Mobilidade Intergeracional • Devido à grande ampliação do acesso à educação nas últimas décadas, a região da América Latina e Caribe (ALC) tem desempenho destacado em mobilidade intergeracional absoluta. Um maior número de crianças permanece por mais tempo na escola do que seus pais. • Em termos de mobilidade relativa, contudo, a região não se sai bem na comparação com outras. Ou seja, os filhos de pais com menos escolaridade têm probabilidade significativamente mais elevada de se tornarem o grupo com mais baixo nível educacional de suas próprias gerações. • Esse padrão de alta mobilidade absoluta porém baixa mobilidade relativa é exclusivo da ALC. Sua razão parece ser que o investimento global em educação resultou em ganhos para todos em termos de acesso a escolaridade, ao passo que as desigualdades entre os grupos não foram tratadas com sucesso. • Nos países da ALC, a origem socioeconômica tem maior impacto sobre as notas dos estudantes em provas do que em países de outras regiões. • Houve avanços nesse âmbito, pois a importância das diferenças socioeconômicas para a determinação das notas em provas diminuiu mais na ALC do que em outros países nos últimos anos, sugerindo que a região está reduzindo o gap com outras regiões. relatório “Progresso Justo? Mobilidade Educacional no Mundo” (“Fair Progress? Educational Mobility I A mobilidade intergeracional é um componente importante do crescimento inclusivo, da redução sustentável da pobreza e de maior equidade. Reflete não apenas uma Around the World”) estima duas medidas essenciais da mobilidade educacional em países de alta renda e em cada uma das regiões do mundo. A primeira é a medida da mobilidade absoluta – a proporção de elevação dos níveis gerais de bem-estar mas indivíduos com mais escolaridade do que seus pais. também o aumento das oportunidades e do acesso Essa medida avalia o aumento geral do acesso à para os indivíduos nascidos em situação de educação entre gerações. A segunda é a da desvantagem. A América Latina e o Caribe (ALC) há mobilidade relativa, que mede até que ponto o nível muito são conhecidos por seus altos níveis de educacional relativo de um indivíduo é independente desigualdade. Nas duas últimas décadas, reduções do de seus pais. Por exemplo: os filhos dos pais com significativas das desigualdades de renda foram mais baixa escolaridade também se situarão no nível conquistadas.1 No entanto, uma nova análise sugere inferior da distribuição educacional de sua geração? que essas reduções na desigualdade de renda Ou será que os nascidos nos estratos mais baixos foram obtidas apesar dos baixos níveis de conseguirão ascender na distribuição? De forma mobilidade intergeracional. surpreendente, o relatório mundial constata que o A nova base de dados do Banco Mundial sobre desempenho dos países de alta renda tem sido mobilidade (Mobilility Database) mede a mobilidade superior ao dos países em desenvolvimento, não educacional intergeracional em 146 países desde a apenas em mobilidade relativa, mas também em década de 1940. A mobilidade educacional mobilidade absoluta. contribui para o crescimento e a estabilidade social Esta nota se concentra na análise dos resultados ao incentivar a inovação e os investimentos em alcançados pela região ALC em mobilidade capital humano, ao mesmo tempo em que reforça as educacional e alguns dos fatores causadores desses percepções que os cidadãos têm de justiça e resultados. Devido à grande ampliação do acesso à otimismo. Recorrendo a essa base de dados, um novo educação nas últimas décadas, a região da ALC tem 1Grupo do Banco Mundial (2011a) e Grupo do Banco Mundial (2017b). 1 OUTUBRO 2017 se destacado no desempenho em mobilidade grupo com mais baixo nível educacional em suas absoluta. Os jovens de hoje têm escolaridade próprias gerações. Este padrão de alta mobilidade superior à de seus pais. Contudo, a região não se sai absoluta porém baixa mobilidade relativa é exclusivo bem na comparação com outras em termos de da ALC (Figura 1). mobilidade relativa. Ou seja, os filhos de pais com Os resultados decepcionantes quanto à mobilidade Figura 1. A ALC tem desempenho superior em relativa na ALC são encontrados também na termos de mobilidade absoluta, porém inferior em porcentagem de crianças nascidas na metade inferior mobilidade relativa da população (em termos de nível educacional) que consegue atingir o quartil superior de escolaridade. Em um mundo de perfeita igualdade, no qual todas as crianças tivessem acesso às mesmas oportunidades educacionais, cada criança teria 25 por cento de chance de estar no quartil superior. Usando os achados do estudo mundial sobre mobilidade educacional, a Figura 2 apresenta os resultados dos países da ALC para esse indicador. Eles apontam que os países da região estão desproporcionalmente representados entre os de pior desempenho. Só um deles, a Costa Rica, consegue chegar ao grupo de desempenho superior (definido como o grupo de países cujo desempenho está entre os vinte por cento mais altos). Além disto, sete países da ALC estão no Fonte: Tabulações próprias com base no relatório “Fair grupo de pior desempenho, com El Salvador, Progress? Educational Mobility Around the World”, Banco Guatemala e Panamá entre os de pior resultado (na Mundial (2017) base da distribuição). menos escolaridade têm probabilidade significativamente mais alta de virem a constituir o Figura 2. Os países da ALC apresentam porcentagens relativamente baixas de crianças nascidas na metade inferior da população que atingem os mais altos níveis educacionais 25% Porcentagem da metade inferior ao 20% VEN CRI DOM quartil superior PRY 15% URY ARG NIC MEX ECU COL BOLPER BRA PAN HND GTM 10% SLV 5% 0% Pior desempenho Melhor desempenho Fonte: Tabulações próprias com base no relatório “Fair Progress? Educational Mobility Around the World”, Banco Mundial (2017). Nota: A figura corresponde à coorte da década de 1980. 2 O fator determinante por trás desse desempenho caribenhos em mobilidade educacional. Segundo são as persistentes desigualdades no acesso à o relatório América Latina Indígena no Século XXI escola entre grupos de crianças, apesar do (Indigenous Latin America in the Twenty-First aumento do investimento em educação que CenturyI)5, 43 por cento dos indígenas vivem em resultou em ganhos gerais para todos os grupos situação de pobreza moderada e 24 por cento, quanto ao acesso à educação. A renda e a etnia em extrema pobreza. Esta proporção é 2,7 vezes são duas dimensões importantes que evidenciam superior à de não-indígenas vivendo em extrema essas desigualdades. pobreza. O relatório aponta que, mesmo depois de considerar as diferenças demográficas, A frequência escolar difere significativamente geográficas e ocupacionais entre indígenas e quando examinamos diversos segmentos da não-indígenas,6 grande parte da brecha da distribuição de renda. Embora o ensino pobreza permanece sem explicação. Esses índices fundamental esteja praticamente universalizado mais altos de pobreza se traduzem em menor na região, persistem diferenças notáveis na acesso à escolaridade para as crianças educação infantil, no ensino médio e no superior. indígenas. Só a metade das crianças de três anos de idade dos domicílios do quintil mais pobre está na Além da maior probabilidade de viverem na escola. No caso das crianças do quintil mais alto pobreza, os indígenas também têm uma visão de renda, a proporção é de noventa por cento.2 menos otimista da mobilidade do que outros Também existe uma brecha importante nos cidadãos. Quando se pede que classifiquem a si ensinos médio e superior. Enquanto apenas vinte mesmos em uma escala onde 1 é pobre e 10 é por centro dos adultos de 21 anos de idade estão rico, os indígenas se situam na metade inferior, e na escola, para o quintil mais rico essa se veem em um nível abaixo dos não-indígenas. porcentagem é três vezes mais alta. 3 Quando se pede que classifiquem a situação futura de seus filhos, os pais não-indígenas veem Estas duas lacunas podem ter imensas implicações seus filhos ascendendo à metade superior, ao para a mobilidade intergeracional. Está passo que os pais indígenas veem seus filhos demonstrado que a educação infantil tem efeitos melhorando, mas permanecendo na metade positivos consideráveis sobre o desenvolvimento inferior. da criança, especialmente as de domicílios pobres.4 O ensino médio e superior também tem No entanto, os desafios que a mobilidade papel importante na modificação dos resultados educacional intergeracional enfrenta na ALC vai entre gerações. O nível mais alto de escolaridade além das questões de acesso e incluem problemas abre caminho para maior formação de capital de qualidade da educação. Uma avaliação humano e acesso a empregos melhores. Essas internacional de qualidade da educação, o brechas no acesso podem explicar, em parte, por Programa Internacional de Avaliação de que os países latino-americanos e caribenhos Estudantes (PISA - Programme for International estão atrás em matéria de mobilidade Student Assessment), coordenado pela OCDE, intergeracional relativa. constata sistematicamente que os estudantes da ALC têm desempenho inferior em todas as As barreiras adicionais que os grupos matérias avaliadas. Sua última edição não foi marginalizados, inclusive Povos Indígenas, diferente. Registrou, no caso dos países latino- enfrentam é outra dimensão relevante para americanos e caribenhos, desempenho abaixo da entender o atraso dos países latino-americanos e 2 Tabulações próprias usando microdados CEDLAS, 5 Grupo Do Banco Mundial (2015). Indigenous Latin 2014. America in the Twenty-First Century. Washington, DC: 3 Tabulações próprias usando microdados CEDLAS, Banco Mundial. 2014. 6 Tais como a probabilidade de viver em áreas rurais 4 Por exemplo, Gertler et al (2014) mostram impactos e o nível educacional do/da chefe de domicílio, a de longo prazo significativos sobre a renda de uma área do emprego e o número de dependentes na intervenção na infância. família. 3 média na avaliação PISA de leitura em relação desempenho nas notas da prova de leitura entre às notas médias dos países participantes. Esses 2009 e 2015. Na verdade, não só avançaram países também estão abaixo da média no índice como esta melhora é superior ao avanço médio PISA de status social, cultural e econômico em de todos os países participantes. Em seis deles relação aos demais países participantes.7 Além também diminuiu o efeito da origem disso, como em análises anteriores, o índice socioeconômica sobre o desempenho de seus socioeconômico do estudante ainda tem impacto estudantes. Isto sugere que houve algum avanço mais forte sobre suas notas nas provas nos países no que tange à mobilidade intergeracional desde da ALC do que nos de outras regiões.8 Em 2009, 2009. Mesmo assim, com catorze por cento da o contexto socioeconômico do estudante diferença na nota da prova explicados por explicava em média treze por cento da variação diferenças socioeconômicas, a ALC ainda está total nas notas das provas em todos os países, acima da média nesse ponto, que é de onze por porém quase dezoito por cento desta cento. discrepância no caso dos países da ALC (Figura 3). Conclusão Há boas notícias nessa medida, pois a diferença O que esta análise implica para a região da nas notas das provas que é explicada pelo efeito América Latina e Caribe em termos de socioeconômico caiu mais nos países da ALC do mobilidade intergeracional e futuros ganhos em que em outros em 2015, sugerindo que a região relação à pobreza? A análise ressalta que a ALC tem diminuído esse gap. Dos sete países da ALC deu importantes passos adiante. O acesso à que participam do PISA, cinco melhoraram seu educação na região ampliou-se para todos os Figura 3. Países da ALC destacam-se como de baixo desempenho onde a origem socioeconômica tem grande impacto sobre as notas em provas. a. 2009 b. 2015 Fonte: Tabulações próprias com base em notas de provas PISA e índice socioeconômico (OCDE 2010 e 2016). Os losangos vermelhos indicam países da ALC. 7 Este índice se baseia em informação acerca da equivalente a um desvio padrão em todos os educação, ocupações e ativos do domicílio dos pais, estudantes testados pela OCDE. (OCDE, 2010) tais como o uso de uma mesa para estudar e o 8 Ferreira, F. et al. (2012). Economic Mobility and the número de livros em casa. Uma “unidade” é Rise of the Latin American Middle Class. 4 grupos. Um número maior de crianças permanece países. A mensagem mais importante, contudo, é na escola por mais tempo. Esse é um sinal positivo que, por si só, o acesso é insuficiente. São para o futuro da região. Ainda assim, é preciso necessárias medidas destinadas a elevar a trabalhar mais para chegar até à população qualidade do ensino, especialmente para mais difícil de se atingir. As crianças de domicílios crianças que vivem em condições de pobreza e rurais e indígenas enfrentam particular em domicílios de baixa renda. Sem intervenções desvantagem, com acesso limitado à que melhorem a qualidade de sua educação, o infraestrutura educacional básica em alguns ciclo de pobreza intergeracional persistir Sobre esta Nota Esta nota foi preparada pela Unidade da Prática Global de Pobreza e Equidade, América Latina e Caribe. A equipe foi composta de Natalia Garcia Pena Bersh e Liliana D. Sousa, sob a supervisão de Oscar Calvo- Gonzalez e com o apoio da Equipe de Desenvolvimento Estatístico da América Latina e Caribe. Referências Grupo Do Banco Mundial (2011). A Break with History: Fifteen Years of Inequality Reduction in Latin America. Washington, DC: Banco Mundial. Grupo Do Banco Mundial (2015). Indigenous Latin America in the Twenty-First Century. Washington, DC: Banco Mundial. Grupo Do Banco Mundial (2017). Fair progress? Educational mobility around the world. Washington, DC: Banco Mundial. Grupo Do Banco Mundial (2017b). Social gains show signs of stagnation in Latin America: Poverty and inequality monitoring in Latin America and Caribbean. Washington, DC: Banco Mundial. Ferreira, F., J. Messina, J. Rigolini, L. Lopez-Calva, M. Lugo, and R. Vakis (2012). Economic Mobility and the Rise of the Latin American Middle Class. Washington, DC: Banco Mundial. doi: 10.1596/978-0- 8213-9634-6. License: Creative Commons Attribution CC BY 3.0 Gerter, P., J. Heckman, R. Pinto, A. Zanolini, C. Vermeersch, S. Walker, S. Chang, and S. Grantham-McGregor (2014). “Labor Market Returns to an Early Childhood Stimulation Intervention in Jamaica.” Science 344(6187): 998-1001. OCDE (2010), PISA 2009 at a Glance. Paris: OCDE Publishing. OCDE (2016), PISA 2015 Results (Volume 1): Excellence and Equity in Education. Paris: OCDE Publishing. 5