Modernizando o Multilateralismo e os Mercados Robert B. Zoellick Presidente Grupo Banco Mundial The Peterson Institute for International Economics 6 de outubro de 2008 I. Olhando para o passado – Para ver à frente Como em 2018 as pessoas verão 2008? Depende do que fizermos. Setembro foi um mês difícil em um ano incerto. Um colapso nos mercados financeiros, de crediário e hipotecário. O estresse contínuo dos altos preços dos alimentos e combustíveis. Ansiedades a respeito da economia global. No último ano, a maioria das economias em desenvolvimento cresceu de forma robusta, apesar do tumulto. De fato, os principais países em desenvolvimento acionaram um motor alternativo de crescimento. Em 2007, atingiram em média um índice recorde de 7.9% no crescimento do PIB e em 2008 outro de 6,6%, talvez ainda mais impressionante. No entanto, isso não é compartilhado por todos. Uma rápida elevação dos preços dos alimentos e combustíveis está lançando os mais vulneráveis em uma zona de perigo. As pessoas estão sofrendo. As famílias estão preocupadas com o que trarão os próximos dias. Os eventos de setembro podem ser considerados como o ponto-chave para muitos países em desenvolvimento. A queda nas exportações, bem como no fluxo de capitais, provocará um declínio nos investimentos. A desaceleração do crescimento e a deterioração das condições financeiras, juntamente com o aperto monetário, trarão consigo fracassos de empresas e possivelmente emergências bancárias. Alguns países serão levados a uma crise da balança de pagamentos. Como sempre, os mais pobres são os mais indefensáveis. Embora o olhar dos americanos esteja na interseção de Wall e Main Streets, há muito mais por baixo do pano. A resposta a essas crises precisarão ser mais amplas e globais. No mundo inteiro lança-se a culpa nos mercados livres. Outros estão pondo em questão os fracassos das instituições públicas. Muitos apontarão o dedo para as falhas dos Estados Unidos, como arquiteto da economia global de hoje. Não podemos atrasar o relógio da globalização. Nem podemos permitir que a crise de hoje nos cegue para a oportunidade de amanhã. Precisamos aprender as lições do passado ao construirmos o futuro. Precisamos modernizar o multilateralismo e os mercados para uma economia mundial em evolução. A nossa globalização deve caracterizar-se pelo fato de as oportunidades e responsabilidades serem mais amplamente compartilhadas. Sem isso, podemos desenhar uma nova arquitetura, mas será um castelo de cartas. O multilaterialismo, na melhor das hipóteses, é um meio de solucionar problemas entre os países, esperando que o grupo ao redor da mesa de trabalho esteja disposto e em condições de atuar de forma construtiva em conjunto. Sou um mecânico em matéria de multilateralismo. Há mais de 20 anos estou tentando fazer o sistema internacional funcionar. Na próxima semana, durante as Reuniões Anuais do Banco Mundial-FMI, abordarei as implicações dos últimos 12 meses para o Grupo Banco Mundial. Hoje, porém, com uma crise em progresso e uma eleição em algumas semanas, traçarei um panorama mais amplo. II. Transformação na economia política global Para compreendermos a crise de hoje, precisamos considerar o que aconteceu pelo menos nos últimos 20 anos. A globalização e os mercados de hoje refletem enormes mudanças na tecnologia da informação e comunicação, fluxos financeiros e comerciais, mobilidade da mão-de-obra, interconectividade mundial – “a morte da distância� – e as forças competitivas novas e vastas. Porém nem mesmo essas transformações captam a maior mudança. Nos últimos 25 anos a economia mundial de mercado passou de cerca de um bilhão para quatro ou cinco bilhões de pessoas. A força de trabalho do mundo, ativa nos mercados de exportação, já ultrapassa a marca dos 800 milhões. São aumentos extraordinários em um período relativamente curto. São aumentos extraordinários em um período relativamente curto. A concorrência da globalização, a enorme expansão da força de trabalho global e os preços relativamente baixos dos produtos básicos uniram-se para criar algo diferente: uma Era de Ouro para os banqueiros centrais. Os efeitos da depressão do preço dessas mudanças fizeram os banqueiros centrais parecerem tecnocratas mágicos – e nós gostamos da sua mágica. Políticas monetárias mais flexíveis e uma liquidez abundante levaram os investidores a “caçar o lucro� – e uns aos outros. Os investidores emprestaram e aproveitaram-se do efeito alavanca graças a valores de ativos que pareciam sempre aumentar, sem prestar atenção ao risco do crédito, poder aquisitivo e fluxos de caixa. Os investidores não planejavam reter os ativos o tempo suficiente para esperar os lucros. Mesmo quando esperavam, a parte do investidores era “asseguradas� por garantias “apoiadas� pelos mesmos preços altos dos ativos. Quanto estouraram o balão da Internet e a longa crise imobiliária e bancária do Japão, o dilúvio da liquidez transbordou para os países em desenvolvimento, especialmente aqueles cuja moeda estava vinculada ao dólar. Os preços dos produtos básicos caíram com o colapso da União Soviética levando ao subinvestimento, especialmente no tocante ao petróleo e metais, e subiram drasticamente à medida que as economias em desenvolvimento procuravam avidamente os insumos. Os combustíveis e os alimentos tornaram-se cada vez mais vinculados uns aos outros, tanto porque a parcela de energia usada na produção e transporte de alimentos aumentou e os consumidores de alimentos e energia passaram a ser concorrentes: assomava-se uma crise de alimentos pelo petróleo. E neste ano nós presenciamos o momento em que estourou. Os preços mais altos poderiam levar cerca de 100 milhões de habitantes dos países em desenvolvimento de volta à pobreza. Arriscamos uma segunda rodada de inflação, crises da balança de pagamentos e orçamentos mais restritos. As fontes de fundos internacionais comuns de capital também estão variando. O surto de produtos básicos, especialmente para a energia, levaram a enormes retornos, culminando nos fundos de riqueza soberana. O surto de produtos básicos, especialmente para a energia, levaram a enormes retornos, culminando nos fundos de riqueza soberana. Atingidos pelo trauma de 1977-98, alguns países em desenvolvimento decidiram nunca mais arriscar novamente essa angústia e gerenciaram as taxas de câmbio para criar imensas reservas. Essas poupanças produziram outros fundos soberanos. Essas poupanças produziram outros fundos soberanos. Mudanças na força de trabalho, liquidez financeira, mercados de produtos básicos e fundos soberanos refletiram uma transformação ainda mais significativa. Novas potências econômicas estão surgindo. A participação das potências emergentes na economia global as transformou em “grupos interessados� no sistema global. A China é agora a terceira maior entidade comercial do mundo. À medida que aumenta a classe média na �sia, esses poupadores tornam-se importantes investidores no capital corporativo nos países desenvolvidos, fortalecendo ainda mais os vínculos globais. Essas potências emergentes querem ser ouvidas. Querem saber qual será seu papel na elaboração das novas regras para a economia global. Tendo demonstrado seu sucesso competitivo, essas potências emergentes suspeitam que os grupos interessados mais estabelecidos não as deixarão prosseguir, seja por meio de normas de comércio e finanças ou novas normas para a mudança climática e o meio ambiente. Por sua vez, os “interessados� dos países desenvolvidos tanto se beneficiam das mudanças como são por elas ameaçados. As economias em desenvolvimento emergentes oferecem múltiplos pólos de crescimento que ajudam sua recuperação e oferecem novas possibilidades, mas também atuam como alimento para alarmistas. De fato, diante de taxas de crescimento de, em média, 6,6% DE 1997 A 2007, cerca de 25 países da �frica Subsaariana, com quase dois terços da população da região, oferecem uma visão de ainda outro pólo de crescimento com probabilidade de se desenvolver nas próximas décadas. Isso poderia ser uma grande realização não somente para superar a pobreza e para o desenvolvimento, mas também para liberar talentos e energias não-aproveitados. Mas será um empreendimento não-realizado, salvo se tivermos a visão e a coragem para enfrentar os desafios do isolacionismo econômico em casa e oferecermos liderança para ajudar a tornar isso uma realidade. As dores e temores financeiros e econômicos reforçarão as tendências a retroceder. Alguns são de opinião que as normas do jogo – lidar com empréstimos de salvamento, taxas de câmbio, comércio, imigração e ajuda externa – os deixa de fora, mesmo se pessoas de renda mais alta aparentemente tirem proveito das mudanças. Muitos preocupam-se com o fato de que as antigas “redes de segurança� para ajudar as pessoas a se ajustarem à mudança estejam calamitosamente desatualizadas. Esta agenda – não somente as conseqüências dos salvamentos financeiros – deve ser aproveitada pelos líderes. III. Nuvens de tempestade sobre o multilateralismo e os mercados Os eventos deste ano são um alerta. Há nuvens de tempestade sobre o multilateralismo e os mercados. À medida que os preços iam para as alturas,dos mercados agrícolas começaram a quebrar sob o peso das pressões políticas. Cerca de 40 países impuseram proibições ou restrições sobre exportações de alimentos. Outros impuseram controles de preços, quebraram contratos e suspenderam o comércio. A ONU envidou um grande esforço para levar os países a dobrarem suas contribuições à assistência de alimentos para os mais necessitados. Os países pobres lutaram para conseguir sementes e fertilizantes para os agricultores. Procuraram produzir às pressas “redes de segurança� para os mais vulneráveis. A pobreza, a fome e a desnutrição aumentaram. Ao encalhar o sistema global para a agricultura, a Organização Mundial do Comércio (OMC) começou a vagar por águas perigosa. A Rodada de Doha bateu contra as pedras. As negociações para a Mudança Climática, organizadas pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, serão mais difíceis em virtude da discórdia da OMC, o que exacerbará as tensões entre economias desenvolvidas e em desenvolvimento. Nas melhores circunstâncias, essa negociação será um caminho tortuoso. Além disso, a lei de mudança climática “limite e troca� que fracassou no Senado dos Estados Unidos este ano assinala o próximo desafio para o nacionalismo e mercados. Para evitar colocar em desvantagem competitiva as indústrias sujeitas a um teto do carbono, a lei invocava proteções comerciais contra exportadores que não enfrentavam limites do carbono. Embora aumentem as necessidades, o sistema de ajuda internacional não está acompanhando o ritmo. Os doadores trazem idéias, energia e recursos, mas também sobrecarregam a responsabilidade nacional dos países em desenvolvimento, prejudicando a eficácia da ajuda. m 2006 houve mais de 70.000 transações de ajuda com um tamanho médio dos projetos de apenas US$ 1,7 milhão. No ano passado os países em desenvolvimento receberam, em média, 260 visitas de doadores. O Vietnã recebeu 752. Os governos nacionais são levados cada vez mais a prestar ajuda com sua bandeira e não por meio do multilateralismo que incentiva a coerência e constrói a responsabilidade nacional local. Mesmo assim, o G-7 como um todo está muito aquém de seus compromissos assumidos em Gleneagles para impulsionar a assistência para o desenvolvimento. Os mercados financeiros privados e as empresas continuarão a ser os impulsores mais fortes do crescimento global e do desenvolvimento. No entanto, os sistemas financeiros do mundo desenvolvido, especialmente nos Estados Unidos, têm demonstrado fraquezas clamorosas após sofrerem perdas titânicas. A arquitetura internacional, criada para lidar com essas circunstâncias, está se deteriorando. Talvez a mudança mais notável desde minha experiência no Tesouro dos Estados Unidos na década de 1980 seja a perda de sentido do G-7. Este grupo desempenhou outrora um papel inestimável na coordenação de políticas, conseguindo acordos como o de Plaza e o do Louvre. Porém, há muito tempo, as Cúpulas Econômicas têm dado prioridade à cerimônia e não à formulação de políticas. Eu ainda abrigo a esperança de que as reuniões dos Ministros das Finanças ofereçam uma orientação multilateral na abordagem dos problemas financeiros e econômicos globais. Mas esse foro está longe do que é necessário. IV. Uma Nova Rede Multilateral para uma Nova Economia Global Mesmo quando os Estados Unidos e o mundo procuram sair do buraco atual, precisamos olhar para frente: precisamos de uma Nova Rede Multilateral para uma Nova Economia Global. A geração de Bretton Woods deixou dois legados: primeiro, instituições e regimes internacionais – em diversos estados de serviços e reparo. Segundo – e mais importante – essa geração deixou um compromisso intelectual, de formação de políticas e político para agir multilateralmente no intuito de transformar os problemas de uma era em oportunidades. Alguns propõem uma abordagem para o século XXI, porém muitos estão voltando aos modelos de meados do século XX. O Novo Multilateralismo, adaptado a nossos tempos, precisará ser uma rede flexível, não um sistema fixo nem unitário. Precisa maximizar os pontos fortes de atores e instituições, tanto públicos como privados, que se interconectam e se sobrepõem. Observamos que as economias nacionais mais adaptáveis manejam os choques e as mudanças inevitáveis da forma mais eficaz; aplicando essa experiência, o sistema multilateral precisa Sr construído com base na flexibilidade. Precisa também utilizar os mercados e incentivos para organizações do setor privado e indivíduos, organizações com fins lucrativos e organizações não-governamentais da sociedade civil. O No Multilateralismo deve respeitar a soberania dos Estados, reconhecendo ao mesmo tempo que muitas questões não respeitam as fronteiras nacionais. Essa Nova Rede Multilateral precisa ser pragmática. Seu trabalho básico é promover a cooperação incentivando o intercâmbio de perspectivas sobre interesses, tanto nacionais como internacionais. Com freqüência o simples fato de compartilhar informação é um início. A seguir, precisamos incentivar a busca de interesses mútuos. Às vezes os interesses mútuos podem ser promovidos mediante incentivos – e as instituições internacionais podem tornar-se catalíticos para ação. A solução prática de problemas gera uma cultura de cooperação. Nosso Novo Multilateralismo deve ser construído com um sentido de responsabilidade compartilhada para a robustez da economia política global. Isso significa – principal e criticamente – que deve envolver os que têm um grande interesse nessa econômica, os dispostos a compartilhar responsabilidades juntamente com os benefícios de mantê-la. Precisamos redefinir o multilateralismo econômico além do enfoque tradicional no financiamento e no comércio. A economia mundial em evolução exige que pensemos de forma mais ampla. Hoje a energia, a mudança climática e a estabilização de Estados frágeis e em pós-conflito são questões econômicas. Já fazem parte da segurança internacional e do diálogo ambiental. Devem ser também a preocupação do multilateralismo econômico. V. Prioridades Um Novo Grupo de Coordenação O Novo Multilateralismo ainda dependerá principalmente da liderança nacional e da cooperação. Os países são importantes. O G-7 não está funcionando. Precisamos de um grupo melhor para uma época diferente. O G-20, embora valioso, é de difícil manejo quando se trata de passar da discussão para a ação. Precisamos de um grupo central de Ministros das Finanças que assuma a responsabilidade por prever as questões, compartilhando informação e perspectivas, examinando os interesses mútuos, mobilizando esforços para solucionar problemas e pelo menos gerenciar as diferenças. Em matéria de cooperação financeira e econômica devemos considerar um novo Grupo de Coordenação, incluindo o Brasil, China, �ndia, México, Rússia, Arábia Saudita, �frica do Sul e o atual G-7. Esse Grupo de Coordenação reuniria mais de 70% do PIB do mundo, 56% da população mundial, 62% da sua produção de energia, os principais emissores de carbono, os principais doadores para o desenvolvimento, atores principalmente regionais e os principais atores dos mercados globais de capital, produtos básicos e taxa de câmbio. Mas esse Grupo de Coordenação não seria um G-14. Não criaremos um novo mundo simplesmente refazendo o antigo. Não deve ter número, deve ser flexível e, com o tempo, poderia evoluir. Outros podem ser acrescentados, especialmente se sua influência crescente tiver como contraparte a disposição de ajudar a assumir responsabilidades. Esse novo Grupo de Coordenação deveria reunir-se regularmente, tanto em presença física como por videoconferência, a fim de promover a responsabilidade do grupo. Os Representantes deveriam manter discussões freqüentes e informais. Será apoiado por uma rede ativa de consultas bilaterais no âmbito do grupo e além dele. Precisamos de um Facebook (website de relacionamento) para a diplomacia econômica multilateral. O FMI e o Grupo Banco Mundial, talvez com a OMC, podem ajudar a apoiar esse Grupo de Coordenação. Podemos identificar problemas emergentes, fornecer análises, sugerir soluções e aproveitar a nossa própria afiliação mais ampla para propor coalizões com o objetivo de abordar questões. Os membros do Grupo de Coordenação ainda deverão trabalhar por meio de instituições e regime internacionais estabelecidos, os quais incluem outros Estados. As soberanias serão respeitadas. Mas o grupo central aumentaria a probabilidade de que os países se reunissem para abordar problemas que são maiores de que um único Estado. Precisamos desse mecanismo para que os países não fiquem entregues ao fracasso – com todas as conseqüências humanas, econômicas e políticas que isso acarreta para eles e seus vizinhos. Precisamos dele para que os problemas globais não sejam simplesmente empurrados para debaixo do tapete pós-fato, mas antecipados. Precisamos dele para desenvolver o hábito do diálogo e os relacionamentos necessários para impulsionar antes de estourar a crise. Precisamos dele para preparar soluções multilaterais. O financiamento internacional e o desenvolvimento Presenciamos o lado desagradável da conexidade Precisamos caminhar para a luz. A primeira tarefa será próxima de casa. No próximo ano haverá um grande esforço nos Estados Unidos para fazer uma revisão geral do sistema falhado de regulamentação e supervisão financeiras. Haverá necessidade de melhorias em compensação bancária e acordos. Normas sobre transparência, capital, alavancagem, contabilidade e, cada vez mais importante, liquidez, devem ser modernizadas. Precisamos perguntar por que tantas instituições tão bem reguladas e supervisionas encontraram dificuldades. Qualquer modelo baseado no risco, independentemente do grau de sofisticação e supervisão, depende criticamente dessas premissas. O que acontece quando as premissas falham? As condições em evolução que provocam o fracasso serão cada vez mais dependentes de mudanças na economia do mundo. Tal como a crise tem sido internacional devido à conexidade, as reformas deverão ser multilaterais. O Fórum de Estabilidade Financeira (FSF), aptamente presidido por Mario Draghi, do Banco da Itália, começou a enfrentar essas questões. Mas o FSF concentra-se nos países da OCDE. Seja por meio de JSF expandido, de um vínculo mais forte entre o FSF e o FMI ou do Grupo de Coordenação, essas questões de suprevisão financeira deverão ser abordadas em um contexto multilateral mais amplo. Precisamos incentivar um sistema de alerta antecipado do FMI para a economia global, focado na prevenção e não apenas na solução das crises. As ondas de choque financeiras de setembro nos Estados Unidos estão reverberando na economia global. A pura realidade é o fato de que os países em desenvolvimento devem preparar-se para uma queda no comércio, fluxos de capital, remessas e investimento interno, bem como para uma desaceleração do crescimento. Devem-se incentivar os países com posições fiscais e da balança de pagamentos sólidas a estimular a demanda interna por meio do consumo e investimento. Mas outros, com pouco espaço fiscal, déficits arriscados de conta corrente, problemas na balança de pagamentos, perigo financeiro ou todos estes quatro elementos. O FMI e os bancos de desenvolvimento deverão prestar assistência. Para alguns países maiores sob ameaça, o Grupo de Coordenação e os países amigos deveriam atuar em concerto com o FMI e com esses bancos para oferecer apoio vinculado a reformas de política que façam a economia retornar a um crescimento sustentável. O FMI deve também ter um papel constante nos sistemas de taxas de câmbio, além da supervisão. Como Jean Pisani-Ferry escreveu recentemente, uma grande parte do mundo em desenvolvimento ainda não está pronta para flutuação independente de suas moedas, devido a liberalização financeira incompleta e ansiedades a respeito do reajuste descontrolado. O FMI, apoiado pelo Grupo de Coordenação, pode oferecer mais opções, inclusive vinculações a cestas de moedas ou produtos básicos. No correr do tempo, precisamos preparar-nos para um sistema financeiro internacional com múltiplas reservas de moedas e outros ligados por diferentes vínculos de moeda. O Novo Multilateralismo deve colocar o desenvolvimento global no mesmo nível das finanças internacionais. Até construirmos uma globalização mais inclusiva, o mundo permanecerá instável, independentemente do tamanho dos pacotes de salvamento. A multipolaridade econômica oferece estabilidade e opt, tal como um portfólio diversificado de investimentos. Mas para incentivar um crescimento mais inclusivo e sustentável, precisamos pensar de forma diferente sobre a ajuda. Nas Nações Unidas, há duas semanas, os parceiros internacionais levantaram US$ 16 milhões par projetos de desenvolvimento. Esse dinheiro é vital e precisamos mais para cumprirmos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Mas também precisamos ampliar nossa abordagem. Devemos ouvir o número crescente de africanos que nos estão dizendo que querem mercados e oportunidades, não dependência da ajuda. O capital privado e os mercados continuarão a ser os impulsores do crescimento. Devemos olhar além dos projetos e programas para ver novas formas de fazer negócios no campo do desenvolvimento. Precisamos de instrumentos inovadores e intermediação para: ajudar a conectar os Fundos de Riqueza Soberana aos investimentos de capital na �frica; construir novos mercados de títulos em moeda nacional nos mercados emergentes; gerenciar os riscos do desenvolvimento por meio de mecanismos de seguros contra eventos climáticos e catastróficos e ajudar os pequenos agricultores; demonstrar a viabilidade de parceiras público-privadas de financiamento para desenvolver a infra-estrutura; e amplos tipos de assistência, desde compromissos antecipados ao desenvolvimento de produtos farmacêuticos que salvam a vida e à compra da dívida ou taxas. Construímos mercados e instituições para o médio e longo prazo. Mas o Novo Multilateralismo precisa de mecanismos para mover-se muito mais rápida e eficazmente, a fim de ajudar os mais vulneráveis ao surgir a crise. Um exemplo é o novo mecanismo de financiamento rápido do Banco Mundial no montante de US$ 1,2 bilhão para os que estão em perigo devido aos altos preços dos alimentos. Outro exemplo poderia ser a reforma da assistência alimentar humanitária. Com uma modesta modernização do apoio de doadores ao Programa Mundial de Alimentos (PMA) – tais como um financiamento central ou plurianual e uma linha de crédito – poderemos aplicar instrumentos do mercado financeiro para o PMA a gerenciar a liquidez, mercado e riscos operacionais. Em trabalho conjunto com a Organização Mundial de Meteorologia, o PMA e o BMC poderiam preparar-se melhor, reduzir custos e responder mais rapidamente. Precisamos também de um acordo de âmbito mundial não para aplicar proibições de exportação de alimentos ou impostos proibitivos às compras humanitárias, bem como um acordo para liberar estoques da reserva nacional caso ocorra um aumento excessivo dos preços devido à acumulação ou especulação. Essas ferramentas de gestão de riscos são o equivalente do século XXI à estocagem de alimentos para a segurança em épocas passadas. Mas precisamos de liderança política para quebrar velhos modelos burocráticos. O Banco Mundial deve também adaptar-se mais rapidamente para atender a novas necessidades de seus clientes e aos interesses de seus acionistas. Precisamos alinhar melhor nossa governança com as realidades do século XXI. Olhando além de nossas medidas iniciais para mudar a voz, representação e responsabilidade, convocarei uma reuinão da Comissão de Alto Nível para considerar a modernização da governança do Banco Mundial – para operarmos de forma mais dinâmica, eficiente, eficaz e legítima em uma economia política global transformada. É para mim uma satisfação o fato de Ernesto Zedillo ter concordado em dirigir esse trabalho. Pedi a Ernesto que trabalhe com os colegas no exame das questões de governança do FMI. Em 1933, em Bretton Woods, os pais fundadores do multilateralismo econômico aproveitaram o momento para construir um futuro melhor. Não devemos ser menos ambiciosos hoje. A OMC e o Sistema Global de Comércio As negociações globais de comércio de Doha na OMC estão respirando ofegantes com auxílio artififical. É vital que a OMC e um sistema global de comércio não sejam enterrados com elas As negociações comerciais continuarão em outros lugares. Recente pesquisa demonstrou de que modo as negociações do FTA são capazes de apoiar uma maior abertura dos mercados. Mas FTAs e acordos preferenciais sem base ampla podem enfraquecer a liberalização global. Elas precisam estar vinculadas a disciplinas globais. E o sistema multilateral continua a ser a única opção para eliminar a mão pesada do apoio à agricultura que deforma o comércio e que ainda está em torno de US$ 260 bilhões por ano. O litígio na OMC cria vencedores e perdedores. Se não for contrabalançado com negociações ganha-ganha, uma OMC associada apenas ao litígio provavelmente perderá apoio. Os membros da OMC precisarão levar em conta de que modo continuarão a promover a liberalização global. Uma opção é alterar a facilitação do comércio de uma negociação para um plano de desenvolvimento. Existem oportunidades para cortar custos de comércio muito além das impostas pelas tarifas e outras barreiras comerciais. Os indicadores comerciais do relatório Doing Business (Fazendo negócios) e Logística oferecem a base para o diagnóstico. Órgãos regionais como a APEC indicaram o caminho na prática. Podemos ajudar os países a simplificar e harmonizar os procedimentos e a documentação em toda a cadeia de suprimentos. Os países podem empregar técnicas de gestão do risco na inspeção de fronteiras e no desembaraço alfandegário, apoiados por processamento eletrônico. E podemos fortalecer a capacidade, tecnologia e disponibilidade do financiamento do comércio. A lógica multilateral original subjacente às negociações do GATT, que deram origem à OMC, foi a “tarifa de negociação�. Embora devesse ser do interesse econômico de um país reduzir tarifas e cortar custos, interesses políticos exigiram a “compensação� das barreiras que foram defendidas por grupos protegidos. Uma nova facilitação do comércio e agenda do desenvolvimento fazem que os interesses individuais de redução dos custos comerciais trabalhem a favor do interesse multilateral de incentivar maior integração, eficiências e oportunidades – o que significa mais empregos, mais crescimento e menos pobreza. À medida que os exportadores e importadores aumentarem seus volumes de negócios, poderão ser capazes de aumentar sua influência em favor da liberalização das negociações também. Isso é multilateralismo por meio de etapas práticas, avançando onde é possível. Energia e mudança climática A Nova Rede Multilateral deve também interligar a energia e a mudança climática. Os mercados mundiais de energia estão em desordem. Os produtores, temerosos de colapsos de preços, estão cautelosos com relação a novos investimentos. Os países consumidores desejam preços menores, mas suficientemente elevados para incentivar a preservação, eficiências, suprimentos alternativos e novas tecnologias. Os países e as pessoas mais vulneráveis são vitimados por toda a confusão – já que são atingidos por preços elevados, volatilidade de preços e mudança climática. A maior parte da produção de petróleo é hoje controlada por empresas estatais. Esses fornecedores não respondem aos sinais do mercado da mesma forma que os produtores privados. Precisamos de uma “negociação global� entre os principais produtores e consumidores de energia. A Agência Internacional de Energia organizou os consumidores da OCDE, mas não inclui todas as novas forças. Há alguns anos, a China sugeriu que os principais consumidores de energia se organizassem para lidar com mais eficácia com o cartel de produtores. Essa é uma idéia que vale a pena ser levada em consideração, embora com um propósito mais amplo. Essa negociação deve incluir, no mínimo, o compartilhamento de planos para a ampliação de suprimentos, inclusive outras opções além de petróleo e gás; a melhoria da eficiência e a diminuição da demanda; oferta de energia às pessoas de baixa renda e a avaliação de como essas políticas estão relacionadas com as políticas de produção de carbono e mudança climática. Os países desenvolvidos precisam criar e oferecer novas tecnologias ao mercado para ajudar tanto eles próprios quanto os países em desenvolvimento. Os países em desenvolvimento precisam reduzir subsídios dispendiosos e aumentar as eficiências, ao mesmo tempo em que enfrentam as instabilidades sociais. E todos devem ter interesse em evitar que os recursos energéticos desencadeiem ameaças à segurança nacional. Parte da negociação será proporcionar uma oportunidade para que os países em desenvolvimento façam investimentos de longo prazo para reduzir a vulnerabilidade diante dos preços elevados e voláteis dos combustíveis, enquanto ajudam as pessoas de baixa renda com redes de segurança. O acesso à energia precisa ser um complemento essencial dos investimentos em energia limpa. Mais de um e meio bilhão de pessoas no mundo não tem acesso à energia elétrica, inclusive cerca de 75% da população da �frica Subsaariana. A pedido dos acionistas principais, o Grupo Banco Mundial está desenvolvendo uma iniciativa de Energia para as Pessoas de Baixa Renda a fim de ajudar os países mais pobres a atenderem às necessidades de energia de formas eficientes e sustentáveis. Poderíamos pensar em ampliar a negociação global. Poderia haver um interesse comum em administrar uma faixa de preços que concilie interesses durante a transição para estratégias de menor emissão de carbono, um portfólio mais amplo de suprimentos e maior segurança internacional. Entendimentos multilaterais sobre futuros de energia – que resultam em determinação clara de preços para o carbono – também devem ser vitais para as negociações da UNFCCC sobre mudança climática. Os países temem que em um mundo de incerteza acerca dos custos de energia, tecnologias e suprimentos, um tratado sobre a mudança climática limitará seu crescimento ou flexibilidade para adaptarem-se. Uma negociação entre os principais produtores e consumidores pode opor-se a esses riscos, tornando mais fácil o comprometimento com a redução do carbono. Um acordo sobre mudança climática também precisará ter o apoio de novas ferramentas. Precisamos de novos mecanismos para apoiar o florestamento e evitar o desmatamento, desenvolver novas tecnologias e incentivar sua rápida difusão, fornecer apoio financeiro aos países mais pobres, ajudá-los na adaptação e fortalecer os mercados de carbono. Há duas semanas, para ajudar no fornecimento de recursos adicionais para esses desafios, o Banco Mundial promoveu uma reunião de comprometimento que levantou US$ 6,1 bilhões para novos Fundos de Investimento Climático. O Grupo de Coordenação deve ajudar a incentivar ações relativas à energia, ao meio ambiente e financiamento para ajudar as negociações das Nações Unidas e a implementação prática de um tratado. Estados frágeis: garantindo o desenvolvimento Em nenhum lugar do mundo a Nova Rede Multilateral é tão necessária quanto nos Estados frágeis e pós-conflito onde vive o “último bilhão�. A comunidade do desenvolvimento trata com freqüência os Estados destruídos pela fragilidade e conflito simplesmente como casos mais difíceis para o desenvolvimento. Entretanto, essas situações exigem que se olhe além da analítica do desenvolvimento para uma estrutura diferente de construção de segurança, legitimidade, governança e economia. Não se trata de segurança ou desenvolvimento comuns. Nem é o que nos acostumamos a considerar como construção ou manutenção da paz. Garantia do desenvolvimento é primeiro associar segurança e desenvolvimento para atenuar a transição do conflito para a paz e então integrar a estabilidade de modo que o desenvolvimento possa consolidar-se durante mais de uma década. Somente pela garantia do desenvolvimento podemos fixar raízes suficientemente profundas para quebrar o ciclo de fragilidade e violência. Nossa avaliação de qual a melhor forma de garantir o desenvolvimento – para sintetizar a segurança, governança e economia a fim de obter mais eficácia – ainda é modesta. Enfrentamos hiatos críticos nas competências internacionais. Em última análise, o elemento mais importante nos Estados frágeis ou pós-conflito é a população desses países. Contudo, será necessária uma assistência muito mais forte e duradoura para ajudar essas pessoas a deixarem de ser vítimas para se tornarem os principais agentes da recuperação. Além da assistência, exige novas redes de relacionamento entre forças de manutenção da paz e agentes de desenvolvimento e uma nova abordagem para a segurança. VI. Conclusão No próximo mês, os Estados Unidos elegerão um novo presidente. Este presidente precisará ir além do fogo cruzado da estabilização financeira. O enfrentamento das conseqüências econômicas será uma das principais responsabilidades da nova administração. Esta tarefa não se resume apenas à América. Ambos os candidatos têm falado sobre o fortalecimento de novos laços da América com o resto do mundo. De que modo o próximo presidente norte-americano lidará com essas questões. O destino oferece uma oportunidade envolta em uma necessidade: Modernizar o Multilateralismo e os Mercados.