Março 2008 · Número 120 Uma série regular de notas ressaltando as lições recentes do programa operacional e analítico do Banco Mundial na Região da América Latina e do Caribe. Desempenho hospitalar no Brasil 44690 A Busca da Excelência Gerard M. La Forgia e Bernard F. Couttolenc Os hospitais estão no centro do universo dos cuida- estratificado. Alguns hospitais são centros de excelência dos da saúde no Brasil. Quando estão doentes, muitos de categoria internacional; atendem à minoria, aos mais brasileiros vão diretamente para o hospital na falta de abastados. "Abaixo dos padrões" é a melhor descrição um "médico da família" ou de uma rede primária de para a maioria dos hospitais, aqueles que atendem aos atendimento. Os hospitais são parte brasileiros que não podem pagar ou crítica do orçamento do governo, financiar um seguro privado. Esses absorvendo quase 70% das despesas hospitais, muitos dependentes do finan- públicas em saúde. Os hospitais ciamento público, prestam um atendi- influenciam o fluxo e refluxo das mento ineficaz e de baixa qualidade, a carreiras de políticos ­ quando os julgar pelos dados disponíveis. contratempos dos hospitais che- gam às manchetes dos jornais ou os Até recentemente, os hospitais, em- refletores recaem sobre os hospitais bora de fato o sistema de prestação de com alto desempenho. Os hospitais cuidados médicos no Brasil, recebiam estão na vanguarda das discussões pouca atenção como organizações políticas no Brasil. As discussões de saúde tanto dos formuladores de refletem sua promessa como centros políticas quanto dos pesquisadores. de inovação tecnológica e avanços Desde a metade da década de 1980, o médicos, bem como a preocupa- desenvolvimento da política de saúde ção generalizada com relação ao no Brasil tem dado enfoque à descen- seu custo e qualidade. Os hospitais tralização da prestação de serviços, brasileiros são importantes para mui- reduzindo as disparidades financeiras e tas pessoas por diferentes motivos. obtendo acesso universal aos cuidados É fácil compreender o que torna os básicos. As questões do desempenho hospitais importantes. O que leva os hospitalar, embora definidas, foram de- hospitais a prestar um atendimento de qualidade de for- ixadas principalmente para a instalação individual. ma eficiente ­ ou não ­ é mais difícil de compreender. Em 2004, uma publicação divulgada pelo Ministério da Desafios do sistema hospitalar do Brasil Saúde (MS) sobre a reforma hospitalar alertou para a O sistema hospitalar do Brasil é pluralista. Uma série de necessidade de mudança. Foi o primeiro documento do arranjos financeiros, organizacionais e de propriedade MS inteiramente focado no setor hospitalar. A publica- abrange tanto os setores públicos quanto os privados. O ção abriu uma discussão nacional sobre os problemas, o Brasil tem uma longa tradição de financiamento público desempenho e o potencial dos hospitais. O documento de instalações privadas. O sistema também é altamente descreveu orientações amplas da política alinhadas a um 1 Extraido do "Hospital Performance in Brazil: The Search for Excellence" pelos mesmos autores. Livro preparado para o Departamento de Desenvolvimento Hu- mano do Banco Mundial, Região de Latino América e o Caribe, Setembro 2007. subconjunto de recomendações políticas especificadas no . Exercer o poder do financiamento para influenciar o estudo atual. O MS solicitou às comunidades de pesqui- comportamento hospitalar sa e hospitalares colaboração para fortalecer as análises O governo e os pagadores privados de atendimento hos- e ajudar a desenvolver uma visão e uma estratégia para a pitalar não estão usando o financiamento em todo o seu reforma hospitalar. É com esse espírito de colaboração potencial para influenciar o comportamento hospitalar. que este estudo foi produzido. Em alguns casos, os planos de financiamento prejudicam o desempenho. A maior parte do financiamento é des- PRINCIPAIS MENSAGENS POLÍTICAS vinculada do desempenho e não proporciona nenhum in- centivo à consciência de custo. Embora nenhum sistema 1. Aumento da autonomia e da responsabilização dos de pagamentos seja perfeito, muitos países vinculam os hospitais públicos pagamentos aos custos do tratamento com base no di- Quaisquer esforços para melhorar a qualidade e a eficiên- agnóstico, ajustado para gravidade. Nos Estados Unidos cia dos hospitais públicos dependerão do aumento da mo- observou-se que o sistema de pagamento dos grupos rela- tivação e "proatividade" de seus gerentes. Nas condições cionados a diagnóstico (DRGs) melhorava a eficiência e atuais, mesmo os gerentes mais motivados e treinados controlava os custos. terão dificuldades para melhorar o desempenho. Muitas decisões-chave são tomadas fora do hospital. Restrições O sistema de Autorização de Internação Hospitalar (AIH) rígidas no gerenciamento prejudicam os esforços para do Brasil pode funcionar como base para um sistema aumentar a responsabilização. Para levar autonomia de pagamento hospitalar baseado em DRGs. Ao buscar à vasta maioria dos hospitais públicos será necessário DRGs, a primeira ordem do dia é alinhar as taxas AIH desenvolver e testar estratégias de conversão hospitalar aos custos. Desenvolver um mecanismo de pagamento (para planos organizacionais autônomos) com base na baseado em DRGs sólidos também reduziria as distor- experiência brasileira e internacional. Embora seja um ções da fragmentação dos sistemas de pagamento ­ se os ingrediente necessário, a autonomia em si não é capaz pagadores privados (e públicos) mudarem para a mesma de melhorar o desempenho nos hospitais públicos. Tam- base de pagamento. Contudo, a responsabilização pelo bém são necessários contratos de serviço, cumprimento desempenho hospitalar requer mais do que financiamento dos contratos, financiamento baseado em desempenho, baseado em desempenho (ou autonomia). Acordos de gerenciamento de recursos humanos flexível e um sólido contratação são necessários para definir o conteúdo dos ambiente de informações. arranjos financeiros e assim vincular financiamento a desempenho. Além disso, uma contratação hospitalar bem-sucedida requer gerenciamento e cumprimento do O que pode ser feito? contrato. Esforços de orçamento global, combinados Aumento da autonomia e da responsabilização dos com contratação, estão em andamento em vários estados hospitais públicos e municípios. Essas iniciativas promissoras demonstra- · Desenvolver uma estratégia, uma estrutura ram aumentar o desempenho. normativa e um plano de implementação para transformar mecanismos administrativos diretos e indiretos em acordos organizacionais alternativos O que pode ser feito? com autoridade autônoma e uma gestão flexível Ampliar a alavancagem de fluxos de financiamento dos recursos humanos. para aumentar a eficiência, a consciência de custo e · Formular uma política de investimentos que a qualidade. promova a aplicação de acordos organizacionais · Ampliar a alavancagem de fluxos de financiamen- autônomos em qualquer hospital público novo. to público (SUS) mediante o seguinte: · Criar um programa público-privado para fortal- · Implementar novos sistemas de pagamento (tais ecer os acordos de governabilidade em hospitais como orçamentos globais vinculados ao desem- privados conforme o contrato do SUS, incluindo penho) para hospitais públicos que substituem o reforma e implementação normativa, fortalecendo orçamento de partida e desenvolvem fortes incen- a contratação e estimulando a concorrência. tivos para o aumento da qualidade e da eficiência. · Março 008 · Número 10 cont.. O que pode ser feito? Buscar sistematicamente a coordenação dos serviços · Melhorar os acordos contratuais aplicando in- e a configuração das capacidades. strumentos que especifiquem volume e tipo de · Desenvolver e implementar planos-mestre no serviços e metas de prioridade, vinculando uma nível estadual para a coordenação do atendimento proporção de pagamento ao desempenho e refor- e a criação de redes regionais. çando o cumprimento das metas estabelecidas. · Fortalecer a estratégia nacional para a racionaliza- · Atualizar o sistema AIH / SIA, alinhando o paga- ção do suprimento hospitalar, incluindo a transfor- mento aos custos e transformando-o gradualmente mação ou o fechamento de pequenos hospitais. em um sistema do tipo DRG. · Fortalecer o financiamento de investimentos com · Melhorar a regulamentação dos seguradores / pla- base em políticas para hospitais, na aprovação nos de saúde privados ­ para restringir a transfer- normativa ou em planos-mestre de investimento. ência de custos (aumentar a retenção de custos e a · Desenvolver um sistema nacional para avaliação e disciplina fiscal), coerência do sistema de paga- alocação tecnológica. mento e incentivos para hospitais / diretores. 4. Melhoria da qualidade dos serviços para padrões . Melhoria da coordenação entre todos os prestadores aceitáveis em todos os hospitais A coordenação ­ entre os próprios hospitais e entre O governo é responsável por garantir a qualidade em todos hospitais e outros tipos de provedores ­ é fundamen- os hospitais, públicos e privados. Os padrões de qualidade tal para melhorar a qualidade. Também aumentará já existem sob a forma de requisitos de concessão de licença a eficiência e ampliará a igualdade racionalizando e sistemas de acreditação, sancionados pelo governo. Infe- o suprimento de leitos hospitalares e tecnologias lizmente, sua implementação tem sido escassa. Para obter médicas caras. A coordenação é prejudicada no conformidade, o SUS e os planos de saúde privada pode- Brasil devido ao seguinte: tomada de decisões e riam instituir uma condicionalidade de financiamento com independência financeira concedida aos estados e prazo determinado, vinculando o financiamento à concessão municípios; ausência de vínculos com os provedores de licença e acreditação, seguindo o exemplo de vários privados fora do Sistema Único de Saúde (SUS); países que usam o poder do tesouro público dessa forma. administração pública frágil; e ineficácia geral dos instrumentos de coordenação, tais como Programa- A obtenção de padrões, contudo, não garante por si só ção Pactuada e Integrada (PPI). Considerando os o aumento da qualidade. Muitas ações críticas necessárias custos monetários e qualitativos dessa fragmentação, para melhorar a qualidade dos serviços hospitalares ocor- o Brasil se beneficiaria enormemente aplicando me- rem no nível hospitalar sob a liderança da direção do hos- canismos para aumentar a coordenação relacionada pital. Essas ações incluem a implantação de programas de aos serviços hospitalares. A coordenação pode ser melhoria contínua de qualidade envolvendo avaliações de buscada por meio de acordos contratuais baseados desempenho, trabalho eficiente em equipe, uso de tecnolo- em financiamento, financiamento conjunto e criação gias da informação, incorporação de evidência na prática, de estruturas de comando regionais com autoridade desenvolvimento e uso de diretrizes clínicas e coordenação de tomada de decisão sobre alocação de recursos do atendimento tanto nos hospitais como com provedores entre os municípios ou tornando mais rigorosos os em outros níveis. Se os hospitais agirem sozinhos talvez regulamentos que regem as relações entre os prove- não consigam ir longe com esses elementos. A melhoria de dores. Alguns estados e consórcios municipais já es- qualidade contínua requer uma abordagem sistemática com tão experimentando um ou mais desses mecanismos. um sistema de suporte nacional sólido que inclua políticas e Essas experiências podem fornecer a base para uma estratégias para aumentar a qualidade, apoio para pesquisa coordenação eficaz. Para reduzir a duplicação e o sistemática sobre a satisfação dos pacientes e avaliação de desperdício da infra-estrutura e do equipamento, dois práticas clínicas, bem como a criação de instituições por elementos finais são necessários, a saber, uma estra- meio de parcerias público-privadas para avaliar, monitorar tégia de investimento baseada na política e um siste- e definir o padrão de referência da qualidade e proporcionar ma rigoroso de avaliação e alocação de tecnologias. orientação e suporte aos hospitais individuais. Finalmente, Março 008 · Número 10 · existe a necessidade de solucionar a questão da baixa qualidade de alguns cursos de medicina e fortalecer a ca- pacidade institucional para abordar a negligência médica. O que pode ser feito? Aumentar os padrões de qualidade em todos os hos- CONCLuSõES pitais. O desafio do Brasil não é único. A implementação de · Desenvolver e implementar uma estratégia nacio- políticas de reforma hospitalar é reconhecidamente difícil nal de três níveis para a avaliação e melhoria da e mais difícil ainda quando a propriedade, a governança qualidade baseada em apoio a sistemas, mecanis- e os mecanismos de pagamento do hospital assumem mos de responsabilização e desenvolvimento muitas formas diferentes tal como ocorre em um Estado organizacional. federativo como o Brasil. No entanto, a natureza plural- · Instituir um exame rigoroso de licenciamento ista desses acordos é também um ponto forte do setor nacional para graduados de cursos de medicina. hospitalar brasileiro. Conforme revelado nesse estudo, o Brasil não tem escassez de enfoques, idéias, inovações 5. Melhoria da confiabilidade das informações e iniciativas para abordar as deficiências de instalações administrativas básicas com baixo desempenho. As bases para a mudança no sen- tido de melhorar o desempenho estão presentes em todo A ausência de informações confiáveis sobre a qualidade, o sistema hospitalar do Brasil. Essas idéias e inovações a eficiência e os custos dos serviços hospitalares é iner- serão generalizadas e intercaladas no tecido do sistema? ente a todos os problemas e prejudica qualquer esforço Esta é a questão. no sentido de melhorar o desempenho. Sem essas in- formações, os formuladores de políticas, bem como os O Brasil poderá melhorar o desempenho de seus hospi- pagadores privados e públicos, ficam às escuras. Esta tais? A evidência apresentada neste estudo sugere que a situação é inaceitável. Há uma necessidade urgente de resposta é afirmativa. Contudo, isso exigirá uma forte desenvolver e instalar sistemas padronizados para medir liderança, esforços coordenados dos governos federal, es- custos e qualidade. Esses sistemas devem focar informa- tadual e municipal, a participação direta do setor de saúde ções essenciais para a tomada de decisões e devem ser privada, bem como visão, políticas e ações sistemáticas projetados visando às necessidades do gerente local. Ao e contínuas. De modo geral, esses fatores de apoio têm mesmo tempo, os sistemas devem estar baseados em pa- sido fracos ou ausentes no sistema de saúde brasileiro. drões para permitir a análise comparativa dos padrões de Iniciativas promissoras têm sido quase sempre derrubadas referência entre hospitais e entre estados. ou descartadas após mudanças de governo. O que pode ser feito? Sobre os autores: Fortalecer o ambiente institucional para o uso de Bernard Couttolenc e um economista da saúde recursos e a gestão de desempenho. na Universidade de São Paulo e Gerard La Forgia · Promover o uso efetivo de tecnologias de infor- é a Especialista Principal em Saúde (LCSHH) do mação para apoiar o desempenho e avaliação de Departamento para a América Latina e o Caribe do Banco resultados, coleta e análise de custos, acesso a Mundial. informações clínicas, tomada de decisão clínica e O Ministério da Saúde (MS), a Agência Nacional de coordenação entre as organizações e as equipes de Vigilância Sanitária (ANVISA), a Fundação Oswaldo Cruz atendimento médico. (FIOCRUZ) e a Organização Nacional de Acreditação · Apoiar a modernização de estruturas e práticas de (ONA) colaboraram na preparação dos documentos de gestão em hospitais públicos e não lucrativos. antecedentes. · Desenvolver um padrão de referência nacional O Estudo mencionado neste resumo foi encomendado e um sistema de boletins públicos focados na pelo Banco Mundial e recebeu suporte financeiro eficiência e na qualidade. adicional do Departamento de Desenvolvimento 4 · Março 008 · Número 10