estratégia Urbana WSS (proposta) Nota: 1. O investimento necessário para cidades, no valor de USD $90,5 milhões (54%) destina-se a Maputo e Beira. Representa aproximadamente 50% do total necessário. 2. No caso das outras 21 cidades e grandes vilas, existem relatórios de saneamento para a maioria delas. 3. Os cálculos para vilas são baseados num montante de USD 60 por agregado familiar, para latrinas com fossa e USD 150 por agregado para tanques sépticos. O investimento de capital para saneamento é tratado em separado nos vários documentos de consulta para sistemas de esgotos e sistemas de tratamento localizado (on-site). No caso dos sistemas de esgotos, os cálculos são específicos para cada área. No caso dos sistemas localizados, os montantes são de USD 60 por agregado para latrinas com fossa e USD 150 por agregado para tanques sépticos. No caso de sistemas de saneamento baseados em latrinas melhoradas com fossa, a principal questão em debate é o montante do subsídio a ser aplicado à compra de componentes. Não há de momento uma certeza, mas é provavelmente certo dizer que a 230 procura, nas áreas urbanas, aumentará se houver subsídio. O debate precisa de ser alargado, de modo a considerar os sistemas de uma forma integrada — i.e. deposição, contenção e eliminação — e também considerar o equilíbrio entre marketing e subsídio, havendo bons indícios provenientes de outros lugares de que o marketing pode ter melhor eficiência de custos, de um ponto de vista governamental. Análise Actual do Financiamento Operacional — Saneamento Há novos e importantes compromissos de financiamento para sistemas de esgotos, sendo a Beira beneficiada com financiamento da UE e com a MCC a apoiar sistemas sanitários de esgotos em parte de Nacala, Pemba, Quelimane, Nampula, Mocuba e Gurué. Todo o financiamento está consignado no Compacto da MCC. No caso do sistema de saneamento com tratamento localizado, nas 23 cidades e grandes vilas, abrangendo as áreas periurbanas das que têm alguns sistemas de esgotos, recorreu- se sobretudo ao Departamento de Saneamento (DES) da DNA e aos 38 workshops, por vezes designados como PLM (Projecto de Latrinas Melhoradas), a maioria dos quais da responsabilidade das DPOPH. Com a transferência da responsabilidade deste programa para o nível provincial, é manifesta a falta de fundos disponíveis para as autarquias. Não foi possível fazer uma avaliação aprofundada desta situação para este estudo, mas as autarquias têm capital muito reduzido e a Beira, por exemplo, não tem um orçamento separado para investimenmto em saneamento. Pode acontecer que algumas das actividades necessárias, como a promoção do saneamento e o apoio a organizações privadas que fabricam componentes para as latrinas de fossa estejam inseridas na conta de exploração. Em suma, há muito pouco financiamento disponível e apenas uma ou duas autarquias esclarecidas o estão a gastar para este fim, com algum fluxo de caixa proveniente do orçamento de Obras Públicas. A Estratégia Urbana WSS faz recomendações sobre o financiamento do saneamento e identifica 8 componentes:  Construção e reabilitação de sistemas de drenagem sanitária e de águas pluviais.  Tratamento e disposição de tanques sépticos e de lamas das fossas. 231  Operação e manutenção dos sistemas de águas residuais.  Programa nacional de saneamento a baixo custo (PNSBC).  Pesquisa e desenvolvimento de opções tecnológicas de saneamento.  Promoção da higiene incluindo campanhas relacionados com o uso de latrinas.  Apoio ao envolvimento do sector privado no saneamento. Criação de serviços para o esvaziamento de tanques sépticos e fossas. O êxito das empresas de saneamento, de um ponto de vista financeiro, está obviamente relacionado com a capacidade de gerar receitas que permitam cobrir o custo de um programa bem organizado. O saneamento está agora firmemente identificado como responsabilidade do poder local e em particular dos conselhos municipais, pelo que a relação custo-receita é, neste caso, de enorme importância. Mas foi já referido anteriormente que há um importante papel a ser desempenhado pelo Governo nacional e pelo governo provincial em apoio do poder local e as verbas têm também de estar disponíveis nestes outros níveis de governo para que possam prestar o necessário apoio. Para que as autarquias assumam a responsabilidade pelo saneamento, necessitam de ter unidades operacionais nas suas organizações com responsabilidade por este serviço e têm de ter capacidade para gerar receita suficiente para cobrir o custo dessas unidades. Não se pretende sugerir que a prestação de saneamento eficaz é exclusiva responsabilidade do município; em termos de política, em Moçambique, as famílias têm de assumir a responsabilidade primária de adquirir as suas próprias latrinas na maioria das áreas onde é aplicável o sistema de tratamento localizado, sendo o Governo responsável pela promoção. Calcula-se que as famílias financiarão cerca de 38% da totalidade do programa (WSP 2008). No entanto, os Conselhos Municipais terão de, pelo menos, (i) fiscalizar a implementação de um programa de saneamento para a sua área que incluirá a coordenação com estrutras dos governos nacional e provincial; (ii) colaborar com CBO e NGO apoiando-as para promover a instalação de opções adequadas de saneamento com tratamento localizado, tanto latrinas de fossa como tanques sépticos; (iii) promover melhoramento na saúde e na 232 higiene; (iv) apoiar o desenvolvimento de um sector privado que fabrique componentes para latrinas; e (v) viabilizar o acesso a subsídios para componentes de latrinas se se concretizar uma decisão para criar tais subsídios. Além disso, onde existam sistema de esgoto, o funcionamento e manutenção das infra- estruturas, incluindo esgotos, estações de bombagem (se aplicável) e unidades de tratamento, resultam em custos substanciais. E, finalmente, há necessidade de garantir a existência de serviços para o esvaziamento de tanques sépticos e de fossas. No caso dos sistemas de esgotos e dos serviços de despejo, é possível às autarquias contratar serviços externos para executar estes trabalhos. Há uma escassez de boa informação sobre o custo de fornecer esta gama de serviços. Há também alguma ambiguidade sobre o que pode ser considerado como custo de capital e custo de exploração.22À partida, é útil avaliar quanto estão as autarquias a gastar presentemente em saneamento. Em 2006, a Beira orçou em 4% do seu orçamento de exploração as despesas com o saneamento, incluindo a operação e manutenção do sistema de esgotos que inclui estações de bombagem e tanques de tratamento. No entanto, a Beira não é, provavelmente, um exemplo da norma, devido à escala dos seus problemas de saneamento e a importância política que, consequentemente, este assume. O orçamento de exploração de Maputo não apresenta elementos separados para o saneamento, que é incluído na verba global para infra-estruturas como senco 27% do orçamento total. Das nove cidades e vilas grandes a norte, avaliadas como parte da viabilidade de investimento da MCC por Baker and Associates, só duas parecem ter contas separadas de saneamento, e apenas uma conseguiu dar uma “estimativa” das despesas orçamentadas. Numa estimativa idealizada do que custaria explorar e manter um sistema de esgotos em cinco cidades do norte, a Baker and Associates calcula um custo médio de USD 2,12 por ligação e por mês. Esta estimativa é muito baixa. Por exemplo, na África do Sul, os custos situam-se normalmente na ordem dos USD 6 por ligação e por mês. Geralmente os custos do saneamento são mais elevados que os da água, especialmente em terrenos planos que requerem muita bombagem. 233 Do lado da receita, as autarquias recebem receitas de fontes locais (taxas e tarifas de serviços prestados) e de transferências do Governo nacional. Ainda que Moçambique tenha um sistema de imposto predial, o valor das propriedades não é actualizado pelo que a receita cobrada pelas autarquias com este imposto é reduzida. Em relação ao saneamento, esta poderia ser uma fonte de receita e há precedentes internacionais de financiamento dos serviços de saneamento a partir do imposto predial. Há uma nova iniciativa em Moçambique para tarifas destinadas ao saneamento: uma taxa de saneamento que é acrescentada à factura da água. Esta iniciativa tem sido aplicada em muitas partes do mundo, como por exemplo na África do Sul. Tem a vantagem de simplificar relativamente a cobrança. De momento, o CRA deu aprovação para a aplicação desta tarifa de saneamento na Beira e está a funcionar há um ano.23 Está iminente a aprovação de uma tarifa igual para Maputo. Actualmente a tarifa parece ser aplicada sobretudo a sistemas de saneamento com descarga de água. Foi proposto o ressurgirmento de um programa nacional de saneamento, na mesma linha do PNSBC, como parte da Estratégia Urbana WSS e que deveria ser apoiado. Mas a questão que surge então é se ele poderá ser adequadamente financiado e quais os novos mecanismos de financiamento que o poderiam conseguir.24 Avaliação Geral de Viabilidade — Saneamento Parece existir um problema de fundo com a prestação do serviço de saneamento nas áreas urbanas de Moçambique: pede-se às autarquias que empreendam programas de melhoramento do saneamento, mas estas não têm recursos para o fazer. Embora haja transferências do Governo nacional, tudo indica que essas verbas não são aplicadas ao saneamento. Os recursos financeiros disponíveis para montar um programa de apoio nacional ao saneamento, possivelmente a cargo das províncias, também não parecem disponíveis ao nível necessário. 234 7.10 Principais Desafios Sobre Tecnologia e Níveis de Serviço Em Moçambique são praticadas muitas tecnologias para o abastecimento de água, mas nem todas são consideradas como adequadas a nível oficial, como é o caso de pontos de água (geralmente poços com bombas manuais), pequenos fornecedores e revendedores de água. No entanto, há necessidade de uma combinação variada de níveis de serviço, num contexto de recursos limitados, e estas fontes fazem parte da realidade urbana. Seria importante, aceitar uma abordagem conjugando vários níveis de serviço, de modo a conseguir uma política adequada, incluindo a regulamentação dos vários fornecedores. Há uma necessidade imperiosa de reabilitar os sistemas de esgotos de Maputo e Beira. Estão a ser estudados sistemas de esgotos para outros grandes centros urbanos mas só poderão ser implementados se houver a certeza de que é possível obter uma receita de clientes que assegure os custos de funcionamento destes sistemas. Em Moçambique há uma larga utilização de tanques sépticos, os quais continuarão a ser uma opção importante, mas a sua aplicabilidade em densas zonas urbanas suscita dúvidas, pois há alguns problemas graves na descarga de tanques sépticos em sistemas de deflúvio ou para estradas e caminhos. É prioritário encontrar sistemas para o esvaziamento dos tanques sépticos e, pelo menos em Maputo e Matola, parece haver operadores privados preparados para o fazer, embora isso não aconteça noutros pontos do país. Outra necessidade imperiosa é a instalação de sistemas higénicos de tratamento e eliminação. É também uma prioridade avançar com saneamento adequado de baixo custo e no local. Serão necessárias várias tecnologias (como latrinas de fossa melhoradas ou opções como as sanitas de compostagem) para corresponder às condições económicas e físicas, mas nem todas estão ainda totalmente desenvolvidas. Além disso é importante fazer passar informação sobre as tecnologias existentes para o nível da população. 235 Sobre as Disposições Institucionais para o Abastecimento de Água Sobre a Autoridade O termo autoridade é aqui utilizado para referir a entidade do Governo que tem a responsabilidade pelo serviço ao abrigo da legislação. Num sistema a três níveis como o que existe em Moçambique, será o Governo nacional, provincial ou local, com a exigência adicional da responsabilidade a nível do governo local ser atribuída aos conselhos municipais ou aos governos distritais. A autoridade não tem de ser a provedora do serviço em si. Embora haja alguma ambiguidade sobre se o MOPH e o seu departamento DNA são, na prática, a autoridade para o abastecimento de água, a lei e o organismo Coordenador da Gestão Delegada, estão articulados de uma forma que faz da DNA a autoridade responsável pelo abastecimento de água. As funções dos diversos níveis de governo e das várias agências precisam ser claramente desagregados, de modo a esclarecer quais os aspectos do abastecimento de água que poderiam mais eficazmente ser descentralizados. No caso do saneamento, pelo contrário, está claramente reconhecido na lei que é uma responsabilidade do poder local, com particular destaque para o reforço do papel das autarquias. Entretanto, o FIPAG não reporta à DNA já que ambos reportam directamente ao Ministério das Obras Públicas. Nas pequenas cidades, os conselhos municipais e os governos distritais têm de assumir a principal responsabilidade pelo funcionamento dos sistemas de abastecimento de água, mas não estão definidos na lei vigente como sendo a autoridade competente, embora a legislação autárquica indique a responsabilidade partilhada das autarquias. Há também motivos sérios de preocupação em relação às grandes cidades, sendo Maputo o exemplo mais crítico, em que a autoridade não é claramente definida entre o FIPAG e a autarquia, em relação a todas as áreas dentro dos limites do município. Contratualmente, a área da concessão do operador privado abrange todas aquelas sobre as quais o FIPAG tem responsabilidade em Maputo, quer tenham sistemas formais de canalização ou não, o que significa que uma série de pequenos fornecedores deveriam estar abrangidos na área da ADeM. As implicações desta situação estão a ser presentemente analisadas pelo FIPAG. 236 O papel das autarquias não é ainda claro em relação às propostas da AIAS e às agências provinciais de água que contratarão operadores em zonas urbanas de 3 províncias piloto. Seria importante clarificar quem é a autoridade nestas circunstâncias e definir o papel das autarquias. Para começar, os distritos e autarquias nas províncias terão representantes na direcção das APAS (Agências Provinciais de Água e Saneamento) e a AIAS terá acordos de cooperação com todas as autarquias. Sobre os Operadores Há uma larga gama de operadores — as organizações responsáveis pelas operações de abastecimento e manutenção do serviço, interfaces com os clientes e cobrança de receitas — que estão estabelecidos em Moçambique e esta é uma grande força do sector. Como já foi referido, os operadores vão desde empresas locais e internacionais, a entidades privadas que estabeleceram os seus próprios acordos particularmente em Maputo, a entidades do poder local: autarquias que executam elas próprias este serviço. Nas novas recomendações avançadas pela DNA (Nathan and Associates 2007), há uma proposta muito firme de que o governo local não deve actuar como operador, com a recomendação que o operador seja uma empresa privada ou uma empresa pública. A nível regional, a experiência tem sido mista, mas algumas das mais fortes empresas de abastecimento de água, como no Uganda e Senegal, são geridas a nível central. Em muitos países mais desenvolvidos do que estes, o poder local é responsável pelas operações de abastecimento de água, como é o caso dos Estados Unidos, Brasil 25 e África do Sul. É preciso referir, no entanto que as organizações existentes, criadas pelo órgão de Gestão Delegada para 14 do total de 23 cidades e grandes vilas, estão a registar bastante sucesso embora com algumas dificuldades de coordenação a abordar no ponto seguinte. No caso de Moçambique, há uma combinação de operadores privados e semi-privados 26 com contratos de tipo leasing , por um lado e com o FIPAG a assumir a responsabilidade de operador, com o apoio de gestores de contrato por outro. 237 Ainda que algumas cidades apresentem relacionamentos muito positivos, há também alguns presidentes dos conselhos municipais que pensam que os sistemas de coordenação com o FIPAG e os seus operadores não são satisfatórios. Têm sido referidos muitos exemplos relacionados com problemas técnicos associados à instalação de tubagens sem prestar atenção a outros serviços; falta de pagamento de verbas recebidas de subsídios de saneamento; e o comportamento de consumidores que levam os seus problemas relacionados com o serviço à autarquia e não ao FIPAG ou ao operador.27 As autarquias deveriam enviar estes queixosos aos escritórios do FIPAG em todas as cidades da sua responsabilidade. Para outros 6 dos 23 principais centros urbanos a responsabilidade do serviço é presentemente da DNA, através das companhias das águas. Estas empresas não estão a funcionar bem, mas sofrem severas dificuldades em relação ao acesso a verbas e a aconselhamento técnico de alto nível. As restantes 3 das principais 23, são em grande medida servidas pelas autarquias, e uma delas, Montepuez, com muito bons resultados, devido a uma gestão competente e acesso a alguns investimentos através de uma série de projectos. Mas as restantes acusam dificuldades. No caso das vilas, as 10 que têm conselhos municipais têm uma diversidade de sistemas e operadores. Quatro delas, segundo informações, (ver Quadro 7.5), estão em mau estado. Mas as autarquias têm conseguido cobrar receitas na maioria dos casos, ainda que com dificuldade. Estes municípios têm enfrentado severas dificuldades no acesso a verbas e as mais problemáticas têm sido as destinadas a reparar e alargar as redes. No caso dos sistemas das pequenas vilas subordinadas aos governos distritais, os operadores são essencialmente as próprias entidades distritais, com administrações locais em alguns casos. Os resultados são mistos mas na generalidade os sistemas quase que não funcionam. Globalmente, no caso dos sistemas que não estão inseridos no FIPAG, não se pode afirmar que o problema reside no facto de a responsabilidade pelas operações ser local; o problema pode bem ser a falta de acesso a recursos, sendo a falta de capital e de aconselhamento técnico de alto nível os mais importantes. O desafio que se põe é elevar 238 os sistemas a um nível de viabilidade técnica através de investimento e também criar uma gestão sustentável. Isto será mais difícil para os sistemas de pequena dimensão, pois serão também necessários mecanismos para os operadores contratarem fora (outsource) serviços que não podem assumir internamente devido a problemas de escala. Deveriam, eventualmente, ser considerados subsídios, pois estes sistemas não estarão provavelmente em situação de recuperar custos durante alguns anos. Gestão de Activos (incluindo Investimento) Os activos são geridos por uma das seguintes formas: (i) para as áreas centrais nas 14 cidades e grandes vilas, o FIPAG é responsável por realizar capital, gerir o investimento desse capital em infra-estruturas e contratar operadores; (ii) nas 6 grandes vilas servidas por empresas da DNA, o papel do gestor de activos é um tanto ambíguo, pois a DNA e a autarquia têm ambas um papel a desempenhar; (iii) no caso de operadores privados nas pequenas vilas a maioria dos investimentos iniciais vieram do sector público e no caso dos cerca de 450 pequenos operadores em Matola/Maputo o capital era dos operadores. Em ambos os casos os operadores têm sido responsáveis principalmente pela expansão, em especial da rede; e (iv) no resto das áreas urbanas a posição de jure é que a DNA é responsável, mas de facto nada foi feito e o poder local vê-se em parte confrontado com esta responsabilidade. O Governo decidiu resolver esta situação ensaiando uma nova unidade de gestão de activos, a AIAS, para assumir a responsabilidade de todas as áreas urbanas que não estão no FIPAG. Tem no entanto havido alguma discussão quanto à necessidade de separação dos sistemas de gestão de activos para as 23 cidades e grandes vilas (entre o FIPAG e a AIAS). Em relação à AIAS, é de notar que não se propõe que seja uma entidade de empreendimentos de risco: não é sua função contrair empréstimos e não efectuará contratos com operadores nem assumirá quaisquer riscos de exploração associados às operações de abastecimento de água. Será, essencialmente, uma unidade de gestão de 239 projectos, mas estas responsabilidades estão ainda a ser definidas e precisam ser coordenadas com as das APAS. Regulação O regulador, CRA, é responsável pelos sistemas abrangidos pelo órgão de Gestão Delegada que engloba as áreas geridas pelo FIPAG. Fora das 14 cidades e vilas FIPAG, o regulador é essencialmente e actualmente, a DNA. A instituição de uma estrutura regulatória diferente nestas 14 cidades e vilas é problemática. Mas há propostas para alargar a acção do CRA de modo a actuar como regulador nas cidades não-FIPAG, directa ou indirectamente. O CRA está presentemente a desenvolver mecanismos para delegar algumas das suas funções nas zonas periurbanas das cidades do FIPAG. Sobre o Financiamento de Capital Em Moçambique, verifica-se um interessante empenho no financiamento do sector da água e também algum interesse no do saneamento, por parte dos doadores internacionais e das agências financiadoras. Alguns destes financiamentos entram como doações e, no caso do financiamento do FIPAG, algumas têm a forma de crédito. É necessário um maior financiamento mas actualmente a preocupação é a capacidade do sector para absorver aquele que está assegurado. Entretanto, os fundos atribuídos a cada área municipal não são iguais: as grandes cidades estão a ter dotações per capita mais elevadas que centros urbanos mais pequenos e muitas pequenas vilas actualmente pouco recebem. As cidades e vilas maiores recebem mais capital de investimento porque é mais caro abastecer os cidadãos de grandes cidades, dada a distância a que se situam as fontes, a extensão das tubagens, estações de tratamento, etc. Embora se aceite que as áreas urbanas não podem ser todas financiadas em simultâneo, é necessário optimizar a forma como as verbas são atribuídas, o que requer um conjunto de regras ou orientações sobre o modo como os investimentos serão prioritizados, dado que os investimentos para o abastecimento de água são reconhecidamente irregulares. 240 Sobre a Receita de Exploração Há uma noção geralmente aceite de que os subsídios serão concedidos apenas numa fase de transição e que, a longo prazo, os operadores têm de ter capacidade para cobrir os seus custos de operação com as receitas cobradas aos clientes. Os consumidores actualmente servidos pelo FIPAG estão, na realidade, a beneficiar de um subsídio ao sistema, através de uma combinação de empréstimo e doação, ainda que esteja previsto que seja gradualmente retirado. E as novas propostas de financiamento para as pequenas e médias vilas também contemplam um subsídio durante um período de transição. Com base nesta análise, se não houver subsídio haverá ainda muitas famílias pobres que não terão capacidade para ter água canalizada em casa, particularmente em casos em que os custos do serviço são elevados devido às condições locais de recursos de água. Quando o fornecimento de água é restrito, frequentemente são os pobres quem mais paga. Estudos globais têm demonstrado que as economias de escala realmente prevalecem e que a melhor maneira de fornecer melhores serviços é fornecer tantas ligações quanto possível, recorrendo a modos inovadores de levar a água canalizada aos utentes, introduzindo ligações partilhadas, venda pelos vizinhos, etc. Já foi afirmado neste relatório que a aceitação de uma abordagem a níveis de serviço mistos é a chave para o sucesso. Sobre a Estrutura Institucional do Saneamento Sobre a Autoridade No caso do saneamento, o conceito da autoridade é claro onde existe um conselho municipal: pertence à autarquia. A autoridade para o saneamento, nas pequenas vilas onde não existe um município, é menos clara, mas assume-se que compete ao governo distrital. Esta noção de autoridade difere da que se aplica ao abastecimento de água, o que significa que a integração das actividades de água e saneamento a nível local se torna difícil. Há fortes argumentos a favor de uma maior integração entre o abastecimento de água e as empresas de saneamento canalizado. Essa integração é uma das características das estruturas propostas pela AIAS e pelos conselhos provinciais da água que, como se sabe, serão responsáveis por ambos os serviços. O papel e o envolvimento organizacional das autarquias deverão ser claramente definidos. De acordo com o WSP, no entanto, para 241 que tenham uma repercussão na saúde pública, estes serviços devem ser fornecidos em conjunto, mas não necessariamente pela mesma entidade. O abastecimento de água é, tipicamente, uma infra-estrutura centralizada, construída de uma só vez, que vai ao encontro dos consumidores. O saneamento com tratamento localizado — a solução para mais de 95% dos moradores urbanos durante ainda vários anos — depende de campanhas permanentes para persuadir e ajudar as pessoas a fazerem investimentos individuais. Isto é uma tarefa muito diferente do fornecimento em massa de um produto (a água). A evolução recente do saneamento a nível mundial começa a reconhecer este facto e estão a surgir estruturas institucionais separadas. Sobre as Actividades Operacionais No caso da operação e manutenção de infra-estruturas associadas a sistemas de esgotos, a situação actual é que são da responsabilidade da autarquia. Mas actualmente os sistemas, e em particular em Maputo, estão quase inoperativos. Não foi possível avaliar propostas relativamente a novos sistemas de esgotos propostos para outras cidades. A política é instituir serviços autónomos (empresas municipais de saneamento) que podem ter alguma participação privada. Em relação a sistemas localizados de saneamento (tanques sépticos, fossas, etc.) a actividade operacional está sobretudo associada a coordenação e promoção, incluindo a promoção da saúde e da higiene. Não existe de momento uma política sobre o esvaziamento, mas ele é feito por uma combinação de operadores municipais e privados. Assume-se que esta é uma responsabilidade das autarquias, mas a maioria não dispõe de meios para o fazer. As famílias têm de assumir a principal responsabilidade pela construção dos seus próprios sistemas localizados e por fazer a sua manutenção. Há uma política que prevê que o Governo central “promova” a construção de latrinas pelas famílias, mas as condições específicas não são claras. 242 Gestão de Activos (Incluindo Investimento) No caso dos sistemas de esgotos, a AIAS tem sido designada na Proposta de Estratégia Urbana WSS como responsável, no futuro, por estes equipamentos, pelo menos em termos de garantir a obtenção de financiamento e uma correcta instalação das infra- estruturas. Os comentários feitos em relação à AIAS nas secções relativas ao abastecimento de água aplicam-se aqui também. Receitas de Exploração do Saneamento Na falta de sólidos sistemas tributários locais, a introdução de uma taxa de saneamento ligada à factura da água é uma alternativa que abre a possibilidade de os novos ou recuperados sistemas de esgotos poderem ser explorados e mantidos com viabilidade. No entanto, estas taxas terão de ser mais elevadas do que as actualmente propostas, o que pode conduzir a problemas para a capacidade económica dos utentes. A receita necessária a um saneamento local é ainda muito elevada e torna necessário um mecanismo de financiamento com critérios claros e transparentes, para atribuir e transferir fundos para o governo local. Regulação A regulação aplica-se sobretudo a sistemas de esgotos, que representam uma importante infra-estrutura pública e cuja receita tem de ser cobrada a clientes ligados ao sistema. Há ainda uma questão por responder: até que ponto pode o CRA assumir esta responsabilidade. Programa Nacional de Apoio Tem sido reconhecida a necessidade de um programa nacional de larga escala, em apoio ao saneamento localizado, mas seriam necessários, uma considerável vontade política e recursos, para elevar esse programa a uma escala muito maior. 243 7.11 Operações Actuais Organização Institucional: Água A presente situação operacional baseia-se em três estruturas institucionais: 1. 15 cidades e vilas onde o FIPAG é responsável pelos equipamentos de abastecimento de água e pela gestão dos sistemas através do quadro de gestão delegada para operações. Todas estas cidades atingem o nível de recuperação de custos que permite ao FIPAG manter a operação e pagar o serviço da dívida. Outras cidades poderão vir a ser incluídas no FIPAG se conseguirem atingir a recuperação total de custos; 2. Todas as restantes vilas estão na dependência da AIAS, que é responsável pela gestão de activos, sendo o serviço prestado por empresas públicas contratadas pelas agências provinciais de águas (APAS), e: 3. As zonas periurbanas nas cidades e vilas FIPAG que não estão na área do operador privado e possivelmente algumas vilas AIAS também, continuam a depender de sistemas relativamente informais, em fase de transição. Com o tempo, todas serão integradas na rede reticulada. Entretanto, haverá aqui lugar para a intervenção de uma série de outros actores, incluindo a autarquia, o governo distrital e ONG, pelo menos como coordenadores e para fazer alguma fiscalização das áreas periurbanas. Sistema de Financiamento: Água Há compromissos de financiamento em larga escala para muitos dos grandes sistemas de água canalizada e de redes de tubagens de esgotos (nas 23 principais cidades) e a atenção vira-se agora para conseguir montar os dispositivos para a implementação e garantir a existência de sistemas operacionais, de modo a que os serviços sejam adequadamente geridos. O nível de financiamento atribuído deveria ser revisto em termos comparativos, para avaliar o nível de equidade nas actuais dotações. Para pequenos sistemas de fornecimento de água canalizada e pontos de água, o ideal seria instituir, por um período de 10 anos, um esquema de dotação de capital, de modo a optimizar a atribuição de fundos e para que possa haver uma expansão progressiva 244 dos sistemas. Esta acção deveria ser coordenada com a Abordagem Geral do Sector, ou nela inserida. Poderá haver necessidade de criar algum tipo de subsídio de operação durante uma fase de transição (ou ainda mais longa) para cobrir pelo menos assistência técnica e gestores de contrato. É preciso também estabelecer um enquadramento claro para garantir equidade nesta matéria. A disponibilidade de verbas para assistência técnica deve ser estabelecida para todas as áreas urbanas, em semelhança ao que foi atribuído nas zonas a norte, no âmbito do programa MCC. As APAS assumiriam esta responsabilidade. Os actuais custos de operação e manutenção, excluindo encargos de capital e assistência técnica durante um certo período, terão de ser cobertos por taxas. Mas pode ser difícil conseguir uma adesão a pagamentos em zonas onde há concorrência de recursos naturais a baixo custo. Disposições de Regulamentação: Água O CRA domina claramente a regulamentação do sector da água, em resultado do sucesso que tem tido na implementação e gestão da regulação da água. O CRA poderia (i) continuar a assumir a responsabilidade das áreas FIPAG; (ii) assumir a responsabilidade pela regulação de todos os fornecedores de água nas 23 cidades e grandes vilas; (iii) alargar a sua acção e aceitar a responsabilidade também das pequenas vilas; e (iv) assumir, em certos casos, uma responsabilidade indirecta. Tecnologia e Escolha de Nível de Serviço: Água O abastecimento de água e os sistemas de saneamento só serão viáveis se a tecnologia escolhida tiver custos que possam ser comportados por receitas locais (assumindo que se possa disponibilizar assistência técnica e capital, numa base de subsídios). No caso do abastecimento de água, isto implica que é necessário ter em atenção os níveis de serviço, com uma combinação adequada de ligações individuais, torneiras públicas, e pontos de água.28 Durante um período temporário, que pode ser de 10 anos ou mais até que os sistemas canalizados estejam amplamente difundidos e funcionais, os pontos de água (geralmente poços com bombas manuais) podem ter que ser aceites, mas devem ser 245 desencorajados devido aos riscos de contaminação. A maioria das torneiras públicas deveria ser ligada à rede. Organização Institucional para o Saneamento No caso dos sistemas de esgotos, existentes e futuros (provavelmente haverá uns 10 sistemas), estes encontram-se sob a autoridade municipal e deverão assim permanecer. A opção de integrar o abastecimento de água e as operações de saneamento deverá ser investigada em anos futuros, instituindo um operador responsável por ambos. Neste sentido é muito importante que o CRA assuma e responsabilidade regulatória para os sistemas de esgotos, pelo menos a médio prazo. No caso do saneamento localizado, o governo local, tanto autarquias como distritos, deverão ser responsáveis pela condução de programas de melhoramento do saneamento, no que será uma continuação do PLM que inclui promoção contínua da saúde e da higiene. Mas para que isto possa ser feito com eficácia, é necessário dar um grande passo de apoio, a nível nacional e provincial. Esse apoio poderia ser esquematizado como um programa de apoio nacional dos gabinetes provinciais. Idealmente, teria o envolvimento do Ministério da Saúde e do MOPH/DNA, e seria baseado em anteriores boas práticas. Financiamento de Saneamento Localizado Há uma necessidade urgente de instituir um fundo nacional para o saneamento, que efectue as transferências para o governo local destinadas a programas de saneamento urbano. As autarquias são responsáveis pelo saneamento, mas não têm acesso a financiamento para o fazer. Estas transferências poderiam ser faseadamente reduzidas (talvez ao longo de 10 anos), à medida que as fontes de receita locais forem consolidadas. Simultaneamente, é também necessário financiar o programa de apoio nacional, que é essencial para o sucesso dos programas locais. 7.12 Conclusão Há uma larga gama de experiências, modelos e propostas que podem servir de guia para os sectores de água e saneamento em Moçambique. Colhem-se aí importantes lições do 246 passado e oportunidades para a fase seguinte de implementação das várias abordagens e políticas. O ambiente institucional é particularmente dinâmico e ainda não estabeleceu um equilíbrio justo. A fase seguinte está a ser iniciada com destaque para duas novas instituições (e modelos associados), baseadas no sucesso do FIPAG até à data, que são as APAS e a AIAS. Estes modelos deverão ser cuidadosamente avaliados. O papel das autarquias terá de ser estabelecido em relação ao que desejam e ao que podem contribuir. No caso do abastecimento de água, as autarquias devem decidir se querem ser investidores e detentores dos activos, operadores, reguladores ou fazedores da política. Cada um destes papéis implica diferentes responsabilidades e não é fácil conjugá-las. É uma enorme tarefa para as autarquias, sobretudo agora. Seria importante que as agências a nível central ajudassem as autarquias a compreender os benefícios (e os riscos) associados ao modelo APAS/AIAS e a participar de um modo organizado e sistemático nas APAS. Por outras palavras, é importante prestar às autarquias a assistência e apoio para exigirem, das APAS e da AIAS os investimentos e serviços de que necessitam. É também importante esclarecer o enquadramento futuro da regulação, onde terão de ser acordadas as funções do CRA, da DNA e das autarquias, tanto para a água como para o saneamento. No que respeita ao saneamento, há necessidade de um importante investimento em sistemas canalizados e de um programa de apoio, através das autarquias, para que as famílias melhorem o saneamento localizado. Os sectores da água e do saneamento, em Moçambique, estão em rápida mudança e é muito importante estabelecer mecanismo apropriados de recolha de dados e realizar uma análise em contínuo de modo a informar a política para o futuro, em particular dada a importância crítica destes dois sectores na prossecução de muitas das MDG. 247 Notas Finais: 1 No caso dos dois sistemas de esgotos existentes, em Maputo e Beira ambos têm uma só estação de tratamento de águas residuais, com tecnologia de tanques. 2 22ª sessão do Conselho de Ministros em 21/08/07, publicada no Boletim da República 43/1, 5º suplemento 30/10/07. 3 São elas: Maputo e Matola, Xai-Xai, Chókwè, Inhambane, Maxixe, Beira e Dondo, Chimoio e Gondola, Quelimane, Tete e Moatize, Nampula, Nacala, Pemba e Lichinga. 4 As ARA, supervisionadas pelo MOPH, gerem as bacias hidrográficas do país. São responsáveis pelo licenciamento e concessionamento do uso e benefício de águas do domínio público, impondo servidões administrativas e aprovando obras hidráulicas, entre outros poderes. O FCGD é um órgão consultivo que integra representantes das principais entidades envolvidas no processo de gestão delegada e que trabalha para harmonizar os seus respectivos interesses. 5 Informação sobre a política rural de água e saneamento obtida principalmente de “Strategic Plan for Rural Water and Sanitation 2006-1015” elaborado para o Governo de Moçambique (MOPH-DNA). 6 Em dois casos investigados para este relatório, (Manhiça e Monapo) as autarquias são efectivamente os operadores e empregam pessoal para a operação e manutenção dos sistemas. 7 Este conceito está a ser discutido mas não foi legalmente definido por qualquer decreto legal. 8 Uma larga proporção de ligações existentes não funcionam (33% em Lichinga, 37% em Nacala e 28% em Angoche, por exemplo) e por vezes todo o sistema vai abaixo, geralmente devido a uma falha maciça de abastecimento. 9 As empresas não têm conseguido expandir as redes pelas quais são responsáveis (em media, apenas 14% de cobertura para todas as 6, o que é mais baixo que qualquer outro agrupamento de operadores). 10 Estimativa aproximada. Um estudo alargado feito por Seurica/Hydrocanceil para o FIPAG registou 190 pequenos fornecedores em 2004 e calculou que deveria haver pelo menos 200 nessa altura. Dado o rápido crescimento desta indústria o número de 300 não parece exagerado. 11 Por exemplo, em Maputo e Matola há 4 camiões cisterna em serviço da autarquia e 12 de operadores privados, alguns dos quais têm mais de um camião. A beira tem um serviço público com vários camiões cisterna recentemente adquirido e no Xai-Xai a autarquia tem apenas um tractor com atrelado e uma bomba de vácuo. 12 Entrevista com Paulo Óscar, DNA. 13 O Programa é gerido a nível nacional por uma unidade central de gestão (CMU) que tem responsabilidade pela política global, planeamento, coordenação, formação, mobilização de recursos, aquisições e gestão financeira. A CMU realiza visitas de supervisão às unidades provinciais. Há presentemente 8 Projectos para Latrinas Melhoradas (PLM) a nível provincial. 14 Ver diagrama 3 no relatório Rural Water and Sanitation Strategy report (2006). 15 O Presidente do CM da Beira acredita que a cooperação entre as AdM como gestor contratado e o município, é satisfatórioa. Em Maputo, o Directo Adjunto de água, saneamento e drenagem pensa que há muito pouca interacção, ao seu nível, entre operador e município. Em Nampula, tanto o FIPAG como o CRA têm escritório local, o que parece ter facilitado uma boa comunicação com a empresa de águas que está sob o controlo do FIPAG. 16 Nas entrevistas com os operadores a falta de acesso a capital foi considerada como a principal dificuldade. 17 Entrevista com Manuel Alvarinho, CRA. 18 Isto foi tomado em consideração no documento de avaliação de projectos do Banco Mundial (2007) para o programaWater Services and Institutional Support program ( WASIS). 248 19 O termo viabilidade é usado no sentido da situação em que o operador de um sistema consegue auferir receitas suficientes para cobrir o custo de um sistema bem organizado, a longo prazo, incluindo no custo a possibilidade do serviço da dívida constituída para capital de investimento em novas infra-estruturas e reabilitação das existentes. 20 Confirmado no relatório Nathan, que inclui uma análise de vários pequenos e médios sistemas e indica que muitos não serão viáveis, no curto prazo, sem subsídios. Mas que também mostra que será possível ultrapassar a fase dos subsídios a médio prazo (até 2015 o mais tardar). 21 Note-se que estes dados são interpretados com base no seu próprio mérito e esta avaliação não está necessariamente conforme com a que é dada nos relatórios Baker. 22 Por exemplo, os números dados anteriormente neste relatório, que foram usados para o cálculo de custo de capital — USD 60 por família para uma latrina com fossa e USD 150 por família para um tanque séptico — incluem o custo de componentes, quer este tenha sido suportado pela família, quer pelo município e de alguns elementos de gestão de programa. Assume-se que não incluem os custos de operação corrente incorridos na aplicação de um serviço continuado de promoção da saúde e da higiene, manter os contactos com as comunidades e proceder ao esvaziamento de tanques e fossas. 23 Embora esteja a ser feita cobrança pelo Saneamento pela AdM, a empresa gestora do contrato nomeada pelo FIPAG, a receita não tinha entrado na autarquia da Beira até Fevereiro 2008, segundo informou o presidente do CM. 24 Não foi possível avaliar a extensão de compromissos de financiamento, em detalhe, para este relatório. 25 Porto Alegre e Santo André 26 Nenhuma é, tecnicamente, do sector privado. A AdM é uma joint venture entre uma empresa pública portuguesa e capital privado. Nas outras cidades FIPAG, este organismo é o operador apoiado pela VITENS. 27 Este foi um dos grandes tópicos de discussão entre os presidentes dos CM no workshop sobre a análise deste sector urbano em Junho 2008. 28 Os furos como ponto de água, em zonas urbanas, devem ser evitados devido à contaminação através de saneamento inadequado, mas em zonas periurbanas muito depende da densidade e da localização do ponto de água em relação à latrina de fossa. 249 Capítulo 8. Gestão de Resíduos Sólidos 8.1 Introdução, Conceitos e Metodologia Os problemas relacionados com os resíduos sólidos na sociedade actual são complexos, dada a quantidade e diversidade produzida diariamente e que tem vindo a aumentar ao longo do tempo. O desenvolvimento explosivo das áreas urbanas, o aumento de consumo de bens descartáveis ou pouco duráveis conjugados com o financiamento limitado para a prestação dos serviços de limpeza urbana e baixa capacidade técnica para a operação desses serviços, requerem intervenções urgentes para minimizar os impactos na saúde pública e a degradação do meio ambiente. Os graves problemas resultantes da geração e deposição inadequada de resíduos sólidos tornaram-se um desafio para qualquer administração solucionar ou, pelo menos, diminuir o seu impacto negativo. Em Moçambique as autoridades municipais são responsáveis pela gestão dos lixos urbanos com base no Artigo 6 da Lei 2/97, de 18 de Fevereiro e Artigo 25 da Lei 11/97, de 31 de Maio. Embora as autarquias tenham a incumbência legal de garantir os serviços de limpeza urbana, na prática a falta de recursos financeiros, humanos e materiais, continua a comprometer a prestação destes serviços básicos. Este capítulo apresenta uma análise da presente situação em relação à gestão dos resíduos sólidos urbanos e algumas recomendações para melhorar a situação de uma forma sustentável. Procura ainda identificar boas práticas que possam servir de exemplo para a revitalização de modelos existentes ou como modelos alternativos de gestão. Metodologia Este estudo efectuou uma análise dos principais documentos existentes sobre a matéria e efectuou uma série de entrevistas com instituições governamentais e privadas, a nível nacional e autárquico. Os principais pressupostos metodológicos que orientaram o estudo são baseados no conceito de “gestão integrada de resíduos sólidos”, como um novo paradigma da limpeza urbana, alinhados com a Agenda 21, que estabelece como metas a 250 redução da geração de resíduos sólidos, o aumento da reutilização e da reciclagem, a universalização da prestação dos serviços e a deposição final ambientalmente correcta. Entre os conceitos básicos, define-se: Gestão Integrada de Resíduos Sólidos: Este conceito inclui os aspectos social, ambiental, cultural, económico, político e institucional, bem como as dimensões técnicas e operacionais de serviços de gestão sustentável de resíduos sólidos. Resíduos sólidos como parte do saneamento ambiental: As soluções para a deposição final devem estar em consonância com as directrizes nacionais e internacionais. Devem ser articuladas com o conjunto de actividades que constituem bons serviços de saneamento ambiental, abastecimento de água, esgoto sanitário, drenagem de águas pluviais, gestão de resíduos sólidos e limpeza urbana. Participação da População: A participação dos principais interessados (stakeholders) é essencial. Entre estes incluem-se as CBO, e os sectores informais e privados. Esta estratégia de participação difere de metodologias mais tradicionais e permite um contributo mais activo por parte dos diferentes grupos sociais. Inclusão Social: Os “catadores” (como são geralmente designados) de materiais recicláveis têm um importante papel a desempenhar e a criação de parcerias é essencial para estabelecer oportunidades de geração de trabalho e rendimento, especialmente para aqueles voltados para a recolha selectiva e reutilização de materiais recicláveis. Desenvolvimento das Capacidades Técnicas das Autarquias através de Formação no Local de Trabalho: Os estudos de gestão integrada de resíduos sólidos deverão ser elaborados tendo em consideração as competências técnicas e operacionais das autarquias e consequentemente a sua capacidade de implementação das acções propostas. Os técnicos locais deverão ser incentivados a participar no levantamento de dados. É de considerar um apoio técnico, para desenvolver as capacidades através de formação no 251 posto de trabalho e para garantir que serviços contratados, recebidos ou prestados, são adequadamente geridos. Parcerias Locais e Regionais: Neste sector são possíveis muitas e diversas parcerias, incluindo as público-privadas, parcerias entre autarquias (para atingir economias de escala), parcerias entre autarquias e distritos ou entre autarquias e província ou departamentos do Governo nacional. O desafio das parcerias é identificar os sectores ou organismos do Governo que podem ser complementares e trabalhar em conjunto para atingir objectivos comuns. Trabalho de Campo O trabalho de campo incluiu visitas técnicas às seis autarquias envolvidas neste estudo. Em cada município foram feitas entrevistas com os chefes dos departamentos responsáveis pelo saneamento, associações locais, directores das principais empresas industriais e de unidades sanitárias. Também foram realizadas visitas técnicas aos pontos mais críticos dos roteiros de recolha de resíduos sólidos, locais de deposição final e aos principais hospitais e centros de saúde. As entrevistas tiveram por base inquéritos que abordavam os seguintes aspectos:  O tipo de serviços de gestão de resíduos sólidos, incluindo a identificação de modelos operacionais em todas as fases do processo e identificando as dificuldades relativamente a: (i) acondicionamento; (ii) limpeza dos bairros (urbanos e peri- urbanos); (iii) transporte; (iv) deposição final e tratamento dos resíduos sólidos urbanos; e (v) formas de gestão de resíduos de serviços de saúde;  Identificação da abrangência de cobertura do serviço de recolha dos resíduos sólidos, das rotas e frequência da recolha, e a identificação dos constrangimentos que impedem o alargamento da cobertura do serviço;  As atitudes e comportamento dos cidadãos e instituições relativamente às questões da gestão de resíduos sólidos; 252  Os tipos de resíduos sólidos produzidos, em quantidade e qualidade (resíduos de serviços de saúde, domésticos, comerciais, industriais, resíduos especiais / tóxicos, etc.) e a forma actual do seu tratamento.  Recursos materiais, humanos e financeiros envolvidos no processo de gestão de resíduos sólidos;  As taxas e tarifas cobradas pela recolha dos resíduos sólidos e a eficiência de custo dos modelos de gestão dos resíduos sólidos;  Modelos de gestão em vigor ou alternativos, que sejam sustentáveis e eficientes e garantam a qualidade da gestão municipal dos resíduos sólidos. 8.2 Principais Conclusões e Desafios A síntese qualitativa dos levantamentos de dados realizados junto das autarquias envolvidas neste estudo é apresentada nos Quadros 8.1 e 8.2. Observa-se, no Quadro 8.1 que todos os serviços de limpeza urbana, em todas as autarquias, abrangem desde a recolha até à deposição final. No entanto, a qualidade dos serviços prestados pelos CM varia significativamente de actividade para actividade e mesmo de um município para outro (ver anexo 3 do capítulo longo no CD-ROM). 253 Quadro 8.1 Serviços de Gestão de Limpeza Urbana Disponibilizados pelos Municípios e Entidade Responsável Entidade Responsável em cada Município Serviços Cuamba Gurué Inhambane Maputo Nacala Quelimane Recolha de resíduos CM CM CM CM/T/P CM EP domésticos Recolha de resíduos CM CM P CM/P CM EP/P especiais – entulho Recolha de resíduos especiais – poda privada CM CM CM/P CM/P CM EP de árvores Recolha de resíduos especiais – grandes CM P - CM CM/P EP produtores Recolha de resíduos de P P CM CM/P CM/P EP/P serviços de saúde Recolha de resíduos de P - - P T P portos e aeroportos Recolha de resíduos CM P P P P P industriais Recolha de resíduos CM CM - CM/P CM EP comerciais Resíduos de limpeza das CM CM CM CM CM EP ruas Resíduos de sarjetas e CM CM CM CM CM EP valas de drenagem Resíduos de parques/praças/jardins CM CM CM CM/P CM EP públicos Resíduos de limpeza de - - CM CM CM - praias Resíduos de limpeza de CM CM CM CM/P CM EP mercados Tratamento de resíduos - CM - CM - - Deposição final CM CM CM CM CM EP Outros serviços - - CM CM CM EP Nota: CM: Conselho Municipal . EP: Empresa Pública. P: Produtor. T: Contrato com terceiros Os resultados apresentados no Quadro 8.2 a seguir, indicam que em relação às áreas abrangidas, a qualidade dos serviços de recolha de resíduos sólidos é satisfatória. Contudo, os serviços são quase inexistentes nas áreas periurbanas. Torna-se assim importante que os serviços sejam alargados e disponibilizados a toda a população. Conclui-se também 254 que todos os resíduos recolhidos são depositados em lixeiras a céu aberto, uma situação que potencia graves problemas ambientais e de saúde pública. Além disso, o Quadro 8.2 mostra que embora todas as autarquias apliquem uma taxa de gestão de resíduos urbanos, nem todas têm taxas diferenciadas consoante a quantidade e natureza dos resíduos recolhidos. Outra observação importante diz respeito à percentagem dos gastos com a gestão dos resíduos urbanos no total do orçamento das autarquias, que em média se calcula em 11% mas que varia entre 2% e 19%. Não foi, no entanto possível, obter o total das despesas dedicadas exclusivamente aos serviços de gestão dos resíduos urbanos, já que a maioria dos municípios tem a contabilidade conjunta, em especial no que se refere a pessoal. Por outro lado, os recursos são utilizados também para diversas outras actividades, pelo que estes números não reflectem apenas as verbas relacionadas com a gestão de resíduos. 255 Quadro 8.2 Síntese do Diagnóstico da Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos Área Despesas RSU Depo- Geográfica da TLU em % do Forma- Educação População Recolhidos sição Recolha Diferenciada Orçamento ção Cívica (T/dia) Final (% Área) Total CPM Urbana 90% Sim Cuamba 72 056 14 Lixeira Sim 4,2 PGIRSU Sim Não Periurbana 0% Permanente PE Urbana 100% Sim Gurué 140 025 15 Lixeira Não - CPM Sim Não Periurbana 30% Permanente Urbana 100% Inhambane 68 285 23 Lixeira Sim 14,37 CPM Não Não Sim Periurbana 30% CPM Urbana 90% RGRS Sim Maputo 1 068 607 450-600 Lixeira Sim 16,61 Sim Não Periurbana 60% PDRS Permanente Estatuto CPM Urbana 100% Sim Nacala 167 038 34-40 Lixeira Sim 2,0 PGIRSU Sim Não Periurbana 35% Permanente PDM CPM Urbana 100% Sim Quelimane 191 476 90 Lixeira Não 19,0 PGIRSU Não Não Periurbana 60% Permanente Estatuto RSU – Resíduos Sólidos Urbanos RGRS: Regulamento de Gestão de Resíduos Sólidos TLU – Taxa de Limpeza Urbana CPM: Código de Postura Municipal PGIRSU: Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos CM – Conselho Municipal Urbanos Estatuto: Estatuto da Empresa Municipal de Saneamento de Quelimane (EMUSA) PDRS: Plano Director de Resíduos Sólidos 256 Os dados quantitativos e qualitativos e a análise até aqui apresentados indicam a necessidade de um esforço sobretudo nas seguintes áreas: Estrutura Organizacional A gestão de resíduos sólidos é claramente uma competência municipal. Independentemente dos sistemas institucionais utilizados para a prestação do serviço, os municípios são os responsáveis pelo planeamento e monitorização destes serviços e por garantir a sustentabilidade económica do sector Podem ser utilizados diferentes sistemas institucionais para optimizar os serviços de limpeza urbana e cada um desses sistemas requer uma estrutura administrativa diferente. As formas geralmente mais adoptadas são a administração directa pela autarquia ou indirecta, através de uma empresa pública específica, ou mesmo de uma empresa público- privada. Qualquer que seja a opção o serviço pode ser prestado através de uma contratação de empresas privadas (outsourcing). À excepção de Quelimane, que criou uma empresa pública, a Empresa Municipal de Saneamento — EMUSA, os demais Municípios têm os serviços de limpeza urbana adstritos a uma direcção ou departamento do Conselho Municipal, i.e. em administração directa. A administração directa é geralmente a estrutura mais adequada para a gestão dos resíduos sólidos num município pequeno, onde a dimensão do serviço pode não ser suficientemente atraente para contratar serviços externos com vantagem económica. No entanto, a existência de uma organização específica, com uma estrutura administrativa e operacional, é fundamental para a execução destes serviços. A criação de uma empresa municipal só se justifica, geralmente, para as autarquias de maior dimensão, pois permite talvez uma maior agilidade e autonomia na prestação dos serviços. Mas a experiência da EMUSA, dada a sua recente criação (Junho 2007) não oferece ainda suficientes dados para avaliar o seu desempenho. 257 Qualquer que seja a opção institucional — directa ou indirecta, a estrutura administrativa tem de ser adequada a gerir a complexidade e a dimensão da autarquia, com recursos humanos competentes e qualificados. O Conselho Municipal será sempre responsável pela coordenação e controlo da qualidade dos serviços, mesmo em caso de serem contratados a terceiros. Sustentabilidade Económica e Financeira Existe em Moçambique uma taxa de gestão de resíduos sólidos que as autarquias podem cobrar através da EDM (a companhia de electricidade), que a acrescenta à sua factura para os consumidores domésticos. Sendo embora inovadora e eficaz como instrumento para realizar receitas, esta taxa (instituída por Postura municipal), é um tema muito controverso por uma série de razões, entre as quais a qualidade dos serviços prestados, o montante e o modo como a taxa é aplicada, as elevadas comissões cobradas pela EDM e porque as autarquias não têm acesso ao montante real arrecadado pela EDM. Para determinar se um sistema de limpeza urbano é auto-sustentável ou não, é necessário compreender as despesas correntes mensais, bem como as receitas previstas da taxa de resíduos urbanos e outras fontes de rendimento. Esta informação não está a ser tornada pública. O resultado dessa análise serviria como referência para orientar os gestores quanto ao desempenho financeiro do sector da gestão dos resíduos urbanos, avaliando se os montantes das taxas são suficientes, se precisam de ajustamento, ou se a forma de cobrança precisa de ser melhorada. A análise poderá também servir para definir a proporção do orçamento municipal (das receitas não especificamente destinadas) que é necessária para complementar o orçamento do sector dos resíduos urbanos. Com base nos dados disponíveis, este estudo demonstra que na maioria dos municípios a taxa de gestão de resíduos sólidos tem um valor inferior ao necessário para a sustentabilidade dos serviços de recolha e deposição final. Verificou-se também que o montante das taxas cobradas nem sempre diferencia as diversas categorias de produtores de resíduos. 258 De acordo com os decisores locais entrevistados, a sustentabilidade da gestão dos resíduos sólidos em todos os municípios está associada à necessidade de ter uma fonte específica de financiamento para este serviço. Em diversos países, o financiamento vem do imposto predial. Moçambique tem um sistema de imposto predial instituído, mas colecta muito pouco e está longe de atingir o seu potencial real. Consequentemente, na presente situação, as autoridades municipais concordam que há poucas alternativas à implementação de taxas de saneamento, com tarifas diferenciadas para os pequenos e grandes produtores de resíduos. A cidade de Maputo tem uma programação para atingir gradualmente, até 2012, 100% de sustentabilidade financeira do sistema de limpeza urbana. Com esse objectivo, fez uma revisão dos valores da taxa de limpeza e diferenciou a cobrança por produtor (domésticos e grandes produtores, por meio de Prova de Serviço), por oferta de serviços (serviço de remoção especial e deposição de resíduos sólidos na actual lixeira). O valor da taxa de limpeza é dividido em doméstico e não doméstico e está indexado a três categorias de consumo da energia. Foi também criada uma tarifa social para famílias pobres que auferem o serviço mas têm pouca capacidade para pagar. Desde 2007 a tarifa é de 10MTn por agregado familiar, independentemente do nível do consumo de energia. Para atingir a sustentabilidade económico-financeira do sector de limpeza urbana, os municípios devem adoptar medidas para rever os valores da taxa e estabelecer a cobrança diferenciada para grandes produtores de resíduos, bem como criar mecanismos de controlo de receitas e gastos aplicáveis a cada segmento. Entretanto, para a implementação de cobrança diferenciada de taxa de limpeza deve haver uma preocupação com a capacidade de pagamento de cada família, de modo a que o aumento seja feito de um modo socialmente justo. Além disso, uma percentagem da colecta de outras taxas municipais – como as taxas de mercados e o Imposto Predial Autárquico (IPRA) — poderia ser adstrita à gestão dos resíduos sólidos. Algumas actividades económicas que decorrem dentro do território municipal podem causar grandes impactos em termos de produção de resíduos. Por exemplo, as actividades portuárias em Nacala, Quelimane e Pemba representam um vasto número de pessoas e 259 entrada de produtos para consumo. Este tipo de actividade económica devia portanto contribuir para o financiamento da gestão de resíduos, pois são grandes contributores para o volume de resíduos sólidos. Enquadramento Jurídico O enquadramento jurídico que responsabiliza as autarquias pela gestão dos resíduos sólidos baseia-se nos Artigos 6 e 46 da Lei 2/97 (Lei das Autarquias), de 18 de Fevereiro de 1997. O artigo 46, nas alíneas (a), (b) e (d), estabelece que a aprovação da política e fiscalização da gestão ambiental é responsabilidade da Assembleia Municipal, incluindo as actividades relativas à gestão dos resíduos sólidos. Como se verifica no quadro 8.2, todas as autarquias dispõem de um Código de Posturas Municipais, porém nem todos estão actualizados. Há portanto necessidade de criar um instrumento legal actualizado, quer seja uma revisão actualizada do Código de Posturas Municipais quer outro instrumento legal, a fim de ordenar o funcionamento do sistema de limpeza urbana, vinculado ao que está estabelecido no Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos Urbanos (PGIRSU). Este documento deve definir claramente as responsabilidades do Conselho Municipal na gestão dos resíduos sólidos e a participação da população em acções de manutenção da limpeza. O Código de Posturas Municipais deverá ser coerente com as directrizes e responsabilidades definidas no PGIRSU. Este enquadramento jurídico terá de ser aprovado pela Assembleia Municipal e largamente divulgado a todos os munícipes, instituições e empresas locais. Já com a base legal aprovada, devem-se criar na autarquia os métodos e procedimentos de fiscalização e designar e formar uma equipa responsável pelo cumprimento e monitorização dessas responsabilidades. Neste contexto a fiscalização deve actuar, primeiramente, como agente de informação e orientação aos munícipes, tendo como objectivo principal evitar a ocorrência de irregularidades. Só após terem sido implementadas todas as medidas preventivas, se deverá aplicar as penalidades adequadas aos infractores das regras estabelecidas. 260 Estrutura Operacional Com excepção de Maputo, várias foram as fragilidades detectadas na estrutura operacional da maioria das autarquias, apesar do seu forte empenho na realização da gestão dos resíduos sólidos, como por exemplo:  Deficiente manutenção;  Falta de meios específicos para a recolha de lixos;  Irregularidade na frequência da prestação dos serviços de limpeza urbana;  Inexistência de um serviço regular de limpeza periurbana;  Limitada capacidade técnica da equipa operacional;  Inexistência de controlo operacional, especialmente em relação à quantidade de resíduos recolhidos;  Falta de planeamento na gestão dos serviços de recolha de resíduos;  Deposição final dos resíduos em lixeiras a céu aberto, com prejuízo do ambiente. Um dos objectivos do estudo era conhecer a composição dos resíduos sólidos e a quantidade produzida e recolhida. Esses dados foram colhidos através de um cálculo da capacidade dos meios e o número de carradas recolhidas. Porém, na maioria dos municípios não havia controlo sobre o número exato de carradas. Essa informação é essencial para a gestão dos resíduos e deve ser confirmada através da implementação de mecanismos de controlo operacional. O investimento em controlos operacionais é indispensável para calcular a quantidade de resíduos recolhidos, determinar o peso específico dos resíduos, estimar a produção per capita, avaliar o desempenho das rotas de recolha, assim como realizar a composição gravimétrica dos resíduos sólidos.1 Para esse feito, devem-se capacitar as equipas locais para desenvolverem periodicamente um programa de quantificação e caracterização dos resíduos sólidos urbanos (anual ou bianual), utilizando folhas de cálculo de controlo e, no caso da composição gravimétrica, equipamentos apropriados, como balança e tambores plásticos. 261 Deposição Final Os resíduos sólidos de todas as autarquias objecto deste estudo são actualmente depositados em lixeiras a céu aberto sem nenhum tratamento. A solução deste problema é considerada como uma prioridade pela maioria dos decisores entrevistados. Em algumas autarquias há mesmo resíduos industriais perigosos que são depositados em locais impróprios, o que requer medidas urgentes de mitigação. De um ponto de vista institucional é responsabilidade do MICOA implementar e supervisionar os requisitos de gestão de resíduos perigosos.2 No entanto e devido à falta de acção por parte do ministério, tem recaído sobre as autarquias o encargo de gerir os riscos de manuear esses resíduos e indicar um sítio para a sua deposição, o que em muitos casos tem resultado em serem levados para a lixeira municipal por falta de alternativa. Em Janeiro de 2008 o MICOA elaborou uma Directiva Técnica para a instalação e operação de aterros sanitários. No entanto esta directiva ainda não foi oficialmente aprovada. O seu principal objectivo é orientar as autarquias para a construção de aterros sanitários ambientalmente seguros para a deposição de resíduos domésticos. A directiva abrange desde os procedimentos para a deposição à escolha de uma área para a localização do aterro. Define o modo de operação e o grau de compactação conforme com a categoria de aterro, nomeadamente aterros rurais, e aterros pequenos, médios e grandes (Quadro 8.3). A partir desta classificação dos aterros, são definidos os diferentes modelos e exigências a serem analisados para a instalação de aterros sanitários. Quadro 8.3 Categorias de Aterros3 Resíduos Sólidos Urbanos em Geral Classe do Aterro Rural Pequeno Médio Grande Quantidade de RSU gerada 1.000t – <1.000t <40.000t >40.000t anualmente 10.000t População da área designada para <5.000 <30.000 <150.000 >150.000 o aterro Potencial de lixiviação 4 Baixo Elevado Baixo Elev. Baixo Elev. 262 A maioria das autarquias não dispõe presentemente do capital necessário para investir em aterros sanitários, dado que necessitam de um considerável capital de arranque. É no entanto possível elaborar um plano de emergência, definindo os métodos de operação e horários de funcionamento, e adoptando certas medidas para reabilitar as lixeiras e minimizar os impactos negativos no ambiente. Actualmente há apenas um aterro industrial (não existem aterros para resíduos urbanos) na região sul do país (na Matola) o que é grave motivo de preocupação. É necessário encontrar recursos para a implantação de aterros industriais nas regiões centro e norte do país para cumprir com a legislação ambiental vigente e exigências locais, em especial das cidades de Nacala e Quelimane, onde o problema de deposição final irregular de resíduos perigosos se tornou mais grave por serem cidades com forte vocação industrial e portuária. Formação Os programas de formação nas autarquias são pouco frequentes e, em geral, quem participa são apenas os vereadores e directores, raramente chegando aos segmentos mais operacionais dos serviços de limpeza, em especial os recolhedores. Conforme informaram os responsáveis pela limpeza urbana de cada município, não existem programas de formação específicos para a Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. Vale a pena investir num programa alargado e contínuo de formação que fomente o crescimento institucional através da criação de capacidades técnicas a nível local. Este processo deve considerar opções para a oferta de cursos para os diferentes níveis de profissionais da gestão de resíduos sólidos urbanos. Ao elaborar a programação básica, é importante prever conteúdos e metodologias adequados ao público-alvo. Para o nível operacional é recomendável que o conteúdo seja conciso utilizando predominantemente imagens para abordar as mensagens, uma vez que muitos recolhedores não são alfabetizados. É também importante elaborar brochuras utilizando figuras e desenhos, como apoio à formação. 263 É, portanto, fundamental conceber um curso de formação na área da Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, privilegiando os seguintes conteúdos básicos: Nível de Gestão Técnica: conceitos de gestão integrada de resíduos sólidos, caracterização dos resíduos, normas operacionais do serviço, normas de saúde e segurança no trabalho, procedimentos administrativos e de controlo operacional e financeiro; Nível Adminstrativo: conhecer os procedimentos de controlo administrativo, operacional e financeiro e competências informáticas básicas; Nível de Fiscalização: conhecer os serviços de limpeza que estão disponíveis para a população, os regulamentos da recolha de resíduos urbanos, estabelecer os métodos, procedimentos e atribuições para realizar uma inspecção aos serviços. Nível Operacional (recolhedores, encarregados e varredores): uso apropriado de ferramentas para cada tipo de serviço, como o manuseamento de resíduos perigosos, saúde e segurança no local de trabalho, higiene dos trabalhadores, a importância da prestação de um serviço de qualidade, o papel do servente como agente educador e tópicos relacionados com os direitos, deveres e obrigações dos trabalhadores. Recursos Humanos De um modo geral, os trabalhadores da limpeza urbana, em Moçambique, particularmente os recolhedores, são aqueles que ou estão em vias de se reformar, ou que para foram transferidos por razões de baixa produtividade noutros sectores. Consequentemente, esta marginalização do sector da limpeza urbana, leva a que estes trabalhadores estejam desprovidos de atenção positiva, que reconheça e valorize o seu trabalho. Muitas vezes vêem-se sem equipamento de protecção, fardas e até mesmo sem ferramentas adequadas para a execução do seu serviço. Os escritórios são desprovidos de infra-estruturas e equipamentos necessários para a manutenção de registos administrativos e operacionais, incluindo de controlo de despesas. 264 Entretanto, para que o trabalho tenha sucesso, a equipa responsável pela gestão dos resíduos urbanos, dever ser devidamente capacitada e valorizada. Um dos aspectos a examinar, é uma mudança de atitude em relação ao recrutamento e gestão de recursos humanos; há que definir cargos e respectivas responsabilidades, bem como as competências necessárias para preencher esses cargos. Seria também importante promover um amplo programa de formação, apoiado pela compilação de manuais de formação ilustrados; equipar os escritórios dos sectores da limpeza urbana; adquirir e distribuir com regularidade fardamentos e equipamentos de protecção individual; adquirir ferramentas adequadas para o trabalho dos recolhedores, varredores e mecânicos; e ainda providenciar a compra e manutenção de equipamentos e outros materiais necessários ao trabalho. 8.3 Recomendações As recomendações para melhorar a gestão de resíduos sólidos em Moçambique remetem para o conceito de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos como “a forma de conceber, implementar e administrar sistemas de limpeza urbana considerando uma ampla participação dos sectores da sociedade com o objectivo de desenvolvimento sustentável”.5 Lidar com resíduos sólidos ou com a gestão da limpeza urbana implica uma análise que abrange todo o ciclo da gestão de resíduos — começando na produção e terminando na deposição final — passando por mecanismos institucionais, controlos de receitas e despesas, programas de educação cívica e fiscalização, de modo a definir objectivos e metas para um plano que defina as várias etapas necessárias para chegar à plena sustentabilidade dos serviços. Por esse motivo, deveria ser adoptado um PGIRSU — incluindo um Plano de Sustentabilidade Económica — como instrumento de planeamento para gestores municipais. A preparação de um PGIRSU deve ser considerada uma prioridade pelo presidente do Conselho Municipal e abranger vereadores, decisores relevantes, a equipa do sector de gestão de resíduos urbanos, e contar ainda com a participação de líderes municipais escolhidos entre a Assembleia Municipal, organizações da sociedade civil e do sector privado. 265 O Plano servirá então de referência para a tomada de decisões relativamente a Parcerias Público-Privadas de âmbito local, nacional ou internacional, com vista a implementar melhorias no sistema de limpeza das cidades e das áreas de deposição final. Servirá também como referência para a formulação do Plano Anual de Actividades e do Orçamento, e para monitorizar a implementação das actividades programadas, na perspectiva de garantir a sustentabilidade do sistema de limpeza urbana e da deposição final dos resíduos. Assim, o sucesso do Plano está ligado a uma melhoria gradual e ao reforço institucional e desenvolvimento da capacidade financeira dos Municípios. As etapas e capítulos que compõem um PGIRSU são apresentados a seguir e ilustrados na próxima Figura 8.1. (abaixo) 1ª Etapa – Diagnóstico A preparação da etapa de diagnóstico deve considerar: Caracterização dos municípios Histórico Localização Aspectos físico-ambientais Aspectos económicos População Aspectos sócio-culturais Caracterização dos Resíduos Sólidos Composição gravimétrica dos resíduos Geração per capita e projecção dos resíduos considerando o crescimento populacional. Caracterização do Sistema da Gestão dos Resíduos Urbanos Deve abranger os mesmos tópicos descritos nas Propostas (a seguir) 2ª Etapa – Objectivos e Metas Definição dos objectivos do Plano de Gestão Fixação das Metas 266 3ª Etapa – Propostas a. Estrutura Administrativa do Órgão Responsável Propor, quando necessário, uma estrutura administrativa adequada à gestão do sector da limpeza urbana b. Plano de Sustentabilidade Económica Recolher dados sobre as despesas do serviço Apresentar um orçamento de custo dos serviços – investmento e operação c. Instrumentos Jurídicos e Fiscalização Apresentar uma proposta para o código de posturas municipais ou o regulamento municipal de gestão de resíduos urbanos Propor um sistema de fiscalização para os serviços prestados e para os munícipes d. Estrutura Operacional Confirmar os tipos de lixo produzidos, suas características e quantidade Definir os serviços e o seu âmbito Definir, em quantidade e em qualidade, o pessoal necessário para a prestação dos serviços e. Tratamento e Deposição Final dos Resíduos Avaliar a situação da deposição final e sugerir melhorias f. Valorização dos Recursos Humanos Definir programas de formação assim como os equipamentos de protecção individual e o fardamento para os trabalhadores da recolha de resíduos g. Programas de Educação Cívica Apresentar uma proposta para o desenvolvimento de acções educativas, a nível formal e informal Para mais informações, consultar o Manual de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos Urbanos, editado pelo MICOA em Novembro 2006. Para além do PGIRSU, podem ser adoptados alguns procedidmentos tendentes a introduzir melhorias no sistema de gestão de resíduos sólidos, tomando como referência acções a nível nacional e municipal: 267 Nível Nacional  Harmonizar a legislação já existente e/ou em fase de preparação no país relacionada com questões ambientais e gestão de resíduos sólidos, para que não haja discordância de princípios, conceitos e terminologia;  Uniformizar, em consonância com a legislação, os procedimentos para tratamento e deposição final dos resíduos sólidos domésticos, industriais perigosos e de serviços de saúde;  Divulgar o quadro regulatório para a gestão de resíduos sólidos (estratégias nacionais e directivas técnicas, entre outros) e apoiar os municípios na sua implementação;  Dar formação e dotar de instrumentos de trabalho os técnicos das Direcções Provinciais e Distritais do MICOA para descentralizar as acções de orientação, e a elaboração e implementação do PGIRSU junto às autarquias.  Estabelecer como critério de elegibilidade para concorrer a qualquer financiamento nacional ou internacional, que o município tenha o seu PGIRSU aprovado pela Assembleia Municipal, incluindo um plano detalhado para atingir a sustentabilidade económica do sector. 268 Figura 8.1 Etapas do PGIRSU DIAGNÓSTICO 1ª etapa Caracterização do Caracterização Caracterização Sistema de do Município dos resíduos Limpeza Urbana Estudo de alternativas para Melhorias 2ªetapa OBJECTIVOS E METAS 3ª etapa PROPOSTAS Estrutura Administrativa Estrutura de Sustentabilidade Económica Instrumentos Jurídicos e Fiscalização Estrutura Operacional Tratamento e Deposição Final Valorização de Recursos Humanos Programa de Educação Cívica 269 Nível Municipal  Sustentabilidade Económica e Financeira: implementar controlos de receitas e despesas específicos para a gestão de resíduos sólidos, rever o valor da taxa de limpeza e abrangência da cobrança, e implementar cobrança diferenciada para grandes produtores de resíduos sólidos;  Instrumentos Jurídicos e de Fiscalização: criar o enquadramento legal e os procedimentos para implementar a fiscalização;  Estrutura Operacional: promover e consolidar uma cultura de planeamento estratégico integrado; investir em controlos operacionais, estudar a composição dos resíduos, aumentar a cobertura dos serviços de recolha nos bairros periurbanos e garantir a qualidade e eficiência dos serviços;  Deposição Final: reabilitar as lixeiras e promover a construção de aterros sanitários;  Formação e Desenvolvimento: devem ser contínuos e abranger todos os níveis do pessoal incluindo: técnico, executivo, administrativo, de fiscalização e operacional;  Motivação dos Recursos Humanos: adoptar medidas tendentes a melhorar a motivação dos trabalhadores, em especial dos recolhedores e varredores;  Educação Cívica: as autarquias devem desenvolver programas de educação cívica coordenados com os departamentos operacionais de limpeza urbana, no sentido de co- responsabilizar os munícipes pela manutenção da limpeza das cidades. 8.4 Boas Práticas Os funcionários públicos e empresários com ideias inovadoras no capítulo da gestão dos resíduos sólidos podem ser encontrados através de iniciativas promovidas pelas autarquias, ONG, entidades ligadas ao ensino e à investigação, agências para o desenvolvimento e muitos outros. No entanto há que salientar que para uma prática ser considerada como “boa” ou “a melhor”, ela tem que ter sustentabilidade. Na secção a seguir relatam-se algumas iniciativas que se destacaram durante a recolha de dados nas autarquias de Moçambique, assim como outras que resultaram de experiências interessantes no Brasil. 270 Contexto Nacional Recolha Primária na Cidade de Maputo A baixa capacidade operacional e financeira da maioria das autarquias restringe a cobertura da recolha de resíduos às zonas urbanas (“as cidades do cimento”). Os bairros periurbanos, com as suas ruas estreitas, sinuosas e não pavimentadas tornam o acesso difícil aos meios de recolha, pelo que são os que mais sofrem com a falta de serviços de limpeza urbana. Nesses bairros, os habitantes têm o costume de enterrar, queimar, ou deitar para valas de drenagem ou outros lugares inadequados os seus resíduos, ou improvisar pequenas lixeiras. Na cidade de Maputo, mais especificamente nos bairros de “Maxaquene A” e “Urbanização”, foi organizada uma recolha porta a porta, ou em pontos fixos pré- estabelecidos dentro dos bairros, utilizando carros de mão (tchovas) como principal meio de transporte, bem como carroças de tracção animal, ou tractores com reboque. A vantagem do uso de tchovas é sua capacidade de se adaptarem às condições de circulação dos bairros peri-urbanos informais, bem como a sua escassa necessidade de manutenção. Porém, este método necessita de um segundo meio de transporte para o local de deposição final. Os operadores dos tchovas percorrem todas as ruas do bairro recolhendo o lixo às portas e levando-o para pontos de transferência (contentores estacionários) destinados à recolha secundária, situados na periferia do bairro, ao longo das avenidas mais largas. As rotas dos tchovas, assim como a localização e a capacidade dos contentores para a recolha secundária, devem estar bem coordenadas para receber os resíduos correspondentes à dimensão da área de recolha à qual servirão de apoio. A remoção do lixo destes contentores estacionários é feita pela Direcção do Serviço Municipal de Saúde e Salubridade (DSMSS). No entanto a regularidade da sua remoção depende ainda da disponibilidade de viaturas que muitas vezes se encontram avariadas. Ainda assim, este sistema de recolha primária é relativamente fácil de implementar, sem necessidade de grandes investimentos das autarquias em oficinas e administração, já que a maior parte dos custos fica a cargo dos tchovas. Este sistema pode ser realizado por 271 empresas pequenas e médias dos próprios bairros, gerando trabalho e receita para os moradores. Neste caso, a aceitação do “empresário” local pelos moradores e o conhecimento que este tem do bairro são vantagens imprescindíveis para o sucesso do sistema. No Bairro Urbanização a experiencia teve um resultado ainda melhor, pois contou com o apoio dos Médicos sem Fronteiras na sua fase inicial. Além de promoverem um amplo programa de educação cívica junto aos moradores, os Médicos sem Fronteiras investiram em novas tecnologias, para melhorar os equipamentos de recolha e para recuperar materiais dos resíduos recolhidos. A inovação no equipamento de recolha foi feita através da construção de tchovas com crivos no fundo e o reaproveitamento de materiais oriundos dos resíduos está a ser feito através do fabrico de combustíveis biológicos (briquetes) a partir de resíduos do carvão. Replicabilidade Recomenda-se que esta experiência seja contemplada por todas autarquias moçambicanas para a recolha em bairros, especialmente nas zonas periurbanas que enfrentam grandes dificuldades para melhorar a sua gestão de resíduos sólidos. Deveria ser elaborado um plano estratégico e um conjunto de ferramentas operacionais, para ajudar as autarquias a assegurar a sustentabilidade da recolha primária. Deveria também ser feito um plano de orientação para pequenos e médios empresários, ou associações de bairro, relativamente às condições necessárias para este negócio, incluindo o investimento, os gastos com a operação e manutenção, fundo de reserva, arrecadações, programas de educação cívica etc. Deve ser também explorado o potencial de material reciclável produzido e de recolha selectiva, que poderiam originar parcerias com pequenos negócios e contribuir para a sustentabilidade do serviço. O GC — o Fundo do Ambiente — em coordenação com outros parceiros de desenvolvimento interessados, é um potencial veículo para ajudar a desenvolver o plano e 272 um conjunto de ferramentas que definam um modelo que assegure os requisitos mínimos de sustentabilidade. Grandes Produtores de Resíduos Sólidos Urbanos A cidade de Maputo implementou taxas diferenciadas para grandes produtores de resíduos, introduzindo o princípio do Poluidor Pagador. Com base na revisão da primeira postura sobre limpeza da cidade (Resolução 39/AM/2001, de 5 de Novembro) e procurando a sua adequação ao novo contexto da Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, a Assembleia Municipal aprovou o Regulamento de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos (Resolução 15/AM/05, de 24 de Setembro) que exige dos grandes produtores de resíduos a apresentação de “Prova de Serviço”. Isto obriga todos os produtores não domésticos cuja produção diária exceda uma certa quantidade (actualmente 25 kg ou 50 litros por dia), a provar ao de partamento sanitário da cidade (DSMSS) que os seus resíduos são devidamente removidos por uma empresa licenciada para o efeito. Os grandes produtores pagam uma taxa relacionada com a quantidade de resíduos produzidos. A Prova de Serviço é um instrumento que contribui para o controlo e recolha de dados sobre o tipo e quantidade de resíduos sólidos comerciais e industriais produzidos, na medida em que o produtor é obrigado a registar-se na DSMSS e, para além disso, é também uma forma de entrada de receitas para o sector de limpeza urbana. Replicabilidade Recomenda-se que todas as cidades adoptem a Taxa de Limpeza Diferenciada para a recolha de resíduos dos grandes produtores de resíduos sólidos, pois este serviço representa um custo elevado para o Conselho Municipal, impedindo, muitas vezes, o alargamento da recolha de resíduos sólidos aos bairros, pois o tratamento dos resíduos dos grandes produtores tem de ter prioridade pelos riscos que podems representar para a saúde pública. A implementação da taxa para os grandes produtores de resíduos sólidos implica um registo destes utentes, incluindo uma descrição — em quantidade e qualidade — dos 273 resíduos produzidos, de modo a criar ou actualizar os procedimentos legais, administrativos e operacionais necessários à prestação desse serviço. O PROGOV (financiado pela USAID) é um potencial parceiro para promover esta iniciativa junto de algumas autarquias e já se mostrou disponível para incluir o controlo de receitas oriundas da cobrança dos grandes produtores de resíduos sólidos na base de dados do seu sistema informático. Recolha Selectiva na Praia do Tofo — Inhambane A Associação de Limpeza e Meio Ambiente (ALMA), com sede na Praia do Tofo em Inhambane, participa na recolha e deposição final dos resíduos produzidos, em especial na época alta, quando a praia é uma importante atracção turística. Participou, em Janeiro 2007, num estudo sobre o tipo de resíduos e possíveis soluções para minimizar o problema. Após apresentar uma proposta ao Conselho Municipal, foram iniciados os trabalhos com a realização de campanhas de limpeza das praias, recolha dos resíduos e esclarecimento do comércio local e dos utentes. As campanhas continuam, um Sábado em cada mês. Com o apoio da Agência de Desenvolvimento do Governo Alemão, e da empresa turística Terra, Água e Mar Lda., a ALMA desenvolveu o projecto e adquiriu 38 contentores plásticos de lixo que foram distribuídos em locais públicos nas praias de Tofo e Tofinho e passaram a organizar a lixeira local, implementando a separação de materiais potencialmente recicláveis. Para a realização desse trabalho, a ALMA teve a colaboração de 10 recolhedores, formados e com equipamento de protecção individual, cuja tarefa era recolher os materiais recicláveis e armazená-los num local próximo da lixeira para futura comercialização. A maior dificuldade era transportar os materiais recicláveis para depois serem vendidos, pois esse mercado situa-se em Maputo. Estabeleceram então uma parceria com a empresa de materiais de construção Kanjela, com sede em Maputo. O material reciclável é levado para Maputo sem custo, para aí ser comercializado; os 274 camiões da Kanjela vão para Inhambane carregados com materiais de construção e regressam a Maputo com os materiais recicláveis empacotados em grandes sacos. Um dos directores da ALMA recebe os materiais em Maputo e vende-os às empresas Pagalata e Recicla. Esta iniciativa de reciclagem foi alargada à lixeira de Inhambane, onde outros 10 recolhedores devidamente equipados separam e armazenam materiais para comercialização. Estão a ser construídas zonas de armazenagem em ambas as lixeiras, para guardar o material recolhido enquanto aguarda transporte para futura comercialização. A primeira venda, correspondente à recolha desses materiais no período entre Dezembro 2007 e Fevereiro 2008, foi de aproximadamente 300kg de PET e 800kg de metal, equivalentes a 1.500,00 Mt que serão repartidos entre os trabalhadores. Replicabilidade Não há ainda informação suficiente que permita avaliar o desempenho do projecto, mas tudo indica ser uma ideia interessante e inovadora que merece ser acompanhada para verificar a sua evolução e servir eventualmente de modelo a outras autarquias. Há um potencial crescente de reciclagem em todas as cidades, dado o aumento de produtos industrializados e da capacidade de compra da população. No entanto, o escoamento destes materiais é ainda limitado uma vez que não há mercado comprador em todas as regiões e a procura está concentrada em Maputo. É por isso uma excelente ideia usar os camiões de carga vazios, no seu regresso a Maputo, como meio de transporte. O Fórum Empresarial para o Meio Ambiente (FEMA) poderá ser um parceiro potencial no apoio ao programa logístico da iniciativa da ALMA, uma vez que representa várias empresas comerciais e industriais com grande sentido de responsabilidade e, como o nome sugere, está disponível para colaborar no melhoramento do ambiente. 275 Contexto Internacional Produção de Telhas Ecológicas — Projecto Vira Lata — (www.viralata.org.br) Em Moçambique, as técnicas de construção, especialmente nas zonas periurbanas rurais e informais, estão a passar por um processo de transformação acelerado. De paredes de tabique para tijolos de barro ou cimento, de portas improvisadas para portas de madeira sólida, de coberturas de palha para os mais sofisticados telhados de chapa ondulada de zinco. O uso do zinco na cobertura das casas é inapropriado para a região, devido à alta propagação do calor. Dado o visível e mensurável aumento de descarte de cartão e papel, actualmente exportados para reciclagem em países vizinhos, seria talvez possível aproveitar materiais provenientes dos resíduos sólidos para a produção de telhas ecológicas. Em 1998, um grupo de moradores do Jardim Boa Vista, em São Paulo/Brasil, reuniu-se para pensar como ajudar a reduzir o desemprego e a problemática dos resíduos em São Paulo. Dessas discussões nasceu o “Projecto Vira Lata”, com a missão de promover a inclusão social e geração de trabalho e receitas através da recolha selectiva e reciclagem. Em 2001, foi constituída a Associação Vira Lata, passando o projecto a ter personalidade jurídica e a poder firmar convénios e recolher materiais recicláveis em vários locais. Com o empenho dos recolhedores, da direcção da Associação e, principalmente, o apoio de parceiros (escolas, empresas, condomínios e parques), o Projecto foi crescendo cada vez mais e criou um novo mercado: a produção de telhas ecologicamente correctas. As telhas ecológicas, também denominadas de “telhas fibroasfálticas”, cuja composição consiste de fibras de celulose vegetais saturadas a alta temperatura com betume asfáltico, são um produto altamente viável e comercialmente competitivo. A sua produção consiste na transformação de fibra vegetal (papel, cartão e outras fibras) em painéis e impermeabilizá-los depois com asfalto quente. 276 Este projecto contou com a parceria da empresa brasileita Petrobrás, que financiou a construção da fábrica, dois veículos para recolha, a construção de uma bancada de separação de materiais, compra de equipamento de segurança, sacos grandes e todo o material de promoção do projecto. As vantagens das Telhas Ecológicas são, entre outras: serem feitas com materiais recicláveis (papel, jornal, cartão, fibras e outros); ecologicamente correctas; produzidas com água reutilizada; o mais baixo preço do mercado; durabilidade comprovada; excelente isolamento térmico; leves, flexíveis e resistentes; fáceis de instalar; e um apoio à inclusão social com geração de receitas na sua produção. Produção de Composto Orgânico (http://www.embrapa.br) Em Moçambique mais de metade dos resíduos sólidos de origem doméstica são compostos por matéria orgânica. Por esta razão apresentamos a seguir uma experiência de boa prática na produção de composto orgânico com baixo custo. A compostagem é um processo biológico de transformação de resíduos orgânicos como palhas, excrementos, restos de alimentos, em substâncias húmicas, isto é, em matéria orgânica homogénea e estabilizada, pronta para ser utilizada como composto orgânico. A sua aplicação melhora as características físicas, químicas e biológicas do solo, configurando-se numa alternativa aos adubos, simples e de baixo custo. O composto deve estar isento das seguintes substâncias: agentes fito-tóxicos, agentes patogénicos ao homem, aos animais e às plantas; metais pesados; agentes poluentes; pragas e ervas daninhas. O processo dura cerca de 90 dias e as matérias-primas mais utilizadas são folhas de bananeira, excremento de bovinos, resíduos de jardins (galhos podados e erva cortada) e uma planta aquática conhecida como orelha-de-onça , cultivada em espelhos d’água da Unidade. A produção e utilização do composto orgânico é muito simples e de baixo custo, principalmente em regiões onde há abundância de estrume de bovinos e plantas 277 aquáticas, constituindo uma excelente alternativa para agricultores e trabalhadores de quintas que cultivam hortaliças, pomares e lavoura de subsistência. Notas Finais: 1 A composição gravimétrica é determinada por um método baseado na separação dos componentes dos resíduos de uma amostra e pesando os componentes em separado. A partir do total do peso da amostra pode-se calcular a percentagem do constituinte. 2 Decreto Nº 13/2006 de 15 de Junho, Regulamentação de Gestão de Resíduos 3 Directiva Técnica para a Instalação de e Exploração de Aterros Sanitários, MICOA, Maputo, 2008. 4 Refe-se a água que é altamente contaminada pelo contacto com resíduos. 5 Do “Manual de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos” , SEDU/IBAM, Brasil, 2001. 278 Capítulo 9. Lições Aprendidas 9.1 Introdução: Objectivos e Metodologia Que lições foram aprendidas pelas 33 autarquias que foram legalmente constituídas há 10 anos? Que processos e experiências foram traduzidos em inovações proveitosas? Quais os municípios que apresentaram resultados e impactos suficientemente positivos para serem considerados como boas práticas? As autarquias de Moçambique estão a chegar ao final da sua primeira década de existência envolvidas por uma série de complexos constrangimentos económicos, crescentes problemas sociais, incertezas políticas e debilidades institucionais. Apesar destes factores negativos, os últimos dez anos viram estas instituições criar estruturas organizacionais básicas que funcionam. Assumiram a responsabilidade de fornecer serviços básicos às suas populações, gerindo os seus territórios e, mais recentemente, liderando o desenvolvimento económico das suas cidades. Agora, o desafio é alcançar um processo sustentável e integrado de desenvolvimento para as áreas urbanas em expansão e, num sentido mais alargado, para o país no seu todo. Os resultados alcançados pelas autarquias de Moçambique foram consequência de muitas iniciativas e esforços, feitos por muitos indivíduos, grupos e instituições, a nível local e nacional. De particular relevância foi o apoio de vários doadores e agências internacionais de cooperação, através de uma série de programas e projectos concebidos especificamente para prestar apoio técnico aos municípios e reforçar as suas capacidades institucionais. Este capítulo centra-se em questões da prática municipal que os autores consideram como os mais relevantes. Nele se incluem: considerar a estrutura política, jurídica e institucional das autarquias; a forma de tratar os recursos humanos, o desenvolvimento organizacional, o orçamento municipal e o planeamento operacional; a participação dos munícipes e a responsabilização; a prestação de serviços; e, por fim, a gestão da terra e o planeamento 279 urbano. Simultaneamente, algumas questões transversais de grande importância como o VIH/SIDA, igualdade de géneros e o ambiente são também abordados. Em geral, a tarefa de identificar as lições aprendidas e decidir quais as que constituem boas práticas e políticas, compete aos intervenientes directamente interessados. No entanto, dada a falta de referências comparativas para muitos desses interessados e a natureza experimental e relativamente curta de muitas iniciativas, é útil contribuir com uma opinião externa. Caixa 9.1 Conceitos Chave Lições aprendidas: O conceito de “lições aprendidas” refere-se aos resultados pedagógicos de qualquer processo prático. Neste caso, os resultados derivam da execução e avaliação de programas, projectos, acções e iniciativas relacionados com o desenvolvimento e a gestão urbana. Estes resultados devem não só beneficiar indivíduos ou grupos directamente envolvidos, mas também ser processados e assimilados colectivamente, conduzindo a alterações tangíveis no comportamento de instituições, actores sociais e a sociedade no seu todo. Nas “lições aprendidas” estão também incluídos casos de insucesso porque por vezes se retiram valiosas lições de iniciativas falhadas. Boas Práticas: Para os objectivos deste estudo, boa prática será qualquer acção inovadora ou processo experimental implementado por um governo local, quer por iniciativa própria quer com o apoio de outros parceiros, que consolide a gestão urbana, aumente a quantidade e/ou qualidade dos serviços municipais prestados e, na generalidade, melhore o ambiente da vida urbana e a qualidade de vida da população urbana. Os principais critérios de boas práticas são: - A existência de impactos tangíveis sobre a comunidade. - A existência de parcerias na fase de implementação. - O grau de sustentabilidade do processo. A equipa de pesquisa considerou iniciativas que foram lançadas recentemente, mas deu preferência, na sua selecção, àquelas que estavam em funcionmamento há um tempo razoavelmente longo ou as que tinham já terminado. A existência ou ausência de resultados imediatos, consequências palpáveis e lições aprendidas, foram também factores determinantes na selecção das iniciativas a serem estudadas. Boas Políticas: Boas políticas, a nível local, refere-se a quaisquer processos experimentais que sejam incrementados e atinjam um certo grau de institucionalização. Podem ter-se transformado em programas permanentes; introduzido alterações permanentes no enquadramento jurídico ou na estrutura institucional de uma autarquia; ou conquistado apoio financeiro numa base permanente. As boas políticas incluem também iniciativas de carácter permanente e programas desenvolvidos e implementados ao nível inter- municipal ou supra-municipal. Tal como acontece com as boas práticas, os principais critérios para a selecção de boas políticas foram a existência de resultados, consequências e lições aprendidas com políticas/programas existentes. 280 O levantamento de dados abrangeu dez municípiosnas regiões geográficas do Norte, Centro e Sul de Moçambique. Demograficamente, os dez municípios representam uma variedade representativa das áreas urbanas de Moçambique, desde as maiores cidades (Maputo, Matola, Beira) às intermédias, (Manica, Ilha de Moçambique, Montepuez) e às vilas (Moatize, Marromeu, Vilanculos, Chókwè). Apresentam também características diferentes, como centros administrativos, portos comerciais e pólos industriais de importância nacional ou provincial (grandes cidades); fornecedoras de serviços para a agricultura e agro-indústrias (cidades e vilas); uma cidade fronteiriça (Manica); uma cidade periférica (Matola); ou potenciais destinos turísticos (Vilanculos e Ilha de Moçambique). A maioria destas cidades, com excepção de Moatize e Chókwè, beneficiaram também, directa e indirectamente, de programas específicos ou projectos de agências internacionais de cooperação. O estudo utilizou uma metodologia selectiva para a escolha das autarquias de preferência a uma abordagem exaustiva. As lições aprendidas e as práticas e políticas propostas são contextuais, no sentido em que dependem da dimensão e condições específicas de cada local. A equipa de pesquisa realizou, em todos os municípios, visitas de campo, reuniões, entrevistas e grupos de discussão com as autoridades locais e autarcas, sociedade civil e representantes do sector privado, peritos no terreno de agências de cooperação, autoridades e funcionários do Governo nacional, representantes de dadores e de agências de cooperação e outras entidades. Foram entrevistadas cerca de 100 pessoas durante as quatro semanas de trabalho de campo. Foram também preenchidos questionários por entidades relevantes a nível nacional (a lista completa dos entrevistados e dos instrumentos utilizados para o estudo está disponível na versão longa, no CD-Rom). Este capítulo foi originalmente concebido como um relatório autónomo pelo que não abrange todas as boas práticas e lições já abordadas nos outros capítulos. 9.2 Principais Conclusões O Enquadramento Político, Jurídico e Institucional Em relação ao enquadramento político, jurídico e institucional, as autarquias têm na generalidade melhorado os seus quadros institucionais, particularmente durante o 281 segundo mandato administrativo, de 2003 a 2008 (ver caixa 9.2). No entanto, as inovações em materia de políticas são menos frequentes e surgem quase exclusivamente nos grandes municípios. Entretanto, as relações entre as autarquias e os governos, nacional, provincial e distrital, melhoraram até certo ponto. Muitas autarquias estabeleceram também bons relacionamentos com doadores e agências de cooperação para apoio financeiro e técnico. Por último, há que reconhecer que a criação da Associação Nacional de Municípios (ANAMM) é, em si mesma, uma boa prática. Em termos de mudanças e inovações na estrutura organizacional autárquica, é de notar algumas lições-chave e boas práticas. São largamente reconhecidas as mudanças e melhorias institucionais positivas na gestão urbana, verificadas entre o primeiro e o segundo período administrativo, e não apenas pelas autoridades municipais, como também por representantes da sociedade civil e pelo sector privado, em todas as dez autarquias. E no mesmo sentido se manifestam entidades do Governo nacional e das agências de cooperação, referindo que as autarquias adquiriram experiência, legitimidade e eficácia no decurso dos últimos dez anos. Do mesmo modo, há também algumas inovações no enquadramento jurídico. O Pacote Autárquico é o principal componente do enquadramento legal autárquico. Na generalidade, a sua promulgação foi provavelmente a melhor resposta possível para as necessidades do desenvolvimento urbano em Moçambique. A lição principal a colher é que este enquadramento serviu adequadamente para permitir a criação das 33 autarquias iniciais (43 a partir de 2009) e a sua evolução até ao presente estado de desenvolvimento, a despeito dos restantes problemas e limitações que a sua estrutura possa ter. Em termos de relações inter e intra-municipais, elas melhoraram ao longo da última década. Quanto às estruturas intra-municipais fizeram-se, a nível local, alguns esforços para reforçar o papel das Assembleias Municipais. Durante o primeiro termo administrativo, o facto de Assembleia e Executivo partilharem vários dos seus membros, deu origem a muitos problemas. Dessas primeiras experiências negativas resultaram 282 lições que, em certos casos, originaram consideráveis melhoramentos na natureza e composição das estruturas intra-municipais. Caixa 9.2 De Legalidade Política a Legitimidade Social em 10 Anos Em Moçambique, as autarquias nasceram em 1997, de uma decisão do Governo nacional de substituir as anteriores formas de administração local, impostas durante o período colonial e mantidas durante os primeiros anos da independência. Apesar de resultarem de uma decisão política emanada de topo e não de um debate social de base alargada, a criação de municípios em 33 cidades e vilas de Moçambique foi uma boa política. A lei inicial e as suas sucessivas reformas estruturaram as instituições municipais e estabeleceram as suas jurisdições, responsabilidade, deveres e direitos. O contraste entre cidades com poder local e outras localidades é fácil de ver, sobretudo em relação à prestação de serviços básicos. Mas é preciso considerar também outras diferenças menos visíveis, como o facto de as autarquias estarem a desempenhar um papel chave na legitimação do conceito básico de democracia e auto-governo e, simultaneamente, no desenvolvimento dos principais pólos socioeconómicos do país. Tendo começado de uma base muito baixa, no período relativamente curto de 10 anos as autarquias conseguiram estabelecer procedimentos formais e conjuntos de regras que contribuem para a sua institucionalização. Estes passos, básicos mas fundamentais, são boas práticas, exercidas sobre tudo através de mecanismos de “aprender fazendo” e “tentativa e erro”, que as levaram a ultrapassar a maioria dos problemas e dos erros cometidos durante o primeiro mandato devido à falta de precedentes e de conhecimento institucional. O apoio de programas e projectos específicos de doadores, agências de cooperação e outros parceiros, tem sido um elemento chave para o processo acelerado da institucionalização municipal. Nem todas as iniciativas tiveram igual sucesso e várias delas sobrestimaram provavelmente os resultados a esperar, mas na generalidade este apoio tem sido crucial para guiar os primeiros passos das autarquias no sentido da sua própria sustentabilidae. E acresce ainda que muitas das lições aprendidas, muitas das boas práticas implementadas e muitas políticas de mérito são o resultado da assistência técnica e financeira directa prestada às autarquias. As relações inter-municipais através da ANAMM têm tido um impacto positivo. Todas as autoridades locais entrevistadas indicaram que a troca de experiências entre as autarquias é a melhor forma de reforçar as capacidades das suas instituições. Do mesmo modo, todos os membros dos conselhos municipais, assembleias municipais e funcionários entrevistados manifestaram o seu interesse em participar em intercâmbios destinados a promover as suas capacidades e competências específicas. Muitos exemplos desta cooperação constituem boas práticas exercidas ao longo dos últimos dez anos. A maioria das autoridades municipais e funcionários reconhecem a ANAMM como o mecanismo adequado para o relacionamento inter-municipal. As relações entre o poder local e os diversos órgãos do Governo nacional têm evoluído positivamente em diversos sentidos, em particular durante o segundo período 283 administrativo. Há exemplos de boas práticas em ambos os lados, em particular em relação às administrações distritais, que estão muito ligadas às autarquias dada a sua proximidade física. A Caixa 9.3 a seguir resume algumas dessas boas iniciativas e práticas. Caixa 9.3 Municípios e Adminstração Distrital Trabalhando em Conjunto A criação de um clima de diálogo entre autarquias e administrações distritais tem sido um importante contributo de algumas agências de cooperação, como parte das boas práticas que estão surgindo em certas localidades: - Em Montepuez, por exemplo, foi possivel instituir reuniões semanais em que participam o presidente do CM e o administrador distrital. Há também reuniões entre os membros do Conselho Municipal e os seus contrapartes na administração distrital: directores distritais e delegados de serviços como a saúde, educação, etc. - Algo de parecido se verifica em Marromeu, onde autoridades de ambas as tendências políticas coexistem numa certa medida de harmonia. Os administradores, municipal e distrital, explicaram que esta circunstância pouco comum se deve em larga medida a vários workshops sobre resolução de conflitos que o programa ADA/ PADEM organizou em autarquias onde essa iniciativa está presente. - Em Montepuez e várias outras cidades, as autoridades locais aceitam de bom grado a presença de directores e delegados da administração municipal em reuniões da assembleia e do conselho municipais, como forma de melhorar a coordenação entre as duas administrações. Entretanto, em outras cidades, a nomeação de delegados do Governo central (“Representantes do Estado”) é vista como uma intromissão inaceitável e uma violação flagrante da autonomia autárquica, sobretudo quando é a oposição que está no poder. Quanto às relações com doadores e agências de cooperação, as autoridades locais acreditam que os programas e projectos apoiados pelos doadores têm originado resultados imediatos, aumentado a legitimidade das autarquias e, mais importante ainda, reforçando as suas capacidades institucionais. Essas iniciativas constituem, na maioria dos casos, o núcleo das boas práticas e políticas exercidas pelas autarquias. Por exemplo, o programa conjunto que está a ser financiado pela Cooperação Austríaca para o Desenvolvimento, a Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação e a DANIDA no norte, é avaliado positivamente pelas autarquias. 284 Envolvimento dos Cidadãos e Responsabilização Um dos princípios básicos da democracia e da descentralização é a participação dos cidadãos. A Constituição da República de Moçambique, de 2004, define os objectivos do poder local como a organização da participação do povo na solução dos problemas das suas próprias comunidades. Abre, assim, um quadro para o planeamento e para o orçamento participativos, e estabelece que o poder local é baseado em iniciativas e capacidades da comunidade e que deve agir em estreita colaboração com as várias organizações, o que permite a cooperação das populações.1 Neste aspecto, a criação de municípios é também uma forma de alargamento da participação dos cidadãos.2 Em dez anos de desenvolvimento municipal em Moçambique houve algumas experiências iniciais de planeamento e orçamentação participativos, promovidas principalmente pelos doadores e agências de cooperação. Entre os exemplos inclui-se o planeamento participativo no município de Dondo, apoiado pela ADC/PADM, o planeamento participativo nos municípios de Cuamba e Montepuez, apoiado pela SDC/PADEM (Projecto de Apoio ao Desenvolvimento Municipal), e o Planeamento e Orçamentação Participativos para Pequenos Projectos de Infra-Estruturas em Monapo e Nacala apoiado pela USAID/ARD-PROGOV (para pormenores de experiências anteriores e actuais, ver caixas 4 a 6 no relatório integral no CD-ROM). Em relação ao envolvimento dos cidadãos e à responsabilização, a avaliação não é tão positiva. O acompanhamento, fiscalização e avaliação das actividades municipais pela sociedade civil é mais excepção que regra. A maioria dos processos de planeamento continua a ser marcada pela ausência de participação dos munícipes. Quase nenhuma das cidades e vilas analisadas esteve envolvida em orçamentação participativa e o exercício de fiscalização pelos cidadãos, ainda que algumas cidades estejam agora a fazer umas primeiras experiências muito positivas (p. ex: Maputo, Nacala, Monapo, Gúruè, Chimoio e Vilanculos). Há também acentuado diálogo e consultas entre entidades municipais e as organizações da sociedade civil (OSC) (p. ex: Dondo, Monapo, Montepuez e Nacala). No entanto, o quadro geral mostra que o envolvimento da sociedade civil nos processos de planeamento, orçamentação e fiscalização é ainda fraco. A participação dos cidadãos nas 285 autarquias moçambicanas é ainda incipiente, pois as OSC estão ainda em fase emergente. Algumas ONG locais e internacionais estão a desempenhar papéis na prestação de serviços básicos e no desenvolvimento de infra-estruturas de água e saneamento, educação, saúde, VIH/SIDA e questões ambientais. Em geral, há poucas ONG com a experiência e capacidade necessárias para promover estratégias participativas no planeamento e desenvolvimento municipal (p. ex: Magariro, PAMODZI e PROPOSTA em Chimoio, Associação Kwaedza Simukai em Manica, AAIM na Ilha de Moçambique, ESTAMOS em Lichinga, e AMDU, WaterAid e CARE em Maputo) (ver Allan & Vibes 2006: 34). Alguns presidentes de CM, como os de Vilanculos e Beira, têm um estilo de liderança mais aberto e informal e têm conseguido construir uma relação mais próxima com os seus munícipes, mesmo sem mecanismos institucionalizados e sistemáticos de participação dos cidadãos – para além de sessões públicas e audiências — nas suas autarquias. Mas na generalidade, o fluxo de comunicação entre os conselhos municipais e os cidadãos é ainda débil.3 Em termos de monitorização e avaliação de capacidades, foram patrocinados vários inquéritos nos últimos dois anos, com o objectivo de fornecer às autarquias dados certos e relevantes sobre planeamento, tomada de decisões, monitorização e avaliação (ver Caixa 7 no relatório integral no CD-ROM). A cidade de Maputo efectuou também três Inquéritos aos Cidadãos (Citizen Report Cards) anuais, como parte do seu programa PROMAPUTO, tanto para ajudar a prioritizar acções de resposta, como para detectar mudanças na percepção dos munícipes em relação ao desempenho da autarquia ao longo do tempo. Estes inquéritos são potencialmente boas práticas; podem produzir informação importante para identificar os principais problemas do município em várias áreas (p. e: prestação de serviços, anti-corrupção, poder decisório da comunidade, etc.) e melhorar a gestão autárquica. No entanto, com excepção de Maputo, não há indicação de que os municípios tenham institucionalizado estas ferramentas e que os conselhos e assembleias municipais estejam sistematicamente a utilizar os resultados dos inquéritos nos processos de tomada de decisões, planeamento, monitorização e avaliação. 286 Fiscalização e Avaliação das Actividades Municipais pela Sociedade Civil O acesso à informação é uma das condições prévias básicas da transparência, responsabilização e boa governação. Na esfera de uma maior transparência e de luta contra a corrupção, algumas agências, como a GTZ, UNDP, Banco Mundial e USAID, têm-se mostrado activas nos últimos dez anos no apoio a actividades que promovam uma gestão municipal transparente. Apesar deste forte empenho de vários intervenientes interessados, a disponibilidade, exactidão e actualização das informações é ainda reduzida. É difícil obter das autarquias planos, orçamento, documentos de execução e de auditoria. A Caixa 9.4 a seguir fornece uma breve descrição das actividades de uma destas agências. Caixa 9.4 Promover uma Gestão Autárquica Transparente (USAID/ARD-PROGOV e CIP) No segundo período administrativo das autarquias o USAID/PROGOV, em colaboração com o Centro de Integridade Pública, CIP, lançou uma iniciativa para melhorar a transparência da gestão e reduzir o risco de corrupção nas autarquias parceiras do projecto (Chimoio, Gurué, Monapo, Nacala, Vilanculos). A iniciativa consiste em três actividades principais: - Um estudo sobre transparência, riscos de corrupção e áreas de oportunidade em seis autarquias moçambicanas; - Um workshop participativo envolvendo CM, AM e OSC para elaborar um plano de acção municipal para melhorar a transparência e combater a corrupção; - Formação no local de trabalho sobre aquisições para dirigentes e funcionários municipais (realizada pelos elementos do projecto). No entanto, o principal desafio é assegurar e consolidar o interesse, envolvimento e aceitação que a iniciativa deve despertar nos autarcas. É demasiado cedo para avaliar o impacto e a sustentabilidade das actividades desencadeadas por esta iniciativa. Fonte: USAID/ARD-PROGOV 2007. Mecanismos e Processos de Responsabilização Sobretudo no primeiro mandato do poder local (1998-2003), a maior parte das autarquias teve sérios problemas com a gestão financeira e a contabilidade. Algumas razões apontadas foram os deficientes conhecimentos e falta de formação dos autarcas e dos funcionários quanto à legislação (o papel da Inspecção Geral de Finanças IGF — e da instituição que realiza as auditorias, o Tribunal Administrativo — TA) e à gestão financeira (sistemas de controlo interno, divisão de responsabilidades entre as unidades organizacionais, o deficiente registo de receitas e a falta de registos adequados de 287 activos). Na gestão financeira e da contabilidade das autarquias um dos grandes problemas encontrados foi o uso inadequado e por vezes mesmo a ausência de livros e registos de contabilidade. Segundo a percepção colhida pelos investigadores, a contabilidade interna tem vindo recentemente a melhorar muito em algumas autarquias. Há no entanto prova abundante que sugere que os sistemas internos e ferramentas de controlo financeiro não estão instituídos, ou não funcionam adequadamente em alguns municípios. Por exemplo, nenhuma das autarquias visitadas tinha criado as Comissões Locais de Justiça Tributária,4 onde os munícipes devem poder questionar decisões relativamente à cobrança de taxas e emolumentos. O controlo de activos é ainda deficiente, como prova a falta de registos actualizados. Há necessidade de estabelecer e consolidar os sistemas de controlo interno nas autarquias moçambicanas, independentemente do controlo, fiscalização, supervisão e auditoria exercidos pela IGF e pelo TA. Este sector parece ser particularmente fraco e vulnerável à corrupção na área das fontes de receita (imposto predial, taxas de mercado, licenças de construção, etc.). No entanto, várias instituições têm recebido apoio para melhorar a contabilidade e a gestão financeira dos municípios (p. ex: ProMaputo). Em relação a uma melhor utilização de sistemas e instrumentos adequados bem como à qualidade das contas de gerência, o apoio dado pelas entidades nacionais de controlo e auditoria (IGF e TA) são bem acolhidos pelas autarquias. A intervenção destas entidades pode ser considerada uma boa prática. As autoridades municipais vêem nas acções da IGF e do TA uma ajuda para melhorarem o desempenho dos serviços financeiros nos conselhos municipais. Por exemplo o Curso Prático para a Elaboração das Contas de Gerência realizado pela IGF e pelo TA, com o apoio do USAID/PROGOV, SDC/PADEM e ADC/PADM, é considerado como uma iniciativa de grande interesse (ver Caixa 9.5 a seguir). A exigência de auditoria da contabilidade municipal para haver acesso a doações para financiamento ao abrigo do Plano de Desenvolvimento Municipal (Banco Mundial), teve um impacto importante em 288 pelo menos 5 autarquias, pois inicialmente não era possível obter pareceres de auditoria mas eventualmente foram surgindo e melhorando com o tempo. Há uma série de programas que estão agora a apoiar a introdução de Sistemas Integrados de Gestão Financeira (IFMS) nas autarquias, em conformidade com a lei do SISTAFE. Nesta fase a cidade de Maputo e a UTRAFE (Unidade Técnica de Reforma da Administração Financeira do Estado, que implementa o e-SISTAFE), estão a colaborar para implantar um sistema de IFMS que possa ser instituído por todas as autarquias. Caixa 9.5 Curso Prático sobre Contas de Gerência As autarquias são obrigadas por lei a apresentar anualmente a Conta de Gerência da Autarquia Local, a enviar ao Tribunal Administrativo para aprovação. A qualidade deste Relatório Anual de Contas de Gerência tem vindo a aumentar. Doadores como a ADC, GTZ, SDC, USAID e o Banco Mundial, têm contribuído para esta evolução. Neste contexto, o USAID/PROGOV, SDC/PADEM e ADC/PADM deram o seu apoio ao Curso Prático para a Elaboração das Contas de Gerência, promovido pelo Tribunal Administrativo e pela Inspecção Geral de Finanças em Outubro 2006. Tomaram parte 32 funcionários municipais de 17 autarquias que são parceiras daquelas agências de cooperação: Chimoio, Gurué, Monapo, Nacala, Vilanculos, (USAID/PROGOV); Cuamba, Ilha de Moçambique, Montepuez, Mocímboa da Praia, Metangula (SDC/PADEM); Dondo e Marromeu (ADC/PADM), assim como Angoche, Beira, Lichinga e Nampula. O objectivo global do curso visava: - contribuir para a consolidação da gestão financeira e da responsabilização nas autarquias. O objectivo específico era: - dotar os funcionários municipais dos conhecimentos e competências básicas relativamente aos instrumentos e procedimentos utilizados para preparar o Relatório Anual de Contas de Gerência. Os módulos da formação foram os seguintes: Introdução e conceitos básicos; Contabilidade e Controlo Interno; Receitas; Despesas; Controlo Prévio; Relatório das Contas de Gerência. A avaliação dos participantes indica que o curso foi muito positivo. Apreciaram sobretudo as componentes práticas e o enorme potencial de uso dos conhecimentos e competências adquiridos para um melhor desempenho nas autarquias. Mostraram também grande satisfação com a qualidade do trabalho dos formadores. Mas indicaram que a duração do curso era demasiado curta (35 horas em uma semana). Fonte: USAID/ARD-PROVOG 2006. A nível internacional há várias iniciativas inovadoras que podem servir de exemplo. Na América Central tem havido um grande número de experiências em responsabilização, ao longo das duas últimas décadas, como parte da nova consciência da responsabilização e do processo de reinventar o assumir de responsabilidade no Século XXI. Do mesmo 289 modo, a Transparency International, compilou um grande número de ferramentas anti- corrupção inovadoras, desenvolvidas e implementadas pela sociedade civil. (http://www.transparency.org/tools/e_toolkit). Recursos Humanos e Desenvolvimento Organizacional Um pouco menos negativas que as questões da responsabilização, são as áreas dos recursos humanos e desenvolvimento organizacional. Muitos funcionários receberam algum tipo de formação, mas há ainda considerável procura sem resposta. No entanto, a maioria das autarquias tem vindo a desenvolver as suas capacidades administrativas, particularmente no segundo mandato. A sua estrutura organizacional é agora mais claramente definida e as responsabilidades e deveres de cada repartição ou funcionário estão agora mais bem determinados. No entanto, muitas autarquias continuam organizadas como antes ou imediatamente após a criação do poder local. A sua estrutura e quadros de pessoal estão muitas vezes desajustados das actuais responsabilidades de governação, gestão e prestação de serviços. Embora a legislação autárquica contemple uma significativa autonomia para as autarquias na definição da sua estrutura organizacional — incluindo a revisão de responsabilidades dos departamentos, fluxos de trabalho e procedimentos, quadros de pessoal e descrição de cargos individuais — muitas não têm exercido esta prerrogativa. Algumas, poucas, autarquias reorganizaram a sua estrutura interna e quadros de pessoal com base em exigências externas de governação e de prestação de serviços (p. ex: Maputo). Na generalidade, as autarquias acusam fraqueza de estrutura organizacional, agravada por uma grande proporção dos recursos financeiros ser gasta em salários e subsídios. As estruturas organizacionais não são baseadas numa adequada análise funcional, no âmbito e na complexidade dos serviços que o poder autárquico tem de proporcionar. Parece evidente que não existem regras para o seleccionamento de pessoal ou, se existem, não estão a ser adequadamente aplicadas. 290 As autarquias experimentaram uma série de modelos de serviços durante os primeiros dez anos, mas há uma larga margem para o desenvolvimento destas opções. Integrados num esforço de reestruturação organizacional, as autarquias podem considerar diferentes modelos de prestação de serviços, conforme as características específicas do município. Como exemplo, referem-se: a prestação de serviços pela própria autarquia, que é o modelo existente na maioria delas, a criação de serviços municipais semi-autónomos, de empresas municipais (p.ex. a empresa de saneamento de Quelimane — EMUSA), as concessões a operadores privados (p.ex. o abastecimento de água em Vilanculos) e a criação de parcerias público-privadas (p.ex. a unidade PPP na cidade de Maputo). O desenvolvimento dos recursos humanos e o desenvolvimento organizacional estão inter-relacionados. O sucesso do desenvolvimento autárquico só é possível em países com organizações sólidas a nível local e isso depende também da qualidade do pessoal. Os trabalhadores devem receber formação para que possam cumprir as suas responsabilidades e tarefas de modo eficaz. As iniciativas e processos de capacitação proporcionados pelas Agências de Cooperação são largamente reconhecidos como positivos. Vários programas, apoiados por agências de cooperação, colaboram com o IFAPA (Instituto de Formação em Administração Pública e Autárquica), CEFPAS (Centro de Formação Profissional de Água e Saneamento) e a AWEPA (Associação dos Parlamentares Europeus para África), no sentido de promover a consolidação das capacidades nas autarquias. Por exemplo, o Banco Mundial, através do PDM/GCM, tem dado considerável apoio ao IFAPA na criação de condições para proporcionar cursos de formação, e formação no local de trabalho para funcionários autárquicos. O IFAPA faculta cursos de formação em administração pública e municipal e está em processo de adaptação dos currículos às necessidades da administração municipal. Os entrevistados aludiram ao impacto positivo dos cursos de formação no desempenho do pessoal, embora não esteja ainda criado um sistema de monitorização e avaliação da formação ou uma avaliação do pessoal com base no desempenho. A inexistência de uma relação entre os salários do pessoal e o seu desempenho, a falta de incentivos com os consequentes sinais de baixo moral e elevada frustração, são factores que influenciam 291 negativamente o desempenho do pessoal municipal (ver Chichava, em Woodrow 2005: 37). Não há ainda exemplos concretos que possam ser identificados como boas práticas e boas políticas, mas o plano de capacitação do pessoal, conjugado com o aumento de receitas próprias ao abrigo do PROMAPUTO está a começar a dar resultados. Em relação à formação de autarcas eleitos e do pessoal técnico e administrativo das autarquias, considera-se que o MAE/DNDA desempenha um papel crucial na coordenação de intervenções nesta área. No entanto, após a criação da Autoridade Nacional da Função Pública, que depois se transformou no Ministério da Função Pública (MFP e em particular a Direcção para a Gestão, Estratégia e Desenvolvimento de Recursos Humanos) e a transferência do portfólio do SIFAP (Sistema de Formação em Administração Pública) para o MFP, parece que as responsabilidades políticas e institucionais em questões relacionadas com a promoção de formação para os recursos humanos municipais, não são muito claras. É também entendido actualmente por muitas autarquias que o desenvolvimento dos recursos humanos não tem só a ver com formação, mas também com condições de trabalho, clareza no que respeita a regras e procedimentos, sistemas apropriados e formação no local de trabalho, entre outros elementos de capacitação. Grande parte do pessoal técnico de várias autarquias demonstra um sólido nível de competência profissional, em resultado de várias intervenções feitas por instituições como o MAE/DNDA, IFAPA, TA, IGF, alguns ministérios sectoriais, bem como agências de cooperação cmmo a ADC, DANIDA, SDC, GTZ, Banco Mundial, a Cooperação Espanhola, e AWEPA. Por exemplo o Plano de Desenvolvimento, através do Gabinete de Capacitação Municipal (PDM/GCM), tem ajudado a reforçar a capacidade do IFAPA Maputo para proporcionar oportunidades de formação adequadas e diversificadas, ao pessoal autárquico. Apesar destes êxitos, há ainda dificuldade em atrair e reter pessoal qualificado, sendo necessáarias algumas alterações jurídicas e políticas a nível nacional, obrigando também, cada autarquia, a ter planos para a capacitação do pessoal (articulados com o aumento de receita) e planos de formação. Estes aspectos são abordados mais 292 detalhadamente no capítulo sobre o Enquadramento Político, Jurídico e Institucional. Uma breve apreciação da experiência de Maputo é apresentada na Caixa 9.6. Caixa 9.6 Monitorização de Formação no Local de Trabalho (Experiência do Projecto de Desenvolvimento Municipal/Capacitação Autárquica) A monitorização da formação no local de trabalho é um passo importante no sistema municipal de capacitação, que possibilita avaliar o desenvolvimento do trabalho de capacitação dos formadores que ajudam os formandos no local de trabalho e a capacidade dos formandos para adquiriem competências práticas (como fazer, como ser). Este trabalho é feito por quem contrata os serviços de formação — que neste caso é o MAE/DNDA — utilizando uma ferramenta (MATRIX) para uma rápida avaliação do cumprimento das recomendações feitas pelos formadores. Estas recomendações em muitos casos correspondem a soluções imediatas, para o curto, médio e longo prazo. Os processos de monitorização não só cumprem a função de avaliação, mas debruçam-se também sobre as questões da assistência técnica ao pessoal autárquico, no processo de procurar soluções. O diálogo entre a equipa monitora e o pessoal da autarquia durante a apreciação das matrizes é o momento de assumir responsabilidades pelo que foi feito, ou não foi feito pelos formandos, principalmente como forma de os encorajar a respeitar e cumprir as regras e procedimentos para o funcionamento de várias áreas da administração autárquica. Todas as acções realizadas são consideradas como casos resolvidos, pede-se aos funcionários que expliquem as soluções e que apresentem as provas materiais; em relação aos casos não resolvidos, o diálogo é uma procura colectiva da dificuldade que impediu que se encontrasse uma solução para o problema. Trabalhadores de todas as áreas da administração municipal são convidados a manifestar as suas ideias para a procura das soluções mais apropriadas. Pode acontecer que a dificuldade seja resolvida nesse momento e, assim, a monitorização é um controlo, mas, acima de tudo, é assistência técnica. Os problemas não resolvidos são listados numa nova matriz, com novos limites de tempo e depois dos formandos e da equipa de monitorização chegarem a acordo sobre essa matriz, esta é enviada ao presidente do CM para aprovação e assinatura. Fonte: República de Moçambique, 2007, p. 34ff. Num contexto internacional, há muitos bons exemplos de mecanismos inovadores utilizados para reforçar as capacidades das autarquias e de formar o seu pessoal. Por exemplo, há alguns anos, a UN-Volunteers, com apoio da GTZ, UN-Habitat e vários outros parceiros, desenvolveu um programa para o intercâmbio de experiências entre funcionários municipais de diversas cidades da América Latina. Orçamento Municipal e Planeamento Operacional Um sistema eficiente de gestão financeira é um dos pilares de uma real autonomia financeira, administrativa e patrimonial das autarquias. O sucesso dos processos de descentralização e de desenvolvimento municipal depende de uma gestão eficiente e 293 transparente das autarquias, de que o orçamento municipal e o planeamento operacional são elementos chave. Todas as autarquias sofrem de fraca capacidade financeira e são altamente dependentes das transferências do Orçamento do Estado. O nível das receitas próprias é ainda muito baixo. As autarquias não estão a tirar o melhor partido do seu potencial tributário, devido à sua fraca capacidade em termos de cobrança de impostos e administração. No entanto, as áreas da orçamentação municipal e do planeamento operacional estão lentamente a melhorar. A maioria das autarquias desenvolveu as suas capacidades administrativas, mas a falta de planeamento impede a identificação das prioridades orçamentais, uma vez que as necessidades mais urgentes absorvem todos os recursos disponíveis. Há algumas boas práticas relacionadas com modos inovadores de obter receitas e mecanismos de controlo destas, que têm apresentado bons resultados, como a taxa de recolha de resíduos sólidos em Maputo e uma série de actividades em autarquias apoiadas pelo PROGOV, as quais, com uma série de intervenções simples conseguiram aumentar as suas taxas e licenças (ver Nguenha e Chimunuane 2007). Menos evidente, entretanto, é o controlo e a melhoria de eficiência na despesa e, na generalidade, os sistemas financeiros das autarquias necessitam de ser aperfeiçoados. O objectivo da autonomia fiscal implica a existência de um sistema de receitas fiscais autárquicas (taxas e emolumentos) e activos, bem como tansferências orçamentais, que possam gerar os recursos necessários para financiar as actividades municipais adequadamente. A Lei das Finanças Autárquicas (11/97) estabeleceu o enquadramento jurídico para as finanças municipais mas durante o primeiro mandato administrativo não existiram posturas espececíficas sobre questões tributárias. Foi só em 2000 que o Código Tributário Autárquico estabeleceu regulamentos que têm permitido às autarquias cobrar taxas e emolumentos com uma sólida base legal. Várias intervenções, através de projectos apoiados pelo USAID/PROGOV, GTZ/DED, Banco Mundial e DANIDA têm, no entanto, o potencial de se tornarem boas práticas na área da geração de receitas. Por exemplo, o Projecto para a Consolidação das Taxas Municipais e Descentralização Fiscal, com o apoio da DANIDA e a assistência técnica da GTZ, foi um esforço pioneiro 294 para prestar apoio técnico (principalmente formação no local de trabalho) para melhorar os registos fiscais, cobrança de impostos, gestão financeira e cultura fiscal, nas autarquias de Moçambique, com base numa abordagem abrangente (encontram-se mais detalhes sobre estas intervenções no relatório integral no CD-ROM). Devido aos reduzidos recursos humanos, financeiros e organizacionais, as autarquias têm sérias dificuldades na prestação de serviços e provisão de infra-estruturas. Dentro dos actuais padrões de enquadramento de descentralização e de desenvolvimento, as autarquias continuarão a depender grandemente das já muito limitadas transferências financeiras do Governo central. Durante o primeiro mandato autárquico, houve enormes problemas com a atribuição do Fundo de Compensação Autárquica (FCA) e o Fundo de Investimento de Iniciativa Local (FIIL), que agora recebeu o nome de Fundo de Investimento Local Autárquico (FILA). Sobretudo no primeiro mandato, os mecanismos de desembolso do FIIL não eram apropriados para a implementação de projectos de investimento público, pois as verbas eram transferidas em duodécimos (1/12 do total, mensalmente, ao longo do ano) para as autarquias. Este sistema não correspondia às necessidades reais dos ciclos de projectos de investimento e assim o FIIL não dava resposta às necessidades financeiras dos projectos de investimento. Entretanto, no segundo termo, houve melhoramentos na administração do FIIL que conduziram a boas práticas. As autarquias moçambicanas estão longe de cumprir com as suas responsabilidades de despesa devido à falta de capacidade técnica, financeira e organizacional.5 Na realidade, com falta de planificação, é difícil satisfazer essas responsabilidades e as prioridades da despesa tendem a cingir-se ao “Manifesto Eleitoral” e/ou decisões ad hoc. Além disso, a influência dos cidadãos nas prioridades de despesa e investimento é, na maioria dos casos, insignificante. Neste aspecto particular tem sido muito difícil encontrar exemplos que se possam considerar como boas práticas (ver capítulo sobre governação e planeamento). 295 A capacidade das autarquias para monitorizarem e controlarem a sua despesa orçamental é ainda muito fraca. Os sistemas locais para gestão de caixa, pagmentos e controlo financeiros são fracos. As autarquias têm também de lidar com a ausência de programas apropriados para a gestão de fluxos de caixa; esta situação torna mais difícil comparar níveis de despesa com as previsões orçamentais. Não há, ainda, exemplos a destacar como boas práticas. Prestação de Serviços Os serviços urbanos, como a água, saneamento e gestão de resíduos sólidos têm melhorado, apesar das dificuldades técnicas e financeiras. A manutenção de estradas e ruas é ainda deficiente devido à falta de recursos e maquinaria. A maioria das cidades tem beneficiado de investimentos e melhoramentos nos seus mercados, que são serviços urbanos aos quais a maioria dos governos locais parece ter capacidade de dar resposta, pelo menos até certo ponto. No entanto há ainda deficiências e corrupção na gestão dos mercados. Cultura, lazer e outros serviços oferecidos são ainda iniciativas experimentais mais do que prática comum. Água e Saneamento Para muitas autoridades locais, água e saneamento são as principais prioridades das suas comunidades. O Fundo de Investimento e Património de Abastecimento de Água (FIPAG) está a intervir directamente em muitas autarquias para resolver os problemas do abastecimento de água. No entanto, a cobertura é ainda limitada e as autarquias têm promovido ou efectuado muitos projectos de água e saneamento em pequena escala, que são geridos pela autarquia ou ONG locais ou empresas privadas. Entretanto, em alguns casos, estas iniciativas estão a ser duplicadas por acções similares implementadas por outras entidades como as administrações distritais, como se verifica na Ilha de Moçambique. A intervenção do sector privado e de OSC na gestão de sanitários públicos nas cidades com mercado de Manica e Vilanculos, tem potencial para ser rotulada de boa prática; no entanto, o processo de licitação deveria ser mais transparente. 296 Gestão de Resíduos Sólidos As autoridades municipais e os representantes da sociedade civil reconhecem que a recolha de resíduos sólidos tem sido uma das áreas de serviço autárquico que melhoraram no segundo mandato. Graças a várias intervenções como o programa AGRESU/ PROMAPUTO em Maputo, estes melhoramentos têm grande impacto não só especificamente na gestão dos resíduos sólidos, mas também na estrutura municipal como um todo. Um dos contributos básicos do AGRESU foi introduzir e dar ênfase à necessidade de cobrança de uma taxa para melhorar a qualidade dos serviços municipais básicos. Em seguimento ao que foi alcançado em Maputo, outras cidades estão a começar a aplicar taxas de recolha dos resíduos sólidos que os cidadãos pagam através da conta de electricidade. Este passo simples mas fundamental, é uma importante lição para as autoridades autárquicas e para a população urbana, que deveria ser incluída na lista de lições que têm sido aprendidas por todos os sectores urbanos a nível nacional (ver capitulo sobre Gestão de Resíduos Sólidos). Estradas Em vários municípios, os recursos do Fundo Nacional de Estradas (FE) cobrem a manutenção das ruas e estradas existentes dentro dos limites urbanos. Os munícipes reconhecem este esforço, pois apercebem-se claramente dos impactos visíveis e positivos que melhores sistemas rodoviários têm sobre as actividades urbanas. As cidades em rápido crescimento exigem a manutenção das estradas existentes, mas precisam também de alargar a sua rede viária. Nesse sentido, os recursos do FE são ainda muito limitados para responder a todas as necessidades. A cidade de Manica é um claro exemplo de boa prática na requalificação de bairros de lata, através de um projecto realizado com o apoio técnico da GTZ que demonstra que a construção de estradas de acesso deve ser o primeiro passo em qualquer processo de requalificação de povoados informais recentemente instalados, particularmente no contexto de um país onde a maioria dos caminhos urbanos requer construção ou reabilitação, mais do que uma manutenção de rotina. 297 Mercados A maioria dos municípios tem construído novas instalações para estes serviços urbanos, em alguns casos com bons padrões de qualidade. Há várias boas práticas a destacar, incluindo: o melhoramento das condições de armazenagem de produtos frescos em Montepuez; a criação de um único serviço de cobrança de taxas de mercado, integrado nos escritórios da autarquia, também em Montepuez; a atitude de Matola ao assumir que “os mercados são uma prioridade na segurança alimentar”; a inspiração de Marromeu ao transformar o velho mercado num centro cultural; a criação de certos descontos para os vendedores que aceitem pagar as suas taxas numa base mensal, em Vilanculos; e a nomeação de gerentes de mercado na Matola, para gerirem os mercados no dia-a-dia. Gestão de Solos e Planeamento Urbano Nas áreas de gestão de solos e de pleaneamento urbano as boas práticas são raras. Existem planos na maioria das cidades, todos eles apoiados por agências de cooperação, mas a sua implementação não é satisfatória na maioria dos casos. Há exemplos de boas iniciativas de reabilitação de bairros de lata e estatégias que definem a grandeza do problema. Por exemplo, o município de Manica beneficiou de intervenções para a requalificação de um povoado informal no contexto do Projecto de Descentralização e de Desenvolvimento Municial, PPDM, (posteriormente: Projecto de Desenvolvimento Rural PRODER) cujas actividades têm estado identificadas com o Bairro Josina Machel, beneficiando directamente 1 500 pessoas, vivendo em 300 lotes numa área de 315.598 metros quadrados. Do mesmo modo, o plano para a “Requalificação de Bairros Degradados e Redução da Vulnerabilidade em Áreas Sujeitas a Inundações em Maputo, Chókwè, Tete e Quelimane”, apoiado pelo UN-HABITAT, é outro exemplo a citar. Instrumentos de Planeamento Existentes Há um consenso geral quanto à falta de instrumentos de planeamento adequados nas autarquias, embora se reconheça que as acções de planeamento já realizadas têm sido de utililidade para as zonas destinatárias. Em termos de avanço no sentido de criar instrumentos formais de planeamento urbano a longo prazo — Planos de estrutura, Planos Gerais/Parciais de Urbanização e Planos de Pormenor — a situação varia de uma 298 para outra autarquia. Na generalidade, as cidades têm planos de estrutura urbana ou planos de urbanização, mas a maioria estão obsoletos e necessitam de ser reformulados e aprovados. Esta situação vai mudar, no entanto, pois a recente Lei do Ordenamento Territorial de 2006 obriga a que todos os municípios tenham planos de urbanização, entre outras razões, para poderem emitir licenças de uso da terra. Para além da falta de instrumentos de planeamento eficazes, um dos maiores desafios das autarquias é o alastrar de aglomerados habitacionais informais. Mais de 60% da população urbana vive em povoados informais e em algumas cidades a percentagem atinge 70 a 80% (República de Moçambique/MICOA 2005:7). A falta de capacidade técnica e financeira é um dos mais graves factores que dificultam a requalificação de povoados informais. Isto é ainda agravado por uma combinação de outros factores igualmente sérios, como a falta de uma estratégia específica para a regularização do direito de uso e aproveitamento da terra (DUAT) e para o melhoramento de infra-estruturas e prestação de serviços em zonas informais; a falta de uma clara manifestação de vontade política, visão e interesse em enfrentar com eficácia a urbanização acelerada; e a ineficácia das abordagens clássicas à urbanização. Apesar dos numerosos problemas associados à proliferação de povoados informais, a requalificação das áreas urbanas informais não é ainda vista, em muitas autarquias, como uma prioridade do planeamento e desenvolvimento urbanos. São poucos os esforços para promover a requalificação dos povoados informais, a gestão ambiental urbana, e o planeamento participativo, implementados por várias agências de cooperação, que possam ser considerados como boas práticas. Apontam-se alguns exemplos, como o programa piloto Cities Without Slums /Cidades sem Bairros de Lata, (abrangendo cidades como Maputo, Manica, Chókwè, Tete) que dá destaque à protecção ambiental e à redução da vulnerabilidade a inundações e outros riscos (ver Caixas 22 a 25 do relatório integral). Grau de Implementação dos Planos Com raras e específicas excepções, o grau de implementação dos planos não é satisfatório. Em Manica, por exemplo, tudo indica que os funcionários municipais têm 299 boa formação e estão altamente motivados para implementar o plano preparado para a requalificação das zonas informais; há no entanto ainda dúvidas quanto à continuidade da implementação após terminar o projecto apoiado pela GTZ em Manica. A Agência espanhola de cooperação (AECI) está a apoiar as pré-condições básicas para permitir o uso de instrumentos de planeamento mais eficazes na Matola, como é também o caso do Banco Mundial, com o PROMAPUTO em Maputo. No entanto, apesar de parecer haver algumas alterações prometedoras e significativas, estas são intervenções recentes, pelo que não é ainda possível classificá-las, ou não, como boas práticas. Há uma grande necessidade de integrar o planeamento espacial, sectorial e operacional, quer com base num plano estratégico para um município (de preferência cidades grandes) ou começando a prepará-lo. A falta de capacidade de planeamento integrado e de sistemas organizacionais para o elaborar é um grave constrangimento para as autarquias (ver capítulo sobre Governação e Planeamento). Questões Transversais Em relação a diversas questões transversais, a avaliação geral das boas práticas é irregular. Há um grande número de iniciativas ambientais muito válidas realizadas por autarquias e muitas delas incluem boas práticas de interesse excepcional (por exemplo a intervenção em Montepuez que será abordada mais abaixo). Os riscos de catástrofes naturais têm em certa medida sido tratados. A falta de políticas preventivas em relação à segurança urbana e ao policiamento comunitário é evidente. Em relação à pobreza urbana têm sido notáveis os esforços para a enfrentar, mas estão longe de ser suficientes para alcançar impactos a longo prazo (ver capítulo 5 sobre Pobreza). Os grupos vulneráveis continuam excluídos, como é o caso das vítimas do VIH-SIDA. Há muito poucos exemplos de boas práticas na igualdade de género, mas também não estão tão disseminadas e não são tão abrangentes como se esperava. As interligações entre zonas urbanas e rurais não se reflectem nas divisões administrativas. A influência municipal nas zonas rurais periféricas é mínima. Há experiências positivas em relação à promoção do desenvolvimento económico local em algumas cidades, como Nampula, mas esta questão não é uma prioridade na agenda municipal. Os mecanismos de 300 comunicação e divulgação melhoraram mas os recursos disponíveis não dão resposta às necessidades. Alívio da Pobreza Urbana Como em muitos países em desenvolvimento, o grau de pobreza é menor nas zonas urbanas que nas rurais.6 Até certo ponto, é evidente que o poder local em Moçambique tem implementado algumas práticas para combater a pobreza urbana. Na realidade, a maior parte das iniciativas municipais são orientadas no sentido de melhorar o nível de vida dos munícipes e favorecer as suas oportunidades sociais e económicas, mas são poucas as acções — ou talvez sejam menos evidentes — que se destinam especificamente a combater a exclusão e a pobreza num contexto urbano. Entre os bons exemplos há a destacar (a) a promoção da agricultura urbana que é largamente praticada em áreas periurbanas e por vezes no centro das cidades (Maputo, Matola, Beira, e Manica); (b) o apoio à criação de uma Associação de Juventude que encoraja o desenvolvimento económico local e a criação de alternativas de emprego para os jovens locais (Vilanculos); e (c) a adopção de estratégias inovadoras no crescimento urbano, como aumentar o espaço disponibilizado para novos aglomerados habitacionais em vez de o reduzir ou limitar, permitindo assim lotes de terrenos maiores para cada família (Vilanculos). Interligações Urbano-Rurais A existência de fortes ligações entre zonas urbanas e os seus arredores rurais é amplamente reconhecida por autoridades e funcionários municipais, representantes da sociedade civil e pelos elementos das agências de cooperação. Como em muitos outros lugares, as economias urbanas dependem em grande medida da produção agrícola das áreas circundantes; as quintas das zonas rurais da vizinhança são a principal fonte de alimentos para os citadinos e simultaneamente as cidades constituem os principais mercados e centros de comércio que fornecem serviços básicos à população rural. Além disso, especialmente nas pequenas e médias cidades de Moçambique, a maior parte das 301 famílias citadinas obtém a sua subsistência e gera rendimento cultivando pequenos quintais ou machambas, localizados relativamente perto do perímetro urbano. As autarquias têm feito muito pouco para melhorar e facilitar as interligações urbano- rurais. O melhoramento das infra-estruturas de mercados na maioria das cidades (Marromeu, Beira, Manica, Montepuez, Ilha de Moçambique, Vilanculos e Chókwè, entre outras) é provavelmente a realização mais bem-sucedida até agora, mas outras infra- estruturas do género (feiras de ofícios e agricultura, matadouros, etc.) precisam de um maior empenho. Do mesmo modo, o apoio municipal às actividades da agricultura urbana está ainda na sua fase de arranque e deveria ser melhorado e desenvolvido no futuro. Questões Ambientais Para os agentes municipais e outros intervenientes locais, as questões ambientais estão entre os grandes problemas que as suas cidades enfrentam. Um grave problema, que foi suscitado especificamente em Marromeu, Manica, Vilanculos, Maputo e Montepuez foi a erosão das áreas e encostas locais, mas só a última destas cidades tomou acção concreta para debelar o problema. A intervenção em Montepuez para combater a erosão das colinas, plantando árvores e construindo uma vala para escoamento dos deflúvios, com o envolvimento directo das comunidades potencialmente afectadas, é um excelente exemplo de como as autarquias podem enfrentar este tipo de problemas. Esta iniciativa, apoiada pela CDS, MICOA/DANIDA, incluiu também formação técnica para os funcionários municipais e a criação de um viveiro de árvores municipal, entre outras iniciativas. Estas acções fazem parte de uma intervenção mais alargada, que tem alcançado resultados significativos com outros problemas relacionados com o ambiente, incluindo a conservação de recursos naturais ou a gestão dos resíduos sólidos. Utilizando os problemas ambientais como ponto de abordagem, esta iniciativa conseguiu alargar a sua inflência a outras áreas da gestão urbana e é uma boa prática muito inovadora a destacar entre as iniciativas das agências de cooperação. 302 Género e Outras Questões Sociais Um número relativamente pequeno de mulheres tem sido eleito como autoridades ou membros de organismos municipais com competências decisórias nas dez cidades visitadas. A sua presença entre o pessoal autárquico é também escassa, especialmente a nível superior. Além disso, são raras as referências a género entre as políticas e estratégias adoptadas pelas autarquias. Embora poucas vereadoras contactadas no decurso da pesquisa tivessem conhecimento da sua existência, o Fórum Nacional das Mulheres Autarcas é um passo na direcção certa para fomentar políticas que promovam a equidade de género a nível municipal. Esta iniciativa, canalizada através da ANAMM, segue as boas práticas nacionais e merece o apoio das agências internacionais de cooperação. Dentro do mesmo espírito, vários municípios relataram a existência de Associações de Mulheres locais, mas aparentemente são ainda muito reduzidos os seus membros. Uma boa prática de género foi identificada em Manica, onde o Conselho Municipal criou com êxito várias associações de aforro para mulheres, destinadas a aumentar as suas capacidades de negócio. Desenvolvimento Económico Local (DEL) Em geral, os municípios estão conscientes das dificuldades e oportunidades em relação ao desenvolvimento económico local (DEL) (ver capítulo 5 sobre a pobreza). No entanto, têm consciência de que fortalecer o DEL só é visto como uma responsabilidade autárquica nas cidades de grande dimensão e sobretudo na zona sul do país. A maior parte dos representantes do sector privado entrevistados, consideravam os municípios como importantes aliados estratégicos e expressaram o seu desejo de colaborar com eles em áreas de interesse mútuo, mesmo quando se queixavam da falta de atenção das autarquias às suas próprias necessidades. Na realidade, várias autarquias podem apresentar bons exemplos de parcerias público-privadas bastante bem sucedidas, entre o poder local e o sector privado, com a mútua dependência entre o sector privado e o município a servir de principal motivação para criar esse tipo de associação. É esse o caso de Marromeu, uma vila cuja existência está ligada a uma grande agroindústria do açúcar, (Sena Sugar Estates Lda), que dá emprego directo ou indirecto à maioria da 303 população mas que também colabora com a autarquia de muitas formas, desde o fornecimento de electricidade produzida pelo seu próprio gerador à construção de vários tipos de infra-estruturas urbanas. Neste caso específico, é interessante notar que têm sido sobretudo as agências de cooperação, trabalhando a nível local, que têm promovido essas parcerias público-privadas (p.ex: Maputo criou uma unidade de PPP com o apoio do PPIAF — Public Private Infrastructure Advisory Fund — o fundo público-privado multi- doadores de apoio ao investimento em infra-estruturas). Gestão de Risco de Desastres e Segurança Urbana É sabido que tal como acontece com o país, na sua globalidade, há muitos municípios em Moçambique que estão permanentemente ameaçados por desastres de variado tipo e magnitude. Por exemplo, a devastação causada ainda recentemente por um ciclone à propriedade pública e privada, foi uma amarga lição para Vilanculos sobre o que são os desastres naturais. O seu impacto, ainda claramente visível no território, mostra que os municípios têm de lidar com as consequências a longo prazo dos desastres, após o socorro imediato ter terminado o seu trabalho. No entanto e como acontece em muitos outros casos, as ameaças podem criar oportunidades. Do desastre de Vilanculos resultou um sentido de unidade e um espírito de colaboração inter-institucional, segundo afirmaram o Delegado Distrital e os autarcas entrevistados. Mas as emergências nem sempre são o melhor mecanismo para atingir este fim. Em Montepuez, uma boa prática de gestão urbana está integrada no plano ambiental local apoiado pela DANIDA. Com a participação dos residentes, o município construiu infra-estruturas para proteger áreas sujeitas a inundações e travou a erosão plantando árvores do viveiro da autarquia. Por último, estão a ser feitos esforços pelas autarquias na área da segurança urbana. As acções de prevenção sobre segurança que têm sido organizadas pelas autoridades locais em Chókwè e em outras cidades de média dimensão, para compensar a falta de efectivos de polícia, são bons exemplos. Em muitas cidades o aumento da iluminação pública é a chave para uma melhoria da segurança pública, o que requer uma colaboração entre a empresa de electricidade (EDM) e a autarquia, para a instalação e manutenção de iluminação pública. 304 Educação Cívica As autarquias fazem esforços para estimular um sentido de identidade local, promover a auto-estima dos seus munícipes e desenvolver um sentido de direitos e responsabilidades como cidadãos municipais. Entre as iniciativas contam-se campanhas para encorajar a recolha de resíduos sólidos e outros serviços municipais em Maputo; a distribuição de material informativo sobre impostos e contribuições em Manica, Vilanculos, Chókwè e outras cidades; o apoio a grupos de música, dança e outras actividades culturais em Montepuez, Dondo e Vilanculos; a disponibilização de infra-estruturas culturais na Matola e Marromeu, etc. É significativo que vários programas e projectos das agências de cooperação estejam na base de muitas destas iniciativas. Gestão da Informação, Comunicação e Conhecimento Em geral, a população sente que os canais de comunicação usados pelas autarquias para informarem o público sobre as suas actividades são bastante fracos. Existem painéis informativos, mas a maioria está desactualizada. Orçamentos, propostas, relatórios de execução, auditorias e outros documentos de trabalho raramente são divulgados. O recurso às rádios das comunidades por parte das autoridades locais, como meio de divulgação de informações autárquicas é considerado como mais eficaz, mas alguns entrevistados referiram que essas rádios podem prejudicar a viabilidade dos operadores independentes. Na área da comunicação, na maioria dos municípios os presidentes e membros dos conselhos e das assembleias municipais visitam periodicamente os bairros, estabelecendo um diálogo directo com os residentes e registando as suas necessidades e pedidos. Além disso, o conselho e os presidentes das assembleias locais geralmente têm audiências públicas semanais para atender solicitações do público. Há vários bons exemplos de gestão do conhecimento a nível municipal e bons exemplos também de divulgação e informação por meio de brochuras informativas (por exemplo, Manica, com material de divulgação sobre o processo de requalificação, e Maputo e Chókwè com as brochuras sobre taxas municipais) e outros tipos de publicações como a 305 série “Histórias Autárquicas”, uma colecção de estudos de casos interessantes escritos pelo PROGOV. VIH/SIDA A epidemia de VIH-SIDA aumentou dramaticamente o número de órfãos, viúvas e outros grupos sociais vulneráveis em Moçambique. Sem meios de subsistência, a maioria mantém-se ou muda-se para as cidades, tentando sobreviver à custa da caridade pública ou do apoio de vizinhos ou parentes. Sobretudo nas cidades médias e grandes, as autoridades locais expressaram a sua preocupação com este problema, reconhecendo a falta de estratégias e recursos disponíveis para lidar com ele. Através da ANAMM, têm sido apresentados ao (Conselho National de Combate ao HIV/SIDA-CNCS) e aos Núcleos Provinciais de Combate à SIDA, propostas de projectos destinados a estabelecer canais de coordenação que, na maioria dos casos, não dão apoio específico às autarquias, mas a complexidade dos procedimentos (percebida e muitas vezes real) tem impedido que algumas propostas tenham, até agora, sido devidamente consideradas. A cidade de Maputo conseguiu elaborar um plano de acção e orçamento para três anos e apresentou-o ao CNCS, e recebeu duas tranches para o implementar, ainda que com alguma dificuldade. Em Manica, foi criada uma repartição municipal de assuntos sociais que mantém um registo actualizado de órfãos e viúvas a nível de bairros e apoia o desenvolvimento de pequenas actividades económicas para estes grupos em cada bairro. Com o apoio da GTZ e como parte das actividades do Programa PRODER , o município de Manica criou vários aviários, que são geridos por membros desses grupos vulneráveis como forma de lhes proporcionar trabalho e rendimento, e também para melhorar a sua dieta alimentar. Com resultados claros e impactos sociais e económicos muito positivos, esta iniciativa inovadora e facilmente replicável é uma das boas práticas a seguir. Dada a severidade da crise da SIDA em Moçambique, o poder local não está imune ao seu severo impacto não só sobre aqueles que sofrem da doença e as suas famílias, mas 306 também sobre empregadores. O absentismo e os baixos níveis de produtividade são sérias consequências. Perder um elemento do seu pessoal é não só uma tragédia humana mas também uma tragédia económica para as autarquias, em particular nos casos em que há um investimento no desenvolvimento dos recursos humanos. Há muitas acções que as autarquias podem desenvolver para combater o VIH/SIDA, utilizando os vários sectores da municipalidade. É necessária uma forte vontade política e alguma coordenação e planeamento, mas pode haver financiamento do CNCS. As autarquias são encorajadas a utilizar o “Guia dos Órgãos do Poder Local para o Combate ao VIH/SIDA” produzido pelo Banco Mundial, de consulta muito fácil e disponível em português no site: (www.worldbank.org/urban/hivaids). 9.3 Principais Desafios Enquadramento Politico, Legal e Institucional As principais preocupações das autoridades e do pessoal municipal são a sobreposição das políticas nacionais de desconcentração e descentralização; a falta de definições claras relativamente à descentralização; a necessidade de uma definição clara de “gradualismo” em termos de fases, processo e relação com o processo de desconcentração dos ramos central, provincial e distrital do Governo; o papel e o envolvimento das OSC na gestão urbana; e as lacunas existentes no enquadramento jurídico e a sua complexidade (ver os capítulos sobre enquadramento jurídico e político, e planeamento e e governação). As autarquias e as administrações distritais estão também em desacordo sobre diversas questões. Um tema de particular preocupação, frequentemente mencionado, refere-se à delimitação das autarquias e a principal fonte de controvérsia é a fiscalidade. A impossibilidade de cobrar impostos municipais em certas áreas ou a certos contribuintes devido a interferência de outros níveis de tributação, impões sérias restrições às finanças municipais e limita as capacidades de gestão do poder local em geral. Outros aspectos, como o planeamento urbano, a requalificação de bairros ou a gestão ambiental, assim como a relativamente curta duração de muitas iniciativas de cooperaçãoi internacional, representam também desafios para as autarquias. 307 Participação dos Cidadãos e Responsabilização Há algum progresso na área da participação dos cidadãos na governação local, à medida que aumenta a consciencialização da necessidade e da importância da responsabilização dos organismos municipais perante o público. No entanto é ainda demasiado cedo para avaliar o impacto mais alargado destas experiências e a sua sustentabilidade, e há também ainda muitos obstáculos. Entre os principais desafios nesta área contam-se a expansão e o ajustamento de mecanismos de participação dos cidadãos na gestão urbana, para além das eleições municipais; a dependência de fundos de doadores e o baixo nível de participação da Sociedade Civil na gestão urbana. Em termos de luta contra a corrupção, as dificuldades incluem a ausência de uma tradição ou de uma prática efectiva de envolvimento e participação da comunidade na procura de soluções para os problemas urbanos/municipais; a não utilização, por parte das OSC e dos munícipes, dos mecanismos de fiscalização exigidos pela lei autárquica, devido ao seu desconhecimento ou falta de capacidade técnica para análise e avaliação; e a ausência de planos de acção práticos para implementar, nas autarquias, a Estratégia Anti-corrupção 2006–2010, aprovada pelo Conselho de Ministros em Abril 2006. Recursos Humanos e Desenvolvimento Institucional Embora as iniciativas de capacitação tenham tido um impacto positivo no desempenho dos funcionários municipais, avaliar o seu impacto no desempenho da organização municipal no seu todo, em relação aos seus munícipes, é extremamente difícil. Na realidade, algumas autoridades locais argumentam que os objectivos dos cursos de formação nem sempre estão em linha com os das organizações autárquicas. Têm sido feitos grandes eforços para dar formação ao pessoal autárquico durante o segundo período administrativo. A formação deste pessoal não é orientada para resultados, não há avaliação de desempenho e há poucos planos de formação. Esta situação dificulta as perspectivas de conseguir melhorar a capacitação organizacional. No entanto os membros das assembleias municipais exigem atenção aos seus pedidos de formação. A capacidade institucional para praticar uma gestão autárquica eficaz é ainda limitada e varia de uma 308 para outra autarquia. Acresce ainda que muitas autarquias têm estruturas organizacionais e modelos de prestação de serviços inadequados para dar respostas às actuais exigências da prestação de serviços. Orçamentação Municipal e Planeamento Operacional As autarquias moçambicanas caracterizam-se pela ausência de um sólido planeamento, o que as impede de prioritizar investimentos pró-pobres. Há muito poucos canais apropriados para fazer valer as exigências dos cidadãos quanto à atribuição ou distribuição de recursos, o que pode conduzir por vezes a um desajustamento entre o destino das verbas e as prioridades das comunidades. Muitas vezes a atribuição dos recursos é arbitrária e baseada em razões políticas. Dado o conteúdo muito alargado e de carácter propagandístico, os Manifestos Eleitorais abrangem muitos assuntos e não podem ser considerados como documentos de planeamento eficazes, mas antes como “listas de desejos” (com escassa prioritização) que não têm em conta as limitações dos recursos. Em várias autarquias, o apoio directo de agências de cooperação influencia a atribuição dos recursos a nível local. Esta autonomia limitada é ainda agravada pela também limitada capacidade das autarquias para criar receita própria (ver Caixa 20 do relatório final no CD-ROM), e pela fraca monitorização e controlo das despesas orçamentadas. Há ainda a considerar o apoio dos doadores, que pode contribuir com infra-estruturas ou investimentos em sistemas muito necessários, mas que criam encargos futuros de operação e manutenção que são difíceis de cumprir. O baixo nível de receitas fiscais nas autarquias de Moçambique é também um enorme problema. As razões são a débil base económica local, a reduzida capacidade de cobrança, e os montantes e critérios desajustados das transferências fiscais intergovernamentais para as autarquias, em relação aos seus deveres e responsabilidades, cobertura fiscal e eficiência; das isenções de imposto predial para todas as novas propriedades residenciais e por um período de cinco anos; e outros, como se indica no capítulo sobre Finanças. 309 Prestação de Serviços Em termos de prestação de serviços, têm sido discutidos muitos melhoramentos mas há ainda consideráveis desafios a enfrentar. Em relação à água e saneamento, em muitas autarquias o abastecimento depende sobretudo do FIPAG. Muitas autarquias sentem que a sua intervenção nesta área chave é insuficiente (ver capítuloo sobre Água e Saneamento). Quanto à gestão de resíduos sólidos, apesar de um ganho importante com a cobrança de taxas de recolha, o mecanismo precisa ainda de ser aperfeiçoado. Por exemplo, muitas autarquias não têm informação segura quanto ao número exacto de consumidores e o montante cobrado a cada um deles pela empresa Electricidade de Moçambique (EDM) o que dá origem a várias dificuldades. Em algumas zonas os munícipes queixam-se que estão a pagar duas vezes por um serviço que não é efectuado, sobretudo nos arredores de Maputo e outras cidades grandes. Quanto às estradas, os fundos do FE não podem ser aplicados na compra de maquinaria pesada, com base no argumento de que a sua manutenção é dispendiosa. As autarquias têm assim dificuldades práticas na sua capacidade para recuperar o estado das ruas e não podem utilizar estas verbas para construir novas. Em relação aos mercados, nem todas as intervenções tiveram os resultados e impactos positivos anteriormente abordados. Parece que as complexas relações sociais e económicas que envolvem estes equipamentos foram ignorados. Por exemplo, há instalações antigas e superlotadas, enquanto os novos edifícios se mantêm quase vazios e pouco utilizados. Por último, ainda que as áreas recreativas e outros serviços e infra-estruturas sócio- culturais, incluindo os relacionados com o turismo, se mantenham geralmente sob o controlo das autoridades locais, os problemas surgem devido à falta de verbas para manutenção ou novas construções. Da mesma forma, a conservação do património urbano, de recursos naturais existentes dentro dos limites urbanos e a conservação do património histórico das cidades, têm recebido pouca atenção das autoridades locais. 310 Gestão da Terra e Planeamento Urbano A falta de instrumentos apropriados de planeamento urbano está a dificultar um desenvolvimento harmonioso das autarquias moçambicanas. Os planos de urbanização são os instrumentos através dos quais as autoridades municipais podem criar a organização espacial do seu território (planos de estrutura urbana) e definir o uso dos solpos urbanos, assim como definir as redes de transportes, comunicações, energia e abastecimento de água, saneamento e infra-estruturas social (planos de urbanização gerais ou parciais), ou planear o tipo e a forma de áreas urbanas e áreas para expansão urbana (planos de pormenor). Entre as razões para a não implementação dos existentes (e muitas vezes obsoletos) planos de urbanismo, contam-se a falta de adesão das entidades locais, interferência política e corrupção, falta de capacidade técnica, falta de interligação entre planeamento territorial e económico, falta de estratégias e mecanismos de implementação apropriados, reduzida capacidade para monitorizar a implmentação dos planos (não há fiscalização de cumprimento). A falta de vontade política e a existência de interferência política são também apontadas como razões para os atrasos e adiamentos ou para a falta de implementação. A nova Lei de Ordenamento Territorial, que exige planos de urbanização, deverá ajudar a resolver muitos destes problemas, desde que sejam instituídos instrumentos adequados de capacitação e recursos (p.ex: Manuais a serem produzidos pelo MICOA). Questões transversais Em termos de alívio da pobreza urbana, vários estudos demonstram a dimensão dessa pobreza, e que ela é um dos principais desafios enfrentados pelas autarquias de Moçambique. No entanto, de acordo com as autoridades locais entrevistadas, a falta de políticas generalizadas e de instrumentos específicos, reduzem a capacidade dos conselhos municipais para lidarem com o problema. Em relação às interligações urbano- rurais, os fortes elos entre as áreas urbanas e rurais, em termos ambientais, físicos, económicos e sociais, eles não estão todos contemplados, em termos políticos e administrativos, nas divisões adoptadas. Os municípios estão confinados ao que é 311 considerado como território urbans e as suas zonas de expansão, enquanto as administrações distritais do Governo central abrangem e se ocupam da maior parte do território rural. Do ponto de vista das autoridades locais, esta situação dá origem a vários problemas e a potenciais conflitos, especialmente quando os limites não são definidos, pois municípios e administrações distritais entram em competição para prestar certos serviços e ambas as entidades procuram por vezes cobrar taxas locais e nacionais no mesmo território, tornando as coisas ainda mais complicadas. De um ponto de vista ambiental, parece evidente que nas vilas mais pequenas e nas cidades médias, o investimento necessário para conservar os recursos naturais ou para inverter a degradação causada pela subida do mar ou dos rios, ultrapassa largamente as capacidades técnicas e financeiras dos municípios e provavelmente obrigará à intervenção de outros níveis do governo. Quanto à agenda social e de temas de género, as iniciativas municipais dedicadas especificamente a crianças, idosos, pessoas deficientes, jovens e outros grupos frágeis ou vulneráveis, são infelizmente muito escassas. Isto deve-se em parte à escala de outras exigências sobre os conselhos municipais e em parte a uma falta de conhecimento ou de estratégia para lidar com estas imensas questões de âmbito transversal a partir de recursos limitados. Em termos de desenvolvimento económico local, a relação entre o sector privado e as autarquias não é muito linear. Para muitas das grandes empresas, a sua relação com o ambiente à sua volta não é importante, porque lidam directamente com outras entidades governamentais, a nível nacional, provincial ou distrital. Consequentemente, o seu interesse nos assuntos urbanos é reduzido. Por seu lado, as autarquias queixam-se que muitas das grandes empresas foram isentadas de tributação local pelo Governo nacional, embora façam uso de serviços e infra-estruturas municipais e, em certos casos, as suas actividades original encargos específicos para os governos locais. As pequenas e médias empresas estão mais abertas à cooperação com o governo local mas as suas próprias debilidades limitam essa possibilidade. 312 Em relação à gestão de risco de desastres e à segurança urbana, os riscos naturais e os potenciais desastres requerem atenção urgente. A falta de planeamento, as deficiências de coordenação e a inexistência de recursos específicos são factores que impedem a adopção de medidas preventivas para evitar estas ameaças, agravadas ainda pela inexistência de serviços de bombeiros e de emergência na maioria das áreas urbanas. Do mesmo modo, em cidades como Maputo, Beira e Matola, a crescente onda de insegurança que mina a qualidade de vida da população é mais um motivo de preocupação. Na área da educação cívica, há um clima de satisfação pela existência dos municípios, embora alguns cidadãos identifiquem estas entidades como representantes do Governo nacional a nível local, em vez de verem nelas instituições autónomas representando as suas próprias comunidades. Por seu turno, as autoridades locais admitem que a educação cívica recebe pouca atenção do poder local. Além disso, os processos sociais e políticos que se desenrolaram em Moçambique no passado enfraqueceram o tecido social em muitas zonas do país impedindo ou sabotando o desenvolvimento de OSC. Em termos de informação, comunicação e gestão do conhecimento, os procedimentos formais para audiências públicas não existem, mas os Conselhos geralmente reúnem-se com o público à sua discrição. Os munícipes podem assistir às reuniões da Assembleia mas a sua presença é meramente formal pois não têm direito a falar durante as sessões. A falta de informação e de documentação relativamente a inovações e experiências é lugar- comum nas autarquias. O material informativo sobre programas e projectos de cooperação é escasso, ou não existe, reduzindo as possibilidades de coordenação e o seu potencial de replicação. Além disso a utilização das novas tecnologias de informação e comunicação é quase inexistente nos municípios de Moçambique (excepto nas grandes cidades como Maputo, Matola e Beira). Por último, o impacto do VIH/SIDA na população urbana requer que seja urgentemente incluído na agenda municipal. Mas a falta de recursos humanos, financeiros e técnicos destinados a este fim específico e um sentimento de que é complexa a estratégia de financiamente para canalizar fundos do Governo central especificamente para a luta contra a pandemia, são os principais obstáculos a ultrapassar. 313 9.4 Recomendações Quais as boas práticas autárquicas que devem ser incrementadas a nível local e quais deverão ser transferidas para outros contextos? Quais destas boas práticas têm potencial para se tornarem políticas do poder local a alargar a todo o país num futuro próximo? Em que condições será isso possível? Quais das actuais práticas inovadoras identificadas têm potencial para se tornarem boas políticas. E nesses casos, qual seria o papel específico da comunidade para a cooperação internacional? Ao tentar responder a estas questões, a equipa trabalhou os dados disponíveis e elaborou um quadro que resume os elementos chave das conclusões. A primeira parte do quadro (ver Anexo 1 Quadro 1) descreve, por sectores e subsectores, se há muitas, algumas, ou nenhumas boas práticas. A experiência destes últimos dez anos mostra, desde o início, que há uma combinação de intervenções que incluem boas práticas como, por exemplo, a melhoria das estruturas e capacidades administrativas municipais, melhor atribuição de recursos e melhor geração de receitas e prestação de serviços. Algumas intervenções têm potencial para se tornarem boas práticas, como por exemplo inovar o enquadramento jurídico, implementar algumas iniciativas para aumentar a participação dos cidadãos e a responsabilização, ou instituir e melhorar a gestão financeira do controlo da despesa. No entanto, são precisas intervençõesws para melhorar o planeamento participativo e a fiscalização pela sociedade civil, ou melhorar a segurança das comunidades e sensibilizar os cidadãos para os problemas urbanos ou, mais urgente ainda, para o impacto do VIH/SIDA. A segunda parte do quadro (ver Anexo 1, Quadro 2) mostra os sectores e subsectores em que seria possível incrementar e/ou transferir o seu conteúdo ; identifica também o grau de dificuldade em convertê-los em políticas nacionais, caso a caso e, por fim indica a dimensão do apoio externo que seria provavelmente necessário para alcançar esses resultados. Não obstante as inevitáveis inexactidões que resultam da necessidade de generalizar sobre a matéria, este quadro pode fornecer directivas e orientações básicas para o 314 desenvolvimento futuro das autarquias, desde que a presente situação não seja radicalmente alterada por acontecimentos imprevisíveis. Pode ser particularment útil para um contributo para o desenho de programas futuros de apoio externo, mas também para formular estratégias e planos de desenvolvimento municipal, a nível local. Há várias áreas prioritárias em que é necessário mais apoio e que as metodologias sejam harmonizadas. Um sumário das principais recomendações, em dois níveis, é apresentado a seguir. Acções Futuras a Nível Municipal A primeira prioridade é relativa ao insuficiente envolvimento dos cidadãos na gestãi municipal. A principal prioridade dos programas de cooperação municipal deveria visar uma maior participação dos cidadãos na gestão municipal e o exercício da responsabilização social. Nestas áreas, são escassas as boas práticas. A segunda prioridade deverá ser melhorar o planeamento, a gestão financeira e o desenvolvimento organizacional. A cooperação externa deverá melhorar e harmonizar metodologias relacionadas com a gestão da terra e o planeamento urbano, por um lado, e por outro o desenvolvimento organizacional das autarquias, assim como uma melhor gestão financeira. Nestas áreas existem algumas boas práticas mas que necessitam ser melhoradas, para poderem ser incrementadas e/ou transferidas para outras autarquias. As prioridades noutras áreas serão um pouco mais fáceis de atingir, desde que se faça um esforço. A prestação de serviços e outras áreas que têm melhorado, necessitarão de continuado apoio, mas o esforço para o conseguir será menor, uma vez que há vontade política e um forte desejo de responsabilização. No entanto, estas áreas continuam condicionadas pelos problemas sistémicos subjacentes focados neste estudo e a resolução dessses problemas que terá um impacto positivo na maioria das áreas de prestação de serviços. Entretanto, há já várias boas práticas na prestação de serviços e que poderiam ser mais facilmente transferidas através da troca de experiências. 315 Acções Futuras a Nível Nacional A nível nacional, muitas boas práticas municipais poderiam ser incrementadas e integradas como parte das políticas municipais nacionais. O grau de dificuldade na incrementação dependerá da sua natureza e de outros factores. Alguns melhoramentos no enquadramento político, jurídico e institucional, e boas práticas na prestação de serviços, poderão ser mais fáceis de atingir que outros. A tentativa de incrementar o número relativamente pequeno de boas práticas relacionadas com recursos humanos e desenvolvimento organizacional; o planeamento orçamental e operacional, gestão de solos e planeamento urbano seria difícil, e quanto à possibilidade de incrementar as boas práticas quase inexistentes no campo da participação dos cidadãos e da responsabilização e várias outras questões transversais, seria extremamente difícil. Se a política nacional de descentralização for elaborada e a sua estratégia se tornar, no futuro, mais clara, os doadores e agências de cooperação ficarão mais bem posicionados para desenvolver programas e projectos orientados para as autarquias. Se esses programas e projectos resultarem de uma exigência da população, a coordenação com o Governo nacional, através dos ministérios e de outras entidades nacionais, seria feita caso a caso, em vez de ditada de cima para baixo. O apoio municipal deveria ser dirigido à criação de capacidades organizacionais, através de formação, assistência técnica ou outros mecanismos, numa perspectiva estratégica de, no longo prazo, ser possível reduzir a dependência técnica e financeira das autarquias da cooperação internacional. O apoio financeiro deverá ser dirigido exclusivamente para programas e projectos solidamente planeados. Deveria também haver estratégias para criar sinergias entre os governos locais, que partilham a mesma localização geográfica (a mesma província, distrito, região, etc.) ou a mesma tipologia. O envolvimento de parceiros locais é uma boa estratégia para qualquer programa de cooperação. O sector privado, as organizações das comunidades, ONG, o sector académico, a imprensa local e outros participantes, aumentam as suas probabilidades de conseguirem melhores resultados e maior impacto. Para além dos municípios e da sua 316 estrutura interna, outros parceiros que deveriam ser participantes activos são o Governo nacional (ministérios, institutos nacionais, incluindo o IFG), os governos provincial e distrital, o Tribunal Administrativo, ANAMM, OSC, o sector privado etc. A ANAMM deveria assumir a liderança em criar a ligação entre o apoio das agências de cooperação e os pedidos de assistência técnica dos munícipios. Deveria também ser uma plataforma para os processos de formação, para a troca de experiências e para canalizar e difundir conhecimento e informação aos seus membros e parceiros. Presentemente, a ANAMM é fraca em termos de recursos e necessita ser apoiada tanto pelos membros (para o funcionamento do secretariado e para uma independência política) como pelos parceiros internacionais de desenvolvimento e organizações suas congéneres (para programas e outras funções de apoio). As agências de cooperação deveriam também procurar coordenar melhor os aspectos relacionados com a comunicação (estratégicos e outros) dos seus programas e projectos. Um dos principais objectivos das iniciativas apoiadas pelos doadores deveria ser criar e documentar boas práticas e inovações que possam ser disseminadas entre várias instituições e mecanismos, em particular se os programas e projectos de cooperação externa não podem abranger todas as autarquias. O PROGOV tem já demonstrado alguns excelentes exemplos desta prática. Todas as agências de cooperação participantes deveriam ter capacidade para estabelecer um esquema harmonizado/comum de apoio técnico para as autarquias já existentes e as recentemente criadas. Se forem aplicadas estratégias e metodologias semelhntes, os resultados e impactos das suas iniciativas serão mais aprofudndados e, a prazo, mais sustentáveis. As experiências já existentes, incluindo as conclusões deste estudo, mostram claramente a viabilidade desta proposta, que é urgentemente necessária para resolver as crescentes exigências que o desenvolvimento urbano está a criar num contexto nacional. Esta pesquisa foi programada para coincidir com a preparação e apresentação do Programa para 13 cidades DANIDA/SDC/Áustria e com o Programa de Desenvolvimento Municipal de Maputo — PROMAPUTO. Estes são programas muito importantes, não só devido à sua dimensão como também porque procuram resolver as 317 questões sistémicas que são focadas neste estudo. Ainda que o estudo contribua para a sua concepção, e sendo ainda demasiado cedo para avaliar resultados, estes programas têm um grande potencial de colher lições do passado e redireccionar esforços, com base em mais conhecimentos e experiência. 318 Anexo 9.1 Lições-chave aprendidas em dez anos de experiências municipais — Qualidade das práticas por sectores e sub-sectores analisados of practices by sectors and sub- sectors considered Apreciação Geral BP: Boas práticas / políticas implementadas AP: Algumas boas práticas implementadas. Detectadas potenciais boas práticas NE: Good practices almost non-existent 1. ENQUDRAMENTO POLÍTICO, JURÍDICO E INSTITUCIONAL Mudanças e inovações nas BP A maioria das autarquias melhorou as suas estruturas administrativas estruturas administrativas, sobretudo no segundo municipais mandato Inovações no enquadramento AP Algumas autarquias introduziram inovações no jurídico seu enquadramento jurídico mas há ainda muitas questões pendentes no enquadramento legal a nível nacional Inovações em políticas AP Políticas inovadoras estão a ser aplicadas num pequeno número de cidades Estruturas intramunicipais BP São evidentes as melhorias nas estruturas internas municipais quando se comparam o primeiro e o segundo mandato Relações intermunicipais / ANAMM BP A criação da ANAMM é, em si, uma boa prática. O seu future desenvolvimento será positive como uma BP para o poder local de Moçambique Relações com os governos AP Apesar de alguns problemas pendentes, as nacional, provincial e distritais relações com outros níveis de governo melhoraram considerável em exemplos de BP Relações com doadores e agências BP A maior parte das autarquias tem beneficiado do de cooperação apoio de agências de cooperação. Na generalidade, o balanço é bastante positivo 2. PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS E RESPONSABILIZAÇÃO Planeamento participativo NE A maioria dos processos de planeamento urbano peca pela falta de participação dos cidadãos Orçamento participativo NE Nenhuma das cidades analisadas tinha instituído o orçamento participativo. Acompanhamento, controlo e NE A fiscalização pelos cidadãos é mais excepção avaliação das actividades do que regra municipais pela sociedade civil Mecanismos e processos de AP Estão a ser implementadas algumas iniciativas responsabilização interessantes em várias cidades 3. RECURSOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL Iniciativas de consolidação de AP Na maioria das cidades os recursos humanos têm capacidades recebido alguma formação mas há ainda necessidades não preenchidas de BP. 319 Reforço institucional BP A maioria das autarquias desenvolveu as suas capacidades administrativas, em particular no segundo mandato Diagrama de estrutura institucional AP A estrutura institucional está claramente definida na maioria das autarquias. As responsabilidades e deveres de cada serviço ou autarca estão presentemente mais bem definidos 4. ORÇAMENTO MUNICIPAL E PLANEAMENTO OPERACIONAL Prioridades de investimentos A Embora tenha havido melhoramentos, a falta ou a deficiência nos processos de planeamento ainda impede uma correcta identificação de prioridades nas pequenas e médias cidades Critérios para atribuição de BP Na maioria dos casos os recursos estão a ser recursos: temas, áreas, população correctamente atribuídos para acorrer às necessidades mais prementes Inovações na obtenção de receitas BP Os esforços feitos pelos municípios para diversificar e aumentar o volume das suas receitas são evidentes nas cidades com BP Inovações na gestão e controlo da AP Foram instituídos pelo Governo central despesa mecanismos de controlo. A gestão financeira interna necessita ser melhorada 5. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS Gestão de resíduos sólidos BP Na maioria das cidades a gestão dos resíduos sólidos está a melhorar apesar de dificuldades técnicas e financeiras Estradas AP A manutenção de ruas e estradas em cidades com BP é ainda deficiente devido à falta de verbas e máquinas Mercados BP A maioria das cidades tem beneficiado de investimentos e melhorias nos seus mercados. Tem sido uma das áreas mais bem geridas a nível local. Há no entanto ainda algumas deficiências na gestão. Outros serviços AP São organizados serviços culturais, recreativos e outros por alguns municípios, mas são ainda iniciativas experimentais e não uma prática comum 6. GESTÃO DE TERRAS E PLANEAMENTO URBANO Instrumentos de planeamento AP Na maioria das cidades há planos de diversos existentes: Planos de estratégia, etc. tipos, geralmente feitos com o apoio das agências de cooperação, mas a sua implementação é insatisfatória em termos de BP Estratégia para requalificação de AP Há casos de boas iniciativas de requalificação bairros de lata em várias cidades. A dimensão do problema dificulta as soluções. 320 Grau de implementação dos planos AP Como já foi referido acima, o grau em que os planos são implementados é muito limitado 7. QUESTÕES TRANSVERSAIS Alívio da pobreza urbana AP As importantes iniciativas que existem não são suficientes para alcançar impactos a longo prazo Interligações urbano-rurais AP As interligações físicas, sociais e económicas não estão em sintonia com as artificiais divisões administrativas que foram criadas. Influência autárquica mínima, mesmo nas áreas rurais circundantes Questões ambientais BP Há um número surpreendentemente elevado de iniciativas ambientais muito válidas realizadas pelas autarquias em cidades com BP Questões culturais, étnicas e de raça AP Não são uma prioridade na maioria das cidades. Os grupos vulneráveis são ainda geralmente excluídos Género e outras questões sociais AP Há exemplos de boas práticas sobre equidade de género em várias cidades, mas não tão generalizadas e aprofundadas como se esperava Desenvolvimento económico local AP Há alguns esforços notáveis e experiências interessantes, mas o desenvolvimento económico local não é considerado uma prioridade na agenda da maioria das cidades Gestão de riscos de desastre AP Os riscos naturais presentes em cidades com BP requerem um maior apoio Segurança/ policiamento da NE Um problema crescente para cidades médias e comunidade grandes que até agora não teve respostas adequadas por parte das autarquias Educação cívica NE Construir o sentido de identidade e de cidadania nos cidadãos é uma tarefa ainda à espera da atenção das autarquias com BP Informação e comunicação AP As ferramentas e recursos de comunicação e de divulgação existentes não correspondem, na maioria dos casos, às necessidades dos cidadãos VIH/SIDA NE Só as autarquias NP estão, até certo ponto, a tratar das consequências sociais da pandemia 321 Anexo 9.2 Lições-chave aprendidas em dez anos de experiências municipais — Boas práticas Boas práticas: potencialmente incrementáveis e / ou replicáveis Grau de dificuldades em se tornarem políticas nacionais Tipo de apoio externo necessário por campos de análise INCREMENTÁVEL NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO EM TRANSFERÊNCIA AUTÁRQUICAS MAIOR APOIO NACIONAIS POLÍTICAS PRÁTICAS EXTERNO SECTORES E OBSERVAÇÕES SUBSECTORES 1. SIM SIM Fácil Baixa POLÍTICO, JURÍDICO, E INSTITUCIONAL Mudanças e inovações BP A maioria das autarquias melhorou as SIM SIM Fácil Baixa na estrutura suas estruturas administrativas, administrativa municipal sobretudo no segundo mandato Inovações no AP Algumas autarquias introduziram SIM - Difícil Média enquadramento legal inovações no seu enquadramento legal mas há ainda muitas questões pendentes no enquadramento legal a nível nacional Inovações políticas AP Políticas locais inovadoras são SIM - Difícil Média aplicadas num número relativamente pequeno de cidades Estruturas BP São evidentes os melhoramentos nas SIM SIM Fácil Baixa intramunicipais estruturas internas municipais, quando se comparam o primeiro e o segundo mandatos Relações BP A criação da ANAMM é em si mesma SIM SIM Fácil Baixa intermunicipais uma boa prática. O seu /ANAMM desenvolvimento futuro será positivo como uma BP para o poder local em Moçambique Relações com os AP Apesar de vários problemas pendentes, SIM - Difícil Média governos nacional, as relações com outros níveis do provincial e distrital governo melhoraram acentuadamente em casos de BP Relações com doadores BP A maioria das autarquias beneficiaram SIM SIM Fácil Baixa e agências de com o apoio das agências de cooperação cooperação. O balanço geral é, neste aspecto muito positivo 2. - - n/a Forte Planeamento NE A maioria dos processos de - - n/a Forte participativo planeamento urbano peca pela falta de participação dos cidadãos Orçamento participativo NE Nenhuma das cidades analisadas tinha - - n/a Forte instituído o orçamento participativo 322 INCREMENTÁVEL NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO EM TRANSFERÊNCIA AUTÁRQUICAS MAIOR APOIO NACIONAIS POLÍTICAS PRÁTICAS EXTERNO SECTORES E OBSERVAÇÕES SUBSECTORES Acompanhamento, NE A fiscalização pelos cidadãos é mais - - n/a Forte controlo e avaliação das excepção do que regra actividades municipais pela sociedade civil Mecanismos e processos AP Estão a ser implementadas algumas SIM - Difícil Média de responsabilização iniciativas interessantes em várias cidades 3. RECURSOS SIM - Difícil Média HUMANOS E INSTITUCIONAL Iniciativas de AP Na maioria das cidades os recursos SIM - Difícil Média consolidação de humanos têm recebido alguma capacidades formação mas há ainda necessidades não preenchidas de BP. Reforço institucional BP A maioria das autarquias desenvolveu SIM SIM Fácil Baixa as suas capacidades administrativas, em particular no segundo mandato Diagrama de estrutura AP A estrutura institucional está claramente SIM - Difícil Média institucional definida na maioria das autarquias. As responsabilidades e deveres de cada serviço ou autarca estão presentemente mais bem definidos 4. ORÇAMENTO SIM - Difícil Média MUNICIPAL E PLANEAMENTO OPERACIONAL Prioridades de AP Embora tenha havido melhoramentos, a SIM - Difícil Média investimentos falta ou a deficiência nos processos de planeamento ainda impede uma correcta identificação de prioridades nas pequenas e médias cidades Critérios para atribuição BP Na maioria dos casos os recursos SIM SIM Fácil Baixa de recursos: temas, estão a ser correctamente atribuídos áreas, população para acorrer às necessidades mais prementes Inovações na obtenção BP Os esforços feitos pelos municípios SIM SIM Fácil Baixa de receitas para diversificar e aumentar o volume das suas receitas são evidentes nas cidades com BP Inovações na gestão e AP Foram instituídos pelo Governo central SIM - Difícil Média controlo da despesa mecanismos de controlo. A gestão financeira interna necessita ser melhorada 5. PRESTAÇÃO DE SIM SIM Fácil Baixa SERVIÇOS Gestão de resíduos BP Na maioria das cidades a gestão dos SIM SIM Fácil Baixa sólidos resíduos sólidos está a melhorar apesar de dificuldades técnicas e financeiras 323 INCREMENTÁVEL NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO EM TRANSFERÊNCIA AUTÁRQUICAS MAIOR APOIO NACIONAIS POLÍTICAS PRÁTICAS EXTERNO SECTORES E OBSERVAÇÕES SUBSECTORES Estradas AP A manutenção de ruas e estradas em SIM - Difícil Média cidades com BP é ainda deficiente devido à falta de verbas e máquinas Mercados A maioria das cidades tem beneficiado SIM SIM Fácil Baixa de investimentos e melhorias nos seus mercados. Tem sido uma das áreas mais bem geridas a nível local. Há no entanto BP ainda algumas deficiências na gestão. Outros serviços São organizados serviços culturais, SIM - Difícil Média recreativos e outros por alguns municípios, mas são ainda iniciativas experimentais e não uma prática AP comum 6. GESTÃO DE SIM - Difícil Média TERRAS E PLANEAMENTO URBANO Instrumentos de AP Na maioria das cidades há planos de SIM - Difícil Média planeamento existentes: diversos tipos, geralmente feitos com o Planos de estratégia, etc. apoio das agências de cooperação, mas a sua implementação é insatisfatória em termos de BP Estratégia para AP Há casos de boas iniciativas de SIM - Difícil Média requalificação de bairros requalificação em várias cidades. A de lata dimensão do problema dificulta as soluções. Grau de implementação AP Como já foi referido acima, o grau em SIM - Difícil Média dos planos que os planos são implementados é muito limitado 7 QUESTÕES - - n/a Forte TRANSVERSAIS Alívio da pobreza AP As importantes iniciativas que existem SIM - Difícil Média urbana não são suficientes para alcançar impactos a longo prazo Interligações urbano- AP As interligações físicas, sociais e SIM - Difícil Média rurais económicas não estão em sintonia com as artificias divisões administrativas que foram criadas. Influência autárquica mínima, mesmo nas áreas rurais circundantes Questões ambientais BP Há um número surpreendentemente SIM SIM Fácil Baixa elevado de iniciativas ambientais muito válidas realizadas pelas autarquias em cidades com BP Questões culturais, AP Não são uma prioridade na maioria das SIM - Difícil Média étnicas e de raça cidades. Os grupos vulneráveis são ainda geralmente excluídos 324 INCREMENTÁVEL NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO EM TRANSFERÊNCIA AUTÁRQUICAS MAIOR APOIO NACIONAIS POLÍTICAS PRÁTICAS EXTERNO SECTORES E OBSERVAÇÕES SUBSECTORES Género e outras questões AP Há exemplos de boas práticas sobre SIM - Difícil Média sociais equidade de género em várias cidades, mas não tão generalizadas e aprofundadas como se esperava Desenvolvimento AP Há alguns esforços notáveis e SIM - Difícil Média económico local experiências interessantes, mas o desenvolvimento económico local não é considerado uma prioridade na agenda da maioria das cidades Gestão de riscos de AP Os riscos naturais presentes em cidades SIM - Difícil Média desastre com BP requerem um maior apoio Segurança/ policiamento NE Um problema crescente para cidades - - n/a Forte da comunidade médias e grandes que até agora não teve respostas adequadas por parte das autarquias Educação cívica NE Construir o sentido de identidade e de - - n/a Forte cidadania nos cidadãos é uma tarefa ainda à espera da atenção das autarquias com BP Informação e AP As ferramentas e recursos de SIM - Difícil Média comunicação comunicação e de divulgação existentes não correspondem, na maioria dos casos, às necessidades dos cidadãos VIH/SIDA NE Só as autarquias NP estão, até certo - - n/a Forte ponto, a tratar das consequências sociais da pandemia Notas Finais: 1 Ver artºs. 73, 118, 265 e 271 da Constituição da República (República de Moçambique 2004). 2 Ver artº. 272 da Constituição da República e artºs. 1, 13, 28 e 44 da Lei n.º 2/97 sobre o enquadramento jurídico das autarquias (República de Moçambique 1997). 325 3 Um motivo desta situação reside nas debilidades do sistema eleitoral moçambicano a nível municipal. Os representantes dos diferentes partidos políticos nas autarquias são eleitos através de listas partidárias (sistema proporcional) que normalmente são elaboradas a nível das direcções sem consulta às comunidades locais. Os cidadãos não elegem directamente os seus representantes, elegem uma lista partidária. Não há uma verdadeira responsabilização dos elementos eleitos (presidentes, membros da assembleia municipal) perante o seu eleitorado (os cidadãos) (ver Kulipossa 2004a: 10). 4 Artº. 74, Lei 11/1997, 31 de Maio (República de Moçambique 1997b). 5 De acordo com a Lei das Finanças Autárquicas, o investimento público nas seguintes áreas é da responsabilidade das autarquias: infra-estruturas municipais, saneamento básico, energia, transportes e comunicações, educação, saúde, cultura, lazer e actividades desportivas, assuntos sociais e gestão ambiental. Ver Artº 25 Lei 11/97 de 18 de Fevereiro (República de Moçambique 1997). 6 A situação nos bairros degradados urbanos é, na realidade, pior que nas zonas rurais, onde a população pode mais facilmente assegurar a subsistência básica pela agricultura. No entanto, a longo prazo, os residentes citadinos têm mais oportunidades de escapar à pobreza. 326 Capítulo 10. Conclusões e Linhas de Orientação para Acções 10.1 Um País em Urbanização Moçambique tem uma das maiores populacões urbanas da África Oriental, cifrada em 36% (UNFAPA 2007) e prevê-se que venha a crescer para 60% até 2030 (UN 2006). Além disso, o crescimento urbano (3,03%) e o crescimento municipal (2,84%), são ambos mais acentuados que o crescimento nacional e rural, de acordo com dados do recenseamento. Este estudo centrou-se em municípios como unidade primária de análise. Os dados de crescimento negam uma variabilidade substancial, pois 7 municípios cresceram mais de 10% , outros 5 cresceram entre 5 e 10% e 3 apresentaram um crescimento de menos de 0,5%. O rápido ritmo de crescimento em certos municípios terá como resultado a expansão de bairros de lata, a menos que sejam adoptadas estratégias de prevenção em larga escala para absorver estas pessoas. Há também uma substancial variação de crescimento e de pobreza dentro dos limites dos municípios e entre áreas urbanas, periurbanas e rurais, embora isto não seja bem compreendido and necessitaria de resultados mais detalhados, e análise, dos dados do recenseamento, não disponíveis à altura de realização deste estudo http://www.transparency.org/tools/e_toolkit. Ainda que a economia tenha crescido 8 por cento ao ano entre 1996 e 2003, a pobreza urbana não decresceu tão rapidamente quanto nas áreas rurais (16,5% e 22,3% respectivamente, entre 1997 e 2003) e está em níveis muito semelhantes aos da pobreza rural (Fox et al. 2008).1 Estes dados reflectem uma tendência geral em África, onde o crescimento urbano não está associado à redução da pobreza, ao contrário de outras regiões (ver, por exemplo, Fay e Opal 2000). Em parte isto tem a ver com a elevada e ainda crescente desigualdade que prevalece cada vez mais nas áreas urbanas, e também com as dificuldades que os municípios têm em criar um clima atraente de investimento e estimular a formação de competências, criando emprego para absorver os recém-chegados ao mercado do trabalho. 327 10.2 O Papel das Autarquias na Boa Governação e no Desenvolvimento Local As autarquias têm um papel a desempenhar no desenvolvimento local em duas áreas principais: (i) boa governação e a outorga de poder aos cidadãos; e (ii) a redução da pobreza urbana e o crescimento. As autarquias são a única forma de governo local eleito em Moçambique e, como tal, a sua credibilidade junto dos cidadãos é fundamental para a consolidação e institucionalização de uma boa governação e democracia no país. Têm também um papel a desempenhar, quer assumindo e aprofundando o empenhamento nos processos formais da governação, quer dando aos pobres maior capacidade de representação, para terem voz e oportunidades de acesso através de uma maior participação em actividades de planeamento e orçamento. Relacionando-se estreitamente com os cidadãos (muitas vezes através de estruturas sub-municipais) e experimentando diversos modelos de prestação de serviços em parceria com os sectores privado e não-governamental, as autarquias podem também facilitar a consolidação do capital social – a mais forte estrutura contra a vulnerabilidade que existe em países pobres. Ainda que as autarquias tenham tido até recentemente competências limitadas e recursos ainda mais limitados, elas vêem-se confrontadas com as necessidades de 36% da população, pedindo serviços que podem ter impacto na pobreza, e fornecem as economias de aglomeração que, se bem geridas, podem contribuir significativamente para o crescimento nacional. As autarquias têm também uma posição única para assegurar uma distribuição dos recursos, do Governo central e municipais, espacialmente mais equilibrada entre zonas urbanas e periurbanas, através de processos como o planeamento e o orçamento participativos. A redução da pobreza urbana está relacionada, entre outros factores, com o acesso à terra, serviços, emprego e alimentação e as autarquias têm um papel a desempenhar em todos eles. A regularização da posse da terra, o aumento de segurança dos títulos de utilização e a formalização de mercados de solos geralmente corruptos, são reconhecidos internacionalmente como fundamentais para canalizar investimento e poupanças e para 328 que os pobres adquiram bens. As autarquias podem também apoiar iniciativas de agricultura urbana e periurbana para uma garantia de alimentos e criação de emprego, através de um planeamento urbano eficaz, direitos de utilização de terra e segurança na sua posse, bem como certos serviços de apoio. As autarquias também desempenham um papel crítico na criação de infra-estruturas que favoreçam as interligações urbano-rurais, como mercados, e promovendo a instituição de serviços de extensão e outros fornecedores de serviços para consolidar as cadeias de valor da agricultura e agro- processamento, que podem ter impacto favorável tanto sobre o crescimento urbano e rural como no alívio da pobreza. As autarquias podem contribuir para um ambiente mais propício ao investimento local e internacional e à criação de emprego, através de uma gama de instrumentos, inclusive investimentos em infra-estruturas essenciais (p.ex: estradas urbanas), redução da burocracia (p.ex: licenças comerciais) e o fornecimento de serviços públicos através de parcerias público-privadas. Se as autarquias estiverem equipadas e interessadas em promover o desenvolvimento dos pequenos negócios e o emprego, podem mesmo implementar actividades destinadas a facilitar núcleos específicos com potencial de crescimento e emprego de trabalhadores indiferenciados, como o agro-processamento, turismo, construção e fornecimento de serviços públicos. Há certas áreas básicas de serviços pelas quais as autarquias têm responsabilidade total ou partilhada, e que podem ter grande impacto tanto na pobreza como no crescimento. A saúde pública e a segurança são grandes prioridades para os munícipes e as responsabilidades municipais nestas áreas incluem o abastecimento de água e o saneamento, recolha de resíduos, policiamento municipal, iluminação pública, transportes públicos locais, ambiente, prevenção e gestão de riscos e estratégias para o controlo do VIH/SIDA entre outros. Algumas autarquias tiveram também de fornecer infra-estruturas de saúde e educação durante os primeiros dez anos e as responsabilidades nestes sectores estão a aumentar, ao abrigo do Decreto 33/06 sobre a transferência de competências. Este estudo considera que a transferência de muitas destas competências representa um elevado risco, dada a necessidade de prover recursos técnicos e financeiros adequados 329 para as autarquias cumprirem as suas responsabilidades básicas antes de poderem assumir com êxito mais responsabilidades. Os municípios criados em 1998 herdaram uma estrutura organizativa muito fraca e infra- estruturas que na generalidade não tinham manutenção ou requalificação desde a era colonial. A maioria delas herdou escassa ou mesmo nenhuma base tributária, com registos de propriedade desactualizados ou não existentes e uma ausência total de cultura de pagamento de impostos. Apesar deste ponto de partida em desvantagem, uma série de autarquias têm conseguido dar resposta a alguns dos seus desafios organizacionais e alcançaram resultados positivos no melhoramento da prestação de serviços, particularmente no mandato mais recente. Há no entanto um enorme atraso na maioria das áreas da prestação de serviços, que se conjuga com o rápido aumento da procura desses serviços por parte da crescente população urbana. Esta pressão para o melhoramento dos serviços, incluindo alguns que não cabem estritamente dentro das competências das autarquias, é sentida agudamente pelos presidentes dos conselhos municipais e pelos seus vereadores, pois as autarquias são responsáveis, administrativamente, pela maior parte do território urbano de Moçambique. Como foi referido no Capítulo 1, “urbano” e “municipal” não são sinónimos em Moçambique, e as delimitações municipais incluem muitas vezes uma combinação de densas áreas urbanas, zonas periurbanas e espaço rural. Isto levanta novos desafios às equipas de gestão autárquica, pois as prioridades de serviços e modelos da sua prestação serão variáveis conforme os vários espaços. 10.3 Os Constrangimentos Subjacentes que as Autarquias Enfrentam Este estudo identifica e analisa os constrangimentos subjacentes a um melhor desempenho autárquico em Moçambique. Embora as necessidades de prestação de serviços sejam geralmente articuladas sector por sector, uma resposta a esses desafios nessa perspectiva tem algumas limitações. As autarquias são complexas organizações multissectoriais, e a sua capacidade de resposta, em qualquer sector, é fortemente influenciada pela força de uma série de elementos que funcionam como um sistema. Os 330 constrangimentos subjacentes são discutidos no estudo e resumidos a seguir, neste capítulo, juntamente com propostas para dividir as responsabilidades pelo melhoramento entre os intervenientes interessados. Há também sectores específicos (gestão do solo urbano, abastecimento de água, saneamento e gestão de resíduos sólidos) que são abordados separadamente no estudo, em parte devido à sua importância mas também por ilustram muitos dos constrangimento subjacentes transversais. Estes constrangimentos subjacentes são divididos, para efeitos de análise, do seguinte modo:  Enquadramento Jurídico e Político  Governação  Planeamento  Finanças  Alívio da Pobreza  Organização e Recursos Humanos Como este estudo revela, as responsabilidades de um desempenho municipal eficaz não dependem apenas do poder das autarquias. Sem um esforço abrangente por parte do Governo central, das autarquias, da ANAMM, da sociedade civil organizada e dos parceiros de desenvolvimento, para resolver estes constrangimentos subjacentos transversais, as autarquias continuarão a ter grandes dificuldades para corresponder às expectativas dos seus eleitorados. Algumas das recomendações neste são na verdade aquelas que podem ser implementadas directamente pelos presidentes, conselhos e assembleias municipais. Outras requerem a intervenção e o apoio do Governo central ou da ANAMM. O financiamento e o apoio técnico requeridos pelas recomendações, terá de proceder de uma conjugação de receitas próprias, transferências intergovernamentais e das agências de apoio ao desenvolvimemnto. Enquadramento Jurídico e Político Este capítulo focou questões jurídicas e políticas relacionadas com o enquadramento legal para as autarquias, na globalidade. As questões específicas, jurídicas ou políticas relacionadas com governação, planeamento, finanças, organização e recursos humanos, 331 ou qualquer sector específico incluído neste estudo, foram abordadas nos capítulos dedicados aos temas. A globalidade do enquadramento jurídico das autarquias está abrangida pelo “Pacote Autárquico”, o Pacote de Leis Autárquicas promulgado em 1997 e reformulado em 2007 e 2008. Várias destas leis estão ainda a ser revistas. Outro desenvolvimento importante é a proposta de Política e Estratégia de Descentralização que se espera venha a ser aprovada em 2009. Estes documentos pretendem traçar as linhas mestras da abordagem do Governo à Descentralização e estabelecer os papéis e funções de cada nível de governo. Globalmente, o enquadramento jurídico para as autarquias está contido no “Pacote Autárquico”, o conjunto de leis municipais promulgado em 1997 e reformulado em 2007 e 2008. Várias dessas leis estão ainda a ser revistas. Um outro desenvolvimento importante são as propostas de Política de Descentralização e Estratégia de Descentralização que se espera sejam aprovadas em 2009. Estes documentos definem as linhas gerais do Governo quanto à Descentralização e estabelecem os papéis e funções a cada nível de governo. No entanto, este capítulo tratou sobretudo do actual enquadramento jurídico, tal como existe actualmente e apontou algumas constatações e lacunas em relação aos municípios em Moçambique, conforme se resume a seguir. Responsabilidades Municipais ao Abrigo do Actual Quadro Jurídico Embora tenham sido tomadas algumas medidas para clarificar ambiguidades no “pacote” original, continua a haver falta de clareza, no quadro jurídico, quanto às actuais responsabilidades das autarquias. As responsabilidades municipais que são geralmente claras incluem:  Infra-estruturas do tráfego local (manutenção de ruas de acesso e passeios);  Infra-estruturas de drenagem;  Infra-estruturas para o comércio alimentar e de produtos domésticos (mercados grossistas e retalhistas, bancas de rua e vendedores ambulantes);  Licenciamento e regulamentação do transporte privado;  Infra-estruturas e serviços dos cemitérios; 332  Licenciamento e regulamentação de edifícios;  Infra-estruturas como parques, jardins e espaços verdes;  Fiscalização do cumprimento das posturas municipais As seguintes funções requerem esclarecimento quanto ao desempenho das diferentes instituições públicas:  Gestão do espaço urbano e do solo urbano;  Protecção e conservação do ambiente;  Promoção da agricultura e pecuária;  Serviços locais para promoção da juventude, desporto e cultura;  Infra-estruturas de saúde pública, serviços de água e saneamento. A principal recomendação quanto a esta secção, é que as autarquias se concentrem em alcançar sucesso nas áreas que estão claramente sob jurisdição municipal, com o apoio de outros actores intervenientes. Simultaneamente, é importante que o Governo central e os municípios trabalhem em estreita colaboração para definirem as responsabilidades específicas de cada instituição pública (as competências) em relação àquelas responsabilidades que são pouco claras ou que requerem uma responsabilidade partilhada. Transferência já Prevista e Potencial de Competências do Estado para as Autarquias Uma segunda categoria de responsabilidades autárquicas inclui aquelas que estão em processo de transferência para os municípios ao abrigo do Decreto 33/06. Este deverá ser um objectivo principal das políticas e reformas autárquicas no decorrer dos próximos anos. No entanto, não há ainda uma estratégia totalmente elaborada, com critérios e metodologias claras, para a transferência de funções do Estado para as autarquias, inclusivamente a transferência ou criação dos recursos financeiros, humanos e materiais necessários para garantir a viabilidade dos serviços, uma vez assumidos pelas autarquias. Uma terceira categoria de responsabilidades municipais refere-se a funções que não se enquadram nem na categoria das responsabilidades já claramente atribuídas, nem nas que 333 poderão vir a ser transferidas por força do Decreto 33/06. Responsabilidades que incluem áreas como a prevenção e gestão de desastres. Este estudo recomenda que o Governo produza orientações claras e práticas envolvendo os principais ministérios de acção transversal, como o MF, MPD, MAE, MFP bem como outros ministérios sectoriais relevantes, para garantir o êxito do processo de transferência de competências para as autarquias. Este processo deve ser encarado como parte da componente de descentralização do programa nacional de reforma do sector público, e a preparação e apoio à prestação de serviços pelas autarquias devem ser plenamente incorporados nas estratégias e planos de reforma a serem formulados por cada ministério e vinculados a políticas fiscais. O apoio técnico da Unidade Técnica da Reforma do Sector Público (UTRESP) poderá contribuir significativamente para o planeamento e implementação da transferência de competências. São necessárias orientações metodológicas coerentes e consistentes para apoiar os vários actores institucionais envolvidos neste processo: os principais ministérios de acção transversal, ministérios sectoriais, OLE (incluindo governos provinciais e em certos casos as administrações distritais) e as próprias autarquias. Serão necessários programas de assistência técnica dirigidos às províncias, distritos e municípios, tanto intensivos e urgentes como a longo prazo, para garantir a coerência e o êxito da transferência de competências. Este será provavelmente o aspecto mais significante da descentralização e da reforma municipal durante os próximos cinco anos. Os sectores da saúde e da educação têm uma importância crítica neste contexto, porque as autarquias estão a fazer um forte lobby para que lhes seja dado um papel mais importante nestes sectores e também devido à sua importância para a política nacional de desenvolvimento e cumprimento das metas MDG. Os desafios da atribuição de responsabilidades operacionais nestes sectores são avassaladores: os serviços básicos de saúde e educação a serem transferidos para os municípios fazem parte de uma rede mais alargada de sistemas sectoriais e de prestação de serviços, de que não são facilmente separáveis. Será necessária uma reestruturação organizacional sistemática e a consolidação das capacidades, tanto a nível de estruturas municipais como de OLE, para 334 permitir o assumir de novas funções pelas autarquias, inclusive financeiras e de administração de pessoal, e a reforma do papel de estruturas sectoriais, distritais e provinciais, que passarão a ter um novo posicionamente em relação aos gestores municipais de serviços de educação e saúde transferidos. Além disso, é necessário definir um calendário para a transferência das competências funcionais para os municípios. Deve ser aplicado um programa claro de capacitação e de reformas fiscais, interligado ao processo de reforma do sector público, que proporcione uma base para reforçar e dar autonomia às autarquias para a prestação de serviços aos cidadãos, os quais, por seu turno, devem poder responsabilizar os seus autarcas. O Enquadramento Político da Descentralização não é Totalmente Claro Apesar do gradualismo ser um princípio essencial da reforma autárquica em Moçambique, tem havido pouca transparência no processo de análise e discussão para a selecção de novos municípios. A base técnica para o planeamento da continuada expansão do sistema de governo local não está definida numa metodologia clara e replicável que estabeleça padrões e metas para a criação de novas cidades municipais e que introduza as “autarquias de povoação”, rurais e de pequena dimensão. Do mesmo modo, a base técnica, os critérios e os procedimentos para alterar os limites municipais, também não são claros. Essas alterações podem referir-se tanto a uma redução da área do município (por exemplo, retirando zonas rurais e entregando-as a um distrito), como ao alargamento desses limites (absorvendo áreas do distrito nas delimitações do município) ou ainda à divisão de um município em dois (emancipação municipal). Em Moçambique, tanto as políticas de democratização como de descentralização são condicionadas pelo conceito de gradualismo e mais ainda pela sua falta de clareza. Os benefícios da reforma municipal seriam alargados e aprofundados se fosse posta em prática uma expansão sistemática de governação descentralizada ao longo de um período definido (p. ex: 10-15 anos) com objectivos claros de alargamento do seu âmbito 335 geográfico até incluir todas as vilas rurais e os distritos rurais que as circundam, de modo a alcançar uma dimensão mínima viável. Deveriam ser definidos e divulgados critérios mais claros para vilas e povoações se tornarem municípios, e deveria ser criado um processo transparente de “candidatos” à municipalização. Aspectos Territoriais da Representação Municipal A falta de dimensão territorial no sistema de representação pelo qual as Assembleias Municipais são eleitas, parece enfraquecer o sentido obrigação e de responsabilização na autarquia. Poder-se-ia alcançar um mais forte sentido de obrigação e maior responsabilização das Assembleias Municipais, alterando a legislação eleitoral, de modo a contemplar a representação por áreas abrangendo todas as áreas da autarquia, melhorando assim a representatividade e o desempenho das Assembleias Municipais. Combinando metade a dois terços de representação eleitoral com base em áreas, com representação proporcional generalizada para os restantes lugares, os elos Assembleia- comunidade poderiam ser fortalecidos e tornados mais eficazes como base para uma melhor governação municipal e mais responsabilização. Além disso, os representantes de áreas com menos relacionamentos políticos, e possivelmente de áreas mais distantes e mais rurais das municipalidades, teriam mais voz e capacidade para influenciar decisões. Esta opção poderia contribuir também, a par de um planeamento espacial equilibrado, para reduzir o hiato de pobreza entre os centros urbanos consolidados e áreas municipais/rurais. Esta é uma proposta a longo prazo, que exigiria reformas legislativas, mas que teria impacto significativo na natureza da governação e da responsabilização a nível municipal. Os Municípios e as Estratégias de Política Nacional O papel dos governos locais em geral, incluindo as autarquias, não é ainda bem compreendido em Moçambique. Os municípios têm apenas dez anos e conservam o legado da cultura e do funcionamento do Governo central, bem como forte ligação aos partidos nacionais. O desempenho das autarquias como agentes do desenvolvimento local e como instrumentos da implantação da democracia e da responsabilização a nível local, está ainda a ganhar forma e há considerável cepticismo e debate sobre o seu papel. Isto 336 deve-se em parte a razões políticas e em parte à típica preocupação do Governo central quanto à fragilidade das capacidades a nível local e ao receio de perder o controlo sobre recursos e resultados por parte dos ministérios sectoriais, a nível central. A tradição altamente centrista de Moçambique e a falta de uma voz coordenada nas autarquias (a ANAMM foi criada ainda recentemente e está em fase nascente), tem limitado o papel que as autarquias podem desempennhar nos debartes nacionais sobre a pobreza. Embora os municípios sejam formalmente incluídos no PARPA II (como parte do processo de descentralização e da reforma do sector público), na prática as actividades dos municípios estão mal integradas nas acções do PARPA. Um dos motivos, está relacionado com a organização das instituições do Estado. Para serem eficazes, os municípios tem de coordenar acções e partilhar experiências com as autoridades a nível central e provincial. No entanto, os ministérios do Governo central estão mais habituados a lidar ao nível dos governos provincial e distrital, que política e estruturalmente estão mais próximos do Governo central (ver o capítulo sobre a pobreza). As políticas para a redução da pobreza, como futuros PARPA e Planos Quinquenais deveriam procurar compreender mais exactamente a natureza particular da pobreza urbana e periurbana. A forma urbana, em todo o Moçambique, está ainda em evolução e há vários graus de pobreza urbana, com diferentes características. A par da reconhecida e crescente desigualdade espacial que se verifica a níveis inter-regional, intra-regional, interurbano e intra-urbano , a formulação de uma estratégia de política de desenvolvimento nacional ajustada, eficaz e contextualmente específica, seria muito importante. Se há um interesse ou um compromisso por parte das autarquias para liderarem os esforços de redução da pobreza e da desigualdade nos seus territórios, torna-se essencial colocar esta discussão num contexto de melhor governação urbana. As entidades locais estão potencialmente em vantagem para identificar, localizar e atacar a pobreza e a desigualdade mas a questão é qual a melhor forma de utilizar o “nível local” (incluindo neste conceito não apenas os representantes e autoridades municipais, mas os cidadãos locais e também o sector privado). Presentemente, há uma ausência de qualquer plano 337 global abrangente para o desenvolvimento local, que oriente as acções e facilite as sinergias entre os vários interessados, para além do manifesto eleitoral de cada partido, e do PARPA, que em si mesmo foi concebido para uma escala de governação diferente. Uma chave para utilizar o nível local eficazmente, seria através da governação participativa, recorrendo a instrumentos como o orçamento participativo. Por último, recomenda-se que este estudo seja utilizado pela ANAMM e outras entidades, incluindo o MAE, para uma discussão activa a nível nacional sobre a Descentralização, bem como sobre os processos mais alargadas de formulação de estratégias nacionais para o crescimento e alívio da pobreza, entre outras. Governação Municipal Ao longo dos últimos dez anos, as autarquias têm feito progressos na melhoria da governação urbana, segundo as múltiplas dimensões do Índice de Governação Global das Nações Unidas. No entanto, o progresso tem sido feito numa escala muito irregular. Com base numa pequena amostra de municípios, o estudo concluiu que dados os seus limitados recursos financeiros, a eficácia das autarquias é relativamente boa. A dimensão equidade é fraca, em particular no que se refere a género, apesar de alguns exemplos isolados de progresso e requer um elevado nível de atenção. A dimensão participação é razoável, em termos de democracia formal (representativa) e relativamente limitada em termos de democracia substantiva (participativa). Poderá ser melhorada em consequência de estarem a surgir e a ganhar força, organizações cívicas que mostram vontade de participar. A dimensão responsabilização é na generalidade baixa em comparação com a maioria das variáveis consideradas no índice da ONU. Responsabilização A responsabilização a nível municipal é uma área de importância máxima que necessita ser melhorada em Moçambique e que introduziria mudanças críticas na governação urbana. As seguintes medidas deveriam ser promovidas e boas práticas partilhadas e incrementadas: (i) publicação de contratos e propostas; (ii) publicação e divulgação alargada de orçamentos, planos, relatórios financeiros e resultados de auditorias; (iii) criação e divulgação de códigos de conduta para políticos e entidades autárquicas; 338 (iv) consultas a cidadãos (report cards) e cartas de direitos e deveres dos cidadãos; (v) canais transparentes para receber as queixas de cidadãos; (vi) sistemas de controlo de má administração e corrupção. Melhorar a Eficácia dos Actores Principais Recomendações: As capacidades das autarquias para planear e fornecer serviços poderiam ser reforçada pelas seguintes formas: (i) criação ou reforço de Unidades de Planeamento Autárquico para assegurar uma integração adequada de planeamento estratégico, sectorial, espacial e operacional; (ii) dar formação aos Vereadores de modo a permitir às Assembleias trabalhar com o executivo através de comissões legislativas; e (iii) estabelecer um Sistema Nacional de Carreiras e Formação o pessoal autárquico (abordado em mais pormenor na secção Organização e Recursos Humanos, a seguir). O reforço do papel da ANAMM, com o objectivo principal de lhe permitir cumprir as suas funções políticas, poderia ser alcançado por (i) um aumento do seu pessoal permanente; (ii) aumento do orçamento e (iii) uma extensa campanha de comunicação e informação para explicar o seu mandato e o seu papel em relação às autarquias e aos cidadãos. Ainda que a sua independência e a sua capacidade de resposta aos presidentes dos conselhos municipais requeira que se crie uma taxa para os membros, de modo a financiar o Secretariado, seria adequado, dentro de boas práticas internacionais, que os parceiros de desenvolvimento financiassem programas e campanhas. O reforço das organizações da sociedade civil e o estímulo à participação dos cidadãos nos assuntos autárquicos poderia ser alcançado através de: (i) uma campanha de informação em larga escala explicando o que é uma autarquia e também as suas funções e limitações; (ii) medidas para aumentar a transparência em áreas como a execução orçamental, licitações, códigos de conduta, etc. (iii) a criação (ou reforço, caso já existam) de canais permanentes e formais de comunicação entre os cidadãos e as autarquias; e (iv) uma definição de estratégia nacional de participação para as autarquias, que conduza a uma política nacional de participação das autarquias. 339 A Participação e o Reforço das Relações Entre as Autarquias e os Cidadãos Fazer a ponte entre autarquias e cidadãos apresenta-se como um desafio fundamental em termos de governação para a prestação de serviços. Mesmo que a participação seja razoável, em termos de democracia formal representativa, é ainda assim limitada em termos de participação política. A afluência às urnas nas eleições municipais é reduzida, em parte porque a noção de cidadania municipal e o papel dos municípios é ainda recente e nem sempre totalmente compreendida pelos eleitores. Além disso, há uma representação muito baixa de mulheres nas estruturas do poder autárquico. Estão a decorrer em Moçambique várias experiências interessantes e programas-piloto inovadores de planeamento e orçamento participativos, bem como fóruns de participação pública. No entanto, a vasta maioria continua a ser apenas de natureza consultiva. Em geral e até ao presente, a participação é mais uma prática que uma política, o que reflecte também a falta de uma estratégia política de participação. Além disso, o empenho dos representantes das Assembleias Municipais (poder legislativo) em promover ou debater questões, é geralmente limitado ou altamente politizado, embora comece agora a aumentar e a melhorar em profundidade e natureza. Para melhorar a participação e a comunicação, algumas autarquias, como Montepuez, decidiram investir em comunicação de massas, como a rádio comunitária, que está a ter um importante impacto. As associações cívicas são uma vantagem em termos de governação local. No entanto, as relações entre as diversas associações cívicas não são muito fortes e, ao mesmo tempo, o papel dos poderes tradicionais, ainda que reconhecido oficialmente, não está ainda bem definido. A maior parte das autarquias tem um tecido razoavelmente denso de organizações da sociedade civil, legalizadas ou não, mas grande parte dessas organizações é fraca, com poucos recursos e geralmente não são muito activas no planeamento autárquico ou outras actividades relacionadas com o município. Os canais de comunicação entre eleitos e os seus eleitores devem ser estabelecidos numa base de regularidade. As visitas mensais feitas a cada um dos bairros, tal como são feitas actualmente por algumas autarquias, não devem servir apenas para “pedir o apoio do 340 povo”, mas para prestar contas do que o município está a fazer. As consultas aos cidadãos (report cards) em Maputo e as suas “presidências abertas” são bons exemplos a seguir. Deveria ser definida, implementada e largamente disseminada, uma estratégia municipal de participação, que levasse gradualmente a políticas de participação. Também neste caso, essas políticas contribuirão para aumentar o nível de confiança entre organizações da sociedade civil, vários ramos do governo municipal e os cidadãos. Há ainda uma série de exemplos de boas práticas internacionais de que Moçambique pode colher lições, incluindo a orçamentação participativa no Brasil e o planeamento participativo na Índia e nas Filipinas. Planeamento Espacial, Sectorial e Estratégico para uma Prestação de Serviços Integrados Visão e Estratégia Limitadas Muito poucas autarquias têm uma declaração de visão sobre o seu futuro, claramente articulada e amplamente discutida. Esta visão deveria conduzir a um processo através do qual será desenvolvida uma estratégia para orientar a cidade no sentido dessa visão, incluindo as principais oportunidades de crescimento para a cidade, tanto economicamente, como espacialmente. São necessárias estratégias espaciais de desenvolvimento urbano para contemplar a distribuição dos investimentos dentro das autarquias e o papel destas no cenário mais alargado do desenvolvimento regional. Equilibrar as iniciativas autárquicas entre os centros urbanos e as suas áreas periurbanas requer uma atenção explícita à distribuição espacial da população, equipamentos públicos e oportunidades económicas do sector privado, para que os benefícios do desenvolvimento urbano sejam distribuídos entre o núcleo mais próspero e os bairros periféricos dominados pela pobreza. Desempenhando as autarquias importante papel no desenvolvimento económico regional, as estratégias de desenvolvimento de cada cidade terão de ter em atenção o seu contexto regional, de modo a que os centros urbanos cumpram o seu papel de pólos de crescimento e fontes de apoio ao desenvolvimento rural. Por exemplo, o desenvolvimento de autarquias nas 341 regiões central e norte, está estreitamente ligado à eficácia dos corredores da Beira e de Nacala, que são fundamentais para as estratégias de desenvolvimento económico regional em Moçambique. Esta visão comum do futuro das áreas urbanas deverá ser realizada por cada autarquia através de processos consultivos, como os que são utilizados para as Consultas às Cidades e Estratégias de Desenvolvimento das Cidades. O processo para criar uma visão de futuro, definir prioridades e interligar essas prioridades a recurso existentes e potenciais, deve ser construído através de acções que envolvam todos os principais agentes interessados. Um excelente exemplo é a cidade de Maputo, cuja visão é a de “Cidade de Maputo, linda, próspera, limpa, segura e unida”, à qual está associada uma estratégia a 10 anos e um programa definido pela cidade, para alcançar a sua visão (ProMaputo). Lei do Ordenamento do Território A nova lei do ordenamento do território atribui às autarquias uma importante responsabilidade no planeamento espacial. Entretanto, a regularização dos solos urbanos requer a plena implementação do Regulamento do Solo Urbano, incluindo a atribuição de documentos de direitos de uso da terra (DUAT), baseados em planos espaciais (planos de urbanização). A nova lei cria oportunidades para acelerar o desenvolvimento do espaço urbano em Moçambique, canalizando investimentos e aumentando a segurança dos títulos de posse e do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT). No entanto, para usufruírem destes benefícios, as autarquias têm de estar preparadas para investir na elaboração de três tipos de documentos de planeamento, com diferentes escalas e níveis de complexidade: planos mestres ou estruturais, planos parciais e planos de pormenor. Estes planos de urbanização são agora um requisito legal e o número de povoações que terão o seu plano local de urbanização vai aumentar. A lei contempla o plano de urbanização como um processo de preparação e implementação que requer uma liderança activa e uma participação por parte das autarquias e dos próprios cidadãos, não recaindo em erros do passado, em que os planos eram desenvolvidos por agências externas e postos na prateleira por falta de adesão e de consulta a nível local. 342 Estes planos, e em particular os planos de pormenor, requerem uma interligação aos sistemas simples de cadastros já discutidos no capítulo sobre solos urbanos. Simultaneamente, estes planos e cadastros são instrumentos essenciais para a titularização da propriedade, para maior segurança na sua posse e para criar uma base estável, mais transparente e permanente, para as receitas fiscais municipais. Estes planos reduzem também as oportunidades de corrupção, que é prevalecente no contexto dos mercados de terras informais. Outra vantagem dos sistemas de planeamento urbano mais desenvolvidos, é darem acesso a instrumentos para processos mais eficazes de consulta e para utilização em debates sobre planeamento com sectores, distritos ou outros, com base em mapas visuais e factuais. Estes sistemas são também instrumentos úteis para um desenvolvimento mais equilibrado entre áreas rurais, periurbanas e os centros urbanos já estabelecidos. Um primeiro passo importante seria criar ou reforçar (se já existirem) unidades de planeamento nas autarquias. A sua primeira tarefa seria a elaboração de planos locais no âmbito das suas responsabilidades. Estas unidades poderiam, gradualmente, transformar- se em departamentos ou serviços consolidados de planeamento, nas autarquias onde essas funções ainda não existam. O processo de elaboração destes planos devia ser participativo e utilizar processos de consulta à cidade, processos participativos de planeamento local e definições de programas de acção prioritários, como parte da “requalificação” autárquica ou seja, de programas de desconcentração. É essencial elaborar rapidamente orientações, regras e manuais simples sobre o modo de efectuar estes planos locais. Dveria ser também elaborada uma versão simplificada para os cidadãos, explicando como lidar com estas actividades. Deviam ser criados cadastros simples, partindo de áreas estratégicas como o reordenamento (zonas de expansão); requalificação (áreas melhoradas); áreas potenciais para investimentos pró-pobres; e áreas industriais e produtivas. Estes cadastros contribuirão para criar condições propícias para atrair investimentos de residentes, agricultores urbanos, empresários em pequena escala e outros investidores. 343 É urgente criar um mecanismo institucional que apoie as autarquias na execução dos seus planos, desenvolvendo assim as capacidades através de formação no posto de trabalho. As autarquias só raramente têm desenvolvido os seus próprios planos e geralmente numa escala muito reduzida. Sente-se a falta de formação dirigida e continuada para técnicos de planeamento de nível intermédio, que possam gerir os cadastros locais e implementar o planeamento municipal. Há necessidade de uma rede nacional, agência ou departamento, que apoie as autarquias no desenvolvimento de planos e, dentro desse processo, desenvolva as capacidades locais para implementar e rever planos. Este mecanismo deveria ser concebido com base nas capacidades complementares de vários potenciais coadjutores, como o (MICOA) e várias instituições terciárias. (Para mais detalhes ver o Capítulo sobre Solos Urbanos). Planeamento Sectorial e Orçamento Anual de Operações e Planeamento O planeamento municipal tende muitas vezes a basear-se sobretudo no manifesto eleitoral e não num plano de urbanização coerente e com projecções orçamentais realistas. Dado o desafio que representa interligar o planeamento financeiro espacial, sectorial, estratégico e anual, não é raro que as autarquias recorram a planos operacionais simplificados em que orçamentos anteriores e o enfoque na receita são o que determina o orçamento do ano seguinte, ou com base em negociações entre departamentos sectoriais e o departamento financeiro. As unidades de planeamento municipal podem desempenhar um papel muito importante na definição de um programa de acção prioritário para o ano seguinte. Em grandes municípios como Maputo ou Beira, pode mesmo fazer sentido ter uma equipa de Planeamento Estratégico integrada ou sob o gabinete do presidente do CM, encarregada da coordenação de toda a actividade de planeamento. Em autarquias mais pequenas este seria um processo gradual e o departamento de planeamento urbano poderia liderar o processo. Com base em consultas à cidade, a equipa de planeamento estratégico ajudaria o presidente do CM a desenvolver um plano estratégico abrangendo toda a cidade, o qual necessitaria de ser operacionalizado. Nas autarquias mais pequenas, os planos poderão evoluir de baixo para cima, abrangendo, com o tempo, toda a cidade. As equipas de 344 planeamento teriam de coordenar os vários sectores dentro da autarquia, entre a autarquia e outros ramos do governo (distrito, província, ministérios de tutela), para o que o planeamento e mapeamento espaciais seriam essenciais. Seria muito útil obter dados sobre a pobreza, aglomerações económicas, e prestação de serviços em relação à autarquia e integrá-los em mapas de Sistemas de Informação Geográfica (SIG/GIS) que seriam muito úteis como base para discussões com diversos intervenientes. Com base nestas actividades, seria definido um programa prioritário de acção para o ano seguinte, que depois seria interligado ao exercício anual do orçamento. Um sistema vinculativo como o ordenamento do território implementado na Colômbia poderia ser uma boa solução a considerar (ver capítulo 3 sobre planeamento e governação) Insuficiente Coordenação Intergovernmental Há, presentemente, uma grave falta de coordenação entre as autoridades distritais e municipais no que respeita ao planeamento urbano, bem como tensões entre as autarquias e departamentos sectoriais dos governos central e provinciais, em relação às responsabilidades do planeamento e execução da prestação de serviços nas áreas urbanas. Para contornar este problema, durante a fase de formulação dos planos de visão espacial, sectorial e estratégica, deveriam ser consultados os ministérios pertinentes que têm impacto a nível local, como os ministérios da educação e da saúde de modo a definirem em conjunto (e em conjunto também com a população) onde devem ser localizados, por exemplo, escolas, centros de saúde, para que fiquem distribuídos de um modo espacialmente equilibrado. Estas decisões seriam baseadas em prioridades articuladas a nível local que sejam compatíveis com as políticas e metas nacionais. Os planos locais e processos de consulta são, assim, uma forma muito prática de aliviar potenciais tensões entre governo local e central. Os planos locais podem ter um forte valor indicativo para os ministérios do governo central, referenciando e fornecendo, por exemplo, terreno para construção, e garantindo um apoio activo por parte das comunidades na fiscalização de empreiteiros e na monitorização da prestação de serviços. 345 Do mesmo modo, a formulação de planos locais deve ser compatível com os planos distritais. As reuniões de coordenação, entre distritos e autarquias são importantes, para detectar possíveis confrontos e encontrar soluções durante o processo de formulação (p. ex: no Dondo e Marromeu). Finanças As finanças autárquicas são muito limitadas em termos da sua capacidade para cobrir a gama de serviços e actividades da sua responsabilidade. Algumas autarquias têm feito consideráveis progressos no aumento da receita e na gestão financeira ao longo dos últimos dez anos mas, na generalidade, a falta de recursos e os inadequados sistemas de gestão financeira, continuam a ser importantes factores limitativos para o cumprimento integral das suas atribuições. No entanto, embora as funções de receitas e despesas das autarquias estejam sujeitas a constrangimentos em várias frentes, há também considerável espaço para melhorar, através de esforços tanto a nível nacional como autárquico. O total dos orçamentos municipais, em Moçambique é de cerca de USD 12 per capita, o que é notoriamente baixo, mesmo em comparação com outros países da região, como por exemplo a Tanzânia, com USD 23 per capita. As receitas próprias estão sub-utilizadas especialmente em relação ao imposto predial (IPRA), nas zonas urbanas. Algumas autarquias (principalmente as pequenas e as que têm uma elevada composição rural), não têm uma base de tributação que as faça beneficiar de um amplo recurso a impostos, mas as de maior dimensão e mais urbanizadas podem fazê- lo. Há ainda algumas limitações legais ao recurso a este imposto, mas as autarquias podem tirar maior vantagem dos impostos imobiliários alargando o universo das propriedades tributáveis (actualizando os cadastros) e actualizando o valor das propriedades. Recentemente, a Lei 01/08 concedeu às autarquias o controlo total sobre os impostos sobre a transacção de propriedades (SISA) e de veículos de que, anteriormente, uma parte revertia para o Governo central. Desde que o Governo central transfira todos os registos e sistemas de administração destes impostos, estes poderão tornar-se, a médio prazo, instrumentos importantes para a receita local. O Governo central poderia ajudar a incrementar a receita local criando novos instrumentos fiscais em áreas de relevância 346 municipal, como o turismo e a mineração (pelo menos, em algumas autarquias). Estes instrumentos poderão ser exclusivamente locais ou partilhados com o Governo nacional; isto, no entanto, talvez só seja possível a médio e longo prazo. As receitas não fiscais são presentemente os principais instrumentos de receitas próprias. Nos últimos dez anos tem havido progresso na cobrança das licenças e taxas municipais, sobretudo na área dos mercados e utilização do espaço público e também em taxas de saneamento e de resíduos sólidos, no caso de alguns municípios, como Maputo e Beira. Não obstante este progresso, as receitas das licenças e taxas municipais podem também melhorar significativamente se houver registos completos e actualizados dos diferentes tipos de actividades económicas e melhorando os seus sistemas de administração e controlo (muitas vezes fonte importante de corrupção). Nos casos das taxas dos mercados, por exemplo, a sua importância pode aumentar substancialmente se os registos dos vendedores forem completados e os mecanismos de cobrança e controlo melhorados. As licenças para utilização de espaços públicos podem também aumentar substancialmente as receitas, através da actualização dos cadastros. Em resumo, as licenças e taxas municipais são uma fonte potencial de financiamento, especialmente nas zonas periurbanas e rurais que têm uma baixa base tributária. É no entanto essencial ter em mente que, em contrapartida destas receitas, as autarquias são obrigadas a fornecer serviços específicos (pois elas não são fontes de receita incondicionais) e que, na melhor das hipóteses, estas receitas cobrirão os custos de operação, deixando por resolver o problema do financiamento das despesas de investimento. As transferências intergovernamentais representam actualmente cerca de cinquenta por cento do total da receita autárquica, o que é uma proporção comparável ao que se verifica em outros países em desenvolvimento. No entanto, em proporção do total da receita nacional, as transferências municipais (capital e recorrente), não chegam sequer a um por cento. Além disso, a recente criação de novas autarquias vai reduzir a proporção atribuída a cada município a partir de um mesmo conjunto das receitas, que foi estabelecido por lei num máximo de 1,5% (baixando do anterior limite de 3%) e que, na prática, é ainda 347 inferior. Consequentemente, recomenda-se que o Governo central reforme o sistema de transferências, aumentando a dimensão do conjunto de receitas, de acordo com as necessidades globais da despesa do país e os custos das responsabilidades específicas municipais, e estabeleça uma dotação do fundo de investimento local (FIIL) baseada numa fórmula, para que se torne uma fonte mais previsível e fiável de financiamento de capital. Isto terá também um impacto positivo no planeamento autárquico, pois as autoridades locais terão mais certeza quanto às transferências disponíveis no futuro e podem planear em conformidade. Uma questão preocupante, é que não são ainda claros os mecanismos de financiamento para as novas responsabilidades transferidas para as autarquias no sector social, ao abrigo do Decreto 33/06, particularmente atendendo a que a prestação de serviços para que estão actualmente mandatadas está longe de ser cumprida. Há o risco do recursos terem de ser ainda mais distribuídos ou de que venha daí a resultar uma desigualdade espacial ainda mais acentuada entre o “núcleo” urbano e o território autárquico periurbano e de carácter rural, que está em rápida expansão. Consequentemente, para que esta transferência de responsabilidades adicionais seja um sucesso, o Governo central deve garantir que será acompanhada por adequados recursos financeiros, materiais e humanos. No entanto, a prestação de serviços sociais complexos não é fácil de assumir a nível municipal, pelo que é essencial que as autarquias recebam um apoio constante das autoridades centrais e dos ministérios da tutela responsáveis por eses serviços. O Apoio ao Desenvolvimento (Ajuda) é uma importante fonte de funcionamento em Moçambique. Os dados sobre a ajuda são imprecisos pelo que não é possível fazer uma análise definitiva. Entretanto, este estudo ajudou a esclarecer os dados relativos aos montantes da ajuda que estão a sergastos a nível municipal. Resta ainda esclarecer até que ponto esta ajuda está a ser canalizada através das autarquias, em vez de ser gasta dentro do território municipal. De acordo com alguns cálculos baseados em informações fornecidas pela OdaMoz, entre 2004 e 2007, a ajuda às autarquias foi equivalente a várias vezes o total dos orçamentos municipais. 348 No entanto, a ajuda não representa uma fonte de receita regular, pois varia de acordo com os projectos de investimento específicos de cada doador. Além disso, a ajuda não é atribuída a todas as autarquias e é imprevisível na sua frequência e montante, o que não propicia um planeamento eficaz por parte das autarquias. O capítulo sobre Lições Aprendidas indica que algumas autarquias têm 5 ou 6 programas apoiados por doadores no seu território, enquanto outras nada têm. Estes recursos são geralmente destinados a investimento de capital específicos (e assistência técnica), pelo que não é claro como serão cobertos os custos recorrentes gerados pelos projectos de investimento financiados pela ajuda. Este estudo concluiu também que as autarquias gostariam de ser mais sistematicamente associadas e participantes na formulação e planeamento de projectos financiados pelas ajudas que interessam aos seus residentes e aos seus territórios. Os projectos deveriam também ter em consideração os vários documentos de planeamento e prioridades indicados pelas autarquias. Gradualmente, os programas municipais apoiados pelas ajudas, deveriam passar a ser financeiramente controlados pelas próprias autarquias. Esta transferência de responsabilidade por parte da comunidade doadora criará uma boa base para a consolidação de capacidades a nível autárquico, nas áreas de gestão financeira, responsabilização e contabilidade. Por último, sugere-se que a OdaMoz, a base de dados da ajuda financiada pelos doadores, seja restruturada de modo a dar mais facilmente informação sobre o volume das doações e o número e natureza dos projectos municipais que financiaram. Os Sistemas de Gestão Financeira das autarquias são, com algumas excepções, geralmente fracos e fragmentados e impedem-nas de planear, executar e controlar os seus orçamentos de uma forma eficaz e integrada. Por outro lado, os orçamentos autárquicos tendem a ser orientados pelas entradas e não por actividades ou programas, comprometendo a sua utilidade como instrumento de planeamento para identificar e executar prioridades, e para monitorizar resultados com eficácia. Para conseguirem um melhor desempenho global, as autarquias deveriam investir em sistemas completos mas simples de gestão financeira, que lhes permitam realizar todas as transacções financeiras de 349 um modo estandardizado, eficiente e controlado. Estes sistemas deverão ser totalmente compatíveis com o e-SISTAFE do governo. Passar de um orçamento centrado nas entradas para um orçamento baseado em programas pode ajudar as autarquias a começar a identificar as acções essenciais para melhor dar resposta às necessidades dos seus cidadãos. A comunidade de doadores tem demonstrado interesse em apoiar estas actividades. Avançar para sistemas integrados (que são na generalidade computorizados) implica mudanças drásticas na organização, instituições, cultura e funcionamento das autarquias, pelo que as autoridades têm de estar realmente empenhadas em mudanças tão radicais. Todas estas mudanças deverão ser efectuadas de acordo com a legislação e particularmente com a lei do SISTAFE. E é também importante que as autarquias efectuem auditorias internas e externas, utilizando os seus resultados para melhorar o seu desempenho. Alívio da Pobreza As conclusões da secção sobre a pobreza neste estudo mostram que as condições de vida dos cidadãos urbanos pobres em Moçambique são complexas e preocupantes. Não só se verifica um declínio mais lento da pobreza nas zonas urbanas que nas rurais, como também o acesso e qualidade dos serviços urbanos é deficiente. Além disso, há um forte sentimento nas áreas urbanas de que, apesar das tendências económicas positivas do país, as autarquias não estão a ser beneficiadas pelo crescimento nacional e que a desigualdade está a aumentar. O desemprego é elevado e, como acontece em muitos países, a estrutura da economia moçambicana está a desviar-se da agricultura, e a informalidade das zonas urbanas e periurbanas está a aumentar. Nestas circunstâncias difíceis, coloca-se a questão de saber qual o papel que as autarquias podem desempenhar para estimular o crescimento e reduzir a pobreza. Moçambique continua a ser um país muito centralizado e o Governo nacional controla a maioria dos instrumentos redistributivos e fiscais pró-pobres. Entretanto, as autarquias dispõem de uma gama de funções que podem ter impacto positivo, directa ou indirectamente, na pobreza urbana. A pesquisa realizada para este estudo concluiu que atacar a pobreza deveria ser uma das prioridades das autarquias, embora o seu potencial seja ainda constrangido por falta de experiência de gestão, de recursos e pela considerável distância 350 que existe entre o desafio à redução da pobreza nas áreas urbanas e a escala e âmbito dos instrumentos com que podem contar. No entanto, as autoridades municipais podem contribuir para a redução da pobreza em quatro grandes dimensões. A primeira inclui uma série de acções, projectos, programas e políticas que estão relacionados com com o acesso aos serviços públicos urbanos que afectam as condições materiais de vida das populações. A segunda dimensão está relacionada com as acções do governo autárquico sobre a economia, i.e. iniciativas que contribuam para a criação de emprego e rendimento, e para o desenvolvimento económico local. A terceira dimensão está relacionada com as sinergias entre as áreas urbanas e rurais, e o modo como podem sem melhoradas para diversificar rendimentos. A quarta e última dimensão é mais intangível, e tem a ver com os aspectos culturais e políticos da governação municipal, onde o impacto será mais sobre a participação política, a atribuição de poderes e a promoção de uma cidadania significativa entre os pobres. Em termos de prestação de serviços, as autarquias têm desempenhado um papel positivo no melhoramento dos equipamentos escolares, promovendo uma série de actividades de planeamento para habitação e utilização dos terrenos, como o realojamento de famílias que vivem em áreas de risco, em povoados irregulares e zonas com alta densidade de população e condições de vida inadequadas. As autarquias têm também competências para melhorar o saneamento, o ambiente urbano e a gestão de resíduos sólidos que podem, e têm conseguido, contribuir para a redução da pobreza urbana. Por último, as autarquias são, em parte, responsáveis pelo abastecimento de água e electricidade (essencial para a segurança) e pela manutenção de estradas, factores que englobam uma série de componentes pró-pobres. O papel das autarquias na promoção do desenvolvimento económico local é limitado por estatuto e, acima de tudo, pelos recursos. As autarquias têm procurado atrair novos investimentos, especialmente de natureza industrial, que possam criar emprego e receitas, alguns dos quais demonstram que é possível criar este tipo de parcerias. Há também uma iniciativa interessante para criar “Empresas Municipais”, que poderá permitir às 351 autarquias movimentarem-se mais eficazmente no ambiente económico. A pesquisa indicou uma série de outras formas como as autarquias podem influenciar o desenvolvimento económico local, entre as quais: apoiar a vida associativa como forma de sustentar a subsistência dos pobres; promover e controlar actividades comerciais; e estimular a agricultura urbana e várias actividades da cadeia de valor, transversais ao espaço urbano-rural. Quanto às sinergias entre as zonas rurais e urbanas, o estudo concluiu que os fluxos de bens, pessoas, dinheiro e informação são essenciais como suporte dos meios de vida e diversificação de rendimentos em todo o espectro urbano-rural. Uma fonte muito importante desses fluxos é a agricultura periurbana e rural, que consiste principalmente no movimento de pessoas que produzem ou comercializam produtos agrícolas. Outros fluxos importantes que apoiam a subsistência urbana são a lenha e o carvão (mas com custos de degradação ambiental) e a agricultura urbana. Na generalidade, o estudo apontou para a existência de graves problemas na criação de uma estratégia de desenvolvimento centrada nas zonas rurais, sem tomar em consideração as interligações às cidades. As remessas daqueles que estão envolvidos no sector urbano, podem aliviar consideravelmente a pobreza rural e as imprecisas fronteiras entre cidades (e vilas) e o campo, com uma população que parece mover-se frequentemente entre uma zona e outra, e que procura tirar partido tanto da produção rural como das oportunidades citadinas, sugere que as estratégias de desenvolvimento devem contemplar ambas. Por último e como já discutido na secção de governação, as autarquias podem desempenhar um papel na redução da pobreza através de várias formas de participação política e outorga de poder. Apesar dos esforços realizados em todas as três dimensões, as autarquias têmn ainda um longo caminho a percorrer até poderem lidar com a pobreza eficazmente. É necessário que reforcem as suas capacidades financeiras e organizativas e que se aproximem mais dos cidadãos através de melhores iniciativas de governação local. Entretanto, o Governo central também precisa de apoiar proactivamente uma inclusão real das autarquias, como agentes do desenvolvimento, nas suas políticas e programas, incluindo-as mais substantivamente, por exemplo, nos futuros PARPA e nos Planos 352 Quinquenais. O governo central deveria encarar as autarquias como parceiros importantes no esforço para atingir as metas nacionais de alívio da pobreza e de crescimento e ajudá- las canalizando recursos adicionais (técnicos, fiscais e internacionais) para as equipar para melhor poderem desempenhar as suas atribuições. Organização e Recursos Humanos Muitas autarquias continuam organizadas como antes ou imediatamente após a sua criação. A sua estrutura e quadros de pessoal estão muitas vezes desajustados das actuais responsabilidades de governação, gestão e prestação de serviços. Embora a legislação autárquica contemple uma significativa autonomia das autarquias na definição da sua estrutura organizacional — incluindo a revisão de responsabilidades dos departamentos, fluxos de trabalho e procedimentos, quadros de pessoal e descrição de cargos individuais — muitas não têm exercido esta prerrogativa. Algumas autarquias, como Maputo, reorganizaram a sua estutura interna e quadros de pessoal com base em exigências externas de governação e de prestação de serviços. Uma das recomendações deste estudo é que se se aumente nas autarquias a consciencialização das possibilidades de restruturação da sua organização interna e do recurso a vários mecanismos para aumentar as suas capacidades, incluindo a reformulação dos seus quadros de pessoa, salários, e a realocação, racionalização ou recrutamento de pessoal. Vários municípios testaram já uma série de modelos de prestação de serviços nestes primeiros dez anos, mas há amplo espaço para continuar a melhorar essas opções. Como parte de um esforço de reestruturação organizacional, as autarquias poderão analisar diferentes modelos de prestação de serviços, conforme as características específicas de cada autarquia. Esses modelos podem incluir a prestação dos serviços por meios internos, como é o caso na maioria dos municípios, da criação de serviços municipais semi- autónomos e de empresas municipais (p. ex: a empresa municipal de saneamento — EMUSA — em Quelimane), da concessão a operadores privados (p.ex: o abastecimento de água em Vilanculos) e a criação de parcerias público-privadas (p. ex: a unidade de PPP na Cidade de Maputo). 353 As regulamentações existentes sobre a gestão de recursos humanos limitam a flexibilidade das autarquias para recrutar, despedir e remunerar o pessoal. Há também falta de profissões específicas e planos de carreira para o pessoal autárquico. Recomenda- se que a regulamentação por parte do Estado, na área da gestão do pessoal, seja reduzida e que se façam esforços para criar planos de carreira profissional para os funcionários das autarquias. O âmbito do visto prévio do Tribunal Administrativo deveria também ser reduzido e os procedimentos agilizados para tornar o recrutamento menos burocrático. As autarquias e as entidades estatais deveriam ser mais flexíveis e criativas nos pacotes de remuneração (tanto salário como elementos não salariais) de modo a permitir o recrutamento, colocação e retenção de pessoal qualificado, técnico e de gestão. Esta via deve ser estreitamente coordenada com os esforços de melhoria de receitas das autarquias. Em Maputo, por exemplo, há uma correlação entre o aumento da receita e melhores incentivos para o pessoal, que inclui, cada vez mais, uma componente relativa ao desempenho, como base de melhoramentos sustentáveis na eficácia organizacional. As autarquias são muitas vezes prejudicadas por terem elevados números de trabalhadores com baixas qualificações e pessoal sénior também com qualificações reduzidas. A formação é considerada, universalmente, como uma prioridade para melhorar o desempenho autárquico e incentivar o pessoal. A formação implica o aumento dos saberes e competências de elementos individuais do pessoal, para uma melhor resposta às exigências da função, tanto através de aprendizagem no posto de trabalho, acompanhada por pessoal de assistência técnica contratado externamente, como por meio de cursos de curta duração e cursos vocacionais. Recomenda-se que as autarquias trabalhem em estreita colaboração com a ANAMM, o Instituto de Formação em Administração Pública e Autárquica (IFAPA), e outras organizações de formação para melhor desenvolverem as suas políticas e planos de formação e para potencializar a colaboração entre autarquias neste aspecto. A formação deverá ser estreitamente vinculada aos planos de carreira autárquica acima referidos, e integrada no Sistema de Formação em Administração Pública (SIFAP). O desenvolvimento dos recursos humanos deve ser progressivamente institucionalizado como um dado permanente do funcionamento autárquico, para que o aperfeiçoamento das competências do pessoal não 354 seja considerado como um mero aspecto de projectos financiados por terceiros, mas sim parte integrante dos planos e orçamentos anuais das autarquias. 10.4 Prestação de Serviços Integrados Para as autarquias e para os seus munícipes, o resultado mais visível da melhoria do seu desempenho será medido através da prestação de serviços. O objectivo da resolução das dificuldades existentes, é aumentar a capacidade das autarquias para fornecer serviços. Em muitas autarquias, o grande esforço para melhorar os serviços em certos sectores tem sido prejudicado pelo facto de se preocuparem com o sector em si, quando as dificuldades de execução são na realidade sistémicas e transversais e não podem ser resolvidas com instrumentos puramente sectoriais. Estes constrangimentos agem, assim, como um factor que prejudica a prestação de serviços, e têm sido, até aqui, o tema deste capítulo. No entanto, há também importantes desafios e oportunidades específicos em alguns sectores que devem ser considerados. Lidar com problemas sectoriais é claramente uma prioridade urgente para as autarquias, pelo que este estudo inclui alguns sectores específicos. Dada a escassez de financiamento, o estudo abrange apenas alguns sectores que são de particular importância para os municípios e que demonstram alguns dos constrangimentos subjacentes acima abordados, analisados numa perspectiva de sector. Estes sectores reflectem uma combinação de áreas que são claramente da responsabilidade das autarquias (p. ex: os resíduos sólidos e o saneamento) e aquelas em que há responsabilidades partilhadas ou “áreas cinzentas”, que requerem ainda definição e negociação (p. ex: água e solo urbano). Há uma série de outros sectores importantes que não puderem ser abrangidos, devido a dificuldades de recursos, e que constituem áreas úteis de futura investigação, como o transporte urbano e os grandes sectores sociais. No entanto, os elementos transversais acima discutidos, se melhorados ao longo do tempo, deverão ter um impacto positivo em todas as áreas da prestação de serviços. Gestão do Solo Urbano A gestão e administração de solos urbanos, ao longo dos últimos 10 anos, caracterizam-se por uma série de dificuldades, incluindo: (i) uma crescente tendência das povoações 355 informais para ocuparem áreas ambientais sensíveis; (ii) um declínio da segurança dos títulos de posse; (iii) crescente informalização dos mercados imobiliários e um elevado nível de corrupção no uso da terra; e (iv) legislação restritiva que não reflecte a realidade social ou espacial das zonas informais. Estas dificuldades são agravadas por vários factores históricos, alguns dos quais persistem, como o baixo nível de capacidade institucional, a escassez dos recursos financeiros, os sistemas arcaicos de cadastro de terras e a falta, na maioria dos municípios, de registos visuais das terras atribuídas. O processo da regulamentação da gestão dos solos urbanos tem sido muito lento ao longo dos últimos 10 anos. Só muito recentemente é que o promulgou a Lei do Ordenamento do Território que obriga à existência de planos de urbanização locais. Isto significa que o número de povoados que são obrigados a ter um plano de urbanização vai aumentar. Embora seja um passo em frente, esta medida vai impor mais uma sobrecarga nas autarquias já com dificuldades financeiras, uma vez que não têm capacidade para efectuar o planeamento. Uma estratégia global para apoiar as autarquias neste campo deveria ser considerada prioritária, conforme foi já referido acima, na secção sobre Planeamento. Resumem-se as seguintes recomendações principais que deverão ser consideradas a nível nacional e local. Desde os primeiros anos da Independência, tem havido alguns bons exemplos de projectos-piloto de requalificação urbana, que podem constituir modelos para um melhor planeamento urbano (a requalificação de Maxaquene em Maputo em 1979 e de Nacala ao longo das décadas de 80 e 90). O processo de descentralização dos últimos dez anos produziu uma série de projectos-piloto de sucesso, mas estes precisam ainda de ser depurados, registados e publicitados. As lições devem ser sintetizadas e transformadas em formação, manuais didácticos e directivas. Ainda que estes inovadores projectos- piloto e de demonstração devam continuar e ser alargados, é altura de se avançar e incrementar e replicar boas práticas. A requalificação dos bairros de lata e o reordenamento dos povoados informais, e o planeamento participativo têm de ser 356 reconhecidos como práticas normais do planeamento. A legislação e as políticas deveriam incorporar estas práticas nos regulamentos urbanos e nas posturas municipais. O Mapeamento a Baixo Custo e a Compilação de Cadastros são uma das maiores prioridades para as autarquias, por serem a base de todo o esforço de planeamento, investimento e geração de receita própria, é a realização de um mapeamento e de um cadastro predial a custo reduzido. Tem havido tentativas para melhorar e simplificar os sistemas cadastrais (Beira, Dondo, Maputo) e os recentes avanços tecnológicos permitem agora efectuar um mapeamento “razoável” com baixos custos, utilizando imagens de satélite. Um cadastro predial pode contribuir para a segurança dos títulos de propriedade e, eventualmente, constituir uma base para a sustentabilidade financeira autárquica, criando uma base fiscal. É preciso elaborar uma estratégia multissectorial de requalificação urbana, liderada pelo governo e integrada na estratégia de planeamento já referida. É necessário mobilizar um adequado apoio orçamental, através de cooperação entre doadores e o Governo. Os principais actores e decisores, incluindo os presidentes dos CM e os membros eleitos das assembleias municipais, bem como o pessoal autárquico, precisam de informação e formação, através de experiências de trocas de visitas, cursos breves, material de formação, a compreensão da legislação aplicável e a sua implementação, e resolução e mitigação de disputas. Deverá ser desenvolvida uma estrutura de apoio técnico ao ordenamento físico, mapeamento e questões jurídicas. Uma opção, seria criar essa estrutura a nível regional. Uma escala de serviço ou uma equipa de profissionais nacionais qualificados, poderiam ser estabelecidas em cada região do país. Deveriam ser também preparados técnicos de planeamento de nível intermédio, para apoiarem as administrações autárquicas na gestão dos cadastros locais e na implementação de planos de estrutura municipais. A disponibilidade de habitação a baixo custo é também um dos grandes problemas das áreas urbanas em todo o país. Embora não tenham sido efectuados estudos específicos para avaliar a procura e os seus custos, Forjaz (2006) calcula um crescimento anual de 357 50.000 famílias, o que exigiriam investimentos na ordem dos USD 185 milhões por ano em infra-estruturas e USD 835 milhões também por ano, para habitações. Obviamente o Estado moçambicano não tem estes recursos pelo que não poderia resolver sozinho os problemas da habitação urbana. Até ao presente, a intervenção do Estado nesta área tem sido limitada (através do Fundo de Fomento de Habitação) à criação e financiamento de muito poucas propriedades (172 em 2006) para funcionários de rendimento médio e emprego assalariado. Assim, por razões técnicas e financeiras, o Estado teria necessidade de viabilizar e orientar as actividades privadas e municipais nesta área. A política e a prática relacionadas com a habitação estão ainda muito subdesenvolvidas em Moçambique, assim como os papeis a desempenhar pelos sectores privado e público, tornando-se necessário um intenso trabalho analítico e a formulação de políticas. Água Há uma extensa gama de tecnologias para o fornecidmento de água em Moçambique, mas nem todas são consideradas oficialmente como adequadas, como os pontos de água (geralmente furos com bomba manual), fornecedores and pequena escala e revendedores de água. No entanto, num contexto de recursos limitados, há necessidade de manter uma combinação de tipos de serviço, e estas fontes são parte da realidade urbana. Seria consequentemente importante acordar uma estratégia para vários tipos de serviços, de modo a garantir uma política adequada, incluindo a regulamentação dos vários fornecedores. Outro desafio que o sector enfrenta, é definir a “autoridade” para o abastecimento de água em algumas zonas urbanas e esclarecer as funções específicas que as autarquias têm a desempenhar. Nas pequenas cidades, os conselhos municipais e os governos distritais têm de assumir a principal responsabilidade pelo sistema de abastecimento de água corrente e, no entanto, não estão definidos na presente lei como sendo a respectiva autoridade, embora a legislação autárquica refira uma responsabilidade partilhada dos municípios. Há também motivo de grave preocupação em relação às grandes cidades, sendo Maputo o melhor exemplo, onde não está estabelecida claramente a autoridade entre o FIPAG e o município em relação a todas as áreas dentro dos limites do município. 358 O papel das autarquias não é totalmente claro em relação às propostas para a AIAS e o Conselhos Provinciais de Água e Saneamento, os quais irão contratar operadores nas zonas urbanas em 3 províncias-piloto. Seria importante esclarecer quem é a autoridade nestas circunstâncias e definir o papel das autarquias. De início, os distritos e os municípios das províncias terão membros no Conselho de Administração das APAS (Conselhos Provinciais de Águas) e a AIAS terá acordos de cooperação com todas as autarquias. O ponto de vista actual, em relação ao sector da água, é que o papel das autarquias enquanto operadores directos, deve ser limitado e o operador deverá ser uma empresa privada ou então uma empresa pública. Os municípios devem intervir sobretudo como coordenadores (e reguladores) nas áreas periurbanas nas cidades e vilas FIPAG, e eventualmente também em cidades da AIAS. De um ponto de vista municipal, pode haver oportunidades para pequenos sistemas explorados por autarquias (p. ex: Montepuez) mas que serão condicionadas por questões de escala e acesso a capital (e até mesmo em relação às despesas correntes). Ainda que o fornecimento pelas autarquias não seja encorajado, há aqui importantes oportunidades para esclarecer o papel das autarquias em relação aos operadores e às empresas accionistas, como o FIPAG e a AMU, pois as autarquias queixam-se que não é raro os consumidores apresentarem as suas reclamações relativamente ao serviço da água à autarquia. É importante que o sector da água colabore mais activamente com as autarquias na governação e no planeamento das operações relacionadas com a água, nas zonas urbanas. Saneamento Em termos de tecnologia o problema mais premente, uma vez que há falta de capital para investir em sistemas de esgotos, é arrancar com opções de saneamento local de baixo custo, como as latrinas melhoradas, com fossas sépticas e outras tecnologias similares (como as sanitas de compostagem, que existem em alguns lugares). Vão ser necessárias diversas tecnologias para dar resposta às condições económicas e físicas e nem todas estão totalmente desenvolvidas. É também importante garantir a divulgação do conhecimento das tecnologias existentes ao nível das comunidades. O tratamento e eliminação de resíduos é também uma necessidade importante. 359 Ao contrário do abastecimento de água a “autoridade” para o fornecimento de saneamento é, claramente, a autarquia. No caso de sistemas de esgotos (existem, ou estão planeados aproximadamente dez), há necessidade de avaliar quais os instrumentos de receita apropriados (p.e: tarifas ou taxas) de modo a garantir o funcionamento e a manutenção e seria também interessante investigar qual a melhor forma de integrar o abastecimento de água e as operações de saneamento, no futuro, concentrando-as num único operador. Neste aspecto, é muito importante que o CRA assuma a responsabilidade de regulamentar os sistemas de esgotos, pelo menos no médio prazo. Para o saneamento localizado, os governos locais (autarquias e distritos) deverão trabalhar no quadro de um programa de apoio nacional, para ajudar os agregados familiares a implementarem soluções eficazes. Há um programa nacional, do Ministério das Obras Públicas e Habitação (MOPH/DNA) que mantém uma promoção contínua da saúde e da higiene (com o apoio do Ministério da Saúde), que corresponde a um mínimo de necessidades, mas deveria ser desenvolvido também um programa mais alargado de assistência financeira para o saneamento, que poderia assumir a forma de subsídios para aquisições essenciais, como placas, tal como era feito ao abrigo do PLM anterior, ou um fundo nacional de saneamento de onde sejam feitas transferências para as autarquias para programas de saneamento urbano. Embora as autarquias sejam responsáveis pelo saneamento, o facto é que não têm acesso aos recursos necessários. Com tempo, poderia ser feita uma transferência faseada, talvez ao longo de 10 anos, enquanto as fontes de receita locais são consolidadas. É importante, no entanto, reconhecer que o investimento no saneamento através das autarquias tem um papel essencial a desempenhar não só para cumprir as MDG relacionadas com a requalificação dos bairros degradados como também as metas relativas aos resultados de saúde. Gestão de Resíduos Sólidos (SWM) A gestão de resíduos sólidos coloca às autarquias desafios simultaneamente de carácter administrativo e de saúde. A capacidade das autarquias para gerirem eficazmente os resíduos sólidos tem sido dificultada por uma falta de pessoal competente; por uma 360 limitada sustentabilidade financeira e económica em matéria da O&M do equipamento de SWM; dificuldades no alargamento das operações a nível de bairros e de áreas periurbanas; riscos de saúde e ambientais nos locais de depósito; fraca participação das comunidades na manutenção do asseio em casas e locais de trabalho; e uma fraca resposta do sector privado nas operações de SWM. Para enfrentar os desafios colocados pela SWM, as autarquias moçambicanas deverão preparar Planos Integrados de Gestão de Resíduos Sólidos (ISWMP). Com os seguintes objectivos: (i) alcançar progressivamente a sustentabilidade financeira e económica aumentando as receitas próprias para operações de gestão de resíduos sólidos; (ii) garantir a sustentabilidade técnica através da aquisição de tecnologia e equipamento adequados, uma sólida gestão do equipamento e a capacitação do pessoal técnico; e (iii) reforçar a participação das comunidades na SWM através de campanhas que reforcem a responsabilidade dos cidadãos. A nível nacional há uma série de reformas específicas, legislativas e de políticas, que contribuiriam para uma estratégia municipal de gestão de resíduos sólidos mais eficaz. Entre elas inclui-se a harmonização de legislação relacionada com a gestão dos resíduos sólidos e a gestão ambiental, explanando princípios, conceitos e terminologia. Esse enquadramento deveria também estandardizar procedimentos para o tratamento e remoção de vários tipos de resíduos sólidos (residências, industriais perigosos e hospitalares). A divulgação deste enquadramento regulatório da SWM (incluindo estratégias nacionais e directivas técnicas entre outras) seria de grande utilidade para as autarquias, particularmente aquelas que estão ainda com dificuldades para organizar este serviço. Um canal para dar apoio técnico às autarquias, seria a formação de formadores em Direcções Provinciais e Distritais do MICOA, que seriam responsabilizadas por apoiar o desenho e implementação dos ISWMP, em colaboração com as autarquias. Recomenda-se que todas as autarquias concebam e adoptem ISWMP para guiar as decisões a tomar, o planeamento, orçamentação e monitorização das operações de gestão de resíduos sólidos. Esses planos deverão incluir: (i) uma estratégia de sustentabilidade financeira e económica, criando sistemas para controlar as receitas e despesas específicas da SWM 361 (p. ex: rever a taxa de recolha de resíduos sólidos, aumentar a cobertura da recolha de resíduos sólidos e aplicar diferentes esquemas de cobertura para grandes produtores de resíduos sólidos); (ii) criar regulamentos e procedimentos de supervisão da recolha e depósito de SWM, incluindo a qualidade e eficiência dos serviços; (iii) investir em sistemas de monitorização e pesquisa dos conteúdos dos resíduos sólidos; (iv) reabilitar os locais de depósito e promover a construção de aterros sanitários; (v) promover a formação contínua do pessoal, em particular de técnicos, gerentes, administradores, supervisores e pessoal operacional da SWM e adoptar mecanismos para distinguir e recompensar trabalhadores, em especial os que trabalham na recolha do lixo; e (vi) investir fortemente em programas coordenados de educação cívica, com vista a promover uma responsabilidade partilhada na manutenção da limpeza das autarquias 10.5 Funções e Responsabilidades Propostas: O Caminho a Seguir O Anexo 10.1 a seguir, define os principais actores e intervenientes que devem assumir as responsabilidades em relação às prioridades mais urgentes acima referidas. Os capítulos e os relatórios pormenorizados n CD-ROM trazem mais ampla matéria para discussão. Esta Quadro destina-se a fornecer algumas linhas de orientação a intervenientes específicos sobre a forma de alcançar o máximo impacto no curto a médio prazo. O quadro é propost como base para discussões entre o Governo central, a ANAMM e as próprias autarquias, assim como outros parceiros de desenvolvimento que actualmente tenham programas ou planos para apoiar futuramente o desenvolvimento municipal. O quadro é meramente indicativo, mas permite começar a considerar o tipo de apoio que cada interveniente deverá pensar em assumir no âmbito da agenda municipal para o desenvolvimento. Para terminar, há um sem fim de oportunidades de pesquisa que resultam deste estudo e que merecem consideração. Entre elas, uma avaliação mais aprofundada de algumas questões transversais, incluindo os modelos de prestação de serviços (p. ex: empresas municipais, PPP), modelos de reforma organizacional e de capacitação de recursos humanos, opções específicas para apoiar o planeamento espacial, assim como análises de sectores específicos, como a política de habitação urbana, serviços de transportes urbanos e a agricultura urbana. A agenda mais urgente para o Governo, parceiros e ANAMM é 362 claramente estabelecer critérios e metodologias para a transferência de competências para as autarquias, tendo em visto o Decreto 33, em simultâneo os os apropriados recursos financeiros, humanos e de assistência técnica. Atendendo ao seu ponto de partida, dez anos atrás, as autarquias de Moçambique têm feito considerável progresso. Aprenderam-se nesta década, muitas lições que estabelecem bases para um progresso considerável no futuro. Os desafios que as autarquias enfrentam são grandes e agravados por um contexto nacional que, embora não favorável à descentralização fiscal, tende a passar cada vez mais responsabilidades para a esfera municipal. O desafio para a gestão autárquica será conseguir melhorar a sua base de receitas e simultaneamente estabelecer áreas prioritárias para uma melhoria sensível na prestação de serviços através de uma atribuição direccionada de recursos. Para o conseguir, terão que se concentrar na solução para os constrangimentos subjacentes que limitam a eficácia do município, no seu todo. O aperfeiçoamento do planeamento e da governação, a restruturação organizacional, a capacitação dos recursos humanos e o melhoramento da gestão de receitas e despesas são áreas críticas em que é necessário concentrar atenção, ao mesmo tempo que se procura dar aos cidadãos uma qualidade de serviços significativamente melhores. A gestão autárquica é uma área complexa e requer um forte apoio por parte do Governo nacional e dos cidadãos. É essencial que todos os programas de apoio dêem particular atenção às questões transversais, qualquer que seja o seu sector específico ou o ponto técnico de partida. Com apoio adequado na próxima década e a liderança empenhada dos seus Presidentes e Conselhos Municipais, as autarquias de Moçambique podem contribuir de modo significativo para as metas nacionais de redução da pobreza e de crescimento nas áreas rurais e urbanas. Notas Finais 1 Isto deve-se em parte à desvalorização do câmbio durante o período the 1996/7-2002/3 que favoreceu os agricultores. Não há dados posteriores a 2002/3 pelo que não é certo se a tendência se manteve. 363 Anexo 10.1 O Papel dos Actores: o sistema municipal subjacente Governo Central Autarquias ANAMM Parceiros de Desenvolvimento 1.0 Jurídico e Político 1.1 Clarificar as - Clarificar o enquadramento jurídico - Concentrar recursos em áreas - Criar comissão ad hoc responsabilida-des relativo às responsabilidades em que é claro o mandato para composta por Presidentes dos municipais no municipais (áreas cinzentas) acção (áreas brancas) CM (com apoio técnico) para presente quadro negociar, esclarecer e finalizar jurídico este processo com o governo nacional 1.2 Melhorar a - MF, MAE e MPD devem - Avaliar a capacidade própria - Estabelecer uma comissão para transferência de desenvolver critérios de para assumir as competências e o liderar este processo por parte da competências do transferências, incluindo recursos possível impacto dessas autarquia Estado para as técnicos, financeiros e humanos transferências autarquias - Pormenorizar melhor os acordos de conforme o decreto transferência de funções 33/2006 - Desenvolver orientações metodológicas para ajudar ministérios sectoriais e autarquias neste processo 1.3 Clarificar o - Estratégia de descentralização a enquadramento da médio-longo prazo, definindo a política de abordagem ao gradualismo descentralização - Critérios para cidades se tornarem municípios devem ser definidos e divulgados - Estabelecer processo transparente de avaliação de “candidatas” 1.4 Questões - Alterar legislação eleitoral municipal espaciais e para conjugar representação eleitoral Aspectos de área e representação proporcional Territoriais da Representação Municipal 1.5 Aumentar o - Incluir as questões urbanas em - Participar na formulação dos - Participar na formação dos - Promover a inclusão de reconhecimento das edições futuras de PARPA e nos PARPA e nos planos quinquenais PARPA e nos planos questões relativas à pobreza questões urbanas no planos quinquenais, através da quinquenais urbana em futuros PARPA e PARPA e nos participação activa das autarquias nos planos quinquenais planos quinquenais 364 Governo Central Autarquias ANAMM Parceiros de Desenvolvimento 1.6 Estabelecer um - Criar normas e enquadramento - Fornecer apoio ao enquadramento jurídico para a criação de empresas desenvolvimento de normas jurídico para municipais semi-autónomas, e estrutura modelos alternativos concessões ao sector privado e PPP de prestação de municipais, pelo MF serviços 2.0 Governação 2.1 Solucionar os - Desenvolver estruturas e orientação - Publicar contas e orçamentos - Desenvolver ferramentas a - Dar apoio a este processo e baixos níveis de de apoio à responsabilização - Publicar contratos e propostas partir das orientações exemplos de boas práticas responsabilização - Elaborar e publicar códigos de - Divulgar as ferramentas conduta autárquica - Criar procedimentos para reclamações - Melhorar o fluxo de informação aos cidadãos e a participação no planeamento e orçamento 2.2 Consolidar as - Contribuir com quotas para a - Aumentar as quotas dos - Apoiar a ANAMM no capacidades dos ANAMM membros para maior rectrutamento de pessoal principais actores - (Ver recomendações em independência política para campanhas e programas Organização e RH para o reforço - Desenvolver programas que de informação, formação e das capacidades autárquicas) possam ser financiados por comunicação fontes externas (expansível) - Trabalhar com a sociedade - Fazer campanhas de civil para apoiar a sua informação sobre os mandatos e capacidade para participar os papéis a desempenhar em questões municipais 2.3 Apoiar a - Melhorar as relações com - Campanhas para promover a - Financiar campanhas de participação e o associações de moradores e participação das mulheres apoio à participação das reforço das relações organizações da sociedade civil - Campanhas para aumentar a mulheres entre poder local e - Reforçar relações com a participação nas eleições - Desenvolver programas cidadãos sociedade civil através de - Organizar uma campanha de que estimulem a consultas à cidade, orçamento informação sobre o papel e as participação,como um “fim” participativo e desenvolvimento responsabilidades das autarquias e como um “meio”- p-ex: o de bairros orçamento participativo - Criar canais regulares de comunicação entre eleitos e o eleitorado - Criar uma estratégia de participação 365 Governo Central Autarquias ANAMM Parceiros de Desenvolvimento 3.0 Planeamento 3.1 Desenvolver - Fornecer linhas de orientação - As autarquias deveriam criar - Desenvolver e consolidar - Fornecer apoio técnico e uma visão sobre planeamento estratégico uma visão e uma estratégia relacionamentos com os vários financeiro para estas estratégica municipal através de um intervenientes interessados para acções processo envolvendo os vários apoiar a visão municipal - Divulgar exemplos de intervenientes interessados boas práticas 3.2 Lei do - Estabelecer regras e regulamentos - Criar unidades de planeamento - Trabalhar com o MICOA para - Documentar e implementar Ordenamento do para o planeamento local (MICOA) nas autarquias criar e divulgar manuais de práticas boas e inovadoras Território - Fornecer instrumentos de trabalho e - Elaborar planos locais (3 tipos) planeamento local -Garantir que a assistência equipas de apoio técnico com base em exercícios de ao desenvolvimento planeamento participativo e contempla as prioridades e planos espaciais planos locais - Criar cadastros locais - Fornecer DUAT a todos os que receberam lotes 3.3 Coordenar o - Desenvolver um enquadramento e - Estabelecer a ligação entre o - Promover a colaboração com - Encontro nacional para planeamento orientações para os ministérios de planeamento sectorial e os planos os ministérios de tutela e avaliar a situação e analisar sectorial com o tutela e LOLE sobre formas de espaciais e financeiros; integrar as partilhar exemplos de boas lacunas plano financeiro coordenar com as autarquias o necessidades com as prioridades a práticas - Coordenar uma abordagem anual planeamento da prestação de serviços resolver a níveis técnicos às agendas urbanas com em áreas urbanas base neste relatório 4.0 Finanças 4.1 Melhor - Considerar a introdução de novos - Alargar o número de - Fornecer mais contributos - Financiar apoio para utilização das instrumentos fiscais em áreas de propriedades tributáveis e analíticos e fazer lobby junto do trabalho analítico sobre receitas próprias importância municipal, como o actualizar o valor das Governo nacional em relação às reforma fiscal autárquica turismo e/ou a mineração propriedades opções fiscais das autarquias 4.2 Melhorar a - Actualizar os registos de cobrança de receitas diferentes actividades económicas não fiscais (taxas e - Melhorar a administração e o licenças) controlo dos mecanismos de cobrança - Aumentar as licenças de uso de espaços públicos actualizando os cadastros 366 Governo Central Autarquias ANAMM Parceiros de Desenvolvimento 4.3 Melhorar o - Reformar o sistema de - Realizar trabalho analítico para sistema das transferências, aumentando o conjunto atrair o governo ao diálogo sobre transferências inter- de receitas e regulando a dotação do reformas governamentais FIIL por meio da aplicação de uma - Coligir dados sobre fórmula transferências - Esclarecer os mecanismos de financiamento para novas responsabilidades transferidas e providenciar recursos adequados, financeiros, materiais e humanos, para estes serviços - Atribuir doações em bloco para serviços específicos - Prestar apoio, através dos ministérios de tutela, aos serviços sociais fornecidos pelas autarquias 4.4 Canalizar mais - Assegurar que os projectos de - Monitorizar e divulgar a forma - Os projectos da Ajuda assistência ao doadores em áreas urbanas são feitos como a Ajuda é canalizada deveriam contemplar os desenvolvimento em colaboração com as autarquias - Coordenar os esforços dos documentos de planeamento através das - Canalizar recursos internacionais doadores locais e os planos de acção autarquias para o financiamento de infra- prioritários e deveriam estruturas municipais incluir as autarquias na formulação dos projectos - Aumentar a gestão financeira, feita pelas autarquias, de projectos municipais financiados pela Ajuda - Reestruturar a OdaMoz para proporcionar informação sobre o montante de doações e número de projectos autárquicos apoiados pela Ajuda 367 Governo Central Autarquias ANAMM Parceiros de Desenvolvimento 4.5 Gestão - Criar todas as condições necessárias - Investir em sistemas financeiros - Fornecer apoio ao Financeira para que o SISTAFE seja que permitam efectuar todas as desenvolvimento de adequadamente instalado em todas as transacções de um modo sistemas financeiros autarquias. estandardizado e eficiente integrados e às subsequentes - Passar de uma orçamentação alterações de organização com base em entradas, para um que estes sistemas requerem orçamento basedado em programas 4.6 Pobreza - Incluir a Pobreza Urbana nos futuros - Modernizar as cadeias de valor - Promover programas de apoio -Fornecer apoio a programas PARPA e Planos Quinquenais agrícola existentes, encorajando a empresários locais através da para reforçar a agricultura - Reforçar e utilizar as interligações investimentos no agro- partilha de competências urbana, as interligações desenvolvendo as infra-estruturas processamento, melhorando os empresariais e incentivar a urbano-rurais e o apropriadas transportes de acesso e os liderança empreendedorismo local - Explorar os potenciais da agricultura mercados - Estimular empresas de urbana e do agro-processamento - Reduzir a burocracia para criar agro-processamento um clima propício ao próximas de centros urbanos desenvolvimento de negócios - Promover mecanismos participativos para dar poder aos cidadãos 5.0 Organização e RH 5.1 Reestruturar as - Divulgar opções de reestruturação - Efectuar, se necessário, uma - Ajudar a financiar organizações para autárquica e os enquadramentos revisão abrangente da estrutura consultores necessários para corresponderem às jurídicos organizacional e definir: a sede da apoiarem a reestruturação de necessidades das associados responsabilidade em questões actividades municipais funções autárquicas transversais; responsabilidades departamentais; quadros de pessoal; e descrições de funções - Reforçar a força de trabalho através de: recolocação, racionalização e recrutamento de pessoal - Remodelar sistemas e redefinir procedimentos e fluxos de trabalho, com base numa crescente utilização das TI 368 Governo Central Autarquias ANAMM Parceiros de Desenvolvimento 5.2 Criar um plano - Dar formação através do SIFAP - Desenvolver um plano de - Apoiar as autarquias no - Apoiar a formação nas estratégico de formação estratégico, com base desenvolvimento de planos de autarquias formação em funções e responsabilidades formação redefinidas, para ajudar o pessoal - Colaborar com organizações de a dar respostas às exigências do formação para desenvolverem serviço programas de apoio às autarquias - Integrar a aprendizagem no posto de trabalho, cursos de curta duração e cursos vocacionais nos planos de formação 5.3 Desenvolver - Desenvolver orientações e critérios - Desenvolver critérios próprios - Estabelecer consultas com o - Assegurar uma uma estratégia de para ajudar as autarquias a incrementar para avaliar a preparação para a governo para definir o tipo de transferência eficiente dos assistência técnica uma estratégia de assistência técnica transferência de competências, ajuda necessária necessários recursos e para acolherem, com sucesso, a com base nas lacunas assistência técnica, com o transferência de competências ao identificadas através de análise apoio de programas abrigo do Decreto 33. organizacional e reestruturação sectoriais e de appoio ao orçamento 5. 4. Desenvolver - Estabelecer uma estratégia nacional - Vincular a progressão de Definir o enquadramento em planos de carreiras para carreiras públicas autárquicas, carreira à formação profissional conjunto com o Governo com as autarquias com orientações claras relativamente formal nacional a mobilidade profissional e progressão de carreira 5.5 Aumentar a - Reduzir a burocracia e flexibilidade de regulamentação em relação ao recrutamento recrutamento municipal e gestão de pessoal 5.6 Aumentar a - Divulgar exemplos de boas práticas - Divulgar informação e - Coordenar as agências (p. partilha de saberes e - Providenciar a integração no SIFAP conhecimentos ex: evitar a duplicação de de boas práticas das lições aprendidas - Coordenar trocas de manuais) experiência (aprendizagem com - Introduzir práticas boas e os pares) interessantes de outros países 369 Anexo 10.2 O Papel dos Actores: A Prestação de Serviços Integrados. SERVIÇO Governo Central Autarquias ANAMM Parceiros de Desenvolvimento 1. Solo e - Elaborar procedimentos e manuais para - Efectuar mapeamento a baixo custo e - Documentar e divulgar boas - Mobilizar apoios em Habitação as diferentes áreas desenvolver um sistema cadastral para práticas coordenação com o - Esclarecer o papel do MICOA na melhorar a segurança dos títulos de - Apoiar a formação, Governo ratificação do planeamento estratégico a posse (ver 3.4) intercâmbio de visitas e longo prazo - Utilizar o registo cadastral em conjunto cursos breves, para aumentar - MICOA, trabalhar com as com o planeamento de uso da terra para as competências dos Universidades para desenvolver um melhorar a segurança dos títulos e a base presidentes dos CM e dos grupo de perícia em requalificação e fiscal das autarquias membros da assembleia reordenamento para os povoados - Incrementar a requalificação e o municipal informais existentes e para os planos de reordenamento e integrá-los na prática utilização de terra normal de planeamento - Ajudar com o trabalho burocrático aqueles que receberam lotes (ver 3.4) 2. Água - Definir quem é a “autoridade” no - Participar continuadamente em - Investir em infra- abastecimento de água nas zonas mecanismos de coordenação com estruturas físicas urbanas e esclarecer o papel específico múltiplos participantes interessados - Financiar o TA para das autarquias - Participar continuadamente nas apoiar melhoramentos - Determinar as responsabilidades das estruturas de governação operacionais e financiar AIAS e CPAS e avaliar o seu - Incrementar as capacidades para O&M desempenho num período piloto regular os fornecedores em áreas - Aumentar a eficácia dos mecanismos urbanas de coordenação entre autarquias, FIPAG, AIAS e CPAS pilotos. 370 3. Saneamento - Atribuir ao CRA a responsabilidade - Divulgar o conhecimento de - Divulgar boas práticas - Investir em infra- regulatória dos sistemas de tecnologias incluindo a nível das - Encorajar o governo e estruturas físicas saneamento com esgotos a médio comunidades parceiros internacionais a - Investir em programas prazo - Estabelecer serviços para despejo de investirem em infra- para a promoção da - Apoiar os esforços do governo local latrinas e fossas sépticas a efectuar pelo estruturas de saneamento, de saúde e higiene através de um programa nacional do sector privado modo a que se atinjam as -Investir em programas MOPH/DNA para promover a saúde e -Avaliar instrumentos de receita para MDG de saúde de promoção de placas a higiene garantir O&M para fossas sépticas - Estabelecer uma doação em bloco - Trabalhar no âmbito do programa - Financiar a AT para aos governos locais e/ou um programa nacional para ajudar as famílias a apoiar melhoramentos subsidiado específico para apoiar implementar soluções eficazes operacionais e financiar investimentos em latrinas e fossas O&M sépticas pelas famílias. 4. Waste - Melhorar a coordenação entre - Elaborar planos integrados de gestão de - Difundir boas práticas - Fornecer apoio instrumentos legais em relação a resíduos sólidos (ISWMP) - Difundir padrões-modelo financeiro e assistência gestão ambiental e de resíduos - Criar receitas próprias através de taxas Aprendizagem através de técnica - Estandardizar procedimentos serviço Pares relacionados com diferentes tipos de - Adquirir tecnologia apropriada e resíduos (domésticos, industriais e reforçar as capacidades técnicas e hospitalares) operacionais do pessoal para a utilizar - Divulgar o enquadramento - Reforçar as responsabilidades dos regulatório e orientações estratégicas e cidadãos através de campanhas técnicas (p.ex: a isenção de IVA) -Aumentar a capacidade das direcções provinciais do MICOA para apoiar as autarquias através da formação de formadores 371 Bibliografia Allen, Charlotte and Johnsen, Vibe, 2006, An Overview of the Current State of Urban Development, Planning and Land Management In Mozambique (Draft), Massala Development Consulting and Research– Report for Rooftops, Canada Allen and Johnsen, 2006. 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Pobreza Urbana e Interligações Urbano-Rurais. Julio D Dávila, Eleni Kyrou, Tarson Nuñez and Jason Sumich (Development Planning Unit-University Colleague London) and Métier, Consultoria e Desenvolvimento Lda., Maputo. Capítulo 6. Gestão do Solo Urbano. Paul Robson and Allan Cain (Development Workshop) and José Forjaz and Bruno Vedor (Forjaz Associate Architects). Capítulo 7. Abastecimento de Água e Saneamento nas Áreas Urbanas. Ian Palmer (Palmer Development Group)and Mayza Tricamegy (Consultor Independente). Capítulo 8. Gestão de Resíduos Sólidos. Karin Segala (Instituto Brasileiro de Administração Municipal-Área de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente) and Izidine Opressa and Jaime Palalane (Consultores Independentes). Capítulo 9. Lições Aprendidas. Jaime Vásconez (Centro Internacional de Gestion Urbana, CIGU-Ecuador) and Abdul Ilal (IPAM). Capítulo 10. Conclusões e Linhas de Orientação para Acções. World Bank Staff (Urban and Water Group. East and Sothern Africa) and Yves Cabannes (Development Planning Unit-University Colleague London). 380